Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO CITAÇÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SOCIEDADE COMERCIAL RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR FACTO ILÍCITO INDEMNIZAÇÃO | ||
Apenso: | |||
Data do Acordão: | 09/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
Sumário : | A interrupção da prescrição prevista no n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, operada pela citação ou notificação judicial, respeita ao direito que o autor pretende exercer através do ato a que corresponde essa citação ou notificação, sendo esse o ato que é levado ao conhecimento daquele contra quem o direito pode ser exercido (n.º 4 do art.º 323º do CC). | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n. 229/14.4T8FNC-O.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. A Massa Insolvente da “Interlog – Informática, SA”, por apenso ao respetivo processo de insolvência, representada pelo seu administrador judicial, propôs ação de condenação contra “Apple Sales International”, na qual peticionou a condenação da ré a pagar-lhe: “a quantia de € 24.796.467,66 (…), acrescidos de juros moratórios, contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento”. 2. Para sustentar a sua pretensão indemnizatória, alegou que a ré, na qualidade de administradora de facto da autora, praticou atos ilícitos, violadores dos deveres de lealdade e de cuidado, no período compreendido entre abril de 2008 e julho de 2011, que acarretaram danos para a insolvente (determinando, inclusive, a sua declaração de insolvência), devendo, consequentemente, ser a ré responsabilizada nos termos previstos no artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais. 3. Na petição inicial justificou a tempestividade da ação, em síntese, nos seguintes termos: “(…) a prática continuada de factos ilícitos e dolosos que fundamentam a presente ação cessou no mês de julho de 2011. - Em 25/02/2012, cinco dias após a propositura da aludida ação com o n.º de processo 135/12.7..., o prazo de prescrição do direito à indemnização da INTERLOG teve-se por interrompido (cfr. artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) – cfr. petição inicial que se junta como DOCUMENTO N.º 1. - Nesse mesmo dia, o aludido prazo prescricional recomeçou novamente a sua contagem, atenta a decisão de absolvição da Ré da instância (cfr. artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil), que ora se junta como DOCUMENTO N.º 1-A. -Tendo-se novamente interrompido em 03/04/2016, cinco dias após a propositura da ação com o n.º de processo 2312/16.2... (cfr. artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) – conforme petição inicial que se junta como DOCUMENTO N.º 2. - E, no mesmo dia, recomeçado a sua contagem, tendo em atenção a nova decisão de absolvição da Ré da instância (cfr. artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil), que ora se junta como DOCUMENTO N.º 2-A. -Deste modo, o direito da INTERLOG de se ver ressarcida dos danos que culposamente lhe foram provocados pela Ré prescreve no próximo dia 03/04/2021.” 4. A ré, na sua contestação, além de outros argumentos, invocou a exceção da prescrição, com a inerente absolvição do pedido. Para tanto alegou, em síntese: -“Com efeito, iniciar uma ação com base em responsabilidade contratual ou extracontratual (como ocorreu no P. ...35/12 e no P. ...12/16), é, por natureza, distinto de iniciar uma ação com base em suposta responsabilidade de um administrador, sendo absurdo que se pretenda que quem é citado para uma ação assente na suposta responsabilidade contratual ou extracontratual está, ainda que indiretamente, a tomar conhecimento de que o Autor dessa ação poderá também vir a querer demandá-lo como administrador. - Mais: esta pretensão da Autora contradiz frontalmente a posição em que assenta esta sua nova tentativa de demandar a Apple nos Tribunais portugueses, que pressupõe necessariamente que esta ação seja distinta das duas ações intentadas anteriormente (e que as várias instâncias já decidiram não poder ser apreciadas pelos Tribunais portugueses – cfr. Docs. n.º 5 e 6 já juntos). - Com efeito, a Interlog não pode simultaneamente querer uma coisa e o seu contrário. Ou seja, a Interlog não pode, simultaneamente, pretender, para se distanciar das decisões de absolvição da instância proferidas nos processos P. ...35/12 e P. ...12/16, que o facto de agora dar uma configuração jurídica diferente aos factos aqui em causa, qualificando-os como integrando uma suposta responsabilidade da Apple como suposta administradora de facto, é suficiente para afastar o regime da responsabilidade contratual, e, nesse sentido, afastar a cláusula de escolha de lei e de atribuição de jurisdição aos tribunais irlandeses, e por outro lado, pretender que os pedidos deduzidos nas ações anteriores estão em linha com o que agora é pedido nesta ação, e, procurando agora prevalecer-se dessa proximidade, tentar aproveitar as citações efetuadas nessas duas outras ações e sustentar que as mesmas tiveram o efeito de interromper o prazo de prescrição da responsabilidade por supostos atos do administrador. - Com efeito, a jurisprudência é clara no sentido de que o efeito de interrupção do prazo prescricional só opera quando o direito que se pretende exercer na ação em que se dá a primeira citação é idêntico ao direito que se pretende exercer na nova ação, sob pena de este regime de interrupção da prescrição se poder prestar a toda a espécie de abusos, como o aqui pretendido pela Autora. (…) - Face ao exposto, sendo manifesto que o direito que se pretendia exercer no P. 135/12 e no P. 2312/16, relativo à suposta responsabilidade contratual (ou, quanto muito, extracontratual) da Apple, é de natureza distinta do direito à indemnização por suposta atuação ilícita de administrador de facto invocado na presente ação, a citação ocorrida nos referidos processos judiciais não interrompeu o prazo de prescrição de cinco anos para exercício de eventuais direitos contra o suposto administrador. (…) - Sendo aqui de realçar que, mesmo a atentar na tese da Autora (cfr. artigo 19.º da p.i.), o termo dessa suposta conduta dolosa ocorreu pelo menos em julho de 2011, pelo que não há dúvida de que pelo menos desde julho de 2016 esse direito estaria prescrito. - Sem prejuízo do exposto e, mais uma vez, sem conceder, ainda que se pudesse considerar que, como refere a Autora, a lei portuguesa é aplicável e o prazo de prescrição se suspendeu com a citação da Apple nos processos P. ...35/12 e P. ...12/16, ainda assim a suposta responsabilidade da Apple enquanto alegada administradora de facto da Interlog já teria prescrito quanto a grande parte dos factos supostamente ilícitos alegados na P.I., cuja prática ocorreu e cessou mais de cinco anos antes de 25 de fevereiro de 2012 (que corresponde à data em que ocorreu a citação para o P. ...35/12, e, nas palavras da Autora, se interrompeu pela primeira vez o prazo de prescrição. - Com efeito, como resulta claro do teor dos artigos 129.º e seguintes da p.i., os supostos factos alegados pela Autora quanto à suposta atuação ilícita da Apple no que respeita à demissão de trabalhadores ocorreram entre os anos de 2004 e 2006, pelo que, pelo menos no que respeita aos factos relativos a essa matéria em concreto (bem como a quaisquer outros ocorridos até 25 de fevereiro de 2007, ou seja, cinco anos antes da citação da Apple para o P. ...35/12), qualquer eventual direito da Autora a demandar a Apple pela sua responsabilidade enquanto alegada administradora estaria já prescrito antes de a Apple ter sido citada para o P. ...35/12. - Face a tudo o que vai exposto, dão-se aqui por reproduzidas as considerações supra expostas quanto à verificação da exceção de prescrição, devendo, em consequência, ser a Ré integralmente absolvida do pedido, logo no despacho saneador, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC (ou, quanto muito, assim não se entendendo, ser a Ré absolvida parcialmente do pedido relativamente a quaisquer factos ocorridos antes e até 25.02.2007, em particular quanto aos supostos factos referentes à sua alegada ingerência na demissão de colaboradores da Interlog).” 