Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SALGADO | ||
Descritores: | DECISÃO SINGULAR RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO CONTRADIÇÃO DE JULGADOS PRESSUPOSTOS IDENTIDADE DE FACTOS ACÓRDÃO RECORRIDO ACORDÃO FUNDAMENTO GRAVAÇÃO DA PROVA PRAZO DE ARGUIÇÃO CONTAGEM DE PRAZOS ARGUIÇÃO DE NULIDADES INADMISSIBILIDADE | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Nº Único do Processo: | |||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
Sumário : | Não se verificando a exigida identidade factual entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, não ocorre a contradição jurisprudencial para efeitos de admissibilidade do recurso com amparo no artigo 671º, nº2 al a) e artigo 629º, nº2, alínea d) do CPC. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1. No âmbito da presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, na qual é autora AA e Réu BB, veio aquela interpor recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, para além de confirmar a sentença que julgou a acção improcedente, confirmou também a decisão posterior proferida pelo tribunal de primeira instância, na qual se indeferiu a alegada nulidade parcial do julgamento, arguida pela Autora, decorrente da ininteligibilidade dos depoimentos das testemunhas CC e DD. Invocou a Autora, como fundamentos da excecionalidade da revista interposta, os previstos nas alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 672.º, do CPC. * Em sede de contra-alegações, o recorrido pronunciou-se pela improcedência do recurso interposto. A Formação não admitiu a revista interposta a título excecional, considerando que o acórdão recorrido – que incidiu sobre uma decisão da 1.ª instância interlocutória, pós-final, que não conheceu do mérito da causa, nem colocou termo ao processo (através da extinção total ou parcial da instância, em termos objetivos ou subjetivos), não se enquadra na tipologia de decisões a que alude o n.º 1, do artigo 671.º, do CPC. Mais determinou, a remessa dos autos para apreciação da admissibilidade da revista, tendo em conta a invocada contradição de julgado entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.05.2016, proferido no âmbito do processo n.º 104/09.4-B. E1, a fim de se equacionar a admissibilidade da revista, em termos gerais, ao abrigo da alínea a), do n.º 2, do artigo 671.º do CPC. * 2. Prefigurando-se a não admissão do recurso, por inverificado in casu o fundamento da contradição de jurisprudência, ouviram-se as partes, que reiteraram as posições assumidas. Por decisão da relatora proferida em 17.06.2024, não se admitiu o recurso de revista e cujo teor aqui se reproduz: «(..) 1. Dando cumprimento ao douto acórdão da formação, apreciemos da admissibilidade da revista ao abrigo do disposto no artigo 671º, nº2, al) a do CPC, vindo invocada como fundamento do recurso contradição jurisprudencial entre arestos da Relação. * Na sequência do que se deixou expresso em análise perfunctória, seguida da oportunidade adverbial de as partes se pronunciarem, o acórdão da Relação sobre decisão interlocutória proferida após sentença e de natureza estritamente processual, não se afigura imediata a subsunção do caso à situação da revista excecional ou de recorribilidade irrestrita, contemplada naquele normativo, em conjugação com o disposto no artigo 629º, nº2, al) d do CPC, sendo a alegada contradição de jurisprudência referente a acórdãos dos tribunais da Relação. A ratio do recurso para o Supremo em aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC visa garantir a possibilidade de resolução de conflitos de jurisprudência entre acórdãos das Relações, em matérias, que por motivos de ordem legal que não respeitam à alçada do tribunal, não chegariam à apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça. Pressupõe assim a existência de uma disposição legal que vedando o recurso de revista normal, abre por aquela via o acesso ao STJ, considerando-se relevante apurar qual das orientações contraditórias deve ser a adoptada, face à lei e à unidade do sistema jurídico. Refere António Abrantes Geraldes neste propósito « (..) foi repristinada a solução semelhante que já constara do artigo 678º, nº 4, do CPC de 1961 […] e que fora afastada pelo regime dos recursos de 2007, reabrindo-se, assim, a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição, em casos em que tal estaria vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento do recurso reside em motivos de ordem legal estranha ao valor do processo ou da sucumbência, em confronto, com o valor da alçada da Relação”.