Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | REFORMA DE ACÓRDÃO NULIDADE DE ACÓRDÃO OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO ERRO DE JULGAMENTO INDEFERIMENTO | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL) | ||
Decisão: | INDEFERIDO O PEDIDO DE REFORMA | ||
Sumário : | O pedido de reforma da sentença ou do acórdão previsto no art.º 616.º n.º 2 do CPC não pode ser usado como se fosse um grau de recurso, pela parte inconformada pela decisão, expressando através do mesmo, a sua discordância em relação a esta. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, na 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO Stada Arzneimittel A.G. e Ciclum Farma Unipessoal Lda. Recorrentes nos presentes autos de recurso de revista, notificadas do acórdão proferido em 19-09-2024, vêm requerer a REFORMA DO ACÓRDÃO, invocando o disposto nos artigos 615.º n.º 1, alínea c) e 616.º n.º2 ex vi artigos 684.º, 685.º e 666.º do CPC. O objecto da reclamação circunscreve-se à questão da suspensão da instância, requerida pelas Reclamantes, pretensão que não foi acolhida no acórdão. Inconformadas com essa decisão que entendeu não se verificar fundamento legal para determinar a suspensão da instância, as Reclamantes vêm insistir na argumentação já apresentada pretendendo reverter a decisão proferida. Terminam a sua argumentação deste modo: “49. Com efeito, perante um reenvio prejudicial que se refere praticamente à mesma matéria de facto dos presentes autos, em que se irá avaliar a validade do CCP equivalente ao CCP339, e cujas normas cuja interpretação será avaliada são as mesmas que foram aplicadas nos presentes autos, é manifestamente evidente a necessidade de suspender a instância até que seja proferida decisão naquele reenvio prejudicial, sob pena de intolerável contradição entre a jurisprudência nacional e a jurisprudência internacional vinculativa para o Estado Português. 50. Nestes termos e face ao acima exposto, requer-se a reapreciação do acórdão1 proferido em conformidade com o acima exposto, determinando, em conformidade, a suspensão da presente instância até ao momento em que o reenvio prejudicial identificado no âmbito do presente requerimento seja objeto de decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.” * As Recorridas pronunciaram-se no sentido da improcedência da pretensão das Recorrentes/Reclamantes. Cumpre apreciar e decidir: II - O DIREITO Como decorre da leitura da reclamação apresentada, as Recorrentes apesar de começarem por pedir a reforma do acórdão, invocam a nulidade do mesmo por contradição entre os fundamentos e a decisão, no que respeita à questão da requerida suspensão da instância e terminam requerendo a “reapreciação do acórdão proferido”, em conformidade com os argumentos que expõem, ou seja, requerem que, em conferência se substitua a decisão proferida por outra que determine a suspensão da instância. Vejamos o que nos dizem os preceitos legais aplicáveis: Dispõe o art.º 616.º n.º2 do Código de Processo Civil2: “Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a)Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b)Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.” Como este STJ já decidiu3, “a reforma da decisão só pode ser requerida e ter lugar quando tenha havido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou quando constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. Em qualquer dos casos é necessário que se possa dizer que o dito erro e a desconsideração do meio de prova determinante decorreram de um manifesto lapso do juiz. (…) O que a lei pretende atingir com a reforma da decisão é a superação de lapsos óbvios de julgamento. Se o que foi decidido não tem por detrás qualquer lapso - que terá que ser manifesto, ou seja, patente aos olhos de qualquer pessoa capacitada em matéria jurídica - mas sim uma decisão fundamentada intencional e expressamente em certo sentido, então não há a menor possibilidade legal de reformar a decisão, ainda que esta possa estar errada. De outro modo, estar-se-ia simplesmente a reponderar ou reexaminar (tratar-se-ia de uma espécie de recurso para o próprio) o que já foi decidido, e isso seria contrário ao princípio geral da imutabilidade da decisão tomada, salvo por via de recurso para o tribunal superior.” Vejamos: Este Tribunal analisou, ao longo das páginas 35-39 do acórdão, a questão suscitada pelos Recorrentes relativa à “suspensão da instância devido a pendência de causa prejudicial”. E após discorrer sobre a existência ou não de uma causa prejudicial, chegou à conclusão de que a mesma não existia e, por isso, julgou improcedente “a pretensão dos Recorrentes no sentido da suspensão da instância, dada a inexistência de causa prejudicial e inexistência de qualquer fundamento legal para tanto.” Foi, pois, proferida uma “decisão fundamentada intencional e expressamente em certo sentido”, pelo que não é possível ao abrigo do disposto no art.º 616.º n.º 2 proceder à sua reforma. Não há qualquer “lapso” e muito menos “manifesto” que importe corrigir. O que existe, claramente, é uma discordância por parte dos Reclamantes em relação à decisão, mas tal não constitui fundamento legal para a “reforma” do acórdão. Na verdade, o incidente de reforma não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar “error in judicando” (que é fundamento de recurso), mas apenas perante erro grosseiro e patente, ou “aberratio legis”, causado por desconhecimento, ou má compreensão, do regime legal».4 A reforma visa, pois, a superação de lapsos evidentes de julgamento ou de erros grosseiros na aplicação do regime jurídico, não podendo ser usado como oportunidade a dar às partes, para aceder a um novo meio recursivo, com vista à obtenção de decisão que lhe seja mais favorável.5 Não existe, por conseguinte, qualquer fundamento para a pretendida reforma decaindo a pretensão das Reclamantes. * Em reforço da pretensão dos Reclamantes vêm estes juntar um documento que constitui cópia de uma decisão do Tribunal Alemão, de 23 de maio de 2023, na qual foi decidida uma suspensão da instância num caso alegadamente semelhante àquele que está em causa nos presentes autos. Tal documento não poderá ser admitido, por claramente extemporâneo. Nos termos do art.º 651.º n.º1 “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” O número 2 do art.º 651.º permite ainda a junção de “pareceres de jurisconsultos até a o início do prazo para a elaboração de acórdão”. Para além de não se aplicar qualquer das hipóteses previstas legalmente, sempre o prazo legal permitido estaria ultrapassado. Pelas razões indicadas, não se admite a junção do documento em apreço. * As Reclamantes alegam uma contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, invocando a nulidade do acórdão ao abrigo do disposto no art.º 615.º n.º 1, alínea c). Com efeito, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou , muito menos, com o erro na interpretação desta: quando embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (…)”6. Ora, como se pode verificar da análise do acórdão, na parte em que tratou da questão agora em apreço, nunca a argumentação seguiu uma linha de raciocínio que levasse a prever uma decisão diversa daquela que foi proferida. O raciocínio seguido foi sempre claro no sentido de rebater os argumentos das recorrentes, donde necessariamente se teria de concluir pela improcedência dos mesmos. Improcede, assim, a invocada nulidade. III - DECISÃO Face ao exposto, acordamos em conferência, em indeferir a reclamação. Custas pelas Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs, nos termos do disposto no art.º 7.º n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 14 de novembro de 2024 Maria de Deus Correia (relatora) António Oliveira Abreu Nuno Pinto Oliveira _______
1. Sublinhado nosso. 2. Serão deste diploma legal os artigos doravante referidos sem indicação de proveniência. 3. Vide acórdão do STJ de 10-05-2021, Processo 1863/16.3T8PNF.P1.S1, disponível em www,dgsi.pt. 4. Vide Acórdão do STJ de 12-02-2009, P 08A2680. Disponível em www.dgsi.pt. 5. Vide acórdão do STJ de 17-09-2024 Processo 1295/18.9T8.PVZ:P1.S1, disponível em www,dgsi.pt. 6. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, p.704. |