5. A autora apresentou réplica, defendendo a improcedência das exceções invocadas pela ré. Especificamente quanto à exceção de prescrição, referiu, em síntese, não poder a sua interrupção ficar dependente da qualificação jurídica dada aos factos, não estando o tribunal vinculado às alegações das partes em matéria de direito, podendo alterar a qualificação jurídica que tenha sido dada. Alegou ainda que: “(…) Ora, não há dúvidas de que nas ações com o n.º de processo 135/12.7... e 2312/16.2... se convocou uma fonte de responsabilidade distinta daquela que ora se pretende efetivar: naquelas, a Autora e a sociedade T..., S.A. pretenderam efetivar a responsabilidade civil extracontratual da Ré, pela prática de abusos de posição dominante e abusos de dependência económica, ao abrigo dos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (correspondentes aos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio). - Ao passo que na presente ação se pretende efetivar a responsabilidade societária da Ré, pela violação dos deveres legais que sobre si impendiam enquanto administradora de facto da INTERLOG. - No entanto, em ambas as ações, os factos de que emerge o direito à indemnização peticionado pela Autora são os mesmos (sendo mesmo parcialmente restringidos no caso dos presentes autos). - Isto é, a pretensão indemnizatória da Autora procede do mesmo “facto jurídico”, na aceção do artigo 581.º, n.º 4, do CPC. - Ou, doutro modo dito, o direito exercido em cada uma das ações não só emerge dos mesmos factos, como é materialmente o mesmo: trata-se de um direito indemnizatório da Autora, estabelecido em decorrência dos comportamentos firmados pela Ré, os quais, como se começou por notar na presente resposta, são suscetíveis de assumir diferentes qualificações jurídicas. - Nessa medida, o prazo prescricional em apreço interrompeu-se por duas vezes anteriormente à propositura da presente ação, sendo que, ao ser citada para as referidas ações, a ora Ré ficou naturalmente a saber da intenção da Autora agir pela via judicial conta os atos por si perpetrados, no que, por sua vez, não podem deixar de considerar-se todos os meios jurídicos que visam a defesa do seu direito à indemnização. (…) // 196.º Em face do exposto, conclui-se, pois, que o prazo prescricional previsto no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC se interrompeu em 25/02/2012 e em 03/04/2016, com a propositura, respetivamente, das ações com o n.º de processo 135/12.7... e 2312/16.2... - Tendo recomeçado a sua contagem em 03/04/2016, atendendo à decisão de absolvição da Ré da instância proferida no processo n.º 2312/16.2... (cfr. artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil e DOC. N.º 2-A junto à Petição Inicial). // 198.º Deste modo, o direito da INTERLOG de se ver ressarcida dos danos que culposamente lhe foram provocados pela Ré apenas prescreveria em 03/04/2021. (…)”. 6. Foram juntas aos autos certidões das decisões proferidas no âmbito dos Procs. n.º 135/12.7... e n.º 2312/16.2..., com nota de trânsito em julgado. 7. Em 17.11.2022, foi proferido despacho saneador no qual, para além do mais, foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de incompetência internacional do tribunal e de ilegitimidade passiva processual da ré e julgada procedente a exceção perentória de prescrição, com a inerente absolvição da ré do pedido. 8. Não se conformando com tal decisão, no segmento que julgou procedente a exceção de prescrição, a Massa Insolvente da Interlog – Informática, SA, interpôs recurso de apelação, na qual o TRL proferiu acórdão julgando o recurso improcedente e mantendo a decisão da primeira instância. 9. A apelante interpôs, então, recurso de revista excecional. Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões: «1. A Recorrente, interpõe o presente recurso de revista excecional do acórdão proferido pelo Tribunal a quo em 14/11/2023, que confirmou o despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal de lª instância em 17/11/2022, na parte em que julgou procedente a exceção perentória de prescrição invocada pela Recorrida na sua Contestação, e, em consequência, determinou a sua absolvição do pedido. 2. Entende a Recorrente que o acórdão recorrido deve ser revogado, por fazer o mesmo uma interpretação errada do disposto no artigo 323.°, n.° 1 e 2, do CC, colocando inequivocamente em crise conceitos estruturantes do sistema jurídico português, tais como o conceito de causa de pedir, aliado ao princípio do dispositivo e ao princípio iuri novit cúria e radicando na restrição injustificada do direito do credor de ver paralisada a prescrição através da prática de um ato judicial que demonstre direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito. 3. Está em causa no presente recurso uma relevante questão jurídica e, bem assim, interesses de particular relevância social, o que justifica a interposição de recurso excecional de revista nos termos do disposto no artigo 672.°, n.° 1, alíneas a) e b), do CPC. 4. Acresce que o acórdão recorrido está em clara contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/2004 (Proc. n.º 04B3332), proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, justificando-se, também por essa razão, a interposição de recurso excecional de revista nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC - cfr. Doc. n.º 1. Vejamos: 5. O objeto da presente ação de condenação consiste na prática continuada de atos ilícitos pela Recorrida, na qualidade de administradora de facto da INTERLOG e em violação dos seus deveres legais, entre abril de 2008 e julho de 2011. 6. Os atos ilícitos praticados pela Recorrida integraram já o objeto de duas ações anteriores, as quais correram termos no Juízo Central Cível do ..., respetivamente Juiz ... e Juiz ..., sob os números de processo 135/12.7... e 2312/16.2... 7. Nessas ações, a Interlog e a sociedade T..., S.A. pretenderam efetivar a responsabilidade civil extracontratual da Recorrida, pela prática de abusos de posição dominante e abusos de dependência económica. 8. Todavia, em ambas as ocasiões as instâncias vieram a considerar que os factos em apreço seriam idóneos a gerar uma eventual responsabilidade civil contratual da Recorrida, e não a responsabilidade civil delitual invocada pelas aí Autoras. 9. Assim, ambas as ações culminaram com a absolvição da Ré da instância, em resultado da procedência de uma invocada exceção de violação de pacto atributivo de jurisdição, o qual se encontrava aposto nos contratos existentes entre as partes e que atribuía aos tribunais da Irlanda a competência para dirimir eventuais litígios resultantes da execução dos mesmos. 10. Contudo, a atuação conduzida pela APPLE, que conduziu à total evicção da Interlog do mercado, assume contornos e gravidade tais que afronta e viola, em simultâneo, diferentes princípios e institutos jurídicos, todos eles justificando em igual medida o direito à indemnização da INTERLOG, motivo pelo qual a Recorrente intentou a presente ação de responsabilidade contra a Recorrida, enquanto administradora de facto da Interlog. 11. Nos termos do disposto no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC, os direitos da sociedade contra os administradores prescrevem no prazo de cinco anos, contados do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador. 12. Sucede, porém que este prazo de prescrição se interrompeu por duas vezes, em 25/02/2012 e em 03/04/2016, na sequência da propositura das aludidas ações com o n.º de processo 135/12.7... e 2312/16.2... (cfr. artigos 323.º, n.ºs 1 e 2 e 327.º, n.º 2, do Código Civil). 13. Deste modo, o direito da Recorrente de se ver ressarcida dos danos que culposamente lhe foram provocados pela Recorrida apenas prescreveria a 03/04/2021. 14. E, tendo a presente ação sido intentada a 12/01/2021, esta é necessariamente tempestiva. 