Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6695/18.1T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
DANOS PATRIMONIAIS
CONTRATO DE RENTING
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DE DANOS
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
REQUISITOS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I – Na responsabilidade contratual se o autor não provar a existência de danos, em consequência do incumprimento culposo, não há obrigação de indemnizar;

II – Só é lícito relegar para liquidação (art 629º/2 do CPC) a indemnização por danos cuja existência ficou demonstrada na acção declarativa, só faltando demonstrar o respectivo quantitativo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Foneway – Comércio e Distribuição de Telecomunicações SA”, entretanto declarada insolvente, e substituída pela Massa Insolvente de Foneway …SA, instaurou no Juízo Central Cível de Guimarães, acção declarativa comum contra “4x4 – Comércio de Produtos Electrónicos e Equipamentos, Lda, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

-- € 48.698,47, relativa ao débito efetuado à autora pela sociedade “Lease Plan, S.A.” e decorrente de denúncia antecipada dos contratos de renting das 10 viaturas cedidas à ré;

- € 112.887,47, relativa à dedução que a ré unilateralmente efetuou ao preço do negócio, e correspondente ao comissionamento pago pela “MEO” à autora, reportado ao mês de Abril de 2018.

- Juros de mora, à taxa legal, sendo sobre a quantia referida em A) desde a data da fatura da sociedade “Lease Plan, S.A.” e sobre a quantia referida em B) desde 30 de Junho de 2018, até efetivo e integral pagamento.


Alegou para tanto e em síntese:

Ter celebrado com a ré um contrato de transmissão definitiva de carteiras e compra de ativos, figurando a autora como transmitente e a ora ré como transmissária, por força do qual, entre o demais, a ré declarou assumir a posição contratual da autora no âmbito de um contrato de renting relativo a 10 viaturas, contrato esse que vigorava entre a autora e a sociedade Lease Plan.  Essa cessão da posição contratual nos contratos com a Lease Plan foi pressuposta no preço devido pela ré no contrato de transmissão definitiva de carteiras e compra de ativos. Sucede porém que, já depois de operada a transmissão das carteiras, a ré recuou na parte relativa à manutenção dos veículos e devolveu-os à autora, forçando-a a uma denúncia antecipada que lhe determinou um prejuízo de € 48.698,47, valor este que lhe foi reclamado pela locadora.

Sucedeu ainda que, ao preço acordado, a ré deduziu o valor das comissões relativas aos meses de Março e Abril de 2018, no valor de € 112.887,47, dedução essa que operou unilateralmente e de modo ilícito, já que em desconformidade com o acordo de vontades celebrado.

Devidamente citada, a ré contestou e pugnou pela improcedência da ação e pela condenação da autora como litigante de má-fé

Alegou que, no que respeita às comissões atinentes aos meses de Março e Abril de 2018, a dedução que efetuou corresponde aos termos acordados na cláusula 3ª do dito contrato de transmissão definitiva de carteiras e compra de ativos. Por outro lado, no que importa ao contrato de renting, por força do acordado no aludido contrato, assistia-lhe a opção de recusar essa cessão, o que a mesma fez, sem que tal recusa constitua qualquer incumprimento.

O processo seguiu a sua normal tramitação, com a realização da audiência de julgamento, e após foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à autora o valor, a liquidar ulteriormente, que a sociedade Lease Plan venha a ver reconhecido no processo de insolvência da ora autora e que se reporte à cessação antecipada dos contratos que vigoravam relativamente aos 10 (dez) veículos a que alude o artigo 10) dos factos provados e/ou que a autora tenha entretanto satisfeito junto das Lease Plan, caso em que se contabilizarão juros a partir da data da liquidação do valor.

No mais, julgou a acção improcedente com a consequente absolvição da ré do pedido.

Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, com a impugnação da matéria de facto, com sucesso, pois que aquele Tribunal revogou a sentença, julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição da Ré da integralidade do pedido.

É a vez da Autora recorrer de revista para este Tribunal, visando a revogação do acórdão da Relação e a repristinação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

A – A Eliminação dos factos vertidos em 15 e 16 da Douta Sentença proferida em 1ª instância não são suscetíveis de alterar a decisão proferida por aquele Tribunal.

