Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE INSOLVÊNCIA CONTRADIÇÃO DE JULGADOS ACÓRDÃO RECORRIDO ACORDÃO FUNDAMENTO QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO IDENTIDADE DE FACTOS ÓNUS DE ALEGAÇÃO DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA PRESSUPOSTOS INCUMPRIMENTO OBRIGAÇÕES | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA COMÉRCIO | ||
| Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
| Sumário : | I. Nos termos do artigo 14.º do CIRE, os tribunais da Relação são, em regra, a última instância em matéria insolvencial, só se justificando a intervenção do STJ, para orientar o sentido a seguir pela jurisprudência, quando se constate que em dois acórdãos foi julgada de forma divergente a mesma questão fundamental de direito. II. Para efeitos deste regime específico de recurso, o recorrente tem o ónus de demonstrar a clara existência de oposição entre o acórdão recorrido e um acórdão fundamento, sobre a mesma questão jurídica, proferidos no mesmo quadro legal e em hipóteses fácticas equiparáveis. III. Não existe oposição de decisões, sobre a interpretação do artigo 20.º, n.º 1, alínea b) do CIRE, quando os acórdãos em confronto convergem no entendimento normativo de que a falta de cumprimento de uma obrigação que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, é suscetível de sustentar a declaração de insolvência do devedor, sendo o concreto sentido decisório (de decretar ou não a insolvência) sustentado pelas particularidades factuais que revelam a potencial solvabilidade de cada devedor concreto. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. ARES LUSITANI - STC, S.A., sociedade com sede em Lisboa, requereu a declaração de insolvência de AA, com domicílio em Cascais. Alegou a requerente, em síntese, que por contrato de cessão de créditos e escritura pública de cessão de créditos hipotecários, celebrados em 02.04.2020, a requerente adquiriu ao Novo Banco, S.A. um conjunto de créditos de que este era titular, acompanhado dos respetivos juros, garantias e acessórios, entre os quais os créditos que este detinha sobre o requerido, o qual, em face de renegociações de que foi objeto e de pagamentos entretanto efetuados, ascende atualmente ao valor de €1.203.655,64 a título de capital, a que acrescem juros de mora vincendos até integral pagamento. Mais alegou que a cessão foi notificada à devedora e mutuária, sociedade Impalagest – Consultadoria de Gestão, S.A. (Zona Franca Da Madeira) e aos garantes, o aqui requerido e avalista, AA, e à sociedade Actitur – Arquitetura e Engenharia, S.A., por cartas registadas. Os créditos foram após cessão renegociados com os devedores. Alegou que o requerido é empresário, desenvolvendo a sua atividade, sobretudo, no sector da comunicação social; é, desde sempre, presidente do Conselho de Administração do grupo Impala. O requerido garantiu pessoalmente o cumprimento das obrigações da sociedade Impalagest no âmbito do contrato de financiamento celebrado com o Novo Banco, S.A. e constituiu hipotecas a favor da requerente. O crédito supra referido foi renegociado e encontra-se em incumprimento; e apesar de interpelados para o efeito, nem as sociedades Actitur e Impalagest, nem o Requerido sanaram o incumprimento. Mais alegou que o Requerido se encontra numa situação de insolvência, por não dispor de liquidez para pagar as suas dívidas já vencidas. A venda dos imóveis hipotecados a favor da requerente encontra-se comprometida com o arresto preventivo dos bens que integram o património do requerido, e inviabilizada a recuperação do seu crédito por essa via. O requerido não reúne condições para poder obter crédito junto de qualquer terceiro, designadamente de qualquer instituição bancária. O requerido também incumpre obrigações perante outros credores, como resulta da penhora registada a favor da Fazenda Nacional sobre o Imóvel Localização 1. As frações hipotecadas a favor da Requerente, constituídas pela Actitur, não são suficientes para fazer face às responsabilidades que lhes estão associadas. Nenhuma das sociedades do Grupo, incluindo a própria Impalagest (também ela em trâmites de insolvência) terá capacidade para cumprir as suas responsabilidades financeiras, uma vez que a Requerente requereu a declaração de insolvência das sociedades Impalagest e Actitur. Concluiu que o património do Requerido é insuficiente para fazer face às suas obrigações e satisfação das suas dívidas. 