Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AGUIAR PEREIRA | ||
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA OFENSA DO CASO JULGADO REFORMA DE ACÓRDÃO CONDENAÇÃO EM CUSTAS REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA SENTENÇA RECURSO DE APELAÇÃO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR ATUALIZAÇÃO MORA DO DEVEDOR JUROS DE MORA CITAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | -INDEFERIDA A NULIDADE INVOCADA. -DEFERIDA PARCIALMENTE A REFORMA QUANTO A CUSTAS | ||
Sumário : | I) A impugnação judicial da sentença que fixou o montante da indemnização devida impede a constituição do devedor em mora e abrange, salvo delimitação em contrário feita pelo recorrente na interposição do recurso, a própria definição do momento a partir de quando são devidos juros de mora; II) Tendo sido decidido na sentença impugnada que os juros de mora eram devidos a partir da citação da ré seguradora e o recurso interposto da decisão que fixou a indemnização devida, a data do início da contagem dos juros de mora não constitui questão autónoma da definição da obrigação principal do devedor. III) Não incorre em nulidade por excesso de pronúncia e violação do caso julgado o acórdão que, tendo actualizado o valor da indemnização decide que os juros de mora são devidos a partir da decisão actualizadora. IV) A decisão proferida em última instância sobre a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça que seria devida nos termos do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, abrange todas as fases do processo e respectiva tramitação, e não apenas a do recurso em que a decisão final tem lugar, a tal não obstando a autonomia da acção e dos recursos para efeitos tributários reconhecidos a cada instância. V) Tendo em conta a relativa complexidade dos autos face às questões colocadas e decididas em todas as instâncias e à conduta das partes ao longo do processo e tendo em conta o valor da taxa de justiça total já paga, é adequada a redução para metade da responsabilidade da ré recorrente pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça por si em dívida. | ||
Decisão Texto Integral: |
Em nome do POVO PORTUGUÊS, acordam em CONFERÊNCIA os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: ◊ ◊ ◊ RELATÓRIO Parte I – Introdução 1) AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “Caravela, Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo a sua condenação a pagar a quantia global de € 484.728,00 (quatrocentos e oitenta e quatro mil setecentos e vinte e oito euros), acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento. Alegou, em suma, ter sido lesado num acidente de viacção ocorrido em 4 de setembro de 2016 quando seguia como passageiro no veículo ..-PI-.. e este entrou em despiste ao descrever uma curva por imperícia do seu condutor, sendo certo que a respectiva proprietário transferira para a ré a responsabilidade civil derivada da sua circulação. Posteriormente o autor requereu a ampliação do pedido para o valor de € 1.279.728,00 (um milhão duzentos e setenta e nove mil setecentos e vinte e oito euros), para ressarcimento de danos futuros relacionados com a necessidade de ser assistido por terceira pessoa, o que foi deferido. 2) A ré contestou alegando não estar obrigada a garantir qualquer indemnização ao autor por o seguro ter sido realizado através de declarações inexactas por parte da proprietária do veículo interveniente quanto à identificação do condutor habitual do veículo, circunstância com influência sobre o nível do risco assumido e a consequente quantificação do prémio do seguro, não estando obrigada a suportar o dano que o sinistro tenha causado ao autor por se dever considerar anulado o contrato com efeitos a 17 de fevereiro de 2016. Sem prescindir, impugnou a factualidade alegada pelo autor e alegou que este também é responsável pelos danos por ele sofridos por circular sem cinto de segurança colocado. A seguradora requereu a intervenção acessória da tomadora do seguro e do condutor do veículo interveniente. 3) O autor, por sua vez, no articulado de resposta requereu também a intervenção principal do Fundo de Garantia Automóvel, da proprietária e do condutor do veículo automóvel sinistrado, a qual foi admitida. Os intervenientes, tendo contestado, pediram a sua absolvição do pedido. 4) Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador em que foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. A requerimento da seguradora ré foi determinada a apensação da acção instaurada pelo Centro Hospitalar e Universitário do Porto, EPE contra os aqui intervenientes e onde foi pedida a condenação dos ali réus ao pagamento total de 79.987,28 €, acrescidos dos juros vencidos peticionados, no montante de 6.148,16 €, perfazendo um total de 85.135,44 € e juros vincendos até efetivo e integral pagamento. 