Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE GONÇALVES | ||
Descritores: | RECURSO PENAL TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE | ||
Data do Acordão: | 10/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Sumário : |
I – O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a convergir no entendimento de que, para que se possa concluir no sentido de haver ilicitude consideravelmente diminuída, o que não se confunde com ilicitude diminuta, há que proceder a uma ponderação global das circunstâncias - factos dignos de consideração, notáveis, importantes - que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada ou desajustada a punição do agente, no caso concreto, pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º15/93. II - Para a “imagem global do facto” concorrem, por exemplo, as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem; a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação; a dimensão dos lucros obtidos; a duração, intensidade e persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida; a posição do agente no circuito de distribuição dos estupefacientes; o número de consumidores envolvidos; o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com recurso a meios mais ou menos sofisticados. III – A prática de tráfico de estupefacientes após condenação em pena de prisão pela mesma tipologia de atividade delituosa não impede a subsunção da conduta do arguido no crime de tráfico de menor gravidade, por se tratar de circunstância que respeita à culpa e ao inerente juízo de censura que merece, enquanto a «atenuação» contemplada no artigo 25.º, do DL n.º 15/93, é feita em função do juízo de ilicitude. Por conseguinte, a reincidência tem de ser considerada, mas em sede de medida da pena, cuja determinação é um procedimento posterior ao da subsunção jurídico-penal dos factos. | ||
Decisão Texto Integral: |
RECURSO n.º 410/23.5T9RGR.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. Por acórdão do Juízo Central Cível e Criminal de ...do Tribunal Judicial da Comarca dos ..., foi o arguido AA, conhecido pela alcunha de “BB”, com os sinais dos autos, julgado pela imputada prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-A, tendo o Ministério Público promovido se declarasse perdido a favor do Estado o valor de 4 660,00€, correspondente à vantagem patrimonial que o arguido teve com a prática do crime. Terminado o julgamento, foi proferido acórdão que condenou o arguido nos seguintes termos: « Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo: 1. Condenar AA pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de janeiro e 75º e 76º do Código Penal, com referência à tabela I-A, na pena agravada de 7 (sete) anos de prisão. (…) 3. Quanto aos bens apreendidos: a) Declarar perdidas a favor do Estado as substâncias estupefacientes apreendidas e subsequente destruição (artigos 35º, nº1 e 2 e 62º, nº6 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro). b) Declarar perdidas a favor do Estado as quantias monetárias apreendidas, as quais terão o destino a que alude o artigo 39º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro; c) Declarar perdidos a favor do Estado o telemóvel e os plásticos (artigo 35º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro), a serem entregues à ..., da ..., no âmbito da ... [artigo 24º, alínea h), § 2º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos ...], com exceção dos plásticos, a serem destruídos. 4. Julgar o pedido de declaração de perda de vantagens a favor do Estado parcialmente procedente e, em consequência, condenar o arguido a pagar a quantia de 980,00€ (novecentos e oitenta euros ao Estado) [artigo 110º, nºs 1 alínea b), 4 e 5 do Código Penal], sem prejuízo dos direitos dos lesados. (…).» 2. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, formulando as seguintes conclusões (transcrição): • A ilicitude global da atuação do arguido, salvo melhor entendimento, entende-se que a atividade do mesmo deve-se, ou devia-se ter enquadrado não na previsão do artigo 21.º, mas na previsão do artigo 25.º, ambos do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro. • O Tribunal a quo, na sua determinação concreta da pena, apenas se cingiu ao facto do arguido ser reincidente neste tipo de crime e não ter ponderado que o arguido tem 40 anos, que o arguido alguma vez tenha conseguido libertar-se do consumo de estupefacientes, da sua condição social modesta, vive com seu pai na casa daquele, e não tinha atividade profissional regular. • O Tribunal a quo, perante todos os factos que foram provados em audiência de julgamento, nunca deveria e poderia enquadrar tal crime à luz do artigo 21.