B - Se é certo e provado que com o contrato celebrado procedeu-se à transmissão do negócio, que foram transferidos os funcionários afetos ao mesmo, se foi pressuposto do negócio a cessão dos contratos de “renting” das viaturas e se as viaturas em causa estavam ao serviço e eram utilizadas por queles funcionários, será mais que lógico e decorre de um normal raciocínio que a Recorrente deixaria de ter atividade que justificasse a manutenção dos contratos de “renting” daquelas viaturas.

C – Não tendo a Recorrida nunca posto em causa, antes admitiu e aceitou que com a celebração do contrato, a Recorrente ficou despojado de negócio (Cfr 74 e 75 da Contestação), da mesma forma que nunca pôs em causa que a Recorrente tivesse denunciado o contratos de “renting” das viaturas, mas apenas que não teve qualquer prejuízo decorrente daquela cessação com a locadora, porque nada pagou à “Leaseplan” (Cfr 60, 61 e 62 da Douta Contestação), não se pode colocar em dúvida que a Recorrente se viu obrigada a denunciar antecipadamente ao termo do prazo, os contratos relativos a cada uma das viaturas objeto de locação.

D – A culpa do incumprimento contratual presume-se.

E – A determinação concreta dos danos, tendo sido relegada para Liquidação de Sentença, será nesta sede que incumbe à Recorrente quantificar os danos, podendo a Sentença em tal incidente concluir pela inexistência de danos.

F – Pelo que o facto 16 da matéria dado por provado na 1ª instância e retirado como facto assente no Douto Tribunal “a quo”, também não permitia concluir pela absolvição da Recorrida.

G – Ao decidir pela absolvição o Douto Tribunal “a quo” violou a Lei, nomeadamente, entre outros, o disposto nos artºs 562, 572, 798 e 799 do Código Civil e artº 662 do Código de Processo Civil.

Não foram apresentadas contra alegações.


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Fundamentação.

O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. Por escrito particular intitulado “contrato de transmissão definitiva de carteiras e compra de ativos”, datado de 20 de Abril de 2018, a autora, ali primeira outorgante, na qualidade de agente autorizado da operadora móvel “MEO – Serviços de Telecomunicações e Multimédia, Ld.ª”, declarou vender à ré, que declarou comprar, as seguintes carteiras de clientes “MEO”: carteira de clientes empresariais, carteira de subagentes empresariais e carteira de subagentes residenciais.

2. No âmbito do acordo de vontades referido em 1) foram transmitidos os bens que compunham a unidade económica de exploração comercial, designadamente cadeiras, secretárias, impressoras, computadores, nos termos detalhados no anexo I, junto a fls. 12.

3. No âmbito do acordo de vontades referido em 1), as partes acordaram que a transmissão produziria os seus efeitos a partir do dia 1 de Maio de 2018.

4. A título de preço, as partes acordaram o valor de € 463.000,00, que a ré pagaria à autora, nos seguintes termos: i) € 139.000,00 com a assinatura do contrato; ii) € 139.000,00, no dia 1 de Junho de 2018; iii) € 185.000,00, no dia 1 de Julho de 2018 [vd. cláusula segunda].

5. As partes acordaram, no número 3 da cláusula terceira, que «[a] partir da data de produção dos efeitos deste contrato, 01 de Maio de 2018, as comissões a receber pela [p]rimeira [o]utorgante da empresa “MEO Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A.”, serão devidos, na sua totalidade, à [s]egunda [s]utorgante».

6. Na cláusula quarta, relativa aos equipamentos empresariais, foi consignado o seguinte: «[a]mbas as outorgantes acordam que todos os montantes recebidos pela [s]egunda [o]utorgante, durante os meses de [M]aio e [J]unho de 2018, referentes a vendas de equipamentos empresariais ocorridas nos meses de [M]arço e [A]bril de 2018, serão facturados, em igual montante, a esta pela [p]rimeira [o]utorgante (1). A [p]rimeira [o]utorgante compromete-se, durante o[s] m[eses] de Maio e Junho, a emitir as respectivas notas de crédito aos subagentes empresariais responsáveis pela venda dos equipamentos empresariais mencionados no número anterior (2). A [p]rimeira outorgante, desde já, autoriza que seja feita a compensação entre os valores constantes das facturas referidas no número 1 da presente cláusula e o pagamento do preço nos termos do número 2 da cláusula segunda».