5) Realizada audiência final foi proferida sentença, que julgou a acção nos seguinte termos: “Julga-se parcialmente procedente a presente ação, e, consequentemente: a) Condena-se a Ré, Caravela – Companhia de Seguros, S. A., a pagar ao autor AA a quantia de € 362.215,58, no entanto, opera-se a compensação de € 6.000,00 pagos a título de reparação provisória, pelo que fica a ré obrigada a pagar a quantia de € 356.215,58 (trezentos e cinquenta e seis mil duzentos e quinze euros e cinquenta e oito cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. b) Condena-se a ré a pagar ao autor AA a quantia a liquidar em execução de sentença relativo ao valor correspondente a apoio de terceira pessoa até ao limite de € 700.000,00, nos termos do artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil. c) Condena-se a ré a pagar ao Centro Hospitalar e Universitário do Porto, EPE o valor de € 78.987,28 (setenta e oito mil novecentos e oitenta e sete euros e vinte e oito cêntimos), bem como juros de mora vencidos no montante de € 6.148,16 (seis mil cento e quarenta e oito euros e dezasseis cêntimos) e os juros de mora vincendos à taxa legal. d) Julga-se improcedente o remanescente do pedido deduzido pelo autor AA e dele se absolve a ré. e) Absolve-se os Intervenientes Principais, BB, CC e Fundo de Garantia Automóvel da presente ação”. 6) De tal sentença proferida em primeira instância apelaram para o Tribunal da Relação do Porto a seguradora ré e o autor, versando, além do mais, a apelação da primeira o valor da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais e a apelação do segundo o valor dos danos patrimoniais futuros. 7) Por seu acórdão de 8 de maio de 2023 o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação interposta pela seguradora ré parcialmente procedente e a apelação interposta pelo autor inteiramente procedente, assim revogando parcialmente a sentença recorrida e condenando a ré seguradora a pagar ao autor a quantia de € 575.000,00 (quinhentos e setenta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros, deduzindo depois a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros) já adiantados pela ré, mantendo o mais decidido pela sentença de primeira instância. 8) Tendo sido interposto recurso de revista de tal decisão proferida em segunda instância pela seguradora ré, este Supremo Tribunal de Justiça decidiu, por acórdão proferido nestes autos, em 6 de fevereiro de 2024, julgar parcialmente procedente a revista e: - condenar a seguradora recorrente – Caravela, Companhia de Seguros, S A – a pagar ao autor a quantia € 445.000 (quatrocentos e quarenta e cinco mil euros) a título de indemnização para ressarcimento de danos de natureza não patrimonial e de natureza patrimonial futuros, montante a que se deduz a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros) já pagos ao autor; - condenar a seguradora ré a pagar ao autor juros de mora sobre a quantia de € 433.000,00 (quatrocentos e trinta e três mil euros), a partir da decisão; - manter inalterada a parte da sentença e do acórdão recorrido não afectada pelo acórdão; - Condenar a seguradora recorrente e o autor no pagamento das custas da revista na proporção do respectivo decaimento. ◊ ◊ ◊ Parte II. A conferência e o seu objecto A) A reforma do acórdão quanto a custas a requerimento da ré recorrente 1) Notificada do teor do acórdão proferido nesta instância a seguradora ré veio requerer a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais ou, subsidiariamente, a dispensa parcial de tal pagamento na percentagem considerada adequada pelo tribunal. 2) O Ministério Público emitiu parecer sobre tal requerimento, considerando que a decisão de dispensa do remanescente da taxa de justiça só poderá incidir sobre a atividade processual desenvolvida nesta instância de recurso, não podendo abarcar todas as demais instâncias e que a tramitação processual desenvolvida no Supremo Tribunal de Justiça, não está sujeita ao pagamento de remanescente de taxa de justiça, considerando o valor atribuído ao recurso de revista, a sucumbência e o estatuído no artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais. ◊ ◊ ◊ B) As nulidades do acórdão arguidas pelo autor 3) Por sua vez o autor apresentou reclamação do acórdão para a conferência arguindo a sua nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil e invocando a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efectiva. Pugna o autor, na procedência das nulidades arguidas, pela prolação de decisão que determine um novo cálculo do montante relativo aos danos patrimoniais futuros – por força da esperança média de vida ser de 78 anos para os homens e, ainda, ser de considerar o salário nacional médio à data do acidente, sendo que sobre a totalidade dos montantes da condenação deverão ser contabilizados juros desde a citação por força do caso julgado e da proibição da reformatio in pejus. ◊ ◊ ◊ FUNDAMENTAÇÃO Colhidos os vistos legais dos Sr.s Juízes Conselheiros adjuntos importa decidir, sendo certo que, como resulta da conjugação do artigo 685.º com o artigo 666.º do Código de Processo Civil, cabe à conferência apreciar dos fundamentos da rectificação ou reforma do acórdão ou apreciar as nulidades que sejam tempestivamente arguidas. 