2. O requerido deduziu oposição quanto aos factos alegados na petição inicial, afirmando, em síntese, que a Requerente tem garantias constituídas sob bens imóveis que lhe permitem liquidar o seu crédito e apresentou ação executiva (que ainda se encontra ativa e que corre os seus termos contra a sociedade Actitur), onde estão penhoradas 18 frações autónomas, no valor total de €4.082.712,90. O requerido não está em incumprimento no pagamento de obrigações vencidas, não tem dissipado, abandonado, liquidado de forma apressada ou ruinosa o seu património ou realizado a constituição fictícia de créditos. Alegou que não tem dívidas emergentes de contratos de trabalho, quer pela sua violação, quer pela cessação dos mesmos, não é devedor de quaisquer rendas de contratos de locação financeira ou empréstimos garantidos por hipoteca. O único credor do Requerido com dívida vencida é a requerente. Também não é verdade que o requerido não tenha condições para obter crédito junto de instituições bancárias. Requereu, caso venha a ser declarado insolvente, a exoneração do passivo restante. Terminou pedindo a improcedência da ação e a absolvição do pedido de declaração de insolvência. A requerente, notificada para se pronunciar sobre as exceções, apresentou resposta e juntou documentos. 3. A primeira instância proferiu sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga este Tribunal a acção totalmente improcedente e, em consequência, decide absolver o Requerida do pedido de declaração de insolvência.» 4. Inconformada, a recorrente interpôs recurso de apelação, tendo o TRL, em 25.03.2025, proferido acórdão com o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto, acordam as juízas desta secção em julgar procedente a apelação, com consequente revogação da sentença recorrida, que deve ser substituída por outra, de declaração da insolvência do recorrido» 5. Contra esse acórdão, o requerido interpôs recurso de revista nos termos do artigo 14.º do CIRE, Nas suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: «Nos termos do art.º 14.º, n.º 1, do CIRE, só é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme. II - A admissibilidade do presente recurso de revista resulta da oposição do Acórdão recorrido com os seguintes acórdãos: - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 3800/19.4T8VNG.P1, de 09/03/2020, in www.dgsi.pt, cfr. Doc. 1 ora junto; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 4529/11.7TBVLG.P1, de 15/10/2012, in www.dgsi.pt, cfr. Doc. 2 ora junto: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 877/13.0 YXLSB.L1-6, de 04/12/2014, in www.dgsi.pt, cfr. Doc.3 ora junto; - Acórdão do Supremo Tribunal de justiça. Processo n.º 1631/20.8T8BRR.L1.S1, de 24/5/2022, in https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:1631.20.8T8BRR.L1.S1.1D?search=Vm4TJ99j-hYOPPHdaeY, cfr. Doc. 4 ora junto. III - Os acórdãos em confronto não atribuíram idêntico relevo normativo à existência dos diferentes tipos de débitos referidos na alínea b) do n.º 1 do art.º 20º do CIRE, quando aplicaram esta disposição, tendo, por essa razão, proferido decisões de sentido distinto em comparação com o acórdão que ora se recorre. IV - Efectivamente, entendeu-se nos acórdãos que ora se indicaram que, não se tendo demonstrado a existência de outras dívidas incumpridas para além do débito da Recorrente, a existência deste débito, por si só, não permitiria considerar verificado o factor índice previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 20º do CIRE. V - Também não foi valorado e apreciado pelo Tribunal da Relação as circunstâncias do incumprimento e as negociações que foram sido estabelecidas ao longo dos últimos anos, ao contrário dos acórdãos em sentido contrário que ora se invocam e que entenderam ser relevante tais factos para a não aplicação da al. b) do art.º 20.º. VI - Por último, o acórdão que ora se recorre não apreciou o facto de terem sido efectuados pagamentos ao longo destes últimos anos, ao contrário dos acórdãos em sentido contrário que se indicaram que valoraram o facto de nalgumas situações terem sido efectuados pagamentos e a dívida ter sido reduzida. VII - Constata-se, assim, a existência de divergências interpretativas de uma mesma norma, pelo que, o recurso de revista é admissível. VIII - O Tribunal da Relação decidiu revogar a sentença recorrida e declarou a insolvência do Recorrido por entender estar preenchido o art.º 3.º, n.º 1 e art.º 20.º, n.º 1, al. b) do CIRE. IX - Nos presentes autos ficou provado que: “1. O Requerido tem a sua situação tributária regularizada, cfr. Facto provado a 59). A dívida junto da Segurança Social tem origem na sociedade DescobrirPress, SA., não sendo o Recorrido o devedor originário da mesma, ou seja, o Recorrido não é devedor de contribuições e quotizações para a Segurança Social proveniente da sua actividade própria, mas sim por ter sido administrador da identificada sociedade. Acresce ainda que, está pendente o recurso apresentado pelo Recorrido à reversão efectuada pela Segurança Social, o qual ainda não foi objecto de decisão, cfr. Facto provado a 60), pelo que, o Recorrido não tem incumprido, de forma generalizada, nos últimos 6 meses, o pagamento de dívidas tributárias e de contribuições e quotizações à Segurança Social. 