7. Na cláusula quinta foi acordado o seguinte: «1. A primeira outorgante, na qualidade de parte no contrato de renting com a Lease Plan Portugal Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos Unipessoal, Ld.ª obriga-se a empreender todos os esforços e diligências que se mostrem necessárias à cessão de posição, nos mesmos termos e condições, a favor da segunda outorgante, de 10 viaturas com as características melhor descritas no anexo 5, com exclusão de todas as outras, e que se encontram na data da de produção dos efeitos jurídicos deste contrato (…) a serutilizadas pelos trabalhadores (…), bem como a assinar todos os contratos que se mostrem necessários à prossecução de tal fim, assim como a fornecer toda a informação que se mostre necessária à referida cessão de posição. 2. Ambas as outorgantes acordam que, caso os termos e condições comerciais dos contratos de cessão de posição propostos sejam mais desfavoráveis que as actuais condições em vigor para a primeira outorgante, a segunda outorgante reserva-se o direito de não aceitar tal cessão de posição sem que qualquer responsabilidade lhe possa ser assacada».

8.  A ré abateu ao preço a quantia de € 112.887,47, correspondente a comissões pagas à autora pela “MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A.”, relativas ao comissionamento da atividade dos meses de Março e Abril de 2018.

9. A autora pagou a indemnização de antiguidade a cada um dos seus funcionários que não foram transferidos para a ré, desde a data de admissão até 30 de Abril de 2018.

10.      A partir do dia 01.05.2018, a ré passou a utilizar na sua atividade dez viaturas que anteriormente eram usadas pela autora, de entre as quais, as seguintes: Renault ……….  ...-QX-79; Renault ….  ...-QS-19; Renault …….20 ...-QS-...; Renault …….. ...-QS-29; Renault ……. ...-QS-30; Renault …. ...-QS-31; Renault ……. ...-QS-41; Renault …. ...-QS-24, elencadas a fls. 15 dos autos.

11.  A assunção, pela ré, das obrigações emergentes dos contratos que a autora mantinha com a sociedade “Lease Plan Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos, Unipessoal, Ld.ª”, relativos a 10 viaturas automóveis afetas à exploração daquela unidade económica, foi pressuposta e influenciou a determinação do preço do escrito particular referido em 1).

12.      

Contactada pela autora, a “Lease Plan Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos, Unipessoal, Ld.ª”, declarou que aceitava a alteração da posição nos contratos relativos a cada uma das viaturas da autora para a ré, sem alteração das condições contratuais.

13. Não obstante o referido em 11), foi a autora quem continuou a pagar as rendas mensais devidas pela utilização dos veículos, por forma a obstar ao incumprimento dos contratos celebrados com a Lease Plan.

14. No dia 17.07.2018, a ré comunicou à autora que não iria assumir a cessão dos contratos referidos em 7).

15. (eliminado pela Relação, que o julgou não provado);

16. (eliminado pela Relação, que o julgou não provado);

17. Até ao fim do mês de Abril de 2018, o desenvolvimento comercial foi efetuado pela autora, com funcionários na sua dependência, a quem pagou salários, mais suportando as despesas decorrentes da exploração, nomeadamente combustíveis, telecomunicações, renda das instalações, água, eletricidade, renda da locação de viaturas, comissões pagas a subagentes, impostos e prestações sociais.

Foi julgado não provado:

a)     Que a partir do dia 01.05.2018, a ré tenha passado a utilizar na sua atividade a viatura Renault ……. ...-QS-18;

b)     Que, no contexto do acordo de vontades referido em 1), as partes tivessem pretendido conceder à ré a opção de se substituir ou não à autora, perante a Lease Plan, nos contratos relativos às viaturas.

c)    Que, com o referido em 5), as partes tenham pretendido excluir as comissões pagas a partir dessa data mas reportadas a serviços prestados anteriormente.

d)     Que, na sequência do referido em 16), a autora tenha liquidado algum valor à Lease Plan.

e)  Com o negócio referido em 1), a autora ficou sem atividade para as viaturas, pelo que, face ao referido em 14), cessou os contratos relativos às viaturas e entregou-as à Lease Plan. (anterior ponto 15 da matéria de facto provada).

f)   Por causa do referido em 15), a autora ficou devedora, à Lease Plan, de uma indemnização pela cessação antecipada dos contratos, em valor não concretamente apurado. (anterior ponto 16 da matéria de facto provada).