1) O autor e a ré seguradora requereram a intervenção da conferência para que fosse emitida pronúncia sobre duas questões distintas: Requereu a ré seguradora, ora recorrente, a reforma do acórdão proferido em 6 de fevereiro de 2024 quanto a custas por forma a que dele fique a constar a dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça ainda em dívida; Arguiu o autor recorrido a nulidade do acórdão: - por excesso de pronúncia conexo com a violação do caso julgado quanto à contagem dos juros sobre a quantia arbitrada a título de indemnização, e sua consequente inconstitucionalidade por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, previsto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da tutela jurisdicional efetiva constante no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa; - por oposição entre os fundamentos e a decisão e por obscuridade ou ambiguidade dos fundamentos da decisão na parte relativa à esperança média de vida considerada no cálculo equitativo do valor da indemnização por danos patrimoniais futuros; - por inconstitucionalidade quando ao valor do salário a considerar no apuramento do dano patrimonial futuro sofrido pelo autor. Apreciaremos, em primeiro lugar, a questão da nulidade do acórdão invocada pelo autor e só depois os fundamentos da reforma do acórdão quanto a custas. A) Sobre a nulidade do acórdão proferido em 6 de fevereiro de 2024 2) O requerimento em que é arguida pelo autor a nulidade do acórdão tem, em síntese, a seguinte fundamentação: O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao revogar o acórdão do Tribunal da Relação do Porto na parte relativa à definição do momento inicial da contagem dos juros violou o caso julgado formado pela sentença de primeira instância uma vez que tal segmento da decisão não foi objecto de impugnação para o Tribunal da Relação e tinha transitado em julgado. Em primeira instância a sentença tinha decidido condenar a ré Caravela – Companhia de Seguros, S. A., a pagar ao autor a quantia de € 356.215,58 (trezentos e cinquenta e seis mil duzentos e quinze euros e cinquenta e oito cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento. O Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela ré e procedente o recurso interposto pelo autor, condenando aquela a pagar a quantia global de € 563.000,00 (quinhentos e sessenta e três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros, mantendo no mais o decidido em primeira instância. Por essa razão o Supremo Tribunal de Justiça estava impedido de apreciar a questão do momento a partir do qual eram devidos juros de mora e, tendo-o feito incorreu em nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, n.º ,1 al. d) do Código de Processo Civil. 3) Na sua resposta a ré seguradora alerta – no contexto da quantificação do valor da indemnização do lesado – para a relação entre a data do início da contagem dos juros de mora e a apreciação e fixação – actualizada ou não – do montante da indemnização em dívida. De facto, a definição do montante sobre o qual vão incidir os juros de mora depende sempre de a decisão que o fixou se reportar a momento anterior ou coincidente com a interpelação ou à data mais recente que possa ser atendida pelo tribunal (artigo 566.º n.º 2 do Código Civil). O devedor só se constitui na obrigação de reparar os danos causados pela mora quando a sua prestação não foi tempestivamente realizada. 4) No caso de a decisão se reportar a momento anterior ou coincidente com a interpelação o montante do crédito pela indemnização (crédito principal) abrangerá apenas os factos verificados até esse momento e as suas consequências, sendo devidos juros de mora a partir da citação (artigo 805.º n.º 1 e 3 do Código Civil). No segundo caso de a decisão se reportar à data mais recente que possa ser nela atendida o tribunal avaliará todos os factos e as suas consequências que tenham tido lugar até ao momento mais recente que possa ser atendido à data da sentença, podendo atender aos danos futuros se previsíveis, sendo os juros devidos a partir da decisão. Existe, portanto, uma relação estreita entre o montante do crédito pela indemnização (crédito principal) e a definição do momento a partir do qual são devidos juros de mora. 5) A constatação de tal relação entre o crédito principal e o crédito de juros torna inevitável que, a menos que o recurso seja limitado à definição do montante da indemnização, a impugnação deste implique a necessidade de reequacionar o crédito de juros de mora. Neste contexto se dirá que a definição da data do início da contagem dos juros de mora não é, no âmbito da relação material controvertida, uma questão autónoma da da quantificação do valor da indemnização a que está necessariamente associada. 6) Dito de outro modo, se a decisão que fixa o montante da indemnização e estabelece que são devidos juros de mora a partir da citação for impugnada por via de recurso tal significa que não fica coberto pelo caso julgado, nos termos do artigo 619.º do Código de Processo Civil, a existência do crédito principal nem – porque dele dependente – do crédito de juros nos termos em que foi definido na decisão recorrida. 