3 - O Recorrido não tem dívidas emergentes de contrato de trabalho, quer pela sua violação, quer pela cessação dos mesmos. 4 - O Recorrido deu de garantia o seu património pessoal e constituiu-se como avalista, o que é revelador da sua boa fé e da intenção séria de querer cumprir com as suas obrigações, cfr. Factos provados a 15), 19), 33) e 35). 5 – A Recorrente recebeu o valor de € 498 750,00, cfr. Facto provado a 50). 6 - A divida inicial era de € 2 100 000,00 e actualmente ascende a € 1 203 655,64, Factos provados a 14) e 53), o que evidencia que a divida foi sendo liquidada e diminuiu.” X - A Recorrente aceitou e não impugnou que no ano de 2023 recebeu mais de € 700 000,00, pelo que, na realidade e expurgando as moratórias e, tendo em conta o último acordo, foi liquidado mais de 40% da divida à Recorrente no ano de 2023. XI - Efectivamente, a Recorrente apenas adquiriu o crédito no ano de 2020, cfr. Facto provado a 24) e resulta da matéria de facto provada que ao longo dos últimos anos houve da parte de todos os intervenientes diversas negociações e aditamentos ao contrato inicial, para além do ora Recorrente ter-se constituído como avalista e dado bens de garantia. XII - Pelo que, não é correcto que o Tribunal da Relação tenha entendido que o facto de terem existido diversos acordos ao logo dos últimos anos, seja um elemento que preencha a al. b) da referida disposição legal. XIII. Também não resultou da prova produzida que o ora Recorrente tenha ausência de liquidez e que não tenha montantes suficientes para cumprir com as suas obrigações, porquanto ficou como provado e não provado o seguinte: «1- O Recorrente aufere o valor mensal liquido de € 4 611,01, a título de pensão por velhice, cfr. Facto provado a 76); 2 - Nos meses de Janeiro, Abril, Agosto, Setembro e Outubro de 2024, o Recorrente auferiu o valor iliquido de € 135 000,00 e no ano de 2023, auferiu o valor iliquido de € 46 235,84, cfr. Facto provado a 80); 3 - O Recorrente é dono e legitimo proprietário das marcas nacionais que constam do facto provado a 81); 4 - O Recorrente é dono e legitimo proprietário das quotas e ações societárias que constam do facto provado a 82); 5 - Não ficou provado que os imóveis sobre os quais foram constituídas hipotecas não são líquidos e que não têm valor suficiente para fazer face a responsabilidades que lhes estão associadas, cfr. Facto não provado na alínea a); 6 - Não ficou provado que o encerramento e liquidação das sociedades do grupo em processo de insolvência inviabilizará os reembolsos dos valores em dívida e impossibilitará a eventual geração futura de rendimentos que integram a esfera do Recorrido, cfr. Facto não provado a alínea b) 7 - Não ficou provado que o património do Recorrido tem ausência total de liquidez, cfr. Facto provado a alínea f).» XIV - Atendendo aos factos provados e não provados, a situação do Recorrente não apresenta a amplitude de incumprimento que a Recorrida alegou e pretende fazer passar, nem a situação patrimonial do activo do Recorrente se configura com a debilidade e o estado de penúria alegada pela Recorrida. XV - Pelo que, não andou bem o Tribunal da Relação ao ter entendido que o Recorrente tem ausência de liquidez e que esta ausência não é ultrapassada pelo facto de ser titular de imóveis, marcas nacionais, participações e acções societárias e, do crédito da Recorrida beneficiar de garantias. XVI. - É entendimento geral da doutrina e da jurisprudência que para a caracterização da insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem que abranger todas as obrigações assumidas e vencidas, sendo que “ (…) o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a importância, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.” – in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, pág. 86., 3.º Edição, Editora Quid Juris. XVII - Prescreve o art. 20º, n.º 1, al. b) do CIRE que o credor pode requerer a insolvência do devedor se em relação a este se registar uma situação de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. XVIII - Sublinhe-se que a impossibilidade de cumprimento fundamentadora da verificação de uma situação de insolvência não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas, pois que o que verdadeiramente releva é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. XIX - Sendo assim e estando provado que o Recorrido não é devedor de mais nenhuma obrigação para além da que existe para com a Recorrente, não se pode concluir que o incumprimento do débito da Recorrida revela a incapacidade do Recorrente em satisfazer, generalizadamente, outra ou outras obrigações