º, do Decreto-Lei 15/93, e 22 de Janeiro. • Por último, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, o arguido deve ser condenado, não pelo crime previsto e punido pelo artigo 21.º, mas pelo crime previsto e punido pelo artigo 25.º, ambos do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro. • Razões pelas quais, deverá a decisão recorrida ser parcialmente revogada e aplicada uma pena de prisão nunca superior a 5 (cinco) anos. Termos em que e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgamento procedente e, em consequência a pena aplicada ser reduzida para um máximo nunca superior a 5 (cinco) anos. 3. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido de que o mesmo não merece provimento. 4. Na Relação de Lisboa foi decidido ser competente para conhecimento do recurso o Supremo Tribunal de Justiça, tendo em vista o disposto no artigo 432.º, n.º1, al. c), do Código de Processo Penal. 5. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante, STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser provido, devendo, em consequência, ser confirmado o acórdão recorrido. 6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso. Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões que se suscitam são as seguintes: A) Da qualificação jurídica dos factos, pugnando o recorrente pela subsunção dos mesmos no crime de tráfico de menor gravidade; B) Da medida da pena. 2. Do acórdão recorrido 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): 1. Pelo menos desde ... até ... de ... de 2022, o arguido, AA, conhecido pela alcunha de “...”, dedicou-se à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, para consumo direto e/ou revenda, de substâncias estupefacientes, designadamente heroína, a consumidores que o procuravam na sua residência sita no ..., concelho de ... e muitas vezes junto ao restaurante .... 2. O arguido AA era utilizador do contacto telefónico n.º ..., sendo através do referido número que onde desenvolvia grande parte dos contactos com os consumidores para proceder à venda de produto estupefaciente. 3. O arguido vendia cada pacote, contendo um quarto de grama de heroína pelo preço de €20,00 (vinte euros). 4. No período temporal indicado em 1., junto à sua residência, o arguido AA entregou, por diversas vezes ao consumidor CC, utilizador dos números de contacto ... e ..., um quarto de grama de heroína, e dele recebeu, em pagamento, a quantia de 20,00 € (vinte euros) por cada quarto de grama, tendo recebido durante esse período pelo menos 700,00€ (setecentos euros). 5. Nesse mesmo período, junto à sua residência, o arguido AA entregou ao consumidor DD, utilizador do número de contacto terminado em 070, pelo menos vinte vezes, um pacote de heroína, e dele recebeu, em pagamento, a quantia de 10,00 € (vinte euros) por cada quarto de grama (20 x 10 euros = €200,00). 6. Também junto à sua residência, o arguido AA entregou, por um número indeterminado de vezes, ao consumidor EE, utilizador do número de contacto ..., meia grama de grama de heroína, e dele recebeu, em pagamento, a quantia de 20,00 € (vinte euros) por cada meia grama. 7. Ainda junto à sua residência, o arguido AA entregou, por três vezes, um pacote de heroína, de cada vez a FF (3 x 20 euros = €60,00). 8. No dia ... de ... de 2022, em hora não concretamente apurada, junto à sua residência, o arguido cedeu à utilizadora do contato telefónico ..., dois pacotes de heroína. 9. No dia ... de ... de 2022, em hora não concretamente apurada, junto à sua residência, o arguido cedeu ao utilizador do contato telefónico ..., um pacote de heroína. 10. No dia ... de ... de 2022, em hora não concretamente apurada, junto à sua residência, o arguido cedeu ao utilizador do contato telefónico ..., uma grama de heroína. 11. No dia ... de ... de 2022, em hora não concretamente apurada, junto à sua residência, o arguido cedeu à utilizadora do contato telefónico ..., um pacote de heroína. 12. No dia ... de ... de 2022, o arguido detinha na sua residência id. em 1: a. 1 (um) panfleto, contendo no seu interior 0,801 gramas de heroína, suficiente para uma dose individual; b. 1 (um) telemóvel de marca Huawei; c. 1 (um) círculo em plástico destinado ao acondicionamento de matéria estupefaciente após ser doseada; d. 1 (um) excedente plástico resultante do recorte de círculos; e. A quantia monetária de €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), repartida em notas do Banco Central Europeu, nomeadamente 17 (dezassete) notas de €20,00 (vinte euros), 3 (três) notas de €10,00 (dez euros). 13. O arguido conhecia a natureza e as características do produto estupefaciente acima identificado, que possuía e sabia que não podia proceder à sua detenção, venda e cessão a terceiros a qualquer título, por carecer de qualquer autorização, e, não obstante isso, quis deter tal substância e cedê-la e vendê-la a terceiros, ao longo do período descritos nas circunstâncias suprarreferidas. 