7) Quanto ao momento a partir do qual seriam devidos juros de mora a sentença proferida em primeira instância decidiu (alínea a) do Dispositivo) que eles eram devidos a partir da citação da ré seguradora para a acção. Já no acórdão recorrido nenhuma referência se faz à data a partir de quando os juros de mora são devidos, sendo certo que nesse aresto recorrido a fixação dos danos patrimoniais futuros – e naturalmente a dos danos não patrimoniais – se fundou em critérios de equidade. No acórdão proferido em 6 de fevereiro de 2024 foi reapreciada nesta instância a conformidade dos parâmetros de equidade ponderáveis no caso concreto para se concluir estarem em linha com os parâmetros geralmente utilizados na fixação dos danos não patrimoniais e patrimoniais futuros em situações semelhantes. 8) Nos termos do artigo 619.º do Código de Processo Civil a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória depois de transitada em julgado, o mesmo sucedendo, dentro do processo, em relação a sentenças e despachos que recaiam sobre a relação processual (artigo 620.º do Código de Processo Civil). Ora no caso dos autos não se formou caso julgado – material ou formal – sobre o montante da indemnização arbitrada em primeira instância, incluindo o valor dos juros vencidos logo considerados (alínea a) do Dispositivo) na medida em que tal decisão foi objecto de recurso de apelação. Não ocorreu, portanto, caso julgado sobre questão de que não podia tomar conhecimento – mais precisamente sobre a data a partir da qual a ré se deveria considerar em mora – que torne nula a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6 de fevereiro de 2024, nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil. ◊ ◊ ◊ 9) Acresce que os termos em que o valor da indemnização global foram definidos em primeira instância (… fica a ré obrigada a pagar a quantia de € 356.215,58 (trezentos e cinquenta e seis mil duzentos e quinze euros e cinquenta e oito cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento) e em segunda instância (pagamento de € 563.000,00 (quinhentos e sessenta e três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros) não são coincidentes, não tendo havido pronúncia da Relação quanto ao momento a partir do qual eram devidos juros da mora relativos à quantia por ela fixada, sublinhe-se, com fundamento parcial em critérios de equidade então expressos. 10) A decisão proferida nesta instância, sendo actualizadora e proferida com base em critérios de equidade avaliados no momento da decisão, não podia deixar de atender, no que tange à data a partir da qual se vencem os juros de mora, ao teor do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.º 4 /2002, de 9 de maio de 2002. ◊ ◊ ◊ 11) Invoca ainda o autor, recorrido e ora reclamante, a inconstitucionalidade do acórdão de 6 de fevereiro de 2024, uma vez que, ao concluir pela possibilidade de revogação de uma decisão sobre a qual já se tinha formado caso julgado, viola o princípio do Estado de Direito, que se concretiza da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, previsto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da tutela jurisdicional efetiva constante no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 12) A alegação do autor quanto a este ponto assenta num pressuposto que não se verifica no caso presente, uma vez que, como já atrás se referiu, não ocorre qualquer situação de caso julgado que obste à reapreciação do montante global da indemnização cujo valor foi oportunamente impugnado e à declaração de que, tendo a decisão em causa, natureza actualizadora, só são devidos juros desde a data da sua prolação. 13) O mesmo se dirá quanto ao alegado obstáculo à reapreciação da “questão” da definição do momento inicial da contagem dos juros moratórios com fundamento na chamada “dupla conforme”. Na verdade, o artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil tem aplicação quando o acórdão da Relação confirme a sentença proferida em primeira instância sem qualquer voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente sobre a mesma questão de direito. Conforme já atrás foi referido a quantificação do valor global da indemnização arbitrada ao autor – aqui se incluindo a definição do momento inicial da contagem dos juros de mora – obedeceu nas duas decisões em confronto a diferentes critérios, sendo reportada à data da citação da seguradora na sentença, mas não no acórdão recorrido, que apesar de omisso, remete para uma avaliação actualizada do dano sofrido pelo autor. Não ocorre, também por esta via, a invocada nulidade do acórdão proferido nesta instância por excesso de pronúncia (artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil). 14) Da mesma forma que o Supremo Tribunal de Justiça não excedeu os seus poderes de cognição ao decidir que os juros são devidos a partir da decisão actualizadora. Conforme decorre do disposto no artigo 5.º n.º 3 do Código de Processo Civil o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à aplicação das regras de direito ao caso. Ora, tendo o acórdão proferido nesta instância natureza actualizadora porque fundado na avaliação e aplicação de critérios de equidade tendo em vista a reparação de danos actuais e futuros, mais não fez do que aplicar conjugadamente os artigos 804.º n.º 1 e 2, 805.º n.º 1, 2 alínea b) e 3 e 806.º n.