Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23239/21.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO SOCIAL
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
VERIFICAÇÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Data do Acordão: 10/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Sumário :
I. - Acordando os contraentes subscritores que o contrato de trabalho desportivo está sujeito a condição suspensiva de aptidão, a condição concretiza-se com a realização de exames médicos que concluam pela recuperação do atleta.

II. - Iniciado o contrato na data nele prevista, a comunicação posterior do empregador, ao atleta, de que o acordo não entrará em vigor, constitui despedimento ilícito, com as consequências previstas na Lei n.º 54/2017, de 14 de julho.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 23239/21.0T8LSB.L1.S1

Recurso revista

Relator: Conselheiro Domingos José de Morais

Adjuntos: Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes

Conselheiro Mário Belo Morgado


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório

AA intentou acção com processo comum contra

Sporting Clube de Portugal, pedindo:

“(D)eve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser:

a.) Qualificado como contrato de trabalho desportivo, o contrato celebrado entre as partes, assinado a .../03/2021 e cuja validade se iniciou a .../07/2021;

b.) Declarada cumprida a condição suspensiva aposta no contrato a que reportam os presentes autos;

c.) Qualificada a missiva datada de 15/07/2021 enviada pelo Réu ao Autor como um despedimento ilícito promovido pelo Réu, condenando-se o mesmo a pagar ao Autor, a quantia de €159.199,96, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data da citação até ao seu efectivo e integral pagamento;

d.) Condenado o Réu a pagar ao Autor, a quantia não inferior a €40.000,00 pelos danos morais sofridos pela Autor.”.

2. - Na sentença da 1.ª instância foi decidido:

“(J)ulgo a acção improcedente e, em consequência decido:

1 - Absolver o réu Sporting Clube de Portugal do pedido.”.

3. - O Autor apelou e o Tribunal da Relação conheceu do objecto do recurso do Autor e “da questão, suscitada pelo réu em sede de ampliação do recurso (art.º 636, CPC), da qualificação do contrato, na qual defende que se trata de um contrato de prestação de serviços vulgar e não de um contrato de trabalho desportivo.”, acordando:

O Tribunal julga o recurso parcialmente procedente e revoga a sentença absolutória, condenando o réu Sporting Clube de Portugal a pagar ao autor AA, pela cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes e que entrou plenamente em vigor em .../07/2021, a quantia de cento e doze mil euros (112.000,00 €), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.”.

4. - O Réu interpôs recurso de revista que motivou o seguinte despacho do relator, de 06 de junho de 2024:

“(…), quanto à questão da qualificação do contrato de trabalho de praticante desportivo verifica-se uma situação de dupla conforme”, (…), pelo que, “nesta parte, o recurso de revista é inadmissível, (…), admite-se o recurso de revista interposto pelo Réu, apenas quanto à questão da condição suspensiva.”.

5. - As partes não reclamaram.

6. - O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista.

7. - As partes não responderam ao parecer do Ministério Público.

8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto.

1. - As Instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. O réu é um clube desportivo que tem como fins, a educação física, o fomento e a prática do desporto, tanto na vertente da recreação como na de rendimento.

2. O autor é um jogador profissional de ... de renome que, até ....06.2021, exercia a sua actividade profissional junto da equipa de ... do clube francês ..., na posição de ....

3. O autor jogava numa equipa que se encontrava na primeira divisão da Liga de ... francesa, que é a L....

4. Na sequência de negociações encetadas, réu e autor subscreveram em 11.03.2021, o escrito redigido em língua inglesa designado pelas partes como “Service Agreement”, datado de 26.02.2021, cuja cópia e respectiva tradução se encontram juntos a fls. 27 a 30 e 110 a 117 dos autos e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte:


“PRIMEIRA

Objectivo



1. O SCP contrata o Atleta para prestar serviços como jogador de ... para o SCP.

2. O Atleta irá, entre outros, assistir aos treinos, estágios, viagens e jogos da equipa de ... do SCP, e cumprirá as suas obrigações e deveres com a maior diligência, dedicação, empenho e competência, sempre com respeito pelas leis, regulamentos e moralidade própria do ....

3. O atleta, como jogador de ... SCP estará disponível para participar em todas as competições nacionais ou internacionais em que a equipa de ... SCP esteja presente, sempre com o objectivo de alcançar os melhores resultados possíveis, excepto lesões.

4. O Atleta deverá também, dentro e fora das instalações desportivas, observar uma conduta desportiva e social exemplar, empenhada em proteger o bom nome, a imagem e os interesses do SCP.

5. Durante a vigência deste contrato, o atleta está proibido de se dedicar a qualquer actividade desportiva, a menos que previamente autorizado pelo SCP.

6. O atleta está proibido de participar ou fazer qualquer tipo de apostas ou participar em actividade de jogo relativas a competições em que o Atleta participa ou irá participar previsivelmente, incluindo apostas online, casas de jogo, lojas de apostas e todos os jogos de azar relacionados.

7. Durante o período, e após o termo do presente contrato, o atleta é obrigado a não divulgar, por qualquer meio, toda e qualquer informação de que tenha conhecimento ou acesso sobre todas as questões relativas ao SCP, os procedimentos ou decisões internas do SCP e de todas as empresas que constituem o Grupo Desportivo.

8. O Atleta concorda em aderir como associado do Clube (sócio do SCP), e manter este estatuto durante a vigência do presente contrato.


SEGUNDA

Duração



1. O presente Contrato é válido para as épocas desportivas 2021/22 e 2022/23, com início em 1 de Julho de 2021 e fim em 30 de Junho de 2023.

2. A época desportiva termina no dia 30 de Junho.

3. Caso ocorra uma mudança no calendário das competições nacionais ou internacionais em que o atleta participa, as datas acima mencionadas sofrerão as alterações necessárias em conformidade.

4. O atleta será inscrito na Federação Portuguesa de ... como jogador de ... SCP, e para tal fim e com tal finalidade compromete-se a assinar todos os documentos necessários e a não se inscrever como jogador para outro clube ou entidade durante a vigência do presente contrato.


TERCEIRA

Pagamento



1. Para a época 2021/22 (Julho de 2021 até Junho de 2022), o SCP pagará ao Atleta um montante bruto total de € 56.000,00 (cinquenta e seis mil euros), que será pago em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, cada uma no montante bruto de € 4666,66 (quatro mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) cada, a pagar nos meses de Julho e Junho da respectiva época, acrescido do IVA à taxa legal quando tal liquidação for obrigatória nos termos da lei portuguesa.

2. Para época 2022/23 (Julho de 2022 até Junho 2023), o SCP pagará ao Atleta um montante bruto total de € 56.000,00 (cinquenta e seis mil euros), que será pago em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, cada uma no montante bruto de € 4666,66 (quatro mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) cada, pagar nos meses de Julho a Junho da respectiva época, acrescido de IVA à taxa legal quando tal liquidação for obrigatória nos termos da lei portuguesa.

3. Todos os montantes ao abrigo deste contrato estão sujeitos a deduções legais ao abrigo da lei portuguesa e só serão pagos após a entrega do recibo oficial adequado, devidamente preenchido e assinado pelo Atleta.

4. Todos os rendimentos auferidos pelo Atleta nos termos deste contrato serão tributados em IRS (taxa de inscrição prevista no Código do IRS português). As retenções ou contas anuais de rendimentos serão efectuadas de acordo com a Lei Portuguesa independentemente do imposto final a pagar ou a receber pelo Atleta.


QUARTA

Autonomia



Os serviços prestados pelo Atleta ao abrigo do presente Contrato serão confinados dentro dos parâmetros definidos no presente contrato, e serão organizados pelo Atleta com total autonomia técnica e legal, de modo a satisfazer as necessidades do SCP relativamente aos fins e objectivos no âmbito da primeira cláusula, e dentro dos condicionalismos das suas limitações locais e temporais.

QUINTA

Vinculação



As Partes consideram-se vinculadas apenas pelo regime deste acordo de serviço. Em particular, afirma-se que:

a) O Atleta não é obrigado a cumprir qualquer tipo de duração e organização do horário de trabalho, nem a assistir ou permanecer nas instalações do SCP, excepto no que diz respeito à medida estrita necessária ao cumprimento adequado e normal do plano de treino, dos jogos / competições, viagens e etapas; nesta medida, o Atleta não será incluído em nenhum mapa de trabalho ou escala de serviço. Nem em outros suportes documentais, mecânicos ou informáticos que, de acordo com a lei ou costumes, sejam adequados à execução de formalidades relacionadas com o trabalho subordinado, tais como mapas de férias, mapa de pessoal, registos de controlo de tempo de trabalho, com a salvaguarda natural da sua submissão, como quaisquer utilizadores das instalações, ao registo de entradas e saídas para efeitos de segurança de bens e pessoas;

b) O Atleta deve apresentar ao SCP, a pedido do SCP, a declaração à Administração Fiscal do início, mudança ou cessação da actividade, bem como da sua inclusão no regime de segurança social dos trabalhadores independentes;

c) O SCP e o Atleta serão obrigados a cumprir as obrigações contributivas da Segurança Social previstas na Lei para cada uma das partes do Regime dos Trabalhadores Independentes, bem como todas as obrigações resultantes da legislação fiscal, e o SCP não é obrigado a contratar o Atleta qualquer seguro de acidentes. (…).


Décima Segunda

Condição



O Contrato está sujeito a uma condição em que o atleta é obrigado a passar os exames médicos e físicos do SCP antes de o presente Contrato ser válido, pelo que, até que tal aprovação ocorra, não existem deveres contratuais.

(…).”.

5. Em 22.04.2021, o autor realizou uma ligamentoplastia ao joelho, em virtude de uma lesão sofrida em ....2021, tendo sido posteriormente acompanhado no seu processo de reabilitação, na clínica francesa de medicina do desporto “M... – Clinique du sport”.

6. Em 21.05.2021 foi emitida a declaração junta a fls. 31 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

7. O jogador comunicou ao réu, SCP que tinha contraído a referida lesão.

8. Tendo, neste sentido, sido requerido ao autor que se deslocasse de ..., onde vivia, até ..., para o estado do seu joelho ser avaliado pelos médicos do réu.

9. Destarte, entre 26.05.2021 e 27.05.2021, o autor deslocou-se a ... para a recuperação da sua lesão ser avaliada pelo departamento médico do réu, integrado pelo médico da equipa de ... do réu, bem como pelo médico da equipa de futebol do mesmo.

10. No dia 26.05.2021 o autor foi observado pelos médicos do réu, que fizeram os exames físicos e médicos que consideraram indispensáveis à avaliação da condição física do autor, a saber a anamnese (história clínica) e o exame objectivo.

11. Finda tal examinação pelos médicos que o observaram foi considerado que a recuperação do autor para a competição estimava-se em cerca de oito/nove meses, podendo parte da sua recuperação ser feita em França, devendo voltar ao fim de quatro meses com o esclarecimento que o autor não estaria apto a jogar no início da época de 2021/2022.

12. Em 26 de Maio de 2021 BB, ... do Departamento do ..., remeteu a CC, membro da ... do réu, com conhecimento de DD, o email junto a fls. 35, dizendo, “Segundo indicação dos médicos o atleta pode permanecer em França até 4 meses após a cirurgia, ou seja, dia 22 de Agosto, porém o atleta quer vir logo em julho recuperar mais rápido.

O Dr EE indicou o mês de novembro para retorno aos treinos, sujeito a uma avaliação dos 4 meses e janeiro para retorno aos jogos.

Este prazo é uma estimativa pode ser um pouco menos ou um pouco mais (…)”.

13. A namorada do autor despediu-se do seu trabalho em ..., França para acompanhar o autor para ... com o esclarecimento que comunicou oralmente em Março à sua entidade patronal e entregando carta por mão própria em 2 de Julho e deixando de trabalhar em 9 de Julho, ficando a auferir subsídio de desemprego e, posteriormente a trabalhar e a auferir o remanescente em subsídio de desemprego até perfazer um montante mensal de € 1.900,00.

14. O autor e namorada viviam em casa arrendada em ... e cujo contrato de arrendamento foi pelos mesmos denunciado em Junho de 2021, preparando-se para se mudarem para ....

15. Após a avaliação médica no réu em 26.05.2021 e até 7 de Julho de 2021, o autor trocou mensagens via whatsap com FF, GG, funcionários do réu e HH. ... da modalidade ... do réu, colocando e recebendo questões sobre arrendamento apartamento em ... a partir do mês de Julho, dados para o equipamento e datas para a realização de fisioterapia em Julho e juntas a fls. 32 e vs., 36, 37, 38 e 39 e tradução a fls. 90 vs. a 94, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

16. O autor remeteu a CC a mensagem cuja tradução faz fls. 94 e 95, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

17. Por email de 15 de Julho de 2021, o réu comunicou ao autor, assinaladamente, que

Fazemos referência ao acordo celebrado em ... de Fevereiro de 2021, que deveria ser válido a partir de 01 de Julho de 2021 e que estava sujeito ao estado de saúde precedente à sua aprovação nos exames médicos e físicos realizados pelo departamento médico do SCP.

Lamentamos informar que, na sequência da avaliação desses exames médicos e físicos, o nosso departamento médico não considerou apto a prestar os serviços de um jogador de ..., conforme acordado. Como consequência, o acordo não entrará em vigor. (…)

18. O autor é um jogador profissional de ... de renome que, antes da celebração do acordo acima referido, jogava numa das melhores ligas profissionais de ... no mundo.

19. O autor fez-se representar por um agente na negociação do contrato.

20. O autor nunca jogou no Sporting.

21. Nunca treinou com a equipa do Sporting.

22. Não acompanhou a equipa do SCP em qualquer prova ou iniciativa.

23. O autor foi submetido a uma cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado do joelho esquerdo em ...de Abril de 2021.

24. Com a comunicação da dispensa pelo Sporting, o autor sentiu-se injustiçado e traído sentindo dificuldade em dormir com o esclarecimento que a partir de Abril o autor beneficiou das prestações do seguro de acidentes de trabalho até ao termo do período de baixa em 30.12.2021 e celebrou contrato com novo clube de ... em ... de Janeiro de 2022.

III. - Fundamentação de direito.

1. - O objecto do recurso de revista é sobre a questão da verificação da condição suspensiva aposta no contrato de trabalho desportivo.

2. - Da matéria de facto dada como provada consta que:

O Autor e o Réu, em ... de março de 2021, subscreveram o acordo transcrito no ponto 4. dos factos provados que o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação de Lisboa qualificaram como um contrato de trabalho desportivo.

Nos termos da Cláusula Segunda, n.º 1., tal contrato vigoraria por duas épocas desportivas, produzindo efeitos a partir de 01 de julho de 2021 até 30 de junho de 2023.

A Cláusula Décima Segunda, intitulada Condição, tem a seguinte redacção:

O Contrato está sujeito a uma condição em que o atleta é obrigado a passar os exames médicos e físicos do SCP antes de o presente Contrato ser válido, pelo que, até que tal aprovação ocorra, não existem deveres contratuais.”.

O Autor, entretanto, contraiu lesão num dos joelhos e informou o Réu, que o convocou para ser submetido a uma avaliação médica, a qual teve lugar no dia 26 de maio de 2021 - cfr. pontos 5 a 10 da matéria de facto.

Por email de 15 de Julho de 2021, o Réu comunicou ao Autor que “(…) na sequência da avaliação desses exames médicos e físicos, o nosso departamento médico não considerou apto a prestar os serviços de um jogador de ..., conforme acordado. Como consequência, o acordo não entrará em vigor.” – cfr. ponto 17. da matéria de facto.

3. - O artigo 227.º - Culpa na formação dos contratos - n.º 1, do Código Civil (CC) determina:

1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”.

Ora, estando provado - cfr. ponto 5. - que a lesão sofrida pelo Autor, em 04 de abril de 2021, é posterior à data da celebração contrato de trabalho desportivo, em 26 de fevereiro de 2021, está afastada a culpa do Autor na formação desse contrato. E não só comunicou ao Réu que contraira tal lesão, como o Réu convocou o Autor para a realização dos respectivos exames médicos, em ... – cfr. pontos 7. a 10. dos factos dados como provados.

4. - O artigo 272.º - Pendência da condição – do C. Civil, estatui:

Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa-fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte.”.

E o artigo 275.º - Verificação e não verificação da condição – n.º 2, do mesmo código, estabelece:

2. Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa-fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.”.

No dizer de Fernando Pires de Lima e de João Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 253, “1. Não há que aguardar a não verificação da condição, para que ela produza os seus efeitos; basta que haja a certeza de que não pode verifi­car-se. Nessa altura, tratando-se de condição suspensiva, tudo se passa como se o negócio não tivesse sido concluído; (…).”

2. A doutrina do n.º 2 é uma consequência da regra geral expressa no artigo 272.º. A boa-fé tem aqui um sentido ético, semelhante ao que tem no artigo 227.º.

A disposição revela que, com a celebração do negócio condicional, nascem deveres secundários ou acessórios, especiais, de conduta para uma das partes ou para ambas elas.