15. Contudo, assim não entendeu o Tribunal a quo, tendo antes considerado que «[...] não poderá aqui valer a previsão constante do artigo 323.° do CC, não tendo a citação da ré operada em tais acções a virtualidade de determinar a interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 174.° do CSC - através de tais citações não foi dado conhecimento à ré da intenção de a autora pretender vir a responsabilizá-la e peticionar a sua condenação no pagamento de uma indemnização enquanto administradora de facto da Interlog». 16. Não tem razão o Tribunal a quo. - Da admissibilidade da presente revista a) Do recurso de revista excecional por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e por estarem em causa interesses de particular relevância social (cfr. artigo 672.º, n.º 1, alínea a) e b) do CPC). 17. A prescrição é um instituto absolutamente estrutural na ordem jurídica portuguesa, justificando-se por razões de ordem pública e concretizando os valores da segurança jurídica e certeza do direito que, por sua vez, são manifestações do princípio constitucional do Estado de direito democrático previsto no artigo 2.° da Constituição. 18. A relevância jurídico-social do instituto da prescrição é amplamente reconhecida pela jurisprudência (cfr., a título exemplificativo, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/11/2020, Processo n.º 3325/19.8T8LSB-A.L1-8; Relatora: Isoleta Costa; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/03/2010, Processo n.º 1472/04.OTVPRT-CS1; Relator: Serra Baptista; acórdão recorrido). 19. Não só o instituto da prescrição é central no sistema jurídico português, como a questão que se coloca no presente recurso - i.e, saber se o efeito interruptivo da prescrição depende da roupagem jurídica dada pelo credor aos factos que fundamentam o seu direito - tange com outros conceitos estruturantes do nosso sistema jurídico, tais como causa de pedir, princípio do dispositivo e princípio iuri novit curia. 20. A discussão tida nos presentes autos tem também relevante impacto na forma como o titular do direito o exerce e, consequentemente, na eficácia desse direito. Isto porque o destinatário das normas jurídicas é o cidadão comum, não necessariamente dotado de formação jurídica, pelo que a solução avançada pelo Tribunal a quo, no sentido de que a diferente configuração jurídica dada aos mesmíssimos factos alegados pelo credor em diferentes momentos impede o efeito interruptivo da prescrição, coloca inequivocamente em crise o direito desse credor ver paralisado o prazo prescricional através de um ato que exprima a intenção de exercer o direito. 21. A questão objeto do presente recurso projeta-se para além da esfera jurídica da Recorrente, tendo antes impacto na esfera jurídica de todos os destinatários da norma jurídica em causa, i.e., do artigo 323.° do Código Civil, bem como na esfera jurídica dos credores da Recorrente, que foi declarada insolvente em 18/12/2014 (cfr. Doc. n.º 11, junto com a petição inicial). 22. Está, pois, em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, bem assim, estão em causa interesses de particular relevância social, devendo a presente revista excecional ser admitida nos termos do disposto no artigo 672.°, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC. Subsidiariamente: b) Da admissibilidade da revista excecional por contradição de julgados (artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC e artigo 14.º, n.º 1, do CIRE) 23. Subsidiariamente, deve a presente revista excecional ser admitida nos termos do disposto no artigo 672.°, n.º 1, alínea c), do CPC, porquanto existe contradição entre o acórdão recorrido e acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 09/12/2004, Processo n.º 04B3332, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. 24. O quadro fático é semelhante em ambos os acórdãos, uma vez que em ambas as decisões está em causa a interrupção do prazo prescricional através da citação dos réus para uma ação anterior, convocando-se a aplicação do artigo 323.º do CC 25. No acórdão recorrido e no acórdão-fundamento os tribunais foram chamados a decidir se a citação em ação anterior interrompeu o prazo prescricional, estando, pois, em causa a mesma questão fundamental de direito: os requisitos de que depende a interrupção da prescrição, nos termos do disposto no artigo 323.º, n.º l do CC 26. Ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, na medida em que o preceito em análise - o artigo 323.º do Código Civil - não foi objeto de alteração desde a prolação do acórdão-fundamento. 27. A interpretação feita no acórdão recorrido do artigo 323.º, n.º 1, do CC é contraditória em face da interpretação do mesmo preceito seguida no acórdão-fundamento. 28. O Tribunal a quo entendeu que a citação ocorrida nas duas ações propostas anteriormente pela Recorrente não interrompeu o prazo prescricional previsto no artigo 174.° do CSC, porquanto, na sua perspetiva, são distintos os direitos exercidos nesta e naquelas ações, já que se convocam distintos quadros normativos. 29. Já no acórdão-fundamento, entendeu o Tribunal a quo que o diferente enquadramento normativo seguido na primeira ação não obsta à interrupção da prescrição, já que o artigo 323.° do CC admite que essa interrupção tenha lugar através da expressão indireta da vontade de exercer o direito, concluindo que através da citação para a primeira ação os Réus ficaram a conhecer a intenção dos Autores de agirem judicialmente contra os atos por si perpetrados, o que contempla todos os meios jurídicos que assistem aos Autores. 30. Estão em causa, por isso, teses diametralmente opostas: (iii) no acórdão recorrido, entendeu o Tribunal a quo que a diferente qualificação jurídica dada aos mesmos factos nesta e nas ações anteriores obsta à interrupção da prescrição, por estarem em causa direitos distintos; (iv) no acórdão-fundamento, entendeu-se que a propositura de uma primeira ação em que estão em causa essencialmente os mesmos factos, não obstante ser diferente o enquadramento normativo dado aos mesmos, não obsta à interrupção da prescrição, por relevar apenas que os Réus tenham ficado a conhecer a intenção dos Autores de agirem judicialmente (através de todo e qualquer meio jurídico) contra aqueles concretos atos. 31. A questão de direito sobre a qual se verifica a controvérsia foi essencial para determinar o resultado em ambas as decisões. 32. No acórdão-fundamento, a circunstância de se ter concluído que a propositura de uma primeira ação em que o enquadramento jurídico dado aos mesmos factos foi distinto constitui, ainda assim, uma expressão indireta da vontade de exercer o direito foi essencial para determinar o resultado aí alcançado - i.e., a conclusão de que a citação para a primeira ação determinou a interrupção da prescrição nos termos do artigo 323.°, n.º 1, do CC. 33. Caso não tivesse seguido tal entendimento, o acórdão-fundamento teria necessariamente concluído que, sendo distinta a qualificação jurídica numa e noutra ação, estava verificada a exceção perentória de prescrição. 34. Se, à semelhança do que fez este Venerando Supremo Tribunal no acórdão-fundamento, o Tribunal a quo tivesse desvalorizado a diferente qualificação jurídica dada aos mesmíssimos factos, teria necessariamente chegado à conclusão de que, através das ações propostas anteriormente, a Recorrente expressou a sua vontade de exercer o seu direito indemnizatório e, por conseguinte, teria julgado improcedente a exceção perentória de prescrição. 35. Mas o Tribunal a quo não o fez, considerando antes que a diferente dimensão normativa convocada nesta ação e nas antecedentes obsta à interrupção da prescrição nos termos do disposto no artigo 323.°, n.º 1, do CC. 36. Assim se concluindo pela essencialidade da questão de direito controversa para a decisão do acórdão recorrido e do acórdão-fundamento. 37. Estando preenchidos todos os pressupostos de revista excecional, deve a mesma ser admitida, nos termos do disposto no artigo 672.°, n.