de que seja devedor. XX. Está demonstrado, assim, que não existe por parte do Recorrente: - Falta de cumprimento de mais obrigações que, pelo seu montante ou circunstâncias, revelem a impossibilidade em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; - Insuficiência de activos e de património; - Insuficiência de rendimentos; -Incumprimento generalizado, nos últimos 6 meses, de dívidas tributárias, contribuições e quotizações para a Segurança Social, rendas de locação, financeira ou outras, ou de empréstimos garantidos por hipoteca. XXI. Discorda-se que o facto de existir, ao longo dos últimos anos, um histórico de negociações com a celebração de aditamentos ao contrato inicial, possa consubstanciar falta de liquidez e de meios para a obter e, bem assim, de estar preenchida a impossibilidade do devedor em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, XXII - Pelo contrário, é revelador que o Recorrido agiu de boa fé e tudo fez para cumprir com as suas obrigações! XXIII - Assim, está afastado o facto índice previstos no art.º 20º, nº 1, al. b) do CIRE, o único que está em apreciação e a ser julgado no caso concreto. XXIV - Do exposto, entende-se que foram violados os art.ºs 3.º, n.º 1 e 20, n.º 1, al. b) do CIRE, por não ser aplicável ao caso concreto, porquanto não se verifica que o Recorrente se encontra impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas e, bem assim, por não se verificar a impossibilidade do Recorrente em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, assim se fazendo justiça!» 6. A recorrida respondeu, sustentando, em síntese, a inadmissibilidade da revista e a sua improcedência. 7. Distribuídos os autos no STJ, e prefigurada a inadmissibilidade da revista, foi o recorrente notificado para, facultativamente, se pronunciar nos termos do artigo 655.º do CPC. 8. O recorrente respondeu, pronunciando-se pela admissibilidade da revista. Afirmou, em síntese, que a jurisprudência que exige uma identidade absoluta entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento faz uma interpretação muito restritiva do artigo 14.º do CIRE, o que conduzirá a restringir o acesso ao direito e a um processo equitativo. Reiterou ainda, no essencial, o entendimento, já sustentado nas alegações de recurso, no sentido da existência de oposição entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamento, o que justificaria a admissibilidade do recurso. 9. Por decisão de 01.09.2025, proferida nos termos do artigo 652º, n.º 1 alínea h), ex vi do artigo 679.º do CPC e do artigo 17.º do CIRE, julgou-se findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto. 10. O recorrente, discordando dessa decisão, pediu a intervenção da Conferência para que sobre ela recaísse acórdão que admitisse a revista. No seu requerimento, reiterou, na essência, a tese que já havia sustentado, tanto nas alegações de recurso como na resposta à notificação prevista no artigo 655.º do CPC, mostrando-se convencido da existência de oposição de acórdãos, justificadora da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 14.º do CIRE. 11. A credora “Ares Lusitani, S.A.” respondeu, pronunciando-se no sentido da inadmissibilidade da revista e, consequentemente, do indeferimento da reclamação. Cabe apreciar em Conferência. * II. FUNDAMENTOS 1. A questão da admissibilidade da revista Como se afirmou na decisão singular, agora reclamada, está em causa uma decisão proferida num processo de insolvência, pelo que o recurso de revista só será admissível caso se encontrem preenchidos os requisitos cumulativos exigidos pelo artigo 14.º do CIRE. Dispõe esta norma: «No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.» Como decorre deste artigo, os tribunais da Relação são, em regra, a última instância em matéria insolvencial, só se justificando a intervenção do STJ, para orientar o sentido a seguir pela jurisprudência, quando se constate que em dois acórdãos foi «decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito». Como a jurisprudência do STJ tem reiteradamente entendido, para efeitos deste regime específico do processo de insolvência, o recorrente tem o ónus de demonstrar a clara existência de oposição entre o acórdão recorrido e um acórdão fundamento, sobre a mesma questão jurídica, proferidos no mesmo quadro legal e em hipóteses fácticas equiparáveis, como a jurisprudência do STJ tem reiteradamente afirmado. Só feita a demonstração dessa oposição se justifica, nos termos do artigo 14.º do CIRE, a intervenção orientadora da jurisprudência do STJ sobre o modo como os tribunais devem aplicar as normas em causa. 2. O acórdão recorrido entendeu, em síntese, que se encontrava preenchida a hipótese da alínea b) do artigo 20.º, n.