Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CELSO MANATA | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO TAXA SANCIONATÓRIA EXCECIONAL FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO REQUISITOS PROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - A aplicação da taxa sancionatória excecional a que aludem os arts. 521.º, n.º 1, do CPP e 531.º do CPC pressupõe a prévia audição do condenado; II - Embora tal audição não tenha sido realizada, o STJ deve conhecer do âmbito do recurso, desde que os autos reúnam todos os elementos para tanto, em obediência ao princípio da limitação dos atos, previsto no art. 130.º do CPC e aplicável ex vi art. 4.º do CPP; III - A condenação na aludida taxa sancionatória excecional carece da verificação dos seguintes requisitos: · Fundamentação da sua concreta aplicação; · Excecionalidade dessa aplicação; · Improcedência manifesta do recurso; · Falta de prudência ou diligência devida na interposição do recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, A - Relatório A.1. Julgamento e decisão da primeira instância No dia 12 de setembro de 2023, no Juízo Local de ... – Juiz ..., procedeu-se a audiência de julgamento de AA, no processo abreviado acima referido, tendo, a final, o ... de Direito proferido os seguintes despacho e sentença: “DESPACHO Atenta a confissão livre, integral e sem reservas dos factos dos quais vem acusado, julgo os mesmos como provados, não havendo lugar à ulterior prova, passando-se de imediato às alegações finais -. artº 344º, nº 2, alínea b) do Cód. Processo Penal.” (…) “Após a Mmª Juíza procedeu à locução sobre os factos provados e não provados, a exame crítico conciso da prova e a motivação concisa de facto e de direito e à fundamentação da sanção, elementos esses recolhidos pelo sistema de gravação digital em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 53 minutos e 46 segundos e o seu termo pelas 15 horas e 55 minutos e 21 segundos. DISPOSITIVO DA SENTENÇA Pelo exposto, julga-se a acusação procedente por provada e, em consequência, o Tribunal decide: 1) Condenar o arguido AA pela prática em 26-05-2023 em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, alínea ap), 3º, nº 1, alínea f), 4º, nº 1 e 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro (na redação introduzida pela Lei nº 50/2019, de 24 de Julho), na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 12,00 (doze euros) o que perfaz a quantia € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros). 2) Custas e demais encargos pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC e ½, já reduzida a metade atenta a confissão.” A.2. Recurso do arguido Não se conformando com essa decisão, dela interpôs recurso o arguido, tendo concluindo a sua motivação da seguinte forma (transcrição integral): “CONCLUSÕES: 1. A sentença recorrida apenas dá como provado que o arguido aufere a quantia mensal de 2000€. 2. Porém, mas pesquisas feitas às bases de dados fácil seria o tribunal de concluir que o mesmo não poderia dispor de tal rendimento. 3. Fácil seria de comprovar através da análise do Consulta Beneficiário Segurança Social, feito pelo tribunal em 30/08/2023, data anterior ao julgamento e que demonstra de forma clara e inequívoca que o arguido se encontra desempregado. 4. Além disso, nos presentes autos não foi feito relatório social para aferir dessa factualidade. 5. Logo, apenas e tão só com aquela declaração quando nos autos haviam indícios que tal declaração não corresponderia à verdade não deveria o tribunal a quo ter dado como provado o rendimento mensal do arguido/recorrente em 2000€. 6. Atento isso, forçoso é concluir que, o arguido é uma pessoa desempregada e de parca condição social. 7. Impugna-se assim a decisão sobre a matéria de facto provada neste segmento da Sentença proferida na parte que consignou que “O arguido aufere a quantia mensal de 2000€ (encontra-se na gravação da diligência de julgamento datada de 11/09/2023). 8. Pois em face dos elementos constantes do processo tal facto deveria ter sido julgado como não provado, ou havendo dúvidas, ter sido requerido o relatório social do aqui arguido/recorrente. 9. Não pode o arguido concordar nem conformar-se com a pena que lhe foi aplicada, pois a mesma revela-se excessiva, desproporcional e desmedida, em total desrespeito e violação das normas que determinam a escolha e medida da pena, ínsitas nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal. 10. A arguido não tem antecedentes criminais pela prática de crime de igual natureza. 11. O artigo 40.º do Código Penal determina que a pena visa a protecção de bens jurídicos mas também a reintegração do agente na sociedade e que, em caso algum, a pena aplicada pode ultrapassar a medida da culpa. As penas têm, pois, uma dupla finalidade: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Mas tal desiderato deve ser sempre limitado pelo princípio da estrita necessidade da reacção sancionatória à medida da culpa. 12. Como nos ensina FIGUEIREDO DIAS a este respeito (in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2.ª Reimpressão, 2009, p. 84): “(...) O art.º 18.º-2 da CRP, por seu lado, deve porventura reputar-se o preceito político criminalmente mais relevante de todo o texto constitucional: vinculando a uma estreita analogia material entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídico-penais, e subordinando toda a intervenção penal a um estrito princípio de necessidade, ele obriga, por um lado, a toda a descriminalização possível; proíbe, por outro lado, qualquer criminalização dispensável, o que vale por dizer que não impõe, em via de princípio, qualquer criminalização em função exclusiva de um certo bem jurídico; e sugere, ainda por outro lado, que só razões de prevenção geral de integração, podem justificar a aplicação de reacções criminais. Este pensamento básico sobre a essência, o fundamento e o sentido de tais reacções é, porém, completado em outras duas vertentes: na necessária intervenção do princípio da culpa, como consequência da exigência incondicional de defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos art.ºs 13.º- e 25.º-1 da CRP; e no reconhecimento do princípio da socialidade que resulta, com suficiente clareza, do modelo do Estado de Direito social sem o qual a CRP não pode ser compreendida. (...)”. 13. Por outro lado, no que respeita à determinação da medida da pena, o Tribunal deve atentar no que dispõe o artigo 71.º do Código Penal. Pelo que, e no caso concreto, o Tribunal a quo deveria ter atendido ao grau de ilicitude do facto e ao modo de execução deste, à intensidade do dolo, não olvidando que, como o próprio Tribunal admite, à prática deste tipo de ilícito criminal está associado o temor de sofrer represálias; a situação económica do arguido e condições pessoais como sejam a ausência de rendimentos, e a certamente idade avançada da sua mãe. 14. A pena aplicada deve ainda obedecer ao princípio basilar que se funda na necessidade, adequação, razoabilidade e proporcionalidade. Em consonância com estes critérios, as penas aplicadas devem ser necessárias para satisfazer as exigências de prevenção, não devendo nunca ser fixada uma pena excessiva e que ultrapasse o limite do razoável e do adequado. 15. Não sendo razoável nem proporcional a pena aplicada pelo Tribunal a quo, violando o preceituado no artigo 18.º da CRP quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade da pena, deve a pena ser diminuída em conformidade com as citadas normas legais. Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser alterada e substituída por outra que colha as conclusões ora elencadas, e em consequência a condenação do arguido/recorrente seja fixada perto no mínimo legal.” A.3. Sequência processual O Ministério Público na primeira instância pronunciou-se pela improcedência do recurso, o mesmo tendo feito o Digno Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto. A.4. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto Em acórdão proferido a 21 de fevereiro de 2024 o Tribunal da Relação do Porto julgou o recurso improcedente e, concluindo que o mesmo era “um ato meramente dilatório, imprudente, abusivo e entorpecedor da ação da justiça, condenou AA, em, além de mais, “taxa sancionatória excecional, que se mostr(ou) adequado fixar, em 2 (duas) UCs – arts. 521º, nº 1, do CPP, 531º do CPC, e 10º do RCP”. A fundamentação desse acórdão é a seguinte (transcrição integral): “2. FUNDAMENTAÇÃO Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, in www.dgsi.pt. “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”. Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões que supra se deixaram transcritas, as questões a apreciar no presente recurso prendem-se com: - Impugnação da matéria de facto provada na parte que consignou que “O arguido aufere a quantia mensal de €2.000,00”. - A excessividade da medida da pena e que, por isso, deve ser reduzida – até pela questão do facto que se requer que se dê como não provado, estando reunidas as condições para que o tribunal recorrido atenuasse especialmente a pena, em conformidade com o estatuído no art. 72º do CP. * Com relevo para a resolução da questão objeto do presente recurso importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida e a respetiva fundamentação que se transcreve: Os factos dados como provados: 1.º No passado dia 26 de Maio de 2023, pela 04H00m, no âmbito da realização de uma fiscalização rodoviária a um motociclo eléctrico, então conduzido pelo arguido AA na Rua, neste concelho de ..., veio a ser apreendido, na posse deste último, no interior do bolso esquerdo do casaco que envergava, a) um «boxer»/soqueira, com 11,3cm de comprimento, 7,9cm de altura e 1,57cm de espessura, com quatro orifícios circulares com 2,41cm de diâmetro – próprios para a introdução de dedos de uma mão com excepção do polegar - composto exclusivamente, por uma liga metálica; 2.º O arguido AA, contudo, não possuía a necessária e impreterível licença/autorização para a detenção de tal «boxer»/soqueira; 3.º O arguido AA bem sabia, porém, que o aludido «boxer»/soqueira, era pelas suas evidentes características, as quais conhecia, uma arma e instrumento de agressão e, por conseguinte, uma arma proibida, cuja detenção se lhe encontrava vedada e que, como tal, não o podia deter na sua posse sem que para tal tivesse a imprescindível licença de detenção e autorização, a qual, por conseguinte, se lhe encontrava, legalmente, vedada; 4.º Agiu ainda o arguido AA, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era contrária ao direito e criminalmente punível; Mais se provou que o arguido foi condenado: - no PCC nº 111/15.8... por decisão proferida em 29/04/2016 transitada em julgado em 30/05/2016 pela prática em 05/06/2015 de um crime de roubo na forma tentada na pena de três meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano. - no PCS nº 485/16.3... por decisão proferida em 08/06/2017 transitada em julgado em 13/11/2017 pela prática em 29/08/2016 de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 7,00. - no PCS nº 717/17.0... por decisão proferida em 14/01/2019 transitada em julgado em 13/02/2019 pela prática em 05/06/2017 de um crime de dano simples na pena de 4 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. Quanto às condições pessoais do arguido: O arguido trabalha como ... desde há cerca de 2 anos. Reside em casa arrendada que partilha com um colega, cabendo-lhe a renda de €250,00 por mês. Aufere em média o rendimento de 2 mil euros. Tem o 9º ano de escolaridade. * O tribunal atendeu às declarações do arguido que confessou os factos integralmente e sem reservas, ao CRC do arguido e em relação às condições pessoais atendeu às suas declarações. Progredindo para a apreciação do mérito do recurso: - Impugnação da matéria de facto provada na parte que consignou que “O arguido aufere a quantia mensal de €2.000,00” O recorrente impugna o assinalado facto, entendendo que o mesmo deve ser dado como não provado, apesar de ter prestado declarações em juízo e resultou por este dito que auferia o rendimento mensal de €2000. Porém, alega que das pesquisas feitas às bases de dados fácil seria o tribunal de concluir que o mesmo não poderia dispor de tal rendimento, até porque, o que faz são uns “biscates”. E acrescenta que fácil seria de comprovar através da análise do Consulta Beneficiário Segurança Social, feito pelo tribunal em 30/08/2023, data anterior ao julgamento e que demonstra de forma clara e inequívoca que o arguido se encontra desempregado. Além disso, nos presentes autos não foi feito relatório social para aferir dessa factualidade. Logo, apenas e tão só com aquela declaração quando nos autos haviam indícios que tal declaração não corresponderia à verdade não deveria o tribunal a quo ter dado como provado o rendimento mensal do arguido/recorrente em 2000€. Atento isso, forçoso é concluir que, o arguido é uma pessoa desempregada e de parca condição social. Vejamos. O recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância. A reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos probatórios constantes do processo, ou se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitirem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto: no recurso da decisão da matéria de facto interessa apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não obter uma nova convicção do tribunal ad quem em resultado da apreciação de toda a prova produzida. Embora a decisão da matéria de facto possa ser sindicada por iniciativa de recorrentes interessados, mediante prévio cumprimento dos requisitos previstos no art. 412º, 3 e 4, do CPP, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, a reapreciação da prova é balizada pelos pontos questionados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja ratio legis assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar: - os pontos sob censura na decisão recorrida; e - as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no art. 364º, 2, do CPP e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas. Por conseguinte, impõe-se apurar se o meio probatório sindicado sustenta a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova. Feito o necessário enquadramento cumpre agora examinar a questão suscitada. O facto que o recorrente pretende que seja considerado não provado foi objeto de prova, concretamente as declarações por aquele prestadas quando questionado acerca das suas condições sócio económicas. (declarações prestadas em sede de ADJ de 11.09.2023, minuto 03:42 ao minuto 06:28). Por conseguinte, no que concerne às condições pessoais e à situação económica e financeira actuais do arguido, o Tribunal estribou-se nas suas próprias declarações, que foram valoradas como credíveis e sinceras, como aliás sucedeu em relação aos demais factos atinentes ao crime praticado, que o arguido confessou integralmente e sem reservas. Pelo que e desde já se adianta que nada há que anule, nem apague o que ficou dito e sobejamente gravado no julgamento. O que afirmou em audiência deve ser valorado na sua totalidade. Assim, o arguido prestou declarações sobre o objecto do processo, no início do seu julgamento e fê-lo de forma legítima e legalmente válida. Prestou declarações também quando questionado acerca das suas condições sócio económicas, e será o próprio, mais do que ninguém a conhecer a sua situação económico-financeira, quer na vertente dos rendimentos, quer das despesas. Obviamente que o arguido respondeu com prontidão acerca dos aludidos aspectos, sem cuidar de avaliar se tais declarações, que o tribunal considerou suficientemente credíveis, eram compatíveis com a situação declarada ao fisco, o que aliás não causa qualquer estranheza, pois estamos bem cientes do peso da economia paralela. Mais se diga que o documento a que alude em recurso - Consulta Beneficiário Segurança Social, feito pelo tribunal em 30/08/2023 – não prova que o arguido é uma pessoa desempregada e de parca condição social como pretende agora fazer crer, mas apenas que a última remuneração declarada á Segurança Social data de julho de 2022. Sendo que uma realidade é o rendimento coletável e outra é o rendimento real, tendo o facto provado apurado este último. Não há incerteza que declarou que sempre trabalhou, actualmente por conta própria, ..., há cerca de dois anos. Recebe em média 2 mil euros, por mês, já com as contas pagas, é o que leva para casa, tem como despesa fixa o valor de €250,00, a título de renda, dividindo residência com outra pessoa. Nessa medida, foi sob o impulso do arguido que se apuraram os anteditos factos, e que por existirem dúvidas, se deu como assente o sobredito rendimento. Foi por isso tal factualidade vertida no elenco dos factos provados. Mais se diga que à luz do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração, podendo em relação às declarações do arguido dar-lhes ou não crédito. In casu, não se vislumbraram razões para o tribunal recorrido suspeitar da veracidade ou do carácter livre das declarações confessórias e das concernentes às suas condições sócio económicas, e nessa decorrência valorizou-as, as quais tiveram um caracter decisivo na formação da sua convicção. E porque o arguido decidiu colaborar nesse particular, não se afigurou ao tribunal recorrido necessário fazer averiguações suplementares sobre as suas condições socioeconómicas e familiares, mormente por recurso a relatório social – ou uma sumária informação social – previsto no art. 370º do CPP. Daí que, tendo o