º 1, alínea c), do CPC. Posto isto, - DOS FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A PROLAÇÃO DE DECISÃO DIVERSA 38. A qualificação da Recorrida como administradora de facto da Recorrente é uma qualificação jurídica, conforme reconhecido pelo Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 19/11/2020 (Processo n.º 65/12.2TYVNG-H.P1; Relator: Freitas Vieira). 39. Os factos essenciais de que depende essa qualificação jurídica foram invocados tal e qual nas ações propostas pela Recorrente em 20/02/2012 e 29/03/2016. 40. A própria Recorrida reconheceu, na sua Contestação, que a presente ação constitui uma mera repetição não inovatória das ações anteriores, em que se invocam os mesmos factos e se pretende obter o mesmo efeito jurídico (cfr. artigos 5.°, 7.°, 9.°, 10.°, 36.°, 40.°, 44°, 170.° da Contestação). 41. Aliás, os factos invocados pela Recorrida na sua Contestação para contrariar o alegado pela Recorrente são os mesmos que esta havia invocado nas contestações apresentadas nas duas ações precedentes. 42. Não se verifica, pois, qualquer inovação fática: os factos essenciais que permitem a qualificação da Recorrida como administradora de facto são os mesmíssimos factos essenciais invocados nos processos n.os 135/12.7... e 2312/16.2..., em que se convocou uma fonte de responsabilidade distinta daquela que ora se pretende efetivar. 43. Ao considerar que a causa de pedir na presente ação é distinta da causa de pedir nas ações precedentes tão-só porque nesta ação a Recorrida é qualificada juridicamente como administradora de facto da Recorrente, e ao considerar que, por essa razão, não pode operar a interrupção da prescrição, está o Tribunal a quo a contrariar o entendimento sufragado no acórdão-fundamento, de acordo com o qual o diferente enquadramento normativo dado ao caso é irrelevante para efeitos de interrupção da prescrição, e a contrariar também a solução unanimemente defendida na doutrina e na demais jurisprudência, no sentido de a causa de pedir não integrar a qualificação jurídica dada aos factos. 44. Nem poderia ser de outro modo, porquanto a qualificação jurídica dos factos encontra-se sempre na disponibilidade do Tribunal, e não das partes, nos termos do artigo 5.°, n.º 3, do CPC. 45. A própria Recorrida reconhece, no artigo 146.° da Contestação, que “o que relevante para aferir do objeto da ação é o conjunto de factos em que assenta o pedido da Autora, que apontam, quanto muito, para a possível responsabilidade contratual da Apple, senão irrelevante a concreta qualificação jurídica que a Autora dá aos factos em causa (no caso, a tentativa da Autora, nessas ações passadas, de configurar a responsabilidade da Apple como extracontratual ou, no caso dos autos, a tentativa de sustentar que está antes em causa a responsabilidade da Apple como suposta administradora de facto da Interlog)”. 46. Pelo que, se se entendesse que a causa de pedir abrange a qualificação jurídica dada pelo autor aos factos alegados e que, consequentemente interrupção da prescrição depende dessa mesma qualificação jurídica - como o fez, erradamente, o Tribunal a quo - tal implicaria, desde logo, que nenhum prazo prescricional se pudesse considerar interrompido, nos termos do artigo 323.°, n.º 1, do CC, quando o tribunal entendesse alterar essa qualificação. 47. Ficando, nesse caso, o efeito interruptivo da prescrição do direito condicionado à qualificação jurídica efetivamente atribuída pelo tribunal a determinados factos, o que nunca se poderia admitir, por não ser essa a solução positivada na lei. 48. Uma solução desse tipo seria kafkiana - tal como é kafkiana a situação em que se encontra a Recorrente, que viu as duas ações que propôs anteriormente terminarem com a absolvição da Ré da instância, precisamente em consequência da requalificação jurídica dos factos aí alegados pelo Tribunal, e agora vê-se confrontada com a impossibilidade de invocar a interrupção da prescrição através da propositura das duas ações anteriores em virtude da requalificação jurídica dos factos por si efetuada nesta nova ação. 49. Não se descortina em que medida se pode admitir que a interrupção da prescrição ocorra através de qualquer ato judicial que exprima indiretamente a intenção de exercer o direito e, simultaneamente, exigir-se (como exige o Tribunal a quo) que esse ato contenha uma qualificação jurídica vinculativa e preclusiva dos factos que sustentam o direito do credor... 50. Solução que ainda menos se compreende quando se considere que a prescrição ter-se-ia por interrompida caso a Recorrente tivesse antes optado por uma notificação judicial avulsa, não lhe sendo exigido qualificar juridicamente os factos de onde emerge o seu direito. 51. Ora, in casu, nas três ações propostas a Recorrente alegou o mesmo conjunto de factos essenciais com vista à condenação da Recorrida na satisfação do seu direito indemnizatório, sendo irrelevante que tais factos se subsumam a diferentes qualificações jurídicas ou fontes de responsabilidade (todas elas assentes, sem prejuízo, nos mesmos pressupostos: facto voluntário, ilícito e culposo, existência de dano e de nexo de causalidade entre o facto e o dano). 52. O que releva é apenas que a pretensão indemnizatória da Recorrente nesta ação procede do mesmo “facto jurídico”, na aceção do artigo 581.°, n.º 4, do CPC. 53. Inexistindo, pois, quaisquer dúvidas de que se verifica identidade de causa de pedir entre a presente ação e as ações propostas em 20/02/2012 e 29/03/2016. 54. Por outro lado, o pedido corresponde ao efeito prático-jurídico pretendido pelo autor, independentemente do quadro normativo invocado, tal como resulta do acórdão-fundamento. 55. Ora, o efeito prático jurídico que a Recorrente visa alcançar é o mesmo nas três ações propostas contra a Recorrida: a condenação da mesma no pagamento de uma quantia indemnizatória, acrescida de juros moratórios à taxa legal, a título de compensação pelos danos por esta causados com a conduta ilícita que se lhe imputa, independentemente da concreta qualificação jurídica que a mesma revista, de mais a mais num caso de concurso de responsabilidades, como o presente. 56. O facto de o valor peticionado nestes autos ser distinto - para menos - do peticionado nas ações anteriores é irrelevante para efeitos prescricionais, importando apenas que o efeito jurídico pretendido seja o mesmo - como é manifestamente o caso. 57. É, pois, manifesto que existe identidade entre o pedido formulado na presente ação e os pedidos formulados nas ações propostas em 20/02/2012 e 29/03/2016. Donde, 58. O direito exercido em cada uma das ações emerge dos mesmos factos e é materialmente o mesmo: um direito indemnizatório da Recorrente, fundado na conduta ilícita da Recorrida, suscetível de assumir diferentes qualificações jurídicas. 59. Aliás, tanto assim é que, tivesse a Recorrente sido já compensada ao abrigo das ações anteriores, não poderia vir a sê-lo também no âmbito da presente ação, precisamente porque o seu direito indemnizatório, nessa eventualidade, teria já sido satisfeito. 60. Ao ser citada para as ações anteriores, a ora Recorrida ficou a conhecer a intenção da Recorrente de agir judicialmente contra os atos por si executados, o que, necessariamente, inclui todos os meios jurídicos que lhe assistem na defesa do seu direito indemnizatório. 61. É também nesse sentido que se tem posicionado a jurisprudência e a doutrina. 62. Conforme se referiu, a própria Recorrida alega na sua Contestação que os factos trazidos a juízo na presente ação são exatamente os mesmos que foram submetidos à apreciação dos tribunais nas ações anteriores e que a pretensão da Recorrente aqui exercida é exatamente a mesma que foi exercida nas ações anteriores, reconhecendo, assim, que através da citação para as ações anteriores tomou conhecimento da intenção da Recorrente de exercer o direito em causa nos autos. 63. Verifica-se, pois, uma clara identidade de pedido e de causa de pedir entre a presente ação e as ações propostas em 20/02/2012 e 29/03/2016, pretendendo a Recorrente exercer em todas elas o mesmo direito indemnizatório. 