(…)» 1 Na jurisprudência do Supremo refere-se , entre outros, no Acórdão do STJ de 15.03.2022, - «A admissibilidade do recurso de revista extraordinária baseada na al. d) do art. 629.º, n.º 2, do CPC, para acórdão da Relação “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”, circunscreve-se (numa lógica de cumulação de requisitos) aos casos em que se pretende recorrer de acórdão proferido no âmbito de acção cujo valor excede a alçada da Relação, sem desrespeitar o valor mínimo de sucumbência (âmbito de recorribilidade delimitada pelo art. 629.º, n.º 1, do CPC), e relativamente ao qual, de acordo com o objecto recursivo ou a sua natureza temática, esteja excluído, por regra, o recurso de revista por motivo de ordem legal (impedimento ou restrição) alheio à conjugação do valor do processo com o valor da alçada da Relação.» 2 2.Cientes que não se mostra consolidada a jurisprudência do Supremo a propósito do espectro de recorribilidade do artigo 629º, nº2, designadamente na alínea d) do CPC, ainda assim, cremos que não se encontra demonstrada a alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento proferido pela mesma Relação.3 A contradição de decisões que admite a revista nos termos do art. 629º, nº2, d) do CPC, tem de assentar numa oposição frontal sobre a mesma questão fundamental de direito e assente num núcleo factual idêntico ou coincidente na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas. Sustenta a recorrente que a questão fundamental de direito, alegadamente decidida de forma contraditória pelos acórdãos em confronto, consiste em saber se é tempestiva a invocação da nulidade parcial do julgamento, decorrente da ininteligibilidade dos depoimentos de testemunhas registados na gravação áudio. 3. Da análise comparativa dos arestos resulta:4 - O acórdão recorrido concluiu pela extemporaneidade da arguida nulidade da audiência por deficiente gravação dos depoimentos, considerando que «(..) Nos termos do disposto no art.º 155.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, a gravação da audiência final deve ser disponibilizada às partes, no prazo de 2 dias a contar do respetivo ato. E, de acordo com o n.º 4 do mesmo preceito, a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada. A disponibilização da gravação às partes não se confunde com a efetiva entrega do respetivo suporte, que poderá ocorrer em momento posterior, correspondendo aquela à simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter uma cópia – cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 17/12/2020 no processo n.º 122900/17.2YIPRT-C. E1. Ora, no caso em apreço, estamos perante o depoimento de duas testemunhas que foram ouvidas na primeira sessão da audiência de julgamento, ocorrida em 5 de novembro de 2020. A autora apenas neste momento, por requerimento entrado em juízo em 22 de abril de 2022, veio invocar a supra-referida nulidade. Porém, tal invocação não se mostra tempestiva, pois, nos termos dos aludidos n.ºs 3 e 4 do art.º 155.º do Código de Processo Civil, a mesma haveria de ter tido lugar o mais tardar até ao dia 17 de Novembro de 2020. Ainda que se entendesse que o ato só estava concluído com o término da audiência final, certo é que este ocorreu em 11 de Março de 2022, motivo pelo qual a aludida nulidade haveria de ser invocada até ao dia 23 de Março de 2022. Assim, por manifestamente extemporânea, a invocação da nulidade em apreço não poderá ser deferida, porquanto a mesma se mostra sanada. Face ao sumariamente exposto, julgo sanada a nulidade invocada e indefiro a requerida anulação da audiência de julgamento.»5 - O acórdão fundamento da mesma Relação de Évora de 05-05-2016, no âmbito do processo n.