º 1, todos do Código Civil e da interpretação jurisprudencial uniformizadora do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4 / 2002 de 09/05/2002 (Diário da República nº. 146/2002, Série I-A de 2002-06-27), nos termos da qual “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.” Como se escreveu no acórdão objecto da reclamação em apreciação “estando em causa nestes autos a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e bem assim montantes indemnizatórios fixados para ressarcimento de danos não patrimoniais e patrimoniais futuros com base na ponderação fundada, total ou parcialmente, em critérios de equidade, não poderá deixar de se ter em conta que só são devidos juros de mora a partir da decisão actualizadora.” ◊ ◊ ◊ Improcede, assim, integralmente a arguição de nulidade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6 de fevereiro de 2024, por excesso de pronúncia (artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil). ◊ ◊ ◊ 15) Arguiu ainda o autor a nulidade do mesmo acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão e ambiguidade na respectiva fundamentação. Em seu entender, relativamente ao cálculo do dano patrimonial futuro o acórdão recorrido padece de nulidade por não se encontra fundamento lógico para a ponderação da esperança média de vida avaliada em função da data de nascimento do lesado em detrimento da avaliação em função da data do evento causador do dano, pelo que as dúvidas quanto ao critério que se deve aplicar para efeitos de cálculo do dano patrimonial futuro, em clara oposição com os fundamentos de acórdãos citados, tornam o acórdão nulo por ambiguidade na respectiva fundamentação. 16) Vejamos. A idade da vítima no momento do acidente que lhe afecte definitivamente as suas capacidades vitais, incluindo para angariar rendimento do trabalho, é um dos factores a que a doutrina e a jurisprudência mandam atender no juízo equitativo dos danos a ressarcir em função do estimado tempo de vida de acordo com os dados conhecidos sobre a esperança média de vida em Portugal. Fez-se constar do acórdão ora reclamado que segundo dados estatísticos da “Pordata – Estatísticas sobre Portugal e Europa” da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Instituto Nacional de Estatística, divulgados pela página da Internet www.pordata.pt, a esperança de vida à nascença em Portugal dos homens nascidos em 1993 era de 71 anos, tendo os cálculos sido efectuados com base o facto de à data do acidente o autor ter vinte e três anos de idade. 17) Se é certo que dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística apontam para uma esperança média de vida para os homens residentes em Portugal de 78 anos tal não significa que a referência ao critério da esperança média de vida dos homens à nascença utilizada no acórdão de 6 de fevereiro de 2024 como um dos elementos para a avaliação equitativa do valor dos danos patrimoniais futuros o torne nulo. Os fundamentos da decisão estão expressos no acórdão e fundamentam a decisão, não sendo a mera discordância do autor sobre a opção por tal critério causa da sua nulidade. Improcede, pois a arguição da nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil. 18) Da mesma forma que não se vislumbre em que se consubstancie a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva que o autor associa à utilização de um tal elemento de ponderação no âmbito da formulação do juízo de equidade consentido pela lei para cálculo dos previsíveis danos futuros. Não se trata, em todo o caso, de atender nessa ponderação apenas à data do nascimento da vítima, mas sim de extrapolar a partir de dados conhecidos e tornados públicos qual o tempo de vida durante o qual ela poderia legitimamente esperar auferir os rendimentos que, previsivelmente, perdeu. A opção fundamentada por diferentes critérios de ponderação em decisões judiciais distintas não comporta uma diferença injustificada no tratamento dos cidadãos perante a lei nem representa negação da tutela jurisdicional efectiva. A possível ponderação de outros critérios não normativos noutras decisões judiciais não configura violação do princípio da igualdade ou da tutela jurisdicional efectiva. ◊ ◊ ◊ 19) Por último invoca o autor a inconstitucionalidade, ainda por violação do princípio da igualdade constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, decorrente da não utilização do critério do salário médio nacional e da opção pelo rendimento do lesado comprovadamente auferido em data anterior à do acidente. Ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de fevereiro de 2024 o seguinte: “Os rendimentos a considerar para efeitos de indemnização pela capacidade de ganho perdida são aqueles que ele anteriormente auferia – como aliás o autor também entende e pede – e não o valor do salário médio mensal vigente em Portugal na data do acidente, o qual só é atendível quando não tenha resultado provado o rendimento efectivamente auferido ou quando o lesado ainda não entrou no mercado de trabalho ou se encontrava desempregado à data da lesão de que resultou diminuída a sua capacidade de ganho.” 