64. Nessa medida, deveria o Tribunal a quo ter aplicado o artigo 323.°, n.º 1 e 2, do CC e, consequentemente, concluído que o prazo prescricional em apreço se interrompeu por duas vezes anteriormente à propositura da presente ação, não se encontrando o mesmo decorrido à data da propositura da presente ação. 65. A interpretação do artigo 323.°, n.º 1, do CC acolhida pelo Tribunal a quo, segundo a qual se em duas ações é peticionada uma indemnização convocando o quadro normativo da responsabilidade delitual, e numa terceira ação são invocados exatamente os mesmos factos, sendo a indemnização peticionada convocando o quadro normativo da responsabilidade societária, a citação nas duas primeiras ações não é susceptível de interromper o prazo prescricional, é inconstitucional, por violação dos artigos 2.° e 20.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 66. Em face de tudo o que foi exposto, deve o acórdão recorrido ser revogado, e substituído por douto acórdão que julgue tal exceção improcedente, ordenando que os autos prossigam os seus ulteriores termos até final. Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso de Revista e, em consequência, deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que que julgue a exceção perentória de prescrição improcedente e determine o regular prosseguimento dos presentes autos até final.» 10. A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: «Nótula introdutória deste processo (que configura um imoral copy paste, mutatis mutandis, das improcedentes ações judiciais de 2012 e 2016): A) Esta ação configura mais uma tentativa - a terceira -, novamente infrutífera, da Interlog, hodiernamente enquanto “Massa Insolvente”, de fazer um uso abusivo de mecanismos judiciais (escassos e preciosos) disponíveis no ordenamento jurídico nacional, fazendo tábua rasa do cristalinamente decidido e transitado em julgado, em duas pretéritas ações improcedentes da Autora, em que são alegados factos idênticos aos aqui em causa, decisões essas do Tribunal do ...confirmadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa e reconfirmados pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça nos processos 135/12.7... e 2312/16.2..., que está votada à total improcedência. Da inadmissibilidade do recurso: a) Do pedido de revista excecional ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC: B) No que respeita em particular ao requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.° do CPC, o STJ tem entendido que uma “questão com relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito - a que alude a al. a) do n.º 1 do art. 721.°-A [actual artigo 672.°] do CPC [de 1961] – é a que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objectivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis” (cf. Acórdão do STJ de 27.10.2011, Processo n.º 5720/09.1TVLSB.L1.S1), sublinhando ainda que “o recurso de revista excepcional não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes, mas antes a protecção do interesse geral na boa aplicação do direito” pelo que “as razões da clara necessidade de apreciação da questão devem ser referidas à aplicação do direito em geral e não à consideração de algum caso concreto isolado” (cf. Acórdão do STJ de 09.01.2014, Processo n.º 605/08.1TBFAF.G1.S1). No mesmo sentido, vejam-se ainda os Acórdãos do STJ de 31.01.2012 (Processo n.º 288/09.1TBSTR-C.E1.S1), de 29.01.2014 (Processo n.º 9184/11.1TBOER.11-A.S1), ou de 27.10.2015 (Processo n.º 2368/13.0T2AVR.P1.S1), devidamente identificados no texto das alegações. C) Já no que concerne ao que deve entender-se por interesses de particular relevância social (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 671.° do CPC), o STJ tem No mesmo sentido, vejam-se ainda os Acórdãos do STJ de 10.07.2012, Processo D) A alegação da Recorrente quanto à suposta justificação do recurso por estar em causa matéria relativamente à qual a pronúncia do STJ se revela necessária para uma melhor aplicação do Direito ou por estarem em causa interesses de particular relevância social, nos termos do artigo 672.°, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, assenta num conjunto de generalidades e frases feitas sobre a relevância do instituto da prescrição para o sistema jurídico português, bem como numa descrição totalmente deturpada do teor do acórdão recorrido. E) O acórdão recorrido está perfeitamente alinhado com a lei, a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais superiores - como bem resulta das várias remissões doutrinárias e jurisprudenciais que do mesmo constam e que sustentam a decisão recorrida - sendo manifesto que a mesma em nada fere os referidos princípios gerais ou se revela de alguma forma inovatória, clamando por uma reapreciação pelo STJ. F) O que a Recorrente verdadeiramente pretende, ainda que sem sucesso, é uma terceira reapreciação do seu caso individual por uma outra instância, na expetativa de poder obter uma solução favorável ao seu caso, fintando as regras da dupla conforme, o que não é admissível. b) Revista excecional ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.° do CPC – Da suposta existência de oposição de acórdãos entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ de 09.12.2004: G) A jurisprudência do STJ vem considerando que, para que seja aplicável a referida alínea c) do n.º 1 do artigo 672.° do CPC, “não basta que as decisões sejam análogas, antes se exigindo que se trate da mesma questão fundamental de direito, o que só acontece quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, seja idêntico” (cf., por todos, os Acórdãos do STJ de 02.12.2013 (Processo: 313/11.6TTCLD.L1.S1), ou de 16.06.2015 (Processo: 991/10.3TBGRD.C2.S1), melhor identificados no texto das alegações). H) Sendo certo que o acórdão de 09.12.2004 se pronuncia no sentido de uma ação judicial passada poder interromper o prazo de prescrição (ao contrário do que sucedeu no caso dos autos), a verdade é que não se verifica qualquer contradição entre os dois acórdãos na medida em que a situação em análise no referido acórdão fundamento, e, em concreto, as razões que levaram o Tribunal a entender que, nesse caso, a prescrição se devia considerar interrompida, não se verificam in casu, inexistindo, nessa medida, uma qualquer contradição entre as decisões. I) A solução diferente a que chegam um e outro acórdão explica-se por as situações de facto serem distintas, sendo que no acórdão fundamento se entendeu que estava em causa o exercício do mesmo direito numa e noutra ação, ainda que lançando mão de meios de reação distintos, e se concluiu pela interrupção do prazo de prescrição, e no caso ora em crise se entendeu que estavam em causa direitos diferentes, pelo que a citação para as duas ações precedentes não interrompeu o prazo de prescrição do direito decorrente da suposta responsabilidade civil como administrador de facto que se pretende exercer sub judice. J) Como resulta claro da ampla jurisprudência e doutrina citadas no acórdão recorrido em suporte da decisão, o entendimento sufragado pelos Tribunais de 1." instância e da Relação está perfeitamente alinhado com o que vem entendendo a doutrina e jurisprudência de referência quanto ao que deve entender-se consubstanciar o exercício do mesmo direito para efeitos de eventual aplicação do disposto no artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil quanto à interrupção da prescrição. À cautela e sem conceder: Da improcedência do recurso: da prescrição da suposta responsabilidade da Apple: K) A citação da Apple nos processos P. 135/12 e P 2312/16 não interrompeu o prazo de prescrição da suposta responsabilidade da Apple enquanto dita administradora de facto da Interlog porquanto os direitos que se pretendia exercer nessas ações - assentes na suposta responsabilidade contratual ou extracontratual da Apple por violação das normas de Direito da Concorrência (artigos 11.° e 12.° da Lei n.º 19/2012 e artigo 102.