º 1 do CIRE, que faz presumir a situação de insolvência do requerido, e que este não demonstrou que tinha liquidez para cumprir as suas obrigações vencidas. Consequentemente, foi decretada a insolvência do requerido. Dispõe o artigo 20º, n.º 1 do CIRE: «A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;» 3. O recorrente indicou quatro acórdãos fundamento para justificar a admissibilidade da revista. Embora, nos termos do artigo 14.º do CIRE, a oposição do acórdão recorrido dever ser aferida em relação a um acórdão fundamento, a jurisprudência tem admitido a indicação de mais do que um acórdão quando respeitem a diferentes segmentos da oposição que o recorrente pretende demonstrar. No caso concreto, o recorrente indica, como fundamento, os seguintes acórdãos: - TRP, de 09.03.2020, no proc. n.º 3800/19.4T8VNG.P1; - TRP, de 15.10.2012, no proc. n.º 4529/11.7TBVLG.P1; - TRL, de 04.12.2014, no proc. n.º 877/13.0 YXLSB.L1; - STJ, de 24.05.2022, no proc. n.º 1631/20.8T8BRR.L1.S1. Para sustentar o modo como tais acórdãos estariam em oposição com o acórdão recorrido e, por isso, justificariam a admissibilidade da revista, afirma o recorrente, em síntese, que: «(…) entendeu-se nos acórdãos que ora se indicaram que, não se tendo demonstrado a existência de outras dívidas incumpridas para além do débito da Recorrente, a existência deste débito, por si só, não permitiria considerar verificado o factor índice previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 20º do CIRE. Diversamente, no acórdão que ora se recorre, entendeu-se como irrelevante para a aplicação dessa norma o facto de o Recorrido não ter outros débitos incumpridos. Também não foi valorado e apreciado pelo Tribunal da Relação as circunstâncias do incumprimento e as negociações e acordos que foram sendo estabelecidos ao longo dos últimos anos, ao contrário dos acórdãos em sentido contrário que ora se invocam e que entenderam ser relevante tais factos para a não aplicação da al. b), n.º 1, do art.º 20.º do CIRE. O Acórdão que ora se recorre, não valorou o facto do Recorrido ter dado bens de garantia, ao contrário dos Acórdãos em confronto, que apreciaram e valoraram o facto de existirem garantias, afastando, assim, a aplicação da identificada disposição legal. Igualmente é de constatar que os acórdãos em confronto decidiram que o facto de não haver incumprimento de obrigações para com o Estado também é relevante; ao contrário do Acórdão que ora se recorre. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra indicado, ainda apreciou e valorou o facto do requerido ter actividade e auferir rendimentos, ao contrário do Acórdão que ora se recorre, que deu como provado quer os rendimentos, quer o activo do Recorrido, mas entendeu não ser relevante. Por último, o Acórdão que ora se recorre não apreciou o facto de terem sido efectuados pagamentos ao longo destes últimos anos, ao contrário dos acórdãos em sentido contrário que se indicaram que valoraram o facto de nalgumas situações terem sido efectuados pagamentos e a dívida ter sido reduzida. Do exposto, os acórdãos em confronto aplicaram e interpretaram a al. b), n.º 1 do art.º 20.º do CIRE em sentido oposto ao Acórdão que ora se recorre.» 4. O acórdão recorrido (para além do enquadramento geral de ordem dogmática sobre a aplicação das normas em causa) sintetizou a sua interpretação da referida alínea b), essencialmente, nos seguintes termos (que se extratam do respetivo sumário): «-A presunção de insolvência prevista pela al. b) pode bastar-se com o incumprimento/mora no cumprimento de uma só obrigação vencida, desde que acompanhado de concretas circunstâncias que revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas. - Os factos índices da insolvabilidade não resultam infirmados pela existência de bens na titularidade do devedor, ainda que o seu valor seja superior ao passivo pois, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, esse facto só releva se ilustrar uma situação de viabilidade financeira, o que passa pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento. - Como tem vindo a ser sobejamente afirmado, a existência de ativo superior ao passivo não constitui pressuposto legal de solvabilidade pois, ainda que assim suceda, o devedor está insolvente se, por ausência de liquidez, estiver impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.» O entendimento do acórdão recorrido sobre a verificação dos pressupostos que demonstram a existência de uma situação de insolvência enquadrável na hipótese do artigo 20.º, n.