20) Alega o autor que “a interpretação da lei que entenda que a um jovem de 23 anos, desempregado, se deve seguir o critério do salário médio e, para um outro jovem com a mesma idade, que tenha um primeiro emprego (com um salário muito inferior ao salário médio) já não se pode seguir o critério do salário médio é inconstitucional por violação do princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.” 21) Trata-se de argumento que não encontra fundamento factual no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6 de fevereiro de 2024. Nele não foi feita a análise comparativa a que o autor alude. A decisão fundou-se nos factos provados e alegados pelo autor a propósito dos seus rendimentos, sendo certo que não se provou que ele estivesse desempregado à data do acidente. Tendo-se apurado que o autor auferira anteriormente determinado montante como rendimento do seu trabalho foi a ele que se atendeu para o cálculo da indeminização não fazendo sentido atender a um salário médio que o autor não auferia. Violador do princípio da igualdade expresso no artigo 13.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa seria tratar da mesma forma situações desiguais e atribuir ao autor uma indemnização com base num rendimento de que ele, comprovadamente, não auferia. Improcede assim a inconstitucionalidade invocada. ◊ ◊ ◊ ◊ ◊ B) Sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida: 1) Consta do Preâmbulo do Decreto-Lei 34/2008 de 26 de fevereiro o seguinte: “A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço. De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores. De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa” 2) As regras gerais sobre a Taxa de Justiça constam do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, que dispõe, nomeadamente, o seguinte: “1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. 2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento. 3 – Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 /prct. do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis. (…) 5 – O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade. 6 – Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final. 7 – Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. 8 – Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente. (…)” 3) Quanto à oportunidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça o artigo 14.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais estabelece que “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”. 4) Temos assim que, de acordo com o Regulamento das Custas Processuais, as partes auto liquidam o valor da taxa de justiça devida pelo impulso processual que vão promovendo pelo seu valor mínimo e de acordo com o valor da causa e a complexidade do processo tal como estabelecido, na ausência de regra especial, na tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais. O apuramento efectivo e concreto do valor da taxa de justiça devido em cada caso é feito na conta final do processo, podendo não corresponder – como habitualmente sucede – ao valor já pago. Daí que nos processos em que a taxa de justiça é variável a parte tenha, a final, que pagar o excedente, se o houver, tendo em conta o valor de taxa de justiça já pago (artigo 6.º n.º 6 do Regulamento as Custas Processuais). No caso específico das acções de valor superior a 275.000 euros, o Regulamento das Custas Processuais confere ao Juiz a possibilidade de dispensar, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça que seria devida, considerando o valor já pago (artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais). 5) A dispensa ou redução do pagamento da taxa de justiça que seria devida constitui um mecanismo destinado a adequar, fundamentadamente, o valor a suportar pela prestação de um serviço de natureza e interesse público – o da administração da justiça – ao caso concreto, por referência à complexidade da causa e à actividade desenvolvida pelo Tribunal a que não é estranha a conduta processual das partes a que o legislador manda atender. Tal avaliação tem, em suma, por finalidade, a conclusão a extrair sobre a proporcionalidade do valor a despender pela parte responsável pelo pagamento da taxa de justiça face à globalidade do serviço prestado, num quadro legislativo que, sem afirmar a gratuitidade do acesso ao direito e aos Tribunais, o assegura, em todo o caso, aos cidadãos e às empresas para defesa dos seus alegados direitos. 6) E se é assim bem se compreende que só com a decisão final seja possível aquilatar, oficiosamente ou a requerimento da parte, se o valor exigível, a apurar na conta final do processo é ou não proporcional ao esforço desenvolvido pelo sistema de administração da justiça e se se verificam os demais pressupostos do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais. Como é da natureza das decisões sujeitas a impugnação por via de recurso judicial, só com a decisão proferida em última instância se fica a conhecer, em definitivo, a identidade do responsável pelo pagamento da taxa de justiça e, com inteira propriedade, a complexidade global da causa e a conduta processual das partes ao longo de todo o processo. Neste sentido decidiu, por exemplo, o Sr. Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Abrantes Geraldes na decisão sumária proferida na revista 2104/12.8TBALM.L1.S1 em 20 de dezembro de 2021 (acessível em www.dgsi.pt) onde se pode ler que o artigo 14.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais revela “que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente de resultados futuros”. 7) A questão suscitada no Parecer do Ministério Público não tem tido resposta uniforme neste Supremo Tribunal de Justiça e não é isenta de dúvidas. No sentido de que o Supremo Tribunal de Justiça apenas detém competência para se pronunciar sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça relativa ao recurso de revista, entre outros, os seguintes arestos acessíveis em www.dgsi.pt: - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2020 na revista 2142/15.9T8CTB; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2022 na revista 155/07.3TBTVR.E1.S1; O fundamento essencial de tal entendimento assenta na autonomia para efeitos tributários da acção e dos recursos, tal como previstos no Código de Processo Civil ou no Regulamento das Custas Processuais. 8) No sentido de que o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve pronunciar-se sobre o pedido de dispensa ou redução da taxa de justiça em relação a todo o processo e à tramitação que correu termos na 1ª instância até à sentença e na Relação, pronunciaram-se, entre outros e para além da decisão sumária identificada no ponto 6., supra os acórdãos da 1.ª e da 2.ª Secções deste Supremo Tribunal de Justiça, todos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt: - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em conferência de 13 de setembro de 2022 na revista 799/09.9TBOER.L1.S1; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2022 proferido na revista 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1 (relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Jorge Arcanjo e em que os Juízes Conselheiros adjuntos declararam rever anterior posição sobre a matéria); - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 2018 proferido na revista 657/11.8TVLSB.L1.S2; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2018 proferido na revista 1194/14.3TVLSB.L1.S2; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de janeiro de 2019 proferido na revista 478/08.4TBASL.E1.S1. 9) Tomando posição, dir-se-á que se adere à orientação segundo a qual o Supremo Tribunal de Justiça, quando seja o último grau de jurisdição, e por via disso, tem competência para apreciar e decidir a dispensa ou redução da taxa de justiça não só no respectivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes. A referência ao “juiz” no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais só é compatível com o pensamento do legislador quando se refira ao magistrado que esteja em condições de formular um juízo de apreciação global do processo, sobre a complexidade da causa e sobre a conduta processual das partes e de avaliar da adequação da totalidade da taxa de justiça prevista ao caso concreto. 10) A competência exclusiva das instâncias para a fixação da responsabilidade tributária em cada acção, incidente ou recurso em função dos critérios legais estabelecidos no artigo 527.º e seguintes do Código de Processo Civil, que é inerente à sua autonomia para efeitos tributários, não se confunde inteiramente com a competência para apreciação dos fundamentos da limitação do valor da taxa de justiça a suportar em concreto – através da redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final – e que deve ser feita com a decisão final, por esta pressupor exactamente esse juízo de valoração global do processo, sua complexidade e da conduta das partes. 11) Nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais a única conta do processo é elaborada de harmonia com o julgado em última instância. Ora em qualquer acção a última instância é aquela que, em último lugar se pronuncia sobre o mérito da causa, sendo nessa que se concretiza, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das custas. A conta do processo a elaborar, sendo única para todo o processo, abrange as custas da acção e dos recursos (taxa de justiça, encargos e custas de parte), multas e outras penalidades, se os houver, sem que sejam ponderada as decisões das instâncias precedentes incompatíveis com o julgado em última instância. 12) Assim sendo, quando tenha sido omitido pelas instâncias o conhecimento oficioso da dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça e esta só seja tempestivamente requerida, podendo sê-lo até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2022) perante o Supremo Tribunal de Justiça a decisão final que sobre ela incidir abrangerá todo o processo, aplicando-se o mesmo critério que presidiu à decisão de modo uniforme a todo o processo. 13) Por outro lado, nenhum elemento de interpretação permite concluir que o legislador teve em vista regular a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça separadamente para cada uma das instâncias, sendo a decisão do Supremo Tribunal de Justiça limitada à instância do recurso de revista. Afinal, do que se trata não é de invasão da esfera de competência em matéria tributária de cada um dos diferentes graus de jurisdição, mas de decidir em última instância, a título oficioso ou a requerimento da parte, e fundadamente, se o valor do remanescente da taxa de justiça deve ou não ser reduzido ou o seu pagamento dispensado, tendo em conta a complexidade da causa e a conduta processual das partes à luz do já mencionado princípio da proporcionalidade. 14) Em conclusão, divergindo do parecer emitido pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público a que atrás aludimos, quando seja requerida ou equacionada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pela primeira vez, após a prolação em última instância da decisão final do processo e antes do respectivo trânsito em julgado, a decisão que sobre a matéria recair estende-se a todas as fases do processo e à respectiva tramitação, sem necessidade de pronúncia de cada uma das instâncias precedentes onde o processo esteve anteriormente pendente. A tal não obsta a autonomia de cada uma das instâncias em matéria de tributação processual e a condenação por cada uma delas efectuada de quem deu causa à acção ou ao recurso. 15) Os presentes autos visam o apuramento da responsabilidade civil da seguradora decorrente de um acidente de viação, não assumindo complexidade extraordinária especial a resolução das questões colocadas ao longo de todo o processo, inclusive no contexto dos recursos de apelação e revista interpostos. A conduta processual das partes, nomeadamente da ora seguradora requerente responsável pelo pagamento das custas, não extravasou a expressão da sua legítima divergência com o teor do acórdão recorrido nem os parâmetros da convicta defesa de alegados direitos com integral respeito pelas regras processuais ao caso aplicáveis. Em sede de primeira instância os autos registaram uma tramitação sem incidentes dignos de menção, não obstante desde a propositura da acção em outubro de 2017 à prolação da sentença em março de 2022 terem decorrido mais de quatro anos, justificando esse lapso de tempo decorrido, nomeadamente, a necessidade de realização de exames periciais ao autor. 16) Conforme se extrai de informação junta aos autos atendendo ao valor da causa, à definição da responsabilidade tributária da ré nesta instância e ao valor da taxa de justiça já paga, está ainda em dívida pela ré seguradora a quantia de 2.903,70 € (dois mil novecentos e três euros e setenta cêntimos). O pagamento do valor integral da taxa de justiça devida afigura-se, sem ser elevado, relativamente desproporcionado, atendendo à ausência de especial complexidade das questões colocadas De onde se conclui que, ponderando os parâmetros constantes do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, a pretensão da recorrente tem suficiente suporte material, devendo reduzir-se a responsabilidade efectiva da ora requerente a metade do valor do remanescente da Taxa de Justiça em dívida. 17) Não obsta ao deferimento da pretensão da recorrente o facto de ela ser formulada após ter sido proferida a decisão dado que em matéria de tributação processual é possível a reforma do acórdão, como estabelece o artigo 616.º nº 1 do Código de Processo Civil. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1 / 2022 (DR I Série de 3 de janeiro de 2022), a cuja fundamentação se adere, esclarece que, não tendo sido oficiosamente decidida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode a parte requerer que seja emitida pronúncia sobre a matéria até ao trânsito em julgado da decisão final. O que se verifica no caso sub judice. 18) Em conclusão, com base nas normas citadas e fundamento nas circunstâncias apontadas, reformando o acórdão quanto à condenação em custas, deferindo parcialmente ao requerido, concede-se a dispensa do pagamento de metade do remanescente do valor da taxa de justiça que seria devida pela ré seguradora. ◊ ◊ ◊ ◊ DECISÃO Por tudo quanto vem de ser exposto, decidem em conferência: a) Indeferir o requerimento formulado pelo autor em que foi arguida a nulidade do acórdão proferido em 6 de fevereiro de 2024 com base no disposto no artigo 615.º n.º 1 b), c) e d) do Código de Processo Civil; b) Indeferir o requerimento formulado pelo autor no sentido de ser declarada a inconstitucionalidade de tal acórdão por violação do princípio da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva; c) Manter, nos seus precisos termos, o acórdão reclamado; d) Condenar o autor nas custas do incidente a que deu causa, fixando-se no mínimo a taxa de justiça devida; e) Reformar a condenação da seguradora ré em matéria de custas proferida no acórdão proferido nestes autos em 6 de fevereiro de 2024, e mantendo a condenação da recorrente no pagamento das custas do recurso de revista na proporção do seu decaimento, decidem dispensá-la, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, do pagamento de metade do valor global do remanescente da taxa de justiça por ela devida a final. Notifique.
Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 18 de junho de 2024
Manuel José Aguiar Pereira (Relator) Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro Jorge Manuel Leitão Leal |