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) - são totalmente distintos dos que se pretende exercer na presente ação, fundada ex novo na suposta responsabilidade da Apple enquanto alegada administradora de facto da Interlog ao abrigo do Código das Sociedades Comerciais, não estando minimamente verificados os pressupostos de que depende a interrupção do prazo de prescrição ao abrigo do artigos 323.°, n.º 1 do Código Civil - cfr., por todos, quanto ao entendimento que aqui se defende quanto à interpretação deste preceito, Ana Filipa Morais Antunes, Paulo Manuel Leão Lacão, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2003, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2002, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2006, ou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.04.2021, todos citados no texto das alegações. L) Mais: ainda que se pudesse conceder que o prazo de prescrição se pudesse interromper uma vez com a citação para uma outra ação judicial (isto, claro, assumindo que estivesse em causa o mesmo direito, o que no caso dos autos nem sequer sucede), nunca se poderia admitir uma segunda interrupção da prescrição nos mesmos termos, sob pena de violação intolerável do princípio basilar da segurança jurídica - cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.03.2022 citado no texto das alegações. M) Contrariamente ao que sustenta a Recorrente, o artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil não se refere à identidade da causa de pedir, mas sim à identidade do direito invocado como critério para determinar se se verificam os pressupostos da interrupção do prazo de prescrição. N) Em todo o caso, e sem conceder, uma ação judicial em que se discuta responsabilidade contratual ou extracontratual de uma sociedade fundada na violação das normas de Direito da Concorrência não tem a mesma causa de pedir de uma ação em que se discute a responsabilidade de uma entidade enquanto administrador de facto de outra sociedade, sendo equivocada a leitura que a Recorrente procura fazer ad nauseam das citações doutrinais e jurisprudenciais que apresenta nas suas alegações para tentar sustentar a sua insustentável posição. O) O direito à indemnização por suposta responsabilidade da Apple como alegada administradora de facto da Interlog, a existir (que foi rejeitado e relativamente ao qual não se concede), prescreveu assim, sem tergiversações, cinco anos decorridos sobre o termo da suposta conduta dolosa ou culposa do administrador que originou essa alegada responsabilidade, ou seja, considerando que, como a própria Autora reconhece (cfr. artigo 19.° da petição inicial ou ponto 2 das alegações de recurso), o termo dessa suposta conduta dolosa ocorreu pelo menos em julho de 2011, não há dúvida de que pelo menos desde julho de 2016 esse direito estaria exaurido P) Sem prejuízo do exposto e, mais uma vez, sem conceder, mesmo que se pudesse considerar que o prazo de prescrição se suspendeu com a citação da Apple nos processos P. 135/12 e P. 2312/16, ainda assim a suposta responsabilidade da Apple enquanto alegada administradora de facto da Interlog já teria prescrito quanto a grande parte dos factos supostamente ilícitos alegados na petição inicial, cuja prática ocorreu e cessou mais de cinco anos antes de 25 de fevereiro de 2012. Ainda sem conceder: Q) Na hipótese de este Tribunal de recurso entender que assiste razão à Recorrente no que respeita à prescrição, quod non, deve o processo baixar ao Tribunal da Relação para que este se pronuncie sobre as outras questões suscitadas pela Apple nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação, cuja apreciação o referido Tribunal da Relação considerou ficarem prejudicadas pela decisão quanto à prescrição, a saber, o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé e a exceção dilatória inominada de preterição do recurso prévio aos meios de resolução alternativa do litígio acordados entre a Interlog e a Apple, sobre as quais o Tribunal da Relação e de 1.ª instância não se chegaram a pronunciar por as terem considerado prejudicadas face à solução dada ao litígio, e o pedido de ampliação do objeto do recurso de apelação quanto às exceções de incompetência internacional dos tribunais portugueses e de ilegitimidade passiva da Apple oportunamente suscitadas na Contestação, a que o Tribunal de 1.ª instância deu resposta desfavorável e de que o Tribunal da Relação entendeu não conhecer por ter entendido confirmar a decisão recorrida, julgando improcedente o recurso (o que tornava também a apreciação destas questões desnecessária). Nestes termos e nos mais de Direito: a) Deve, data venia, ser julgado manifestamente inadmissível o recurso de revista excecional, por não verificação dos requisitos legais; b) à cautela, e sem conceder, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida; c) Subsidiariamente, e uma vez mais sem conceder, caso o Tribunal entenda que assiste razão à Recorrente quanto à questão da prescrição, deve o processo baixar ao Tribunal da Relação para que o mesmo se pronuncie sobre as questões suscitadas pela Recorrida que ficaram por apreciar face à solução dada ao litígio.» 11. O recurso foi admitido como revista excecional. Corridos os trâmites legais, cabe apreciar. * II. AMISSIBILIDADE E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS 1. Admissibilidade e objeto do recurso O recurso foi admitido como revista excecional pela Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3 do CPC, com base no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), dada a relevância jurídica da questão de saber se o direito da autora se encontrava prescrito, atentas as especificidades do caso concreto. O objeto da revista é, assim, o de saber se, quando a autora propôs a presente ação, o seu direito já se encontrava prescrito. 2. Fundamentos de facto: Para além das circunstâncias constantes do relatório supra exposto, releva a seguinte factualidade, dada como assente pelas instâncias: «1. A presente acção deu entrada em juízo no dia 12/01/2021, para a mesma tendo a ré sido citada em 22/01/2021. 2. Correu termos pelas então Varas de Competência Mista do ... (....ª Secção), o Proc. n.º 135/12.7..., no qual foram autoras as sociedades Interlog – Informática, SA e T..., S.A. e ré Apple Sales International, pela qual foi peticionado: “a) Ser declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho, e do artigo 102.º TFUE; b) Ser declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., designadamente na imposição do contrato AD Agreement, celebrado contra disposição imperativa da lei, proibido ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho; c) Ser a R. condenada a pagar à INTERLOG 39.183.667,40€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e d) Ser a R. condenada a pagar àT..., S.A. 1.042.791,76€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.” 3. A acção referida no facto anterior deu entrada em juízo no dia 20/02/2012, tendo a ré sido citada no dia 21/05/2012. 4. Por decisão proferida em 27/06/2014 foi julgada procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, tendo a ré sido absolvida da instância. 5. Tal decisão foi alvo de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o STJ, que a confirmaram, tendo transitado em julgado em 29/03/2016. 6. Correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da ..., Juízo Central Cível do ...(Juiz ...), o Proc. n.º 2312/16.2..., no qual foram autoras Massa Insolvente de Interlog – Informática, SA e Massa Insolvente de T..., S.A. e ré Apple Sales International, pela qual foi peticionado: “a) Ser declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 11.º da Lei n.º 19/2022, de 8 de Maio), e do artigo 102.º TFUE; b) Ser declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (correspondente ao artigo 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio); c) Ser a R. condenada a pagar à INTERLOG, nos termos discriminados, a quantia de 39.068.150,95€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e, por fim, d) Ser a R. condenada a pagar à T..., S.A., nos termos discriminados, a quantia de 1.035.081,31€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.” 