14. Os bens, objetos e valores referidos, bem como todos os demais que foram apreendidos nos presentes autos, provinham ou eram utilizados na atividade de produção, transporte e armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa atividade, nomeadamente para combinar os locais de entrega do estupefaciente, ou constituíam o seu preço, recompensa ou pagamento, ou foram adquiridos com tais proveitos. 15. O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei. * 16. Por acórdão de ........2017, transitado em julgado em ........2018, proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 22/17.2... que correu termos no Juízo Central Cível ..., o arguido foi condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico estupefacientes, como reincidente, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, 75.º, n.º 1 e 2 e 76.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena agravada de 5 anos e 7 meses de prisão. 17. No âmbito do predito processo, o arguido foi detido no dia ........2017, tendo ficado ininterruptamente privado da liberdade preventiva e depois em cumprimento de pena até ........2022, data em que foi libertado por ter sido colocado na situação de liberdade condicional até ........2023. 18. Descontando o período de reclusão do arguido, em cumprimento de pena de prisão efetiva, não decorreram mais do que 5 anos entre a data da prática do crime pelo qual cumpriu a pena referida no processo n.º 22/17.2..., praticado no dia ........2017 e a prática dos factos aqui descritos. 19. Ao praticar o crime pelo qual vem agora acusado, o arguido demonstrou não ter atribuído qualquer valor à decisão judicial que anteriormente já o tinha condenado por crime da mesma natureza, não tendo aquela produzido, ao nível da prevenção especial, o almejado efeito, uma vez que o arguido permanece insensível aos valores que a incriminação que agora lhe é imputada visam proteger. 20. A condenação anteriormente sofrida não foi advertência suficiente para o demover de continuar na prática de atos desta natureza, pois volvidos pouco mais de dois meses desde que foi restituído à liberdade condicional, cometeu o novo crime. * Das condições socioeconómicas do arguido: 21. À data da prática dos factos (entre ...), AA encontrava-se em gozo de liberdade condicional desde .../.../2022, por despacho judicial no âmbito do processo n.º 405/11.1..., após cumprimento de pena efetiva de prisão, condenado pela prática de crime de tráfico de estupefaciente, como reincidente, no âmbito do processo n.º 22/17.2... 22. Desde a sua restituição à liberdade (........2022) que AA se fixou na propriedade do progenitor, atualmente institucionalizado em lar, partilhando a residência com um amigo, GG. 23. A moradia é de tipologia T4, dispõe de adequadas condições de habitabilidade e situa-se numa zona associada a diversas problemáticas sociais, sendo AA localmente referenciado como um indivíduo ligado à problemática da toxicodependência. 24. AA abandonou o sistema de ensino após a conclusão do 10º ano de escolaridade. Entre ... e ..., frequentou e concluiu o curso profissional de técnico de apoio à gestão (nível IV) na ..., ficando igualmente habilitado com o 12.º ano de escolaridade. 25. Na esfera profissional, o arguido regista experiências variadas na área da pintura, construção civil, como empregado de armazém e vendedor, registando períodos de desemprego, situação que mantinha à data da aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação. Manteve a inscrição ativa no Centro de Qualificação e Emprego no hiato compreendido entre .../.../2022 e .../.../2023. 26. Em liberdade, o arguido era beneficiário do rendimento social de inserção, não sendo referidas carências na satisfação das necessidades básicas. 27. Com problemática de toxicodependência desde os 17 anos de idade, regista diversas tentativas de reabilitação, tendendo a recair nos consumos de substâncias ilícitas (heroína e canabinóides). Na anterior reclusão, concluiu o programa de substituição opiácea com cloridrato de metadona em ..., porém, durante o gozo de Licença de Saída Administrativa Extraordinária, na sequência da publicação da Lei n.º 9/..., de ..., recaiu nos consumos de heroína, vindo a reintegrar o referido programa em .... Em contexto de liberdade condicional, manteve-se integrado no programa de tratamento com agonista opiáceo com cloridrato de metadona da Associação Regional de Reabilitação e Integração Sociocultural ..., situação que mantinha à data da presente reclusão. 