º 104/09.4-B. E1, destaca com relevância «(…) a nulidade decorrente de uma deficiente gravação da prova produzida em sede de audiência de julgamento poderá ser arguida no prazo de 10 dias a contar da sua efetiva disponibilização pela Secretaria do Tribunal, ou seja, a contar da sua efetiva entrega à parte.» -Ou seja, os acórdãos prosseguiram interpretação idêntica quanto aos limites temporais da arguição da nulidade em causa à luz do artigo 155º, nº3 e nº4, do CPC, rectius, que o prazo de 10 dias terá de correr a partir da disponibilização efectiva do suporte áudio às partes, sendo a divergência de mera semântica, conforme expressa a seguinte passagem do acórdão fundamento «(..) Como consequência, não resulta deste regime, como diz o Apelante, que seja necessário requerer o que quer que seja: a Secretaria, pura e simplesmente, disponibiliza às partes a gravação nos dois dias subsequentes à sua realização e seguem-se-lhe os dez dias para arguir a nulidade; se apenas a disponibilizar em 3 ou 4 ou noutro número de dias, o prazo conta-se imediatamente a seguir; não o fazendo de todo, isto é, não disponibilizando a gravação, naturalmente o prazo dos dez dias para a arguição da invalidade só começa a contar da sua efectiva entrega, momento em que a parte, sem qualquer culpa, realmente lhe acede.» - A diferença que ressalta entre os arestos traduz-se no diferente quadro factual em que cada um assenta. Senão vejamos. A recorrente nos autos vem por requerimento de Abril de 2022 invocar a ininteligibilidade das gravações de depoimentos prestados em sessão de julgamento que teve lugar em 5 de Novembro de 2020 e a qual também não arguiu no prazo de 10 dias sobre o final da audiência de julgamento que ocorreu em 11.02.2022. Dito de outra forma, na decisão recorrida não se questiona que a recorrente ao longo de dois anos não teve em disponibilidade da secretaria as referidas gravações magnéticas que se efectiva no prazo de dois dias sobre o acto, de acordo com o disposto no artigo 155º, nº3, do CPC. Em quadro casuístico diverso, no acórdão fundamento, foi alegado e demonstrado pelo recorrente que a secretaria não disponibilizou a gravação no referido prazo de 2 dias, como ilustra a delimitação do objecto do recurso « (..) deve ser arguida no prazo de 10 dias após o decurso dos 2 dias de que dispõe a secretaria para disponibilizar essa gravação e ainda que a não disponibilize – a contar da data da realização da audiência na qual a gravação ocorreu – ou se tal poderá ser feito nos 10 dias subsequentes à efectiva entrega à parte da cópia daquela gravação. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.» 5. Não estando em causa apreciar a bondade desta decisão, o que ressalta no confronto das duas decisões, é como já sublinhado, o diferente suporte factual. A jurisprudência do Supremo vem constantemente decidindo que “para a contradição de julgados, exige-se uma identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto suportam a aplicação, diversa, dos mesmos normativos ou institutos jurídicos” 6 * Em síntese, não se verificando a identidade factual entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, não ocorre a contradição jurisprudencial para efeitos de admissibilidade do recurso com amparo no artigo 671º, nº2 al a) e artigo 629º, nº2, alínea d) do CPC e, em consequência, não se admite a revista.» 3. A recorrente pede agora que a Conferência se pronuncie, alegando em síntese que: «(…) C. Na Decisão Singular, entendeu-se que não havia contradição, por não existir uma identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto. D. No Acórdão fundamento estamos perante uma situação idêntica à do Acórdão recorrido, em razão de se discutir da tempestividade da arguição da invalidade das gravações, quando tal arguição não acontece logo após os dez dias subsequentes ao transcurso dos dois dias de que dispunha a secretaria do Tribunal para disponibilizar a gravação. E. Sendo que, o Apelante no Acórdão fundamento também sustentou – como a aqui Recorrente– que o prazo de dez dias se começa a contar da efetiva disponibilidade da gravação, ou seja, da entrega do suporte eletrónico com a gravação, F. pois, tal como a aqui Recorrente, o Apelante no Acórdão fundamento apenas solicitou as gravações dos depoimentos das testemunhas, bem depois ao decurso do prazo de 10 dias, a contar dos 2 dias para a disponibilização das gravações, ou seja, no caso, 2 meses após a sessão da audiência de julgamento. G. Por conseguinte, e ao contrário do que foi entendido na Decisão Sumária em causa, existe identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação dos mesmos normativos.» 