arguido mantido um normal diálogo com a Mmª Juiz a quo, não só quando prestou declarações sobre o objeto do processo, mas também, quando questionado, sobre as suas condições sociais e económicas, tais declarações, foram nessa parte valoradas, como tinham que ser, fundamentaram os factos provados quanto às referidas condições. Por seu turno, não há, nem houve durante o julgamento, quaisquer razões para considerar que o arguido não percebeu o que lhe fora dito e perguntado, ou que tenha respondido incorretamente às questões que lhe foram colocadas. Por conseguinte, conclui-se pelo demérito dos argumentos aduzidos pelo recorrente. Tanto basta para a improcedência da impugnação efetuada. - A excessividade da medida da pena e que, por isso, deve ser reduzida – até pela questão do facto que se requer que se dê como não provado, estando reunidas as condições para que o tribunal recorrido atenuasse especialmente a pena, em conformidade com o estatuído no art. 72º do CP. Avançando para as demais questões propostas no recurso, entende o recorrente estavam reunidas as condições para que o tribunal recorrido atenuasse especialmente a pena, em conformidade com o estatuído no art. 72º do Código Penal, até pela sua confissão integral e sem reserva dos factos com relevância criminal. E ainda que assim não se considerasse, acrescenta, o recorrente tem ainda a considerar que a determinação da pena pelo Tribunal extrapola os motivos de prevenção especial da pena, que não respeita, em simultâneo, a medida da culpa do ora recorrente. Mais refere que não tem antecedentes criminais pela prática de crime de igual natureza e não sendo razoável nem proporcional a pena aplicada pelo Tribunal a quo, violando o preceituado no artigo 18.º da CRP quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade da pena, deve a pena ser diminuída para próximo do mínimo legal, remata o recorrente. O recorrente preconiza dever beneficiar da atenuação especial da medida da pena, por referência ao art. 72º, alegando essencialmente que confessou integralmente e sem reservas a prática do crime pelo qual vinha acusado e foi julgado. Ora, dispõe o nº 1 do antedito normativo que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, exemplificando-se, no seu n.º 2, circunstâncias que são susceptíveis de relevar para esse efeito. Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 305, princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção. Trata-se, assim, da consagração de circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” – o que aliás o recorrente aceita - perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas. Visa, então, casos que revestem uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena. Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla. – vide Ac. do STJ de 10.06.2021 proferido no Proc. nº 401/20.8PAVNF.S1 acessível in www.dgsi.pt. Em suma, a atenuação especial da pena está reservada para os casos extraordinários ou excecionais. Para a generalidade dos casos a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes, reclama, manifestamente, uma pena inferior, o que se impõe em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. O seu carácter eminentemente excepcional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas. Transpondo estes ensinamentos para a situação em análise, é manifesto que é de rejeitar que o recorrente usufrua dessa atenuação especial, uma vez que não se mostra preenchida condição alguma que se apresente como tendente a diminuição, e acentuada como seria necessário, da ilicitude e/ou culpa, prevista no nº 2 do art. 72º ou outra qualquer. Aceitando-se, e assim tendo tribunal a quo considerado, que o grau de intensidade do ilícito não foi elevado, não é ainda assim bastante para perspectivar a adequação da excepcionalidade de que a atenuação especial se reveste. O mesmo se diga dos factores apontados pelo recorrente – em realidade aponta apenas para a confissão integral e sem reservas – que igualmente não servem esse desiderato. Não pode haver, pois, lugar a atenuação especial da pena. Improcede este concreto segmento do recurso. * Já no que respeita à redução da medida concreta da pena: Fazendo-se apenas valer do argumento de que não tem antecedentes criminais pela prática de crime de igual natureza, defende que a pena se revela excessiva, desproporcional e desmedida, em total desrespeito e violação das normas que determinam a escolha e medida da pena, ínsitas nos arts. 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal. Alude ainda (apenas nas conclusões do recurso) que à prática deste tipo de ilícito criminal está associado o temor de sofrer represálias; a situação económica do arguido e condições pessoais como sejam a ausência de rendimentos, e a certamente idade avançada da sua mãe. Como é bom de ver, nem o arguido é pessoa desempregada, e inexiste nos autos qualquer facto relacionado com a sua mãe. Mas vejamos. Como emerge do art. 40º, n.º 1, do CP, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP). A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal). E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial. A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente. As finalidades das penas - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização - conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime. Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244, a propósito do critério da prevenção geral positiva, “A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais”. E, relativamente ao critério da prevenção especial, acrescenta o citado Autor, “Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...). A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena”. A medida da pena corresponderá, então, a um quantum que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Assim, no caso vertente, será a finalidade de tutela e protecção do bem jurídico em causa - segurança e tranquilidade públicas - que há-de constituir o motivo fundamento da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade da norma, que a prevenção geral impõe, sendo de destacar, em concreto, as relevantes exigências de prevenção geral, atenta a frequência de delitos da natureza daquele que o recorrente cometeu, potenciando sentimentos de insegurança na sociedade. Com efeito, o bem jurídico tutelado é a ordem, segurança e tranquilidade pública, ou seja, a segurança da comunidade, face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, para o qual o legislador estabeleceu várias molduras penais, em função da perigosidade dos materiais e objectos. Isto dito, importa ainda referir que, no que à aplicação da pena de multa tange, acolhendo o ensinamento de Figueiredo Dias in ob. citada, p. 119, indispensável é que “a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada… com a clara consciência tanto para o legislador, como para o juiz, de que o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições socioeconómicas…”. Regressando ao caso vertente, dir-se-á primeiramente que se revela acertada a opção pela pena de multa ante o estipulado no art. 70º do Código Penal e face à moldura aplicável entre 10 e 480 dias de pena de multa – art. 47º, nº1 do CP, podemos desde já adiantar que, face ao condicionalismo que a factualidade apurada permite efetuar no seio do citado art. 71º, a pena aplicada pelo tribunal recorrido - 120 (cento e vinte) dias de multa - se mostra perfeitamente doseada e adequada no caso concreto, bem como salvaguarda as necessidades de prevenção geral e especial que urge acautelar. Com efeito, atentos os já enunciados princípios que norteiam a determinação da medida das penas, quer por referência ao limite da culpa, quer por referência às necessidades de prevenção (geral de prevenção e especial de socialização), relembra-se que o tribunal recorrido valorou o grau de ilicitude dos factos – mediano – e a intensidade do dolo na sua forma mais elevada de dolo directo, e todo o demais circunstancialismo apurado, sendo certo que as exigências de prevenção especial não são assaz reduzidas, pois, não obstante denotar estar inserido social e profissionalmente, possui os antecedentes criminais vertidos na sentença, ainda que não por crime da mesma natureza. O tribunal atentou por isso nos factores reputados como favoráveis ao recorrente (as convocadas circunstâncias atenuantes), isto é, à sua confissão, às suas condições pessoais e na ausência de antecedentes criminais deste tipo legal de crime. Na verdade, a medida da prisão em 120 dias situou-se bem distante do ponto médio da moldura abstrata e não consente, de modo algum, a sua redução. Do que resulta evidente que o tribunal recorrido valorou todos e cada um dos aspetos que aqui se impunha apreciar, não se vislumbrando