º 1, alínea b) do CIRE encontra-se justificado, essencialmente, nos seguintes termos (que se extratam da sua fundamentação): «(…) a persistência e longevidade da situação de incumprimento de crédito superior a €1.200.000,00 e reconhecido dever pelo recorrido desde pelo menos 2018 e até ao presente, associado aos sucessivos acordos de reestruturação para pagamento, sucessiva dilação dos prazos de pagamento, sucessivamente acordados na sequência dos sucessivos incumprimentos do prazo anterior concedido, o facto de o grosso dos pagamentos realizados a partir de 2021 terem ocorrido por recurso a bens do ativo imobiliário e a rendimentos de sociedades participadas da mutuária e que integram o mesmo grupo de sociedades e, ainda assim, e decorridos cerca de seis anos sobre a primeira reestruturação desse crédito, o facto de permanecer em dívida mais de metade do seu valor (crédito que, de acordo com o prazo inicial, deveria ter sido saldado até finais de 2019, em 60 meses), constituem circunstâncias claramente concretizadoras do facto índice da situação de insolvência do recorrente previsto pelo art. 20º, nº 1, al. b) do CIRE por revelarem falta de cumprimento de dívida vencida por ausência de liquidez para o fazer no prazo e/ou termo para o efeito acordados. No caso, enquanto elemento de presunção da situação de insolvência, os referidos acordos, os reiterados incumprimentos, a persistência atual dessa situação e o montante da dívida, concretizam a presunção de impossibilidade do seu cumprimento pelo recorrido por falta de liquidez, que surge evidente no confronto entre o valor do crédito da recorrente, superior a €1.000.000,00, e o valor dos rendimentos mensais por aquele auferidos, independentemente de se cifrarem em cerca de €4.000,00, €7.000,00, €15.000,00, ou €20.000,00 na medida em que, reiterando o acima citado, “não interessa somente que ainda se possa cumprir num momento futuro qualquer, importando igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.” Ausência de liquidez que, contrariamente ao pressuposto assumido pela sentença recorrida, não é colmatada ou anulada pelo facto de o recorrido ser titular de imóveis e de o crédito da recorrente beneficiar de hipoteca sobre estes e sobre prédios de terceiros posto que a recorrente pode reclamar o pagamento da totalidade da dívida ao recorrido e os imóveis e qualquer outro bem ou direito deste só permitirão cumprir o pagamento do crédito da recorrente se e quando convertidos em quantias monetárias. (…) Acresce que o facto de o recorrido não constar inscrito na Central de Responsabilidades do Banco de Portugal como devedor em incumprimento não significa que atualmente dispõe de crédito bancário, isto é, que tem condições para beneficiar da concessão de novos créditos, máxime bancários, que lhe permitem obter liquidez ou outros recursos financeiros para pagamento do crédito em dívida à recorrente. (…) é o próprio recorrido quem admite que só pela via da liquidação do seu património tem possibilidade de liquidar o seu passivo, sendo que essa é a finalidade legal do processo de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, de acordo com as preferências legais de pagamento de que cada um deles beneficia (cfr. artº 1º do CIRE), desde logo, para salvaguarda dos interesses dos credores que, através do processo de insolvência, passam a ‘controlar’ ou, ao menos, a fiscalizar a atividade de liquidação e, mais importante, o destino do produto com ela obtido e os termos em que o mesmo é distribuído, retirando-o assim da disponibilidade do devedor insolvente. De todo o exposto resulta que, nas circunstâncias de facto apuradas – de resto, confirmadas pelo recorrido - este encontra-se em situação de insolvência atual por ausência de liquidez suficiente e necessária para honrar pontualmente as obrigações que contraiu, designadamente, perante a recorrente, requerente da insolvência.» Concluiu-se, assim, que, no entendimento do acórdão recorrido, para efeitos da aplicação do artigo 20.º, n.º 1, alínea b) do CIRE, o fator centralmente revelador da existência de uma situação de insolvência, tendo em conta as circunstâncias concretas da factualidade provada, era a prolongada ausência da incapacidade financeira do requerido para pagar uma dívida vencida de elevado montante (superior a um milhão de Euros) e o facto de a existência de património na titularidade do requerido não infirmar essa conclusão, não tendo o requerido conseguido provar a sua solvabilidade. 5. Confrontando o acórdão recorrido com os indicados acórdãos fundamento, facilmente se constata que nenhum desses acórdãos revela uma frontal divergência jurisprudencial quanto à compreensão e aplicação do critério normativo ínsito na referida alínea b). Contrariamente ao afirmado pelo recorrente, para tentar justificar a admissibilidade da revista, em nenhum desses acórdãos se decidiu que não se tendo demonstrado a existência de outras dívidas incumpridas para além do débito do requerente da insolvência, a existência deste débito, por si só, não permitiria considerar verificado o fator índice previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 20º do CIRE. Todos esses arestos assentaram o respetivo sentido decisório nas específicas circunstâncias do incumprimento, e não no entendimento de que a alínea b) não seria aplicável caso não existissem outros débitos (diferentemente da tese do recorrente). 