28. AA apresenta necessidades de reinserção relacionadas com vulnerabilidades individuais, nomeadamente dificuldades ao nível da autocrítica, da capacidade de descentração e em antecipar as consequências do seu comportamento, não sendo claro que reconheça a necessidade de alteração de rotinas, comportamentos e atitudes. 29. Revela significativa vulnerabilidade à pressão externa e do meio social no qual se insere, fator de risco em termos de reincidência, a par do reduzido sentido de responsabilidade, estilo de funcionamento imediatista, inconsequente e imaturo. 30. Em contexto prisional tem mantido um percurso normativo, não registando infrações disciplinares. A nível aditivo encontra-se integrado em programa de tratamento de substituição opiácea com cloridrato de metadona, não tendo ainda sido submetido a testes de despiste toxicológicos. Encontra-se laboralmente ativo e não beneficiou de visitas de familiares. 31. O arguido apresenta uma atitude de fraca crítica quanto à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, não sendo capaz de manifestar reflexão quanto à ilicitude e gravidade do crime pelo qual foi acusado. 37. Já foi julgado e condenado: a. por sentença de .../.../2009, na pena de 80 dias de multa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal a .../.../2009; b. Por sentença de .../.../2009, na pena de 9 meses de prisão, suspensa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e condução em estado de embriaguez a .../.../2009; c. Por acórdão de .../.../2012, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes a .../.../2010; d. Por acórdão de .../.../2017, na pena de 5 anos e 7 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes a .../.../2017. 2.2. Deu-se como não provado: a) As vendas a CC eram diárias. b) O arguido recebeu de CC 2 100,00€. c) AA pagava 20,00€ ao arguido. d) As entregas a EE foram diárias. e) O arguido recebeu de EE 2 100,00€. 2.3. Na fundamentação do acórdão da 1.ª instância, consta, na parte relativa à motivação da decisão de facto: O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum (artigo 127º do Código de Processo Penal). Foram assim valoradas as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas HH (agente da ...), II, EE e CC (consumidores de heroína) e de FF (que ia a casa do arguido buscar heroína para um familiar). Quanto à prova documental o Tribunal teve em consideração as certidões judiciais e as transcrições e suportes magnéticos das interceções telefónicas (fls. 202 – 230) e quanto à prova pericial, atendeu-se ao relatório do exame pericial do Laboratório de Polícia Científica junto a fls. 288. Concretizando, o arguido optou por prestar declarações, explicando que cerca de dois meses após ter saído da prisão recaiu nos consumos da heroína e que efetivamente “cedeu” heroína a diversos consumidores, com contrapartida monetária, sendo que optou por fazer isso “para não roubar” (pese embora nos tenha dito que chegou a fazer alguns biscates na construção civil), dizendo ainda que os consumidores mencionados na acusação também partilhavam heroína consigo. Contudo, as suas declarações foram contrariadas por todas as testemunhas, as quais apesar de terem mostrado algum constrangimento em sede de audiência de julgamento, prestaram depoimentos claros e contundentes, a saber, II (confirmou a compra de heroína ao arguido, sendo que para tal contactava-o por telefone, pagando 10,00€ por cada pacote de heroína), EE (disse-nos que comprava às meias gramas, por vinte euros de cada vez, e que o terá feito durante 2/3 meses), CC (que, com grande constrangimento, explicou que comprava a quarta a vinte euros, que tal terá durado três meses e que, durante esse período, terá gasto cerca de 700€/800€) e FF (que num depoimento marcadamente genuíno, explicou que ia buscar heroína a casa do arguido, por tal ser pedido pela sua cunhada, que não se queria expor). Acresce que nenhuma destas testemunhas referiu ter alguma vez partilhado droga com o arguido, ou fumado com ele, sendo que apenas o contactavam, maioritariamente por telefone, para saber se aquele tinha heroína para vender. Aliás, CC, que até chegou a dar boleia ao arguido, nunca o viu a fumar, pelo que julga que ele não é consumidor. Pelo exposto, e atentos os depoimentos atrás elencados, devidamente conjugados com a prova documental junta aos autos (nomeadamente com as transcrições telefónicas e o auto de apreensão), dúvidas inexistem em como o arguido se dedicava à venda heroína e que tal atividade era desenvolvida normalmente no respetivo domicilio ou nas imediações, onde os consumidores se deslocavam para adquirir (aliás, o agente HH, nas vigilâncias que efetuou, viu vários toxicodependentes a deslocarem-se à residência do arguido, o que vem de encontro ao que nos disse CC: sabia que o arguido vendia heroína porque um amigo o levