Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | ATRIBUIÇÃO DE HORÁRIO FLEXÍVEL TRABALHADOR COM RESPONSABILIDADES FAMILIARES PARECER | ||
Data do Acordão: | 11/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | Só uma aceitação do empregador do pedido de horário flexível apresentado pelo trabalhador “nos seus precisos termos” é que dispensa o empregador de submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 5376/22.6T8PRT.P1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, Relatório AA, patrocinada pelo Ministério Público, intentou contra Instituto Português de Oncologia …, EPE a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação do Réu a: “a) A reconhecer o direito da Autora de trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, numa das seguintes alternativas: - Turno da manhã, entre as 08h00 e as 15h00 (com saída às 13h00, enquanto beneficiar de licença para amamentação); - Turno intermédio das 10h00 às 17h00 (com saída às 15h00, enquanto beneficiar de licença para amamentação); - Qualquer horário de trabalho compreendido entre as 8h00 e as 17h00, com respeito pelo período semanal de trabalho de 35 horas e pela dispensa para amamentação. b) No pagamento da quantia de €100,00, por cada dia efetivo de trabalho, em que a Ré imponha à Autora o cumprimento de horário diferente das alternativas indicadas, a título de sanção pecuniária compulsória”. O Réu contestou. Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, com seleção de matéria assente e temas da prova. No início da audiência de julgamento foi determinada a apensação do processo n.º 20.232/22.0..., intentada por BB, patrocinada pelo Ministério Público, contra o Réu. Nesta ação, a aí Autora formulou pedidos idênticos aos efetuados pela Autora AA. Na sequência da apensação, por despacho de 28.02.2023, foram aditados temas da prova e factos à matéria assente. Foi realizada a audiência de julgamento, Em 20.06.2023, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu dos pedidos. As Autoras interpuseram recurso de apelação. Por acórdão de 18.04.2024, o Tribunal da Relação acordou “em julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julga-se a ação procedente e condena-se o Réu a permitir o direito das Autoras a trabalhar em regime de horário flexível, concretizado na afetação ao turno da manhã, entre as 8h00 e as 15h00, com a cominação da aplicação de sanção pecuniária compulsória, nos termos peticionados.” O Réu veio interpor recurso do acórdão do Tribunal da Relação. O seu recurso apresenta as seguintes Conclusões: a) Firmou o tribunal a quo a sua decisão no facto de ter entendido que a decisão do Recorrente que versou sobre o pedido de horário flexível formulado pelas Recorridas, consubstanciava uma recusa, b) Perante o que, o Recorrente deveria ter enviado tal alegada intenção para análise da CITE, o que não tendo feito configura a violação do artigo 57.º n.º 5 do Código do Trabalho, cuja consequência se fixa na imposição de aceitação do pedido das Recorridas sem mais. c) Contudo, uma tal interpretação dos factos e das normas que ao caso cabe aplicar não corresponde, salvo o devido respeito, àquela que se impunha. d) Assim, dos factos dados como provados resulta patente que o horário de trabalho das Recorridas, até apresentação do pedido de horário flexível, era o horário da tarde. e) Contudo, após apresentação do pedido de horário flexível e depois de análise e decisão que sobre o mesmo versou, as Recorridas passaram a laborar no horário das manhãs. f) Só assim não sucedendo quando o serviço não o permitisse, o que ocorria quando se afirmava um excesso de recursos humanos da parte da manhã e défice na tarde, em virtude de mais profissionais terem exercício o mesmo direito e não ser possível, laborarem todos sempre na manhã. g) De qualquer das formas, se o horário das Recorridas era o da tarde e se passaram a laborar na manhã, sendo a tarde uma exceção quando o serviço assim o impusesse, e entendendo-se que sobre o seu pedido versou uma recusa por parte do Recorrente, não se compreende ao abrigo de que direito laborariam de manhã. h) Isto é, nada mais legitimaria o exercício do labor de manhã por parte das Recorridas que não o deferimento do seu pedido de horário flexível. i) Nem tão pouco poderá sustentar a ideia de que sobre o pedido das Recorridas versou uma intenção de recusa pelo simples facto de o exercício do direito ter de sofrer adaptações fundamentadas nas “necessidades do serviço”. j) Que remete para a expressão utilizada no n.º 2 do artigo 57.º quanto ao fundamento de recusa, k) Pois que, na verdade, não deverá tal expressão ser entendida como sendo fundamento exclusivo de uma decisão de recusa. l) Além do mais, entender-se que a decisão sobre o pedido formulado pelas Recorridas configura uma recusa significa deturpar por completo o espírito subjacente à norma. m) Por um lado, jamais o legislador quis prever tal direito como absoluto, isto é, cuja atitude a esperar da entidade empregadora é de mera passividade, olvidando-se que estas estão configuradas para o exercício normal da jornada de trabalho, n) Tendo que ser sujeitas a adaptações, o que nem sempre é possível, perante pedidos como os de horário flexível, os quais, pese embora não pretendendo recusar, não podem observar sem mais. o) Aliás, como é consabido, o direito a horário flexível, não confere ao trabalhador a escolha livre de um horário, antes sim que pretende ter flexibilidade com preferência num determinado período. p) Mas do lado do empregador não espera o legislador que verse uma pura aceitação, antes podendo aceitar, mas adaptando tal pedido à realidade do serviço em que se insere. q) Se assim não fosse, isto é, se estas meras adaptações fossem suficientes para configurar uma intenção de recusa, então significaria que a obrigatoriedade de envio à CITE se impunha em todas as situações, o que não é, manifestamente, a intenção da norma. r) Deste modo, bem andou a sentença de 1.ª instância quando determinou que a decisão do Recorrente que versou sobre o pedido das Recorridas jamais configuraria uma qualquer recusa, não se impondo o envio á CITE nos termos do artigo 57.º n.º5 do Código do Trabalho. s) Impondo-se, porquanto contrário ao direito, a revogação do acórdão de que ora se recorre. As Autoras contra-alegaram, com o patrocínio do Ministério Público. Fundamentação De Facto As instâncias consideraram provados os seguintes factos: “1 - O R. (ou IPO) dedica-se à prestação de cuidados de saúde, etc. 2 - A A. AA foi admitida ao serviço da Ré, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 10-02-2013. 3 - Sob as ordens direção e fiscalização da Ré, exerce as funções de Técnica de …, competindo-lhe realizar tratamentos oncológicos, mediante aplicação de …. 4 - Como contrapartida pelo trabalho prestado, aufere a retribuição fixa, mensal e regular de €1 215,93, acrescida de subsídio de alimentação de €4,77, por dia de trabalho efetivo. 5- O R. organiza o trabalho dos cerca de 60 técnicos do serviço de …, em dois turnos diários, sendo um das 8h00 às 15h00 (turno da manhã) e outro das 14h00 às 21h00 (turno da tarde), com descanso ao sábado e ao domingo. 6 - A A. AA cumpria, normalmente, o turno da tarde. 7 - Em 11-07-2020, a indicada A. teve um bebé, CC, com quem reside em comunhão de mesa e habitação. 8 - Em 04-11-2020, requereu ao R., a atribuição de horário flexível “dada a necessidade de acompanhar direta e pessoalmente o filho menor, com idade de 0 anos (3 meses) a frequentar a respetiva escola e que, por motivos que se prendem também com a atividade profissional do outro progenitor, em que o seu horário laboral é incompatível com o horário escolar, o pedido de flexibilidade de horário é vital para poder conciliar a vida familiar em função dos horários de trabalho de ambos”. 9 - A A. AA solicitou então que lhe fosse atribuído o “período da manhã: das 8h00 ás 15h00, sendo que, não tem com quem deixar o menor, após as suas atividades escolares terminarem”. 10 - Em resposta a essa solicitação, em 19-11-2020, o IPO emitiu a seguinte recomendação: “(…) deverá o respetivo Técnico Coordenador, na elaboração dos horários procurar observar, sempre que possível, as pretensões da requerente, salvaguardando a realização de horários de manhã (08h – 15h), sem prejuízo da mesma assegurar a realização de outro tipo de horários que, por necessidade imperiosa do serviço, necessitem de ser assegurados, devendo ser sempre observada a distribuição equitativa pelos trabalhadores e trabalhadoras com necessidades semelhantes”. 11 - A A. AA esteve de licença de maternidade e regressou ao trabalho em Abril de 2021. Entre Abril e Agosto de 2021, o R. deu cumprimento à solicitação da mesma e atribuiu-lhe sempre o turno da manhã. 12 - Entretanto, a A. AA gozou um curto período de férias e voltou ao trabalho em 06-09-2021. Nesse mês de Setembro foi-lhe atribuído o turno da tarde. 13 - Por escrito de 21-09-2021, a A. AA insistiu junto do R. pela atribuição de horário flexível. 14 - Nessa comunicação, a indicada A. colocou à ponderação do R., as seguintes hipóteses de horário de trabalho, compatíveis com a sua situação familiar: i. Turno da manhã, entre as 08h00 e as 15h00 (com saída às 13h00, enquanto beneficiasse de licença para amamentação); ii. Turno intermédio das 10h00 às 17h00 (com saída às 15h00, enquanto beneficiasse de licença para amamentação); iii. Qualquer horário de trabalho compreendido entre as 8h00 e as 17h00, com respeito pelo período semanal de trabalho de 35 horas e pela dispensa para amamentação. 15 - Em 01-10-2021, o R. deu resposta a esta nova solicitação nos precisos termos da comunicação anterior, deixou “nas mãos” da responsável pela gestão do serviço, a decisão de o satisfazer ou não, não determinando os critérios, a que a fixação de horários deveria obedecer. 16 - Em Outubro de 2021, o pedido da A. foi satisfeito e foi-lhe atribuído o turno da manhã. Em Novembro de 2021, o mesmo não aconteceu, e o horário fixado consistiu em 5 manhãs e 16 tardes. Em Dezembro de 2021, o R. atribuiu-lhe o turno da tarde, durante o mês todo, mas a A. trocou com uma colega e acabou por fazer o turno da manhã. Em Janeiro de 2022, o R. atribuiu à Autora 5 manhãs e 16 tardes. Em Fevereiro de 2022, teve que realizar sempre o turno da tarde. 17 - Em Março de 2022, também lhe foi fixado o turno da tarde, mas como se tornou necessário foi substituir uma colega, cumprindo o turno da manhã. 18 - A CITE emitiu parecer no sentido de considerar: “Ora, no caso em apreço, afigura-se que a entidade empregadora, após a receção do pedido de V. Exa., apresenta uma recusa parcial do pedido de trabalho em regime de horário flexível, porquanto condiciona a sua autorização ao período de 12 meses e á possibilidade de a trabalhadora assegurar outro tipo de horários mediante a necessidade imperiosa do serviço. Com efeito, o que se tem entendido é que, após a receção do pedido de trabalho em regime de horário flexível, a entidade empregadora ou aceita o pedido nos seus precisos termos, ou recusa, ainda que parcialmente. Neste sentido, considerando que a empregadora recusou parcialmente o pedido de V. Exa., deveria ter solicitado o pedido de Parecer prévio á CITE, conforme determina o nº 5 do artigo 57º do Código do Trabalho. Sucede que, atendendo a que a entidade empregadora não solicitou a emissão de parecer prévio a esta Comissão quando estava obrigada a fazê-lo, somos de concluir que, nos termos da alínea c) do nº 8 do artigo 57º do Código do Trabalho, considera-se que a entidade empregadora aceitou o seu pedido, nos seus precisos termos, porquanto não submeteu o processo para apreciação desta comissão nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação da trabalhadora.” – doc. 21 19 - A A. comunicou ao R., o parecer da CITE, acima referido, em 17-11-2021, mas o R. não alterou a sua decisão. 20 - No departamento onde as AA. exercem funções, existem 4 trabalhadores em condições de beneficiarem de horário flexível e que pretendem trabalhar em períodos coincidentes com o escolhido pelas AA. 21 - Face a esta circunstância, a responsável pela elaboração dos horários decidiu atribuir o horário pretendido a cada uma dessas trabalhadoras, um mês, rotativamente 22 - A Autora BB foi admitida ao serviço da Ré, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 09-12-2014. 23 - Sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, a mesma demandante exerce as funções de Técnica de Diagnóstico e Terapêutica de …, competindo-lhe realizar tratamentos oncológicos, mediante aplicação de …. 24 - Como contrapartida pelo trabalho prestado, aufere a retribuição fixa, mensal e regular de € 1.215,93, acrescida de subsídio de alimentação de €4,77, por dia de trabalho efetivo. 25 - A Ré organiza o trabalho dos cerca de 60 técnicos do serviço de …, em dois turnos diários, sendo um das 8h00 às 15h00 (turno da manhã) e outro das 14h00 às 21h00 (turno da tarde), com descanso ao sábado e ao domingo. 26 - Em 11-05-2021, a Autora BB teve um bebé, DD, com quem reside em comunhão de mesa e habitação. 27 - Em 16-02-2022, data em que regressou ao trabalho, após o gozo da licença de maternidade, requereu à entidade empregadora, a atribuição de horário flexível porque “atenta a sua idade, filho necessita de especial disponibilidade, vigilância e acompanhamento da requerente. Apesar de viver em união de facto, o pai da criança, EE trabalha por conta de outrem tendo de se ausentar frequentemente para os locais das obras que a entidade patronal executa, longe da sede da empresa, por todo o país, tenho de pernoitar fora de casa pelos dias necessários á execução dos trabalhos, conforme se comprova pela declaração emitida pela entidade patronal que se junta em anexo”. – doc. 16 28 - A Autora BB solicitou então que lhe fosse atribuído “horário flexível, concentrado preferencialmente num período do dia, o da manhã, de segunda a sexta-feira, nos dias úteis, num período compreendido entre as 07.30 horas e as 16.00 horas, no máximo”. 29 - Em resposta a essa solicitação, em 02-03-2022, o IPO emitiu a seguinte recomendação: “Pelo que, e considerando o compromisso assumido pelo IPO Porto EPE em promover a conciliação da vida profissional com a vida familiar, deverá o respetivo REH, na elaboração dos horários procurar observar, sempre que possível, as pretensões da requerente, salvaguardando a realização de horário de manhãs (08h às 15h), sem prejuízo de a mesma assegurar a realização de outro tipo de horários que, por necessidade imperiosa do serviço, necessitem de ser assegurados, devendo ser sempre observada distribuição equitativa pelos trabalhadores e trabalhadoras com necessidades semelhantes. Deve a requerente, previamente á elaboração das escalas, informar a respetiva chefia das necessidades de conciliação de horários para esse período. A presente autorização deverá ser revista um ano após a data de deliberação do Conselho de Administração”. 30 - A Autora BB reagiu a esta decisão, por e-mail de 07-06-2022, interpretando-a como recusa do seu pedido, pois “na verdade, e embora na vossa resposta indiquem que o pedido foi “autorizado”, a decisão tomada por V. Exas não aceita aquilo que foi requerido, nem tão pouco corresponde ao que está a ser praticado”. 31 - O Réu organiza o trabalho dos técnicos do Serviço ..., em dois turnos diários, sendo um das 08h00 às 15h00 (turno da manhã) e outro das 14h00 às 21h00 (turno da tarde), com descanso ao sábado e ao domingo. 32 - Neste momento, no Serviço ..., existem a laborar 64 técnicos, 36 com horário da manhã e os restantes 28 com horário da tarde. 33 - Para assegurar a atividade em cada Acelerador deverão estar alocados pelo menos 3 técnicos (em cada turno). 34 - O Serviço... dispõe de 9 aceleradores lineares e 2 tomografia computorizada (TC). 35 - O acelerador linear é um dispositivo utilizado no Serviço ..., que tem como função emitir a radiação utilizada em diversos tratamentos. 36 - Dos 9 aceleradores lineares, um está dedicado apenas ao tratamento de Radioterapia Intraoperatória que se realiza à segunda-feira de manhã e, esporadicamente, também à quarta-feira no horário da manhã (de acordo com o horário do bloco operatório). 37 - Nos dias em que se realizam estes procedimentos são necessários dois técnicos do horário da manhã para assegurar esta atividade. 38 - Existem ainda 4 técnicos do turno da manhã que desempenham tarefas que não se prendem diretamente com a atividade assistencial do doente, isto é, Coordenação, Estatística, Tratamento de Dados do Serviço e Agendamento, pelo que, no turno da tarde são necessários 3 técnicos por Acelerador (3x8Ac) e 4 técnicos nos TC’s, 2 em cada TC. 39 - São 6 as técnicas pertencentes ao horário da tarde (14h-21h) que beneficiam do regime de horário de trabalho flexível por motivo de responsabilidades familiares, isto é, que pretendem transpor para o regime de horário das 8h-15h. 40 - Nos meses de Fevereiro e Março de 2022, foi atribuído à A. BB, o turno da tarde. Em Abril, Junho, Agosto e Outubro foi atribuído, à mesma demandante, o turno da manhã. Em Maio, Julho e Setembro foi atribuído a esta mesma A. o turno da tarde. Em Novembro foi atribuído à A. BB, o turno da tarde, mas esta trocou com uma colega e faz o turno da manhã. 41 - De 1 de Abril de 2020 até 6 de Setembro de 2021 (331 dias no total), dos 184 dias que a Autora trabalhou, 138 trabalhou no turno da manhã das 8h-15h; estando destacada para cumprir o horário das 14h-21h em apenas 46 dias, por motivo de necessidade imperiosa do serviço. 42 - Mesmo entrando na rotação com as colegas que têm necessidades idênticas, desde 6 de Setembro de 2021, dos 109 dias que a Autora trabalhou, em 46 laborou no horário da manhã. 43 - Neste momento, no serviço de …, existem quatro trabalhadoras em condições idênticas às da Autora BB, ou seja, que reúnem os pressupostos para beneficiarem de horário flexível e que pretendem trabalhar no turno da manhã. 44 - A coordenadora do serviço estabeleceu um regime de rotatividade entre as quatro técnicas. 45 - A Ré recusou-se a alterar a posição assumida, conforme resposta remetida à mesma Autora – cfr. doc. junto sob o nº18 com a p.i. 46 - A Autora BB tem um filho nascido em ... de 2021, que frequenta a creche. 47 - Sendo-lhe imposto o horário da tarde, esta mesma Autora fica impossibilitada de ir buscar o filho à creche e quanto regressa casa, depois das 22h00, a criança já está a dormir. 48 - A referida Autora reside em .... De Direito Decorre dos factos dados como provados – e, aliás, não é impugnado pelo Recorrente – que as Autoras reúnem, ambas, os pressupostos exigidos pelo artigo 56.º n.º 1 do Código do Trabalho (doravante designado de CT) para o exercício do direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível e que exerceram tal direito com a antecedência e o procedimento previstos no artigo 57.º n.º 1. A única questão que se discute no presente recurso é a de saber se a resposta que lhes foi dada representou uma recusa por parte do empregador o que, a ser o caso, determina a obrigação do empregador de remeter o processo para apreciação pela CITE (artigo 57.º, números 4 e 5 do CT), sendo que caso o empregador não cumpra esta obrigação o pedido do trabalhador considera-se como tendo sido aceite “nos seus precisos termos” (artigo 57.º, n.º 8, alínea c) do CT). O Recorrente pretende que a sua resposta representou uma aceitação do pedido, tanto mais que as trabalhadoras passaram a trabalhar no horário da manhã, só assim não sucedendo quando as necessidades do serviço não o permitiram (Conclusões e) e f)). Será assim? A solicitação ou pedido realizado pelo trabalhador no exercício do seu direito a trabalhar em regime de horário flexível é, no fim de contas, uma proposta de alteração de um elemento do seu contrato de trabalho. Ora o Código Civil esclarece no seu artigo 233.º que “[a] aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa a rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta contanto que outro sentido não resulte da declaração”. Neste caso responder sim, “sempre que seja possível”, “na medida em que for equitativo” não é aceitar o pedido. Aliás, que o pedido não foi, em rigor, aceite resulta inequivocamente da matéria de facto dada como provada – vejam-se, por exemplo, em relação à Autora AA os factos 12, 16 e 17, dos quais resulta que a mesma realizou a sua atividade laboral nos turnos da tarde nos meses de setembro e de novembro de 2021 e janeiro (parcialmente) e fevereiro de 2022 e em relação à Autora BB os factos 40 e 41 ( de 1 de Abril de 2020 até 6 de Setembro de 2021 dos 184 dias que a Autora trabalhou 46 foram no horário da tarde). Impunha-se, pois, ao empregador o qual, em rigor, recusou o pedido, solicitar o parecer da CITE. Neste pedido de parecer deveria ter apresentado os motivos justificativos da recusa. Ainda que a lei não o diga expressamente a contraproposta apresentada às trabalhadoras poderia ter sido aceite pelas mesmas, mas tal não sucedeu no caso vertente. A exigência de pedido de parecer em um caso como o presente não desvirtua o espírito da norma, ao contrário do que pretende o Recorrente. Bem ao invés o que frustraria os desígnios do legislador ao impor o pedido de Parecer seria admitir que uma resposta que não fosse um sim inequívoco tornasse desnecessário o Parecer da CITE. O incumprimento da obrigação de pedido do parecer acarreta nos termos legais que o pedido se considera aceite nos precisos termos em que foi feito. Decisão: Negada a revista. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 6 de novembro de 2024
Júlio Gomes (Relator) Albertina Pereira Mário Belo Morgado |