5.1. No acórdão do TRP, de 09.03.2020, proferido no processo n.º 3800/19.4T8VNG.P1, estando em causa a insolvência de uma pessoa singular, a alínea b) foi interpretada nos seguintes termos: «Quanto à alínea b) – [falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações] – há desde logo a sublinhar, na linha do que já atrás se escreveu, que este facto indiciador da insolvência não se basta com o mero incumprimento de uma ou de algumas das obrigações vencidas. É igualmente imprescindível que o incumprimento, pelo seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, o que impõe que o requerente alegue e prove, para além da obrigação incumprida, todas as circunstâncias em que ocorreu esse incumprimento, de modo a poder-se concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada. A insolvência não foi decretada porque se entendeu que o conjunto de todas as circunstâncias (ausência de outras dívidas do requerido, titularidade de imóveis desonerados, etc.) não permitiam concluir pela incapacidade de solver os seus compromissos e consequentemente pela existência de uma situação de insolvência. Assim, não se identifica neste acórdão qualquer oposição frontal com o acórdão recorrido, quanto ao modo como a alínea b) foi interpretada. 5.2. No acórdão do TRL, de 04.12.2014, no proc. n.º 877/13.0 YXLSB.L1, estando em causa a insolvência de pessoas singulares, a insolvência não foi decretada, essencialmente, porque se entendeu que os requeridos haviam demonstrado a sua solvência (nos termos do artigo 30.º do CIRE). E, embora a análise a alínea b) tenha sido feita em conjunto com a análise da alínea a), no que releva para a apreciação do critério em causa, afirmou-se nesse acórdão que: «(…) as circunstâncias do incumprimento in casu, nomeadamente o facto de em relação a um dos créditos esse incumprimento se situar em 19.09.2010, não pode nem deve ser valorado como revelador de impossibilidade de satisfação da generalidade das outras obrigações, ao contrário do que pretexta o requerente. Para assim concluir basta reler a factualidade provada para se evidenciar que aquele crédito se enquadra no âmbito de uma relação mais vasta entre requerente e requeridos e que desde o inicio de 2011 decorreram várias negociações tendentes a encontrar solução para satisfação de todos os créditos, considerando ainda que os mesmos estão garantidos por hipoteca sobre imóveis, que os requeridos sempre procuraram dar andamento ao processo negocial e que foi o requerente quem sistematicamente deixou protelar a sua posição quanto a esse processo negocial, com a consequência de acumulação dos juros que se estavam a vencer (…)» Foi, assim, atendendo essencialmente às específicas circunstâncias do incumprimento do débito dos requeridos que o tribunal concluiu que não se demonstrava a concreta impossibilidade de satisfação da generalidade de outras obrigações. Nesta medida, nenhuma oposição frontal se identifica entre o modo como a alínea b) foi aplicada neste caso e o modo como foi interpretada no acórdão recorrido, do ponto de vista do entendimento do alcance do critério normativo. 5.3. No acórdão do TRP, de 15.10.2012, no proc. n.º 4529/11.7TBVLG.P1, estando em causa um devedor singular, a insolvência não foi decretada, essencialmente, com base na seguinte fundamentação: «Desmentem os factos uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, bem como uma impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente as suas obrigações, pois que, se é certo que o recorrido suspendeu o pagamento das prestações do contrato de mútuo celebrado com a Recorrente, e teve sobre si diversas execuções respeitantes a outros credores, a verdade é que tem vindo a cumprir de forma significativa e pontualmente, os acordos de pagamento entretanto celebrados com parte expressiva dos seus credores, tendo já liquidado dívidas de valores bem mais elevados que o crédito da Recorrente e, em montantes que, no seu conjunto, superam em muito os valores atualmente em débito. O facto da dívida da Recorrente se manter em mora, apenas indicia a impossibilidade de o devedor cumprir simultaneamente todas as obrigações, sendo de crer que, a dívida da Recorrente virá a ter satisfação, de forma renegociada ou não, uma vez aliviado o Recorrido dos pagamentos acordados. Assim, afastados estão os factos índice previstos no artigo 20º nº 1 alíneas a) e b) do CIRE, únicos que estariam em causa no caso concreto.» Tal decisão baseia-se, assim, nas concretas circunstâncias respeitantes à capacidade de cumprimento dos débitos do requerido, não se identificando qualquer divergência entre este acórdão fundamento e o acórdão recorrido quanto ao modo de interpretação do critério normativo constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 20º. 5.4. No acórdão do STJ, de 24.05.2022, no proc. n.