4.Analisados os elementos subjacentes, constata-se que pelas razões enunciadas no despacho reclamado, que se tem por reproduzido, não se configura a oposição de jurisprudência, porquanto o quadro factual essencial que motivou o acórdão recorrido distancia-se do objecto factual subjacente ao acórdão recorrido. Contextualizando, apesar da repetição. O objecto do acórdão recorrido traduziu-se na apreciação da tempestividade/extemporaneidade da arguição da nulidade, através do requerimento de 22-04-2022, por alegada ininteligibilidade do registo áudio dos depoimentos de duas testemunhas, prestados na sessão de julgamento do dia 05-11-2020. Sustentou a recorrente, em apelação do despacho de primeira instância, que o seu requerimento respeitou o prazo legal (10 dias) -155º, nº4 do CPC, tendo em conta que a secretaria lhe entregou o suporte áudio em 13-04-2022. Na tese do recorrente, o prazo de dois dias “após a realização de cada ato (sessão de julgamento)” referido no nº3 daquele normativo não se confunde com a efetiva entrega do respetivo suporte, devendo iniciar-se após o final do julgamento. O acórdão recorrido não acolheu tal interpretação do preceito, demonstrando exaustivamente o sentido do disposto no artigo 155º do CPC, entre o demais - “(…) se a audiência for realizada em várias sessões, a arguição da nulidade por falta ou deficiência da gravação da prova não é diferida para o fim do julgamento. Para ser tempestiva tem de ser arguida, em relação a cada ato, no prazo de dez dias após a disponibilização da gravação às partes, que deve sê-lo, no prazo de dois dias após o respetivo ato. A não arguição nos termos acima referidos, determina a sanação da nulidade. A questão que (ainda) se poderá colocar (como faz a Apelante) é a da interpretação do que se entende por disponibilização da gravação às partes. Também sobre esta questão, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido referido no despacho recorrido, ou seja, que disponibilizar a gravação às partes não significa nem notificar as partes que a gravação se encontra disponível, nem tão pouco significa entregar-lhes o suporte digital da gravação. Veja-se, assim, desta Relação o. Relação de Évora o Acórdão proferido em 12-10-2017 “[…] Caso se confirme o incumprimento do prazo do n.º 3, o prazo do n.º 4 só começará a contar-se a partir do momento em que a secretaria passe a ter a gravação ao dispor das partes. É isto que decorre do n.º 4, ao estabelecer que o prazo de 10 dias para a arguição da nulidade decorrente da falta ou deficiência da gravação começa a contar-se no “momento em que a gravação é disponibilizada. [..] da gravação começa a contar-se no “momento em que a gravação é disponibilizada”]. (..)Também o STJ, no seu Acórdão de 08-09-2021, subscreveu igual interpretação da lei, lendo-se no respetivo sumário(...)V. VI. Na hipótese de a secretaria não disponibilizar a gravação no prazo de dois dias a contar do acto, a parte tem o ónus de, através de requerimento dirigido ao juiz, suscitar a questão; caso se confirme o incumprimento do prazo do art. 155.º, n.º 3 do CPC, o prazo do n.º 4 do mesmo artigo só começará a contar-se a partir do momento em que a secretaria passe a ter a gravação ao dispor das partes. [..] (..) Seguindo-se este entendimento, com o qual se concorda, e verificando-se que, no caso, está em causa as alegadas deficiências da gravação do depoimento de duas testemunhas na sessão de julgamento realizado em 05-11-2020, tendo a Autora apenas arguido a correspondente nulidade em 22-04-2022, tal arguição é extemporânea, encontrando-se sanada a eventual nulidade por deficiência da gravação desses depoimentos. (..). » O recorrente, s. d.r, persiste em extrair do acórdão recorrido uma fundamentação que não corresponde ao sentido que resulta para o normal declaratário. O tribunal a quo entendeu claramente o alcance no caso concreto da interpretação esgrimida pela recorrente, que não veio a acolher, pelas razões que se sintetizam. Conforme resulta da fundamentação do acórdão recorrido, entendeu a Relação que o disposto no nº4 do artigo 155º do CPC apenas ressalva a situação, em que a secretaria omitiu a obrigação de disponibilizar as gravações no prazo de 2 dias após o acto, por motivo estranho e não imputável à parte que não pode ser prejudicada, contando-se então o prazo de arguição a partir da data em que é secretaria as colocou na disponibilidade das partes. De outro modo, a situação trazida aos autos revela a inércia da recorrente por cerca de dois anos em solicitar as gravações, por motivo da sua responsabilidade e por conseguinte, o dies a quo do prazo de arguição da nulidade fixa-se na data de realização da sessão de julgamento na qual os depoimentos foram prestados. Partiu da interpretação conjugada do disposto no artigo 155º, nº3 e nº4 do CPC que explanou na fundamentação ( acima transcrita) e , a factualidade do caso, com destaque para a data do pedido das gravações da recorrente - 8.04.2022 - e, a data da sessão de audiência - 5.11.2020 - não sendo imputável à secretaria a falta de disponibilização no prazo subsequente de 2 dias, concluiu pela extemporaneidade da arguição da nulidade pela recorrente através do seu requerimento de 1304.2022 .7 Na revista, a recorrente sustenta que o acórdão dos autos manifesta oposição com o acórdão da Relação de Évora de 5.05.2016, no qual se concluiu em adverso ao acórdão recorrido, que o prazo de arguição da nulidade em apreço tem início na data da entrega efectiva das gravações pela secretaria às partes. Destituído de razão, supomos, uma vez que as situações de facto apreciadas em cada um dos arestos não coincidem. Da análise do aresto fundamento sobressai para o que importa o seguinte: Á semelhança do acórdão recorrido, o acórdão fundamento pronuncia-se quanto à tempestividade do requerimento da arguição da nulidade por ininteligíveis os depoimentos gravados, sufragando a mesma linha de interpretação citado normativo. Senão, veja-se. Após enunciar a dualidade de orientações acerca da vexatio quaestio - em que prazo pode ser arguida tal nulidade- no domínio do regime do anterior Código de Processo Civil, consta “Hodiernamente, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, e sabendo o legislador da polémica suscitada, a solução passou para a lei, nos termos expostos: “A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (artigo 155º, nº 4), sendo que “A gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respectivo acto” (seu nº 3). Como consequência, não resulta deste regime, como diz o Apelante, que seja necessário requerer o que quer que seja: a Secretaria, pura e simplesmente, disponibiliza às partes a gravação nos dois dias subsequentes à sua realização e seguem-se-lhe os dez dias para arguir a nulidade; se apenas a disponibilizar em 3 ou 4 ou noutro número de dias, o prazo conta-se imediatamente a seguir; não o fazendo de todo, isto é, não disponibilizando a gravação, naturalmente o prazo dos dez dias para a arguição da invalidade só começa a contar da sua efectiva entrega, momento em que a parte, sem qualquer culpa, realmente lhe aceder.(..)”8 Excerto que ilustra com evidência que ambos os acórdãos perfilham igual interpretação no funcionamento do artigo 155º do CPC, ou seja, que a contagem do prazo de arguição da nulidade a partir da data da entrega das gravações, apenas se concebe na situação em que a disponibilização pela secretaria não ocorreu no timing legal (de 2 dias). Vindo a concluir que o requerente respeitou o prazo de 10 dais na arguição da nulidade. No apartado com o título “Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão” consta: - “(…) 1) Em 06 de Fevereiro de 2015 foi proferida douta sentença nestes autos de acção declarativa de condenação, com processo sumário – em que era pedido pelo Autor, agora recorrente, AA, um pagamento de € 15.346,07 (quinze mil e trezentos e quarenta e seis euros e sete cêntimos) e