7. A acção referida no facto anterior deu entrada em juízo no dia 29/03/2016, tendo a ré sido citada no dia 01/07/2016. 8. Por decisão proferida em 14/06/2017 foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e julgada procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, tendo a ré sido absolvida da instância. 9. Tal decisão foi alvo de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o STJ, que a confirmaram (embora o STJ o tenha feito com fundamentação distinta), tendo transitado em julgado em 14/01/2019.» * 3. O direito aplicável 3.1. O objeto do presente recurso tem o âmbito que lhe foi traçado pelo acórdão da Formação que o admitiu como revista excecional, confinando-se à questão de saber se o direito de propor a presente ação se encontrava, ou não, prescrito. Entendeu-se no acórdão recorrido (confirmando o sentido decisório da primeira instância) que quando a autora propôs a presente ação o seu direito já se encontrava prescrito, não tendo as duas ações anteriormente propostas interrompido o prazo de prescrição próprio do direito exercido nesta ação, nos termos do artigo 323º do CC. Os fundamentos do acórdão recorrido encontram-se sumariados nos seguintes termos: «A acção intentada ao abrigo do disposto no artigo 72.º do CSC tem subjacente a produção de danos causados pela violação de específicos deveres (contratuais ou legais) por parte dos administradores para com a sociedade. Os direitos da sociedade que por tal acção se pretendam fazer valer prescrevem no prazo de cinco anos contados a partir, entre outros, da verificação do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador – artigo 174.º, n.º 1, al. b), do CSC. Tal prazo encontra-se sujeito às normas substantivas da interrupção da instância – artigos 323.º a 327.º do CC -, nessa medida se interrompendo pela citação que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (artigo 323.º, n.º 1 do CC), com a consequente inutilização do tempo anteriormente decorrido. Os efeitos decorrentes do regime referido no ponto anterior restringem-se ao concreto direito com relação ao qual a prescrição é interrompida (e não a quaisquer outros direitos). Tendo sido intentadas duas acções contra a mesma ré com fundamento em factos susceptíveis de integrar responsabilidade civil com fundamento em violação de normas do Direito da Concorrência que correspondem a alegadas condutas da ré no âmbito das relações contratuais existentes entre as partes e com elas directamente conexionadas – independentemente de estar em causa uma responsabilidade extracontratual (como defendido pelas autoras de tais acções) ou uma responsabilidade contratual (como entendido pelas instâncias, por decisões já transitadas em julgado) -, e vindo a ser depois intentada uma terceira acção de responsabilidade de administrador para com a sociedade, nos termos previstos pelo citado artigo 72.º do CSC, pela qual se qualifica a mesma ré como administradora de facto (de uma das sociedades que assumiu a posição de autora naquelas primeiras acções), as citações ocorridas no âmbito das primeiras não interrompem o prazo prescricional previsto no artigo 174.º do mesmo código, porquanto a natureza dos direitos em causa naquelas duas é distinta da natureza do direito invocado na terceira acção» Mesmo considerando que se trata de um caso com significativa especificidade, pode, desde já, afirmar-se que o acórdão recorrido fez a correta interpretação e aplicação das normas pertinentes, ao entender que o direito que a autora pretende exercer nesta ação se encontra prescrito. 3.2. Em termos sucintos, o problema a solucionar nos presentes autos depende, na essência, da interpretação que se faça do artigo 323º do Código Civil. Determina o artigo 323º do CC (Interrupção promovida pelo titular): «1- A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores. 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.» Como a generalidade da doutrina tem entendido, a prescrição sustenta-se na ideia de penalização da inércia do titular do direito, o que é juridicamente interpretado como desinteresse no seu exercício1, e como um modo de pacificação social, libertando o potencial réu de uma invocação do direito ad eternum. Assim, quando o titular de determinado direito recorre aos tribunais em busca de tutela judicial fica neutralizado o tempo de inércia que, entretanto, tenha decorrido. E para que tal aconteça é irrelevante o facto de o direito não ser exercido nos termos formalmente corretos (existindo, por exemplo, incompetência do tribunal), pois o artigo 323º, n.º 1 do CC, mantendo o efeito interruptivo da prescrição, permite ao autor aperfeiçoar ou reconfigurar processualmente a tutela judicial que pretende para o seu direito. Questão algo distinta, e que especificamente interessa para a solução do presente caso, é a de saber se o efeito interruptivo previsto no artigo 323º do CC, emergente da citação, da notificação ou de ato equiparável (nos termos do n.º 4 deste artigo), pode valer para o exercício de outro direito (contra o mesmo réu) que não aquele que originariamente foi exercido. 3.3. A presente ação corresponde ao terceiro processo que é movido contra a ré (embora nesta última ação a autora seja, sucedaneamente, a sua Massa Insolvente). Nas duas ações anteriores, a ré foi absolvida da instância, por se ter entendido que os tribunais portugueses eram internacionalmente incompetentes, face ao modo como a autora desenhou o pedido e a causa de pedir, dada a existência de uma convenção que atribuía a competência aos tribunais irlandeses para apreciarem a responsabilidade civil da ré. O autor sustenta que nesta terceira ação está a exercer o mesmo direito (o direito a uma indemnização) que pretendeu exercer nas duas ações anteriores (nas quais existiu absolvição da instância), mas com uma qualificação jurídica diferente. Assim não entenderam as instâncias. Efetivamente, se tivessem entendido que o autor estava a exercer o mesmo direito, a solução teria sido, muito provavelmente, a mesma das duas ações anteriores, ou seja, a absolvição da instância (por incompetência internacional do tribunal português). A primeira instância entendeu que a pretensão formulada pelo autor nesta terceira ação, por corresponder ao exercício de um direito diferente, não se encontrava abrangida pelo pacto de jurisdição que estabelecia a competência dos tribunais irlandeses. Por isso, concluiu que o tribunal português era internacionalmente competente para conhecer do novo pedido. Porém, por se tratar do exercício de um direito diferente (agora com base no artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais), não lhe aproveitava a interrupção da prescrição operada pelas ações anteriores. Consequentemente, tendo já decorrido o prazo legal (de 5 anos, previsto no artigo 174º do CSC) para o exercício do direito agora invocado, entendeu que esse direito estava prescrito (com a consequente absolvição do pedido). Efetivamente, caso se aderisse agora à tese sustentada pela autora, tal conduziria a um resultado judicialmente incoerente, pois não se poderia passar a considerar o tribunal português internacionalmente competente e, simultaneamente, concluir que o direito exercido pelo autor (por via do pedido formulado) era o mesmo que havia sido exercido nas duas ações anteriores (nas quais se considerou o tribunal incompetente). 3.4. O direito cuja tutela é judicialmente reclamada no pedido formulado pela autora não pode ser visto como um qualquer direito genérico ou abstrato a obter uma indemnização, como a autora parece entender (ao afirmar que está em causa apenas uma questão de qualificação jurídica), mas sim como um concreto direito cuja violação constituirá um concreto ato ilícito. Ilícito este que simultaneamente corresponderá a um dos pressupostos da obrigação de indemnizar o dano causalmente originado por tal ilícito. Na presente ação, embora o fim último da autora seja a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização, o seu pedido é formulado em termos diversos. Invoca, agora, a responsabilidade da ré enquanto sua administradora de facto, com base no artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais. Não cabe no objeto do presente recurso tecer quaisquer considerações sobre os pressupostos em que assenta a aplicação do artigo 72.