A solução consagrada no n.º 2 representa, por outro lado, um coro­lário da ideia de que a ninguém deve ser lícito tirar proveito dos actos que pratique, violando as regras da boa-fé.”. (sublinhados nossos)

Na expressão de Carlos Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 572, a previsão do citado artigo 275.º, n.º 2, apenas equipara à verificação ou não verificação da condição as situações de “sabotagem” da condição.

A boa-fé prevista no citado artigo 275.º do Código Civil deve ser (também) entendida em sentido objetivo.

Neste sentido, Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., pág. 520, entende que a tutela da confiança implica que “as partes não possam agir contra o que, pelas suas opções contratuais ou pela ordem natural das coisas, irá, em princípio, suceder, em termos que provocaram a crença legítima da outra parte”. Relativamente ao segundo subprincípio, escreve que “a primazia da materialidade subjacente obriga a que condição não possa transformar-se num jogo formal de proposições: ela deve exprimir, no seu funcionamento, a vontade condicional das partes, isto é, a sua subordinação ao facto futuro e incerto que escapa à vontade de qualquer delas”.

A lei ficciona a não verificação prévia com base na certeza da não ocorrência por impossibilidade material ou jurídica. Não verificada a condição suspensiva, não se produzem os efeitos definitivos do negócio e desaparecem os efeitos imediatos, provisórios, ou cautelares do negócio condicional que, entretanto, terão ocorrido.

Por outro lado, tendo ocorrido o evento condicionante, os efeitos do negócio que se encontravam suspensos tornam-se efetivos ipso iure e, tout court desde a data de conclusão do negócio jurídico condicionado - cfr. Carlos Mota Pinto, obra citada, pág. 574.

[Sobre a condição suspensiva, cfr. ainda, Miguel de Azevedo Moura, “A condição (própria): conceito, modalidades, pendência, verificação e eficácia”. Um estudo jurídico-comparativo do regime jurídico português e inglês, págs. 218 e segts., in https://revistas.ulusofona.pt/index.php/delegibus/article/download/7439/4406/].

Ora, da matéria de facto provada não é possível concluir no sentido da não verificação da condição, isto é, de que “haja a certeza de que não pode verifi­car-se.”.

Antes pelo contrário, atento o teor dos pontos 10. a 12. dos factos dados como provados:

10. No dia 26.05.2021 o autor foi observado pelos médicos do réu, que fizeram os exames físicos e médicos que consideraram indispensáveis à avaliação da condição física do autor, a saber a anamnese (história clínica) e o exame objectivo.

11. Finda tal examinação pelos médicos que o observaram foi considerado que a recuperação do autor para a competição estimava-se em cerca de oito/nove meses, podendo parte da sua recuperação ser feita em França, devendo voltar ao fim de quatro meses com o esclarecimento que o autor não estaria apto a jogar no início da época de 2021/2022.

12. Em 26 de Maio de 2021 BB, ... do Departamento do ..., remeteu a CC, membro da ... do réu, com conhecimento de DD, o email junto a fls. 35, dizendo, “Segundo indicação dos médicos o atleta pode permanecer em França até 4 meses após a cirurgia, ou seja, dia 22 de Agosto, porém o atleta quer vir logo em julho recuperar mais rápido.

O Dr. EE indicou o mês de novembro para retorno aos treinos, sujeito a uma avaliação dos 4 meses e janeiro para retorno aos jogos.

Este prazo é uma estimativa pode ser um pouco menos ou um pouco mais (…)”.

Nestes termos, sendo de dois anos a duração do contrato de trabalho desportivo - de 01 de julho de 2021 a 30 de junho de 2023 - e estando indicado “o mês de novembro (de 2021) para retorno aos treinos”, está verificada a condição aposta nesse contrato.

E iniciado o contrato em 01 de julho de 2021, a comunicação da Ré, em 15 de julho de 2021, nos termos descritos no ponto 17. dos factos provados, constituiu um despedimento ilícito, com as consequências legais apuradas no acórdão recorrido.

Improcede, assim, o recurso de revista do Réu.

IV. - Decisão

Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social, julgar improcedente o recurso de revista do Réu e manter o acórdão recorrido.

Custas a cargo do Réu.

Lisboa, 16 de outubro de 2024

Domingos José de Morais (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Mário Belo Morgado