juros – mas que veio a absolver a Ré, agora recorrida, “B.. ....”, desse pedido (vide o seu teor completo, a fls. 25 a 29 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido).2) No dia 12 de Janeiro de 2015 havia decorrido, entretanto, a audiência de discussão e julgamento da causa, com inquirição de testemunhas (vide a acta respectiva, a fls. 22 a 24 dos autos, aqui igualmente dada por reproduzida).3) Em 13 de Março de 2015 o Autor, ora recorrente, solicitou a gravação da audiência realizada (vide fls. 21 e 30 dos autos).4) Que lhe foi disponibilizada no mesmo dia (vide fls. 21 e 30 dos autos).5) E em 23 de Março de 2015 apresentou o mesmo o douto requerimento que agora constitui fls. 31 verso a 32 dos autos, aqui dado por reproduzido na íntegra, em que, além do mais, pediu a repetição do julgamento quanto a certos depoimentos cuja gravação considerou inaudível (vide a data de entrada aposta a fls. 32 verso dos autos).6) Que lhe foi indeferido, por extemporâneo, por despacho proferido em 25 de Maio de 2015 (vide o seu teor completo a fls. 33 a 34 dos autos).7) Mas a 26 de Março de 2015 o Autor interpusera já recurso da sentença, juntando as correspondentes alegações (vide tal informação a fls. 34 dos autos). 9 Ora, os factos enunciados “com interesse para a decisão “pelo acórdão fundamento extrapolam, pela remissão que se menciona, para outros elementos constantes daqueles autos e os quais foram tidos em conta pelo julgador, cuja amplitude e influência no sentido decisório, não cabe a este tribunal indagar, ou apreciar eventual contradição com a fundamentação. Factualidade, que como se disse, não coincide ou equivale à situação factual demonstrada e apreciada pelo acórdão recorrido. É ainda de observar pela análise comparativa dos arestos, que nos autos a recorrente solicitou a disponibilização das gravações e arguiu a nulidade dos depoimentos quase dois anos decorridos sobre a sessão da audiência julgamento; enquanto no acórdão fundamento, ao que se compreende, a audiência de julgamento decorreu em sessão única e, o reclamante arguiu a nulidade dos depoimentos subsequentemente à sentença. * Em suma, não estão verificados os pressupostos da contradição de jurisprudência que justifica a revista especial com previsão no artigo 629º, nº2, al d) do CPC, pelo que vai indeferida a reclamação. Custas a cargo da reclamante. Lisboa, 14.11.2024 Isabel Salgado (relatora) Maria da Graça Trigo Catarina Serra ______
1. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7ªedição, pág.60/61. 2. No proc. nº 17315/16.9T8PRT.P3. S1, in www.dgsi.pt. 3. A principal cisão reside precisamente na definição de quais os acórdãos da Relação que ficam a coberto da al) d), nº2, 629º do CPC – apenas os acórdãos com previsão no artigo 671º, nº1, do CPC, ou, na tese ampla, o preceito corresponderá a uma norma de carácter geral, abarcando qualquer acórdão, incluindo acórdão que verse sobre decisões interlocutórias que apreciem questões de carácter adjetivo, que esteja em contradição com outro da Relação , em casos em que o recurso esteja vedado por motivo alheio à alçada e sucumbência,. Outra divergência no entendimento do preceito, prende-se com a aplicabilidade autónoma da al. d) do n.º 2 do art.629.º- exigência ou dispensa (ao contrário das demais alíneas do nº2) da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade em função do valor da causa e da medida da sucumbência. 6. Cfr. entre outros, os Acórdãos do STJ de 05.2022, P. 222/21, de 28.09.2022, P. 164/17 e de 02.02.2023, P. P. 32/22, todos in www.dgsi.pt. 7. De resto, a circunstância foi reafirmada expressamente pela recorrente no seu requerimento de interposição de recurso de revista e arguição da nulidade por omissão de pronúncia do acórdão da Relação - “a Recorrente expôs que, no dia 08-04-2022 (data do primeiro contacto que o aqui signatário fez junto da secretaria do Tribunal de 1.ª Instância), solicitou a prova gravada, tendo remetido, em tal data, via CTT, o respetivo requerimento, com o suporte digital para o efeito (CD-ROM), tendo contactado, nos dias seguintes, a secretaria do Tribunal para saber quando é que a gravação seria disponibilizada. |