º 1631/20.8T8BRR.L1.S1, no qual o devedor requerido era uma pessoa coletiva, não foi decretada a insolvência com base na referida alínea b) porque, apesar de a obrigação incumprida ser de valor elevado, encontrava-se provado que a requerida tinha acesso a crédito para a sua satisfação e estava a laborar, gerando rendimentos que lhe permitiam regularizar a generalidade dos seus débitos. Não existe, assim, qualquer oposição entre esse acórdão fundamento e o acórdão recorrido quanto ao modo como a referida alínea b) foi interpretada nesses arestos, pois os respetivos resultados decisórios assentaram, essencialmente, nas especificidades das correspondentes factualidades, que são significativamente diferentes. 5.5. Diferentemente do afirmado pelo recorrente, na análise da oposição de acórdãos relevante para efeitos do artigo 14.º do CIRE, a jurisprudência do STJ não tem exigido que entre um acórdão recorrido e um acórdão fundamento exista uma identidade absoluta dos casos em confronto, já que, como é absolutamente óbvio, não existem dois casos idênticos. Estando em causa juízos de equiparação de casos, naturalmente que o sentido das decisões em confronto terá de assentar em fatores fáctico-normativamente equiparáveis. Só assim se poderá concluir se os sentidos decisórios foram determinados por divergentes interpretações da mesma norma legal (caso em que se justifica a intervenção orientadora do STJ) ou se assentaram determinantemente em aspetos específicos de um caso concreto (que não se repetem de forma equivalente no outro). Não existe, portanto, nesta análise sobre a admissibilidade da revista qualquer restrição injustificada do acesso ao direito ou a um processo equitativo, como o recorrente afirma. Como é por todos sabido, e como o próprio Tribunal Constitucional tem afirmado, não pode existir um acesso ilimitado ao terceiro grau de jurisdição, porque tal seria tecnicamente inviável. 6. Não cabe neste juízo, de natureza objetiva sobre a admissibilidade do recurso, proceder a qualquer análise do modo como, em concreto, as diferentes circunstâncias de cada caso foram valoradas na apreciação do mérito pelos indicados acórdãos fundamento, mas tão só se existiram frontais discrepâncias interpretativas sobre o alcance normativo da alínea b). E claramente se concluiu que essas discrepâncias não existem. Em nenhum dos 4 acórdãos fundamento se afirma que a alínea b) só estaria preenchida se fosse demonstrada a existência de outras dívidas (para além da dívida do requerente da insolvência). Em todos eles se entende que a existência de apenas uma dívida será suficiente para considerar preenchida a referida alínea b), caso o montante da dívida e as concretas circunstâncias do incumprimento revelem a incapacidade do requerido para dar satisfação aos seus débitos. Não existe, portanto, qualquer divergência de orientação jurisprudencial sobre o critério normativo em causa. E é apenas o modo como tal critério foi entendido num acórdão fundamento e no acórdão recorrido que poderá levar o STJ a intervir no sentido de orientar a jurisprudência sobre o tipo de interpretação a seguir. Não cabe ao STJ, nesta análise, pronunciar-se sobre o modo como o acórdão recorrido conheceu do mérito da causa (tal constituiria uma inversão metodológica). De um ponto de vista objetivo, que é aquele que releva para se aferir a existência de divergentes correntes interpretativas, não se pode concluir que os indicados acórdãos fundamento tenham interpretado o critério normativo ínsito na referida alínea b) de forma frontalmente divergente e que (por isso) justificasse a intervenção do STJ para orientar a jurisprudência. Para esta apreciação não releva a concreta decisão de mérito (ou seja, o concreto sentido decisório) dos acórdãos em confronto, pois tal assentará na concreta factualidade que lhes está subjacente, mas sim o objetivo critério interpretativo suscetível de ser generalizado a casos equiparáveis. Nestes termos, tem de se concluir, como se concluiu na decisão reclamada, que a revista não é admissível, porque não se encontra justificada a intervenção orientadora do STJ no quadro do artigo 14.º do CIRE. DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a reclamação do recorrente, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pelo reclamante, que se fixam em 2 UCs (art.º 7.º, n.º 4, e Tabela II) Lisboa, 21.10.2025 Maria Olinda Garcia (Relatora) Rosário Gonçalves Luís Espírito Santo |