O direito.

Por escrito particular de 20.04.2018, a Autora, entretanto substituída pela “Massa Insolvente de Foneway – Comércio e Distribuição de Telecomunicações SA”, transmitiu à Ré/recorrida a sua carteira de clientes “Meo”; por força do mesmo acordo de vontades, a Ré obrigou-se a assumir a posição da Autora nos contratos de renting de 10 viaturas que havia celebrado com a Lease Plan,  o que não veio a fazer, tendo dado conhecimento à Autora, no dia 10 de Julho de 2018, que não iria assumir a cessão dos contratos de renting.

Nos pontos 15 e 16 da sentença, foi dado como provado o seguinte:

15. Com o negócio referido em 1) – o contrato de transmissão definitiva de carteiras e compra de activos -  a autora ficou sem actividade para as viaturas, pelo que, face ao referido em 14 (recusa da Ré em assumir a cessão dos contratos), cessou os contratos relativos às viaturas e entregou-as à Lease Plan;

16. Por causa do referido em 15), a autora ficou devedora à Lease Plan de uma indemnização pela cessação antecipada dos contratos, em valor não concretamente apurado.


Com base nesta factualidade, a sentença, na parcial procedência da acção, condenou a Ré “4x4 – Comércio de Produtos Electrónicos e  Equipamentos de Telecomunicações Lda”, a pagar à Autora, “o valor, a liquidar ulteriormente, que a sociedade Lease Plan venha a ver reconhecido no processo de insolvência da ora autora e que se reporte à cessação antecipada dos contratos que vigoravam relativamente aos 10 (dez) veículos a que alude o artigo 10 dos factos provados e/ou que a autora tenha entretanto satisfeito junto da Lease Plan, caso em que se contabilizarão juros a partir da data da liquidação do valor.”


Interposto recurso pela Ré para a Relação de Guimarães, este Tribunal alterou a matéria de facto, julgando não provado os factos 15 e 16 e, em consequência, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré integralmente do pedido.

O acórdão recorrido justificou a sua decisão nos termos seguintes:

(…) impõe agora que se averigue, face à nova realidade factual, se se preenchem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, em relação ao apurado comportamento contratual por parte da ré recorrente.

Como é bom de ver, na sentença recorrida teve-se como assente, neste particular, quer, por um lado, o incumprimento da ré a dar origem à cessação antecipada dos aludidos contratos de renting que haviam sido celebrados entre a autora e a Lease Plan, quer, por outro lado, a existência do dano consubstanciado na indemnização devida à Lease Plan, por efeito daquela cessação contratual, apenas restando apurar o seu quantum, por se mostrar ilíquido; dando assim origem à condenação da ré constante da decisão recorrida, tendo por base a al. A) do petitório.

Ora, acontece que, mercê da alteração da decisão sobre a matéria de facto introduzida por este tribunal ad quem, a factualidade (mais concretamente a inserta sob os nºs 15 e 16) que servia de base a tal decisão do tribunal a quo deixou de subsistir, ou seja os pressupostos legais de que depende a verificação da obrigação de indemnizar por parte da ré recorrente, mormente o prejuízo diretamente resultante para a autora do inadimplemento contratual da ré a gerar a consequente e necessária obrigação de indemnização (arts. 798º e 562º a 564º, do C. Civil).

Realce, por último, que o pedido da autora formulado sob a al. A) constituía a condenação da ré a pagar à autora a quantia aí mencionada relativa ao débito efetuado pela sociedade Lease Plan decorrente da denúncia antecipada dos contratos de renting referidos, débito esse que, como já referimos, não resultou minimamente demonstrado nos autos.

Nestes termos, com a procedência das alegações de recurso neste segmento, deverá a ação ser julgada improcedente, também no que se refere à al. A) do pedido, com a consequente improcedência da ação e absolvição integral da ré do pedido.”

No recurso de revista deste acórdão, a Autora pede a revogação do mesmo para ficar a subsistir a sentença, defendendo que apesar da eliminação dos factos 15 e 16, que passaram à categoria de não provados, os demais são suficientes para a condenação da Ré, embora em montante ilíquido, tal como decretado em 1ª instância.

Não lhe assiste no entanto razão.