qualquer exagero na encetada valoração. Falece, assim, a aduzida argumentação recursiva. De todo o modo, considerando a moldura abstrata da pena de multa em causa, obviamente, respeitados que foram os sobreditos critérios que norteiam a aplicação das penas, sem esquecer o caráter de penosidade que as condenações haverão de conter, sob pena de se tornar inerte e, por isso, socialmente incompreendida a própria sanção aplicada, e ainda que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção. No elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/6/2010, aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9 GNPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt., sustentou-se que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”, sendo este o entendimento que sufragamos. Ora porque não ocorreu tal desrespeito, não se vislumbra que a pena de multa aplicada seja exagerada, desproporcionada e/ou injusta, pelo que deverá manter-se. E no que tange ao montante da taxa diária de € 12,00 (doze euros) fixada pelo tribunal recorrido, também neste aspeto, não colhe a pretensão do recorrente em face das demonstradas condições pessoais e da sua situação económica. O recorrente tem rendimentos bem acima do salário mínimo nacional, pelo que não pode beneficiar do mínimo legal previsto, que só terá cabimento para os casos de carência económica extrema e tão pouco demonstrou despesas/gastos significativos. Deste modo, nenhum excesso ou desproporção se deteta na fixação do quantitativo diário da pena de multa – que deverá corresponder a uma quantia entre 5 e 500 euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, nos termos previstos pelo art. 47º, nº 2, do CP. Donde, e para além de a situação económico-financeira do recorrente se revelar desafogada, não ficou demonstrado que suporta despesas de monta, para além daquelas com que qualquer pessoa normalmente tem que contar na gestão da sua vida diária. Concluímos, pois, que o tribunal a quo se decidiu pela aplicação de pena de multa adequada e proporcionada à situação vertente, mostrando-se outrossim ajustada a fixação do quantitativo diário, respeitando o disposto nos arts. 40º, 47º, 70º e 71º, todos do CP. Em conformidade, nada cumpre alterar em relação ao decidido pela 1ª instância. Destarte, improcede, igualmente sob este aspecto, a pretensão recursiva, e o recurso na totalidade. Taxa sancionatória excecional Nos termos do art. 521º, nº 1 do CPP, “À prática de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional.” Por outro lado, dispõe o art. 531º do Código de Processo Civil que esta sanção é aplicada por despacho fundamentado “quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”. A taxa sancionatória excecional, de acordo com o disposto no art. 10º do Regulamento das Custas Processuais, pode ser fixada entre 2 e 15 UC. A finalidade desta taxa sancionatória excecional é a de contribuir para a economia processual e celeridade da justiça, instituindo um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, bloqueiam os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02. Com este instituto visa-se sobretudo evitar a prática de atos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insuscetíveis de conduzir ao resultado pretendido ou sendo jurídico-processualmente estéreis não poderem produzir a qualquer efeito processual útil, para além claro da aptidão para desencadearem o mecanismo da taxa sancionatória excecional. São pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excecional: - a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, revelando uma natureza meramente dilatória; - a atuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta; - o seu efeito dilatório. Vide Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, p. 1274-1275); o Ac. do STJ de 09-05-2019 (Conceição Gomes) e o Ac. TRC de 19-12-2018 (Maria José Nogueira), in www.dgsi.pt, afirmando este que a taxa sancionatória excecional, prevista nos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC, e 10.º do RCP, não pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte. A utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva integram a previsão do art. 531º do CPC, pois constituem a prática de atos meramente dilatórios completamente infundados. Para concluir pela utilização abusiva de meios processuais deve o Tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais. Só neste último caso se justificando o sancionamento nos termos do citado artigo 531.º, do Código Processo Civil - vide neste sentido o Ac. STJ de 29-05-2019 (Maia Costa), in dgs.pt. No caso vertente, como ficou bem patente, o recorrente questiona/impugna no recurso factualidade que o próprio confirmou em julgamento. Pelo que vem agora num claro venire contra factum proprium fazer uso manifestamente abusivo do direito ao recurso sobre a matéria de facto, impugnando o que antes reconheceu/admitiu em julgamento como verdadeiro. O arguido age inegavelmente com má-fé processual por inaceitável uso abusivo do recurso sobre a matéria de facto. Insiste-se, não é aceitável a utilização dos instrumentos recursórios em situação de incompatibilidade com o respeito pelos princípios da boa-fé e da cooperação processuais e da diligência e prudência minimamente exigíveis. Deste modo, nessa parte o recurso interposto pelo arguido mais não é do que um ato meramente dilatório, imprudente, abusivo e entorpecedor da ação da justiça. Determina-se, pois, a condenação da recorrente em taxa sancionatória excecional, que se mostra adequado fixar, em 2 (duas) UCs – arts. 521º, nº 1, do CPP, 531º do CPC, e 10º do RCP. O benefício do apoio judiciário não abrange a responsabilidade pelo pagamento de multas, penalidades ou taxa sancionatória excecional, que não constituem qualquer encargo ou custo do processo, mas sim penalidade por comportamento indevido no processo (violação da lei na regular tramitação do processo) – arts. 27º, nº 4 e 28º, nº 4, do RCP.” 3. DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência confirmar integralmente a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs (art. 513º, nº1, do CPP). Mais se condena o arguido recorrente em 2 (duas) UCs de taxa sancionatória excecional – arts. 521º, n.º 1, do CPP, 531º do CPC, e 10º do RCP.” A.5. Recurso do arguido O arguido também não se conformou com essa decisão, pelo que dela recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição integral): “1. O arguido pretende, antes de mais, esclarecer que, em momento algum, ousou equacionar que, ao interpor o recurso, faria um uso reprovável do processo, pois que, d’outra forma, jamais o teria feito. 2. Respeita o Tribunal, o processo, cada um dos seus intervenientes e apresentou recurso da decisão de primeira instância, por acreditar que o fazia legitimamente. 3. Não se conforma, contudo, com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2024 proferido nestes autos, na parte que o condenou no pagamento de taxa sancionatória excepcional, que fixou em 2 UCs, nos termos dos artigos 531.º do CPC, 521.º CPP e 10.º do RCP 4. Esta decisão foi proferida na sequência do recurso da sentença condenatória que o recorrente interpôs, ao abrigo do disposto no art.399º, 410º, 411º, 412º do CPP e art. 32º, nº 1 da CRP 5. Fê-lo, não como manobra dilatória ou utilizando um expediente processual abusivo, mas por entender que a sentença proferida não fez a melhor apreciação da prova sobre as suas condições socioeconómicas para determinação da medida da pena e que face da ausência de relatório social não foi uma decisão justa pois tais elementos não eram corroborados por outor elementos de prova. 6. Em primeiro lugar e s.m.o., a decisão recorrida não cumpre com as acrescidas exigências defundamentação queos art. 97º, nº 5, 521º do CPP e531º do CPC impõem, ao aplicar uma taxasancionatóriaqueé excecional, pois que, o Tribunal aquo não logra demonstrar de que forma o comportamento do recorrente integra o conceito de “manifestamenteimprocedente”ede“faltadeprudência ediligência”. Aindaqueassim se não entenda, não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação de uma taxa sancionatória especial, pois que, a defesa de uma perspetiva dos factos e do direito diversa daquela que a sentença acolheu, não implica utilização abusiva do processo, nem qualquer manobra dilatória. 7. Nada permite concluir que o recorrente tenha, com a apresentação do recurso, visado desígnios alheios à realização da justiça criminal. 8. A taxa sancionatória excecional deve ser aplicada com a maior das cautelas, sob pena de ser apta a limitar os direitos dos sujeitos processuais que, receosos da sua aplicação, ficam em silêncio, acatando decisões que consideram injustas, quando têm meios processuais ao seu dispor para reagir. 9. O Recorrente fez uma utilização normal e adequada dos meios processuais ao seu dispor para defender os seus direitos, lançando mão do único expediente ao seu alcance para reagir contra sentença proferida: o recurso. 10. A interposição de um recurso perfilhando entendimento distinto do acolhido em acórdão fixador de jurisprudência não constitui fundamento para aplicação de taxa sancionatória excecional. 11. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.531.º do CPC, 521.º CPP, 10.º do RCP, 399º, 410º, 411º, 412º do CPP e art. 20º e 32º, nº 1 da CRP. 12. Quando assim se não entenda, sem prescindir, considerando a situação social e económica do arguido que vem dada por provada na sentença, bem como o quantum da multa que lhe foi aplicada, a aplicação de uma taxa sancionatória excecional de 2UCs revela-se desproporcionada, considerando a moldura abstrata (entre 2 e 15UC). 13. Deste modo, e tendo o arguido e aqui recorrente a convicção que a sentença de 1.ª instancia enferma do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão e que tal facto dos factos dados como provados na sentença de 1.ª instancia não puder ser dadacomo provada, não erado pontodevisto do recorrente uma decisão jurídica criteriosa [artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP] – [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 17.10.2002, CJ, ASTJ, X, T. III, pág. 207; de 29.04.2003, proc. n.º 03P756; 06.11.2003, proc. n.º 03P3370; 11.11.2004, proc. n.º 3261/04], o que careceria de determinar o reenvio – ainda que parcial - do processo para uma reabertura da audiência, a incidir exclusivamente sobre as questões supra identificadas, mas que parece não ter sido esta a opinião dos Exm.ºs Srs. Doutores Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto que se bastaram com uma parca fundamentação para aplicação da taxa sancionatória especial sem se aperceberem e indagarem sobre todo o quadro factual e normativo, no entender e s. m. o., do aqui recorrente. Termos em que, V. Exas., Venerandos Conselheiros, sempre com o um e. Douto suprimento, acolhendo a motivação e conclusões que antecedem e revogando a decisão recorrida, farão a costumada JUSTIÇA.” A.6. O Ministério Público junto daquele Venerando Tribunal apresentou resposta, na qual faz uma síntese dos factos registados no complexo processual em que se insere o presente recurso e conclui pela improcedência do recurso, designadamente com a seguinte argumentação: “Ora, como se refere de modo expresso e claro no acórdão desta Relação do qual se recorre, o arguido em audiência de discussão e julgamento e quando questionado relativamente às suas condições pessoais e económicas, declarou ter um rendimento mensal de cerca de 2 mil euros na sua actividade de ..., deduzidas já as despesas fixas. Tendo sido o arguido a fornecer tais dados sobre os seus rendimentos mensais, à data da audiência de discussão e julgamento e tendo sido inequívocas as perguntas que lhe foram colocadas a esse respeito e inequívocas as suas respostas a tais questões, conforme devidamente gravado, outra conclusão não poderia ser retirada no que diz respeito à impugnação defacto feitaaesse propósitopelo arguido/Recorrente, ou seja, adequeo mesmo pretendeu fazer uso de informação junta aos autos pelo ISS para tentar contrariar as suas próprias declarações e desse modo adiar o cumprimento da pena de multa em que foi condenado. O arguido ao contestar o facto dado como provado quanto aos seus rendimentos, pretendendo que esse facto seja alterado com possíveis averiguações por parte do Tribunal, não mais pretende do que contestar informações que o próprio forneceu, não se traduzindo tal actuação no exercício de um direito de defesa e de sindicância relativamente a decisão que o mesmo considera incorrecta e injusta e que o possa afectar, mas sim numa tentativa de dar “o dito por não dito”, em seu benefício ilegítimo, consequência que o mesmo não podia, nem pode, ignorar. Se as citações jurisprudenciais sobre o alcance e interpretação que pode ser dada ao artigo 531.º do CPC, nomeadamente, trazidas pelo arguido sobre acórdãos deste Supremo Tribunal, poderiam ser pertinentes para a sustentação do caracter parcimónico e residual da sanção pecuniária prevista nesse normativo, entendimento reforçado em sede de processo penal, no caso concreto,tais citações sustentam, ao contrário,a aplicação ao caso concreto dessa sanção pecuniária excepcional, pois, o arguido, de facto, utilizou abusivamente o seu direito a recorrer da decisão condenatória que lhe era desfavorável no que dizia respeito à medida concreta da pena e ao quantum da taxa diária aplicada à pena de multa aplicada, para tentar alterar uma factualidade baseada nas suas próprias declarações. Com esta impugnação, trazida em sede de Recurso, pretendia o arguido que o Tribunal a quo voltasse “atrás”, ordenando a realização de inquérito social ou outras diligências para averiguação de factos que o próprio forneceu em sede de julgamento, o que manifestamente demonstra a intenção de abusivamente retardar o cumprimento da pena de multa em que foi condenado. Reitera-se, pois, o entendimento no sentido da improcedência do recurso.” A.7. Parecer do Ministério Público no STJ Neste Supremo Tribunal de Justiça o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto apresentou mui douto parecer no qual conclui pela não procedência do recurso e suscita a seguinte questão, “quanto à correção processual da aplicação da referida taxa sancionatória excecional” (transcrição integral do segmento referido): “B. Já quanto à correção processual da aplicação da referida taxa sancionatória excecional, importa analisar os respetivos termos: - Resulta do disposto no artigo 531.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do prescrito no artigo 521.º do Código de Processo Penal, que constituem pressupostos de verificação indispensável para efeitos de aplicação da taxa sancionatória excecional a manifesta improcedência da pretensão do sujeito processual e a sua atuação imprudente, desprovida da diligência exigível e, como tal, censurável. - Ainda que se possa aceitar como bem fundada a valoração do comportamento processual do recorrente, quanto à parte em que questionou factos que ele próprio confirmou em julgamento relativos à sua situação económica, comportamento demonstrativo de má-fé processual, desrespeito pelo princípio da cooperação processual, diligência e prudência exigíveis e, assim, censurável pelo uso abusivo do recurso em matéria de facto como foram qualificados pelo acórdão recorrido e que são depois secundados nas alegações do Ministério Público em 2.ª instância que, nessa parte, se acompanham, afigura se nos que a condenação do recorrente nessa taxa, ainda que não se mostre excessiva ou desproporcional e corresponda ao mínimo legal (artigo 10.º, do RCP), exigia, como pressuposto, a prévia audição do condenado. - Diz o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 3 2019, no processo n.º 7623/14.9TDLSB.L1-A.S1 que I – A aplicação da taxa sancionatória excecional prevista no art. 531.º do CPC pressupõe a prévia audição do condenado. II – O princípio constitucional do contraditório e do direito de defesa, enquanto garantes do direito a um processo equitativo consagrado no citado art. 20.º, n.º 4 da CRP, exigem que seja proporcionada ao participante processual a oportunidade de ser ouvido e de expor as suas razões antes de ser proferida a decisão que o afete, máxime a decisão que, como no caso, importe a sua condenação. III – Não tendo assim acontecido no caso vertente, a norma do art. 531.º do CPC na interpretação que dela se fez na decisão recorrida resulta, pois, inconstitucional e, como tal, não poderá, de acordo com o disposto no art. 204.º da CRP, ser aplicada pelos tribunais, designadamente por este STJ. IV – Prevendo-se no ordenamento jurídico mecanismos adequados a eliminar as disposições legais que contrariem normas constitucionais, mal se compreenderia que se admitisse a possibilidade de um acto processual, praticado com desrespeito de preceitos que tutelam princípios constitucionais, persistisse numa situação como a vertente em que o vício havido, e consistente na falta de audição prévia do condenado, afeta inexoravelmente o próprio ato processual na sua validade. V – Tal omissão de audição integra, no mínimo, uma irregularidade que, por afetar a validade da decisão que condenou o recorrente na referida taxa sancionatória excecional, impõe que, nos termos do art. 123.º, n.º 2, do CPP, oficiosamente se determine a sua reparação. - Entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 652/2017, a propósito da necessidade de audiência prévia do interessado, invoca os seguintes argumentos, além de referenciar outras decisões no mesmo sentido: “Nesta matéria e recordando que as regras atinentes à aplicação de uma taxa sancionatória excecional têm natureza análoga à das normas que regulam a litigância de má fé , é possível convocar jurisprudência do Tribunal que, concretizando o direito de defesa e de contraditório contidos no direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º da CRP, tem concluído de um modo uniforme que a decisão que aplica aquela sanção processual pressupõe a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente quanto à condenação prevista como possível. Neste sentido, podem ler-se, designadamente, os Acórdãos n.ºs 440/94, 103/95, 357/98 e 289/2002. A este propósito, sintetizou-se no Acórdão n.º 357/98 o seguinte: “(…) A única norma questionada no presente recurso é a do artigo 456º, nº 2, do Código de Processo Civil (e anteriormente às alterações introduzidas no Código em 1995 e 1996), com relação à litigância de má-fé e à responsabilidade das partes nessa litigância. Norma de que se serviu o acórdão recorrido - citando-a expressamente - para a aplicar oficiosamente à situação da recorrente, condenando esta como litigante de má-fé "no pagamento de quinze unidades de conta". E, talqualmente se expressa a mesma recorrente, "sem audição prévia das partes e sem exercício do contraditório, pois a recorrente nunca foi notificada para se pronunciar sobre a possibilidade de uma decisão nesse sentido” (…) Sobre as normas dos n.ºs 1 e 2 daquele artigo 456.º pronunciou-se já o Tribunal Constitucional no acórdão nº 440/94, publicado no Diário da República, II Série, n.º 202, de 1 de setembro de 1994, não as julgando inconstitucionais, "na parte relativa à condenação em multa por litigância de má fé, desde que interpretadas no sentido de tal condenação estar condicionada pela prévia audição dos interessados sobre tal matéria" (alínea b) da decisão), com a seguinte e essencial fundamentação e respondendo à pergunta: ”mas será que a não audição do interessado e a consequente eliminação do seu direito de defesa são geradoras de lesão constitucional?”: Definido, assim, o conteúdo genérico do direito fundamental de acesso aos tribunais, que leva implicada a proibição da indefesa, tem-se por seguro que o regime instituído nas normas do artigo 456º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não pressupor a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível condenação, padecerá de inconstitucionalidade, por ofensa daquele princípio constitucional. Com efeito, semelhante interpretação priva por completo o interessado de poder apresentar perante o tribunal qualquer tipo de defesa, acabando por ser confrontado com uma decisão condenatória cujos fundamentos de facto e de direito não teve oportunidade de contraditar. Mas não resulta imperativo que tais preceitos hajam necessariamente de ser julgados inconstitucionais, já que, mostrando-se embora incompatível com a Lei Fundamental a interpretação que lhes foi dada na decisão recorrida, outra existe que os torna constitucionalmente comportáveis. Com efeito, mostra-se possível e adequada uma interpretação de conformidade constitucional daquelas normas, em termos de condicionar o juízo de condenação ali previsto à prévia notificação do litigante suspeitado de má-fé processual, concedendo-lhe um prazo para nos autos responder o que tiver por conveniente. Com este sentido e alcance, não subsiste naquelas normas qualquer vício constitucional”. O mesmo discurso argumentativo foi retomado no acórdão n.º 103/95, publicado no Diário da República, II Série, n.º 138, de 17 de junho de 1995, ainda que a propósito de outra norma a do artigo 458.º do mesmo Código – e nestes termos:” A condenação por litigância de má fé só deve, obviamente, ter lugar, dando-se à parte (ou, sendo o caso, ao seu representante), antes de assim ser condenada, a oportunidade de se defender, para o que tem que ser, previamente, ouvida. Ou seja: uma tal condenação exige que se observe, no processo, o princípio do contraditório, que no dizer de MANUEL DE ANDRADE (Noções Elementares de Processo Civil cit., páginas 364 e 365) está ao serviço do princípio da igualdade das partes e consiste em que 'cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras'. O princípio do contraditório, embora não formulado na Constituição expressamente para o processo civil, não pode, na verdade, deixar de valer também neste domínio. Ele traduz, com efeito, uma exigência própria da ideia de Estado de Direito [cf., neste sentido, acórdãos nºs 397/89, 62/91 e 284/91 (publicados no Diário da República, II série, de 14 de novembro de 1989 e de 24 de outubro de 1991, o primeiro e o último, e I Série-A, de 19 de abril o segundo)” este respeito do princípio do contraditório, que está ao serviço do princípio da igualdade das partes, e se conjuga com a ideia de proibição da indefesa, estava e está refletido no artigo 84.º, n.ºs 5 e 6, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, relativamente a este Tribunal Constitucional, e está presente e bem explicitado no artigo 3.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, com as alterações introduzidas em 1995 e 1996. Aderindo, por consequência, aos fundamentos dos citados acórdãos, tem de concluir-se que, embora se emita um juízo de não inconstitucionalidade das normas do artigo 456.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o recurso haverá de proceder, para serem elas interpretadas e aplicadas no sentido de estar condicionada pela prévia audição do interessado a condenação por litigância de má-fé (..) “a argumentação acabada de expor transpõe- se, sem dificuldade, para o regime da condenação em taxa sancionatória excecional, cuja natureza é para efeitos de garantia do contraditório equiparável à da sanção prevista em caso de litigância de má-fé. Ali, como aqui, não é constitucionalmente aceitável que uma decisão prejudicial para a parte, que consiste na aplicação de uma sanção prevista como consequência de uma conduta processual censurável, possa ser tomada sem que o seu destinatário tenha a possibilidade de ser ouvido quanto à mesma, direito processual que corresponde à esfera última e irredutível do contraditório, garantia inscrita no direito a um processo equitativo consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da CRP. Remete-se, pois, para a fundamentação dos Acórdãos n.ºs 440/94, 103/95, 357/98 e 289/2002, que supra se resumiu e aqui se dá por reproduzida, acolhendo-a para o lugar paralelo da condenação em taxa sancionatória excecional, com o que, inevitavelmente, se conclui pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 531.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual a decisão constante de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que condene uma parte em taxa sancionatória excecional não tem de ser precedida da audição da parte interessada. Consequentemente, há que determinar a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, para reforma da decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade (artigo 80º, nº 2, da LTC)” - No mesmo sentido - a propósito da condenação por litigância de má-fé processual - de que a condenação implica audição prévia do interessado, podem ver se os acórdãos do TC 440/94, 103/95, 357/98, 289/02, 498/11 (Fernandes Cadilha), 650/19 (Pedro Machete), 761/19, 113/20 (Fernando Ventura), 328/20 (Gonçalo de Almeida Ribeiro), 118/21, 365/21 (Maria José Rangel de Mesquita), 570/21 (Maria José Rangel de Mesquita). Deste modo, impunha se a prévia audição do condenado/interessado antes de proferir a decisão de condenação em taxa sancionatória excecional, correspondendo essa omissão a uma irregularidade processual, que invalida a decisão respetiva, nos termos do artigo 123.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal. 4.2. Conclusão: Em função do exposto, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, oficiosamente, tomar conhecimento do vício que invalida a decisão, deve ser ordenada a remessa do processo ao tribunal recorrido para reparação do vício de irregularidade que se aponta à decisão independentemente do seu mérito e da sua ulterior e oportuna impugnação em recurso, por se tratar de irregularidade que afeta o valor do ato praticado, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.” A.8. Contraditório Devidamente notificado nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta. * * * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. B - Fundamentação B.1. âmbito do recurso O âmbito do recurso delimita-se, como se sabe, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença (artigo 379º, nº do Código de Processo Penal), podendo ainda conhecer-se oficiosamente de irregularidades que possa afetar o valor do ato praticado (artigo 123º, nº 2 do Código de Processo Penal). As questões colocadas pelo recorrente e que cumpre apreciar neste recurso são a seguinte: • Saber se a decisão de aplicação da taxa sancionatória excecional está fundamentada; • Saber se estão reunidos os requisitos legais para a aplicação dessa taxa; • E, subsidiariamente, apurar se o quantum dessa sanção foi ou não excessivo. B.2. Questão prévia Contudo, antes de abordar tais questões, impõe tomar posição sobre a questão prévia colocada pelo Digníssimo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça. Ou seja, antes de mais importa clarificar se, como defende o Ministério Público, a condenação na aludida taxa sancionatória excecional tinha de ser precedida de audição do recorrente. E, na afirmativa, há que decidir qual a sequência a dar ao processo, defendendo aquele magistrado que “deve ser ordenada a remessa do processo ao tribunal recorrido para reparação do vício de irregularidade que se aponta à decisão independentemente do seu mérito e da sua ulterior e oportuna impugnação em recurso , por se tratar de irregularidade que afeta o valor do ato praticado, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.” Desde já se consigna a nossa concordância com o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto no que concerne à necessidade de audição do recorrente antes de o condenar na aludida taxa sancionatória excecional. Quanto a esta matéria poderíamos mesmo nada mais acrescentar, face à profusa e mui douta argumentação expendida por aquele magistrado. Assim e muito sinteticamente, recordaremos que o princípio do contraditório - com consagração no artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa – é um princípio estruturante e basilar do direito processual (civil1 e penal) e que significa, designadamente, que nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que, previamente, tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir e de a contestar, sendo proibidas as “decisões surpresa”. Como refere INÊS FERNANDES GODINHO2 “O princípio do contraditório, além de ser reflexo da própria estrutura do processo e da sua finalidade de descoberta da verdade material, é, ainda e também, apanágio de um amplo conjunto de direitos processuais, que vão desde os direitos de consulta do processo (arts. 89º, n.º 1 e 90º do CPP), como também no direito do arguido de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que lhe diga respeito (art. 61º, n.º1, al. b), do CPP). Outros afloramentos existem, desde o regime de alteração do rol de testemunhas (art. 316º, n.º1, do CPP) aos casos de restrição de publicidade da audiência (art. 321º, n.º 3, do CPP). Todos eles confluem em um mesmo sentido: o princípio do contraditório em processo penal não se apresenta apenas como uma regra programática de imposição constitucional, “como também [como] um conjunto de regras pragmáticas que se concretizam em direitos de intervenção processual e regimes específicos sobre a forma de decidir certas questões no processo” Com efeito e aproximando-nos do caso em apreço, a alínea b) do nº 1 do artigo 61º do Código de Processo Penal estabelece (sob a epígrafe “Direitos e deveres do arguido”) que o arguido goza do direito de: b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.” E a jurisprudência dos Tribunais Superiores3 e do Tribunal Constitucional tem entendido – como bem refere o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto dispensando-nos, por isso, de outras citações - que a aplicação da aludida taxa sancionatória excecional obriga a que, previamente, se dê a oportunidade, ao arguido de se pronunciar. Uma última nota para referir que, também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa defendem que a aplicação desta sanção deve ser precedida de audição da parte4 Aqui chegados, entende o Ministério Público que “deve ser ordenada a remessa do processo ao tribunal recorrido para reparação do vício de irregularidade que se aponta à decisão independentemente do seu mérito e da sua ulterior e oportuna impugnação em recurso, por se tratar de irregularidade que afeta o valor do ato praticado (…)” Discordamos. Com efeito, tal procedimento traduzir-se-ia numa atividade completamente inútil, dado que o recorrente já expôs, no recurso interposto para este Alto Tribunal e de forma muito detalhada, o seu entendimento sobre tal condenação. Por outro lado, essa forma de proceder seria também contrária aos princípios da economia e da celeridade processual e, no caso concreto, iria contribuir para o objetivo que o Tribunal Recorrido indica – se bem ou se mal adiante se verá... – ser o do recorrente: atrasar o início do cumprimento da sanção em que o mesmo foi condenado na primeira instância… Seja como for, o que não tem dúvida é que esse procedimento consubstanciar-se-ia numa atividade completamente inútil que, como se sabe, é considerada ilícita pelo artigo 130º do Código de Processo Civil, proibição que também se aplica no processo penal. De facto, e como refere se refere em acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça5: “II - Assim, sempre que a instrução redundar, necessariamente, num despacho de não pronúncia, a sua realização constitui um acto processual inútil, violando o princípio da economia processual, entendido na dimensão de proibição da prática de actos inúteis, tal como se encontra estabelecido no art. 130.º, do CPC. Com efeito e ainda a propósito desta questão, refira-se ainda que, como defende Abrantes Geraldes6, “decorre do artigo 665.º do CPC que, apesar de verificada uma nulidade, poderá a Relação conhecer do âmbito do recurso desde que os autos reúnam todos os elementos para tanto. Julgamos ser esse o caso, razão pela qual assim se procederá, tanto mais que se trata de uma nulidade que foi suscitada no âmbito do próprio recurso (e que, como adiante se demonstrará, não irá afectar a pretensão da recorrente), sendo que se mostra igualmente já plasmada nos autos a posição sobre o entendimento que a apelante tem quanto à questão de fundo (fundamentos que determinaram a aplicação da sanção em causa). Concluindo, decide-se que o processo permanecerá neste Alto Tribunal, passando-se, de seguida, a apreciar o recurso ao mesmo dirigido. B.3. A aplicação da taxa sancionatória excecional B.3.1. Introdução Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 521º do Código de Processo Penal: “1 - À prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional” Por outro lado, estabelece o artigo 531º do Código de Processo Civil que: Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja, manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.” Assim, podemos concluir que a aplicação da aludida taxa sancionatória excecional carece da verificação dos seguintes requisitos: • Fundamentação da aplicação concreta da mesma; • Excecionalidade dessa aplicação; • Improcedência manifesta do requerimento; • Falta de prudência ou diligência devida. A propósito desta norma escreve Paulo Pinto de Albuquerque7 o seguinte: “O preceito consagra uma taxa sancionatória excecional, para “penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, “bloqueiam” os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”. Ela substitui a multa prevista no artigo 102º, al. b), do CCJ, que é suprimida. (…) com a taxa sancionatória excecional não se pretende selecionar erros técnicos, pois esses sempre foram punidos através do pagamento de custas, mas reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte (acórdão do STJ, de 9.5.2019, processo 565/12.4TAVCR-C.E1.-A.S1, do TRC, de 19.12.2018, processo 16/16.5GDIDN.C1, acórdão do TRG, de 9.4.2018, processo 260/14.0GAALJ-A.G1)” Por outro lado, sobre esta matéria encontramos jurisprudência bastante uniforme deste Supremo Tribunal, a qual pode ser referenciada através da citação dos seguintes arestos: «I - A figura da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no art. 531.º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível.8 * «II - É pressuposto de aplicação da taxa sancionatória excepcional que, de modo genérico, o art. 531º CPC enuncia, que o processado revele a presença de pretensões formuladas por um sujeito processual que sejam manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência que dêem azo a assinalável actividade processual, sendo de exigir ao juiz, para essa avaliação, muito rigor e critério na utilização desta medida sancionatória de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual. III - Somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional. IV – A taxa sancionatória excepcional poderá/deverá ser aplicada somente quando o acto processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o acto um carácter excepcionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo».9 * II – A lei fornece um critério lato e flexível para a caracterização dos actos susceptíveis da aplicação da taxa sancionatória excepcional: a manifesta improcedência do acto, e cumulativamente, a falta de prudência e/ou de diligência devidas. A epígrafe e o texto do art. 531.º do CPC acentuam o carácter excepcional desta sanção, e o seu uso deve ser objecto de um especial rigor, sobretudo no âmbito do processo penal, de forma a não colocar em causa o direito das partes a usufruir plenamente dos seus direitos de defesa e/ou de patrocínio dos seus interesses processuais, não se devendo confundir a defesa enérgica e exaustiva desses interesses com um uso desviante dos mesmos. III –Daí que esta taxa só deva ser aplicada em situações excepcionais, ou seja, quando o sujeito processual tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, ou a eficácia da decisão, praticando um acto processual manifestamente improcedente e infundado, revelando nessa prática uma falta de prudência e/ou de diligência a que estava obrigado, e devendo tal acto assumir um carácter excepcionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo. B.3.2. O caso concreto B.3.2.1. Falta de fundamentação O recorrente entende que o acórdão “não cumpre com as acrescidas exigências de fundamentação que os art. 97º, nº 5, 521º do CPP e531º do CPC impõem ao aplicar uma taxasancionatóriaqueé excecional.” A este propósito entende-se não assistir razão ao recorrente. Com efeito, não se pode confundir falta de fundamentação com inexistência de requisitos para aplicar a sanção referenciada. Ora, o acórdão recorrido, depois de tecer diversas considerações teóricas sobre a taxa sancionatória excecional, justificou porque é que, no seu entender, havia fundamento para, no caso concreto, condenar o arguido no pagamento dessa taxa, tendo-o feito através do seguinte texto: “No caso vertente, como ficou bem patente, o recorrente questiona/impugna no recurso factualidade que o próprio confirmou em julgamento. Pelo que vem agora num claro venire contra factum proprium fazer uso manifestamente abusivo do direito ao recurso sobre a matéria de facto, impugnando o que antes reconheceu/admitiu em julgamento como verdadeiro. O arguido age inegavelmente com má-fé processual por inaceitável uso abusivo do recurso sobre a matéria de facto. Insiste-se, não é aceitável a utilização dos instrumentos recursórios em situação de incompatibilidade com o respeito pelos princípios da boa-fé e da cooperação processuais e da diligência e prudência minimamente exigíveis. Deste modo, nessa parte o recurso interposto pelo arguido mais não é do que um ato meramente dilatório, imprudente, abusivo e entorpecedor da ação da justiça.” Portanto e sem necessidade de mais explicações, porque despiciendas, quanto a esta matéria o recurso improcede. B.3.2.2. Os requisitos da aplicação da taxa sancionatória excecional Como facilmente se alcança do atrás consignado, a decisão recorrida fundamentou-se na circunstância de, no entendimento do Tribunal a quo, o recorrente ter assentado a sua motivação no questionamento/impugnação na factualidade que o próprio confirmou em julgamento. E, concordando parcialmente com essa análise, não há dúvida de que o recorrente assumiu uma atitude censurável e aparentemente incompreensível ao tentar “desdizer” o que afirmou em sede de julgamento, procurando justificar-se com a circunstância de, a 30 de agosto de 2023, não existirem registos de pagamentos de vencimentos na consulta que foi feita ao sistema de Beneficiário da Segurança Social, sendo evidente que tal facto não é incompatível com a perceção de rendimentos que ascendiam a € 2000 (dois mil euros), mas sim e apenas que os mesmos não foram declarados11... Contudo, no nosso entendimento tal não é suficiente para justificar a decisão tomada. E, a esse propósito e embora continuando a censurar a atitude do recorrente, importa não esquecer que, nos termos do disposto no artigo 61º do Código de Processo Penal, o arguido só tem de depor com verdade às perguntas que lhe sejam feitas sobre a sua identidade… Aliás, essa é uma das principais (senão mesmo “a principal”) razões para que este Supremo Tribunal de Justiça venha considerando não ser aplicável ao processo penal o disposto nos artigos 542º e sgs. do Código de Processo Civil, relativos à litigância de má-fé. Com efeito e apenas para dar um exemplo, no acórdão de 14 de fevereiro de 2007 deste Alto Tribunal foi decidido que: “V - O CPP não é omisso quanto à litigância de má-fé: o legislador do processo penal teve em conta situações de litigância de má-fé ou afim, expressamente, na al. c) do art. 520.º e, consignando uma figura com manifestas afinidades, nos arts. 223.°, n.º 6, 420.°, n.º 4, e 45.º, n.º 5. De qualquer forma e como atrás se deixou mencionado, para condenar o arguido na aludida taxa, o tribunal a quo tinha de demonstrar estarem reunidos os outros requisitos, designadamente, a manifesta improcedência do recurso e a falta de prudência ou diligencia devida. Ora, da fundamentação atrás transcrita a verificação de tais requisitos não está demoinstrada… Com efeito e desde logo ao contrário do que parece querer dar a entender o acórdão recorrido, o recurso não foi interposto exclusivamente com base na não existência do rendimento mensal de €2000. Na verdade, no intuito de alcançar uma atenuação especial da pena ou a sua diminuição, o recorrente também invocou, designadamente, o grau de ilicitude do facto e o modo de execução deste (aludindo, a este propósito, que, “como o próprio Tribunal admite”, à prática deste tipo de ilícito criminal está associado o temor de sofrer represálias), a confissão integral e sem reservas dos factos que lhe eram imputados e a falta de antecedentes criminais pela prática de crimes de igual natureza. Ora, não nos parece que, encarado na sua globalidade, o recurso apresentado seja patológico, abusivo ou constitua um desvio acentuadamente reprovável ao que é o seu legítimo direito ao recurso. E também não está demonstrado no acórdão recorrido que, ao interpor o recurso, o recorrente tenha atuado com a intenção de, ostensivamente, contrariar a marcha do processo ou que o tenham movido finalidades dilatórias. Igualmente faltou demonstrar, nessa apreciação global do recurso, o frontal desrespeito das regras da prudência e da diligência devidas. Finalmente, mas não por último, importa não esquecer o carácter de excecionalidade da condenação desta taxa sancionatória… excecional e, por outro lado, … que o direito (constitucional) do arguido ao recurso e à fruição plena dos seus direitos de defesa não podem ser beliscados por erros técnicos, pois esses são sancionados através da condenação em custas… Concluindo, embora o comportamento do recorrente possa ser censurável, não estão demonstrados os requisitos exigidos pelo artigo 531º do Código de Processo Civil – aplicável ex vi artigo 521º do Código de Processo Penal – para a aplicação da taxa sancionatória excecional. Face ao exposto, perde obviamente interesse a análise do acero ou não do quantum da sanção aplicada. C – Decisão Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido, na parte em que o condenou o recorrente AA na taxa sancionatória excecional de 2 unidades de conta. Sem custas D.N. Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada (Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Celso Manata (Relator) Jorge Gonçalves (1º Adjunto) Agostinho Torres (2º Adjunto) ___________________________________________
1. Dispõe o nº 3 do artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”↩︎ 2. “Considerações a propósito do princípio do contraditório no processo penal português” Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política, nº 10 (2017), pág. 95 a 107.↩︎ 3. A esse propósito, para além dos citados e embora referindo-se á litigância de má-fé, veja-se ainda o Acórdão deste S.T.J. de 11 de setembro de 2012 – proc. 2326/11.09TBLLE.E1.S1 IN WWW.DGSI.PT↩︎ 4. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2020, pág. 606.↩︎ 5. Ac. STJ, de 11-02-2016 – Proc. nº 15/14.1UGLSB.S2 in www.dgsi.pt↩︎ 6. Citado no Acórdão do Tribunal da Relação de lisboa de 9 de setembro de 2022 – Proc. 1356/12.8TBPDL-O.L1-1 in www.dgsi.pt↩︎ 7. “Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos” Vol. II, pág. 842 e sgs. 5ª Edição.↩︎ 8. Acórdão do S.T.J. de 22-02-2022 - Proc. 03/06.8TBMNC-E.G1.S1 in www.dgsi.pt↩︎ 9. Ac. do S.T.J. de 18-12-2019 - Proc. n.º 136/13.8JDLSB.L2-A.S1, in www.dgsi.pt↩︎ 10. Ac. do STJ de 10-03-2022 Proc. 317/21.0GAFLG.P1.S1 in www.dgsi.pt↩︎ 11. E, quiçá, talvez seja esta falta de declaração que justifique esse estranho comportamento…↩︎ 12. Neste sentido veja-se, por todos, o ac. do STJ de 14 de fevereiro de 2007 – Proc. 361/06, da 3ª secção in www.dgsi.pt↩︎ |