º do CSC, nem sobre a eventual viabilidade da ação nos termos em que o autor a configurou na sua estratégia processual. Mas, tão-só, saber se existiu interrupção do prazo de prescrição para propor esta ação. As partes não põem em causa, nos presentes autos, que a invocada responsabilidade societária da ré prescreve no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 174.º do CSC. Porém, a autora entende que, quando propôs a presente ação, tal prazo de prescrição se encontrava interrompido, nos termos do artigo 323º, n.º 1 do CC, por força da citação da ré nas duas ações anteriores. Entenderam as instâncias que tal interrupção não se verificou, nos termos do artigo 323º, n.º 1 do CC, porque a autora não exerce na presente ação o mesmo direito que pretendia exercer nas ações anteriores. Constata-se que nas três ações a autora formulou pedidos indemnizatórios contra a ré. Porém, não se pode afirmar, em termos simplistas, que nas três ações a autora invocou o mesmo direito a uma indemnização. Para efeitos da aplicação do artigo 323.º do CC ao caso concreto não basta que a autora se apresente a exercer um qualquer direito a uma indemnização para se concluir que em todas as ações reiterou o seu propósito de exercer o direito cujo prazo de prescrição se interrompeu. A interrupção do prazo de prescrição reconhecida pelo artigo 323º do CC aponta claramente para o exercício do mesmo direito. Como bem se entendeu no acórdão recorrido, na presente ação, o direito para cuja tutela é reclamada uma indemnização não é o mesmo que foi invocado nas ações anteriores. O pedido formulado não é, assim, idêntico. Ainda que a factualidade subjacente às três ações seja a mesma (porque essa é uma realidade ontológica não alterável), o concreto recorte factual que sustenta, em termos de essencialidade, as respetivas causas de pedir também não é, em rigor, o mesmo. Efetivamente, na presente ação a autora desloca a centralidade fáctica consubstanciadora da ilicitude para os atos próprios da alegada gestão ou administração de facto, os quais qualifica como causalmente culposos dos danos que alega ter sofrido. Embora em todas as ações a autora prossiga o desiderato prático de ver a ré condenada a pagar-lhe uma indemnização, tal não é suficiente para se concluir que exerce o mesmo direito, pois tal pretensão não pode ser apreciada em abstrato (independentemente do concreto direito ou interesse lesado), mas sim enquanto consequência da lesão de um direito específico para cuja tutela é formulado um determinado pedido indemnizatório contra a ré. 3.5. Como se encontra referido no relatório supra apresentado, na presente ação a autora demandou a ré na qualidade de sua administradora de facto (com base no artigo 72.º do CSC), alegando que, nessa qualidade, praticou atos ilícitos, violadores dos deveres de lealdade e de cuidado, entre abril de 2008 e julho de 2011, que lhe causaram danos (determinando, inclusivamente, a sua declaração de insolvência). Não tendo as partes posto em causa (como já referido) que o prazo para o exercício desse direito era de 5 anos, a contar de julho de 2011, nos termos do artigo 174.º do CSC, e tendo a presente ação sido apresentada em 12.01.2021, objetivamente aquele prazo encontrava-se já decorrido. Diversamente, como consta da factualidade provada, nas duas ações anteriores (instauradas, respetivamente, em 20.02.2012 e em 29.03.2016), o autor apresentou um pedido indemnizatório (de €39.068.150,95), invocando a responsabilidade civil da ré pela prática de abusos de posição dominante e de abusos de dependência económica, tendo por base contratos celebrados entre o autor e a ré (nomeadamente com base na violação dos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 18/2003, correspondentes aos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012). Em síntese, bem decidiu o acórdão recorrido quando entendeu que o direito exercido nesta última ação não era o mesmo que o autor havia procurado exercer nas duas ações anteriores (e que nesse âmbito foi levado ao conhecimento da ré), não beneficiando, portanto, do efeito interruptivo da prescrição, nos termos previstos no artigo 323.º do Código Civil. 3.6. Pode ainda acrescentar-se que, quando determinada factualidade é suscetível de fundar diversas pretensões normativas, a lei faculta ao autor a possibilidade de deduzir pedidos alternativos (artigo 553º do CPC) ou pedidos subsidiários (artigo 554º do CPC), em nome da celeridade processual e da economia de meios. Embora cada autor tenha inteira liberdade para traçar a sua estratégia processual, decidindo propor várias ações, aqueles modos de concentração temporal das pretensões do autor representam também uma faculdade de que este dispõe para não correr o risco de prescrição de direitos, pois o réu é, desde logo, citado para os diferentes pedidos. Assim, em caso de inviabilidade, processual ou substantiva, de uma das pretensões, já a pretensão alternativa ou subsidiária terá sido levada ao conhecimento daquele contra quem os direitos podem ser exercidos (artigo 323º, n.º 4 do CC), o que, em regra, produzirá a interrupção da prescrição desses direitos, nos termos do artigo 323º, n.º 1 do CC. 3.7. A recorrente termina as suas alegações afirmando ainda que: « A interpretação do artigo 323.°, n.º 1, do CC acolhida pelo Tribunal a quo, segundo a qual se em duas ações é peticionada uma indemnização convocando o quadro normativo da responsabilidade delitual, e numa terceira ação são invocados exatamente os mesmos factos, sendo a indemnização peticionada convocando o quadro normativo da responsabilidade societária, a citação nas duas primeiras ações não é susceptível de interromper o prazo prescricional, é inconstitucional, por violação dos artigos 2.° e 20.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.» Para além desta afirmação, a recorrente nada mais diz sobre essa aventada inconstitucionalidade, ou seja, não justifica minimamente (nem nas conclusões nem no corpo das alegações) em que termos a decisão que entende verificar-se a prescrição de um direito aplica uma norma inconstitucional ou faz uma interpretação contrária à Constituição. Como é do conhecimento generalizado, nem o artigo 20.º da CRP, nem o seu artigo 2.º fornecem, sem mais, base legal para se concluir que normas que condicionam temporalmente o exercício de um direito (regulando o regime da prescrição ou da caducidade) constituirão uma negação do acesso aos tribunais. No caso concreto também não se identifica qualquer negação do acesso à tutela judicial. A recorrente fez as suas opções processuais, dentro das múltiplas vias que o sistema judicial lhe faculta, tendo recorrido três vezes a tribunal (nas quais percorreu todas as instâncias). E também não se identifica no acórdão recorrido qualquer razão para concluir por uma eventual violação do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Aliás, nem a recorrente justifica minimamente em que pressupostos se sustentaria tal violação. Em resumo, não existe qualquer razão para censurar a decisão recorrida, pois nela foi feita a correta aplicação do direito. * DECISÃO: Pelo exposto, decide-se pela improcedência da revista e confirma-se o acórdão recorrido. Custas: pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário. Lisboa, 17.09.2024 Maria Olinda Garcia (Relatora) Amélia Alves Ribeiro Ricardo Costa _____________________________________________ 1. Veja-se, por exemplo, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil (4ª ed.), por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, página 375 e seguinte; Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil (9ª ed.), página 396.↩︎ |