A Autora fundamentou o pedido de indemnização contra a Ré na responsabilidade contratual, alegando o incumprimento por esta do “contrato de transmissão definitiva de carteiras e compra de activos”, na medida em que a Ré, contrariamente ao que se obrigara, se recusou a assumir os contratos de renting de viaturas automóveis que a Autora havia celebrado com a Lease Plan.

Mais alegou que a Ré, ao incumprir a obrigação de assumir os contratos de locação, não deixou alternativa à Autora que não fosse proceder à denúncia antecipada de cada um dos contratos e entregar as viaturas à Ré. E acrescentou, “fruto da denúncia antecipada e como consequência da mesma, a sociedade Lease Plan debitou à Autora a quantia de €48.698,47 (…) pelo que está a Ré obrigada a indemnizar a A. pelo exacto valor pelo qual foi penalizada pela denúncia antecipada de cada uma das viaturas.”

Debruçando-se sobre esta parte do pedido, considerou a sentença que “a Ré não cumpriu o contrato quanto aos veículos, determinando a cessação antecipada com a Lease Plan, e provocando à Autora um prejuízo de valor não concretamente apurado, traduzido no crédito que a Lease Plan poderá exigir-lhe (agora, apenas no processo de insolvência)” , e proferiu a condenação ilíquida nos termos supra referidos.

Posto isto.

Estatui o art. 798º do CCivil que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”

Decorre do preceito citado, que são pressupostos do dever de indemnizar: i) a ilicitude; ii) a culpa; iii) o dano.

No dano indemnizável cabe não só o dano emergente (o prejuízo causado, a que se refere o nº1 do art. 564º), como o lucro cessante, constituído pelos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

No entanto, para haver lugar à obrigação de indemnizar é indispensável que o credor, em consequência da falta de cumprimento da obrigação, sofra um prejuízo. “Sem dano – patrimonial ou não patrimonial – não existe responsabilidade civil” (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7ª edição, pag. 105).

“Só existe obrigação de indemnizar se estiver provada, por aquele que pretende a indemnização, a existência de prejuízos” (Acórdãos do STJ de 12.05.2005, P. 05B1228,  e de 21.10.2010, P. 486/03).

No caso sub judice, a sentença deu como provado que a Autora sofreu um prejuízo patrimonial com a cessação antecipada dos contratos de renting originada pelo incumprimento contratual da Ré, pois que ficou obrigada a indemnizar a Lease Plan, nos termos dados como provados em  15 e 16.

Com a eliminação destes factos pela Relação, que migraram para os factos não provados, desapareceu o substracto factual que demonstrava o dano indemnizável.   

Não tem razão a Recorrente quando defende que deve ser relegado para liquidação de sentença o apuramento do dano, “sendo nessa sede que incumbe à Recorrente quantificar os danos.”

É certo que a lei prevê o incidente de liquidação (art. 358º do CPC), quando sentença profira condenação ilíquida  nos termos do nº2 do art. 609º: “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte já líquida.”

No entanto, a liquidação da sentença só visa concretizar o objecto da condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da acção declarativa, ou seja, a questão da existência do dano não é relegável para o referido incidente (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 8ª edição, pag. 233).

Trata-se, aliás, de entendimento pacífico: “a condenação no que vier a liquidar-se posteriormente só é configurável no caso de estar provada a obrigação de prestar e só falta demonstrar o respectivo quantitativo”. (cf. Acórdãos do STJ de 05.07.2007, P. 07B219, de 25.03.2010, P. 203/2001, de 31.01.2012, P. 3609/07, www.dgsi.pt).

Como a Recorrente não provou ter sofrido os danos que invocou resultantes do inadimplemento contratual da Ré, é inevitável a improcedência da acção por falta de prova de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar.

Ao decidir neste pendor o acórdão recorrido não merece censura.

Sumário (da responsabilidade do relator, art. 663º, nº7 do CPC):

I – Na responsabilidade contratual se o autor não provar a existência de danos, em consequência do incumprimento culposo, não há obrigação de indemnizar;

II – Só é lícito relegar para liquidação (art 629º/2 do CPC) a indemnização por danos cuja existência ficou demonstrada na acção declarativa, só faltando demonstrar o respectivo quantitativo.

Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 26.11.2020

                                              

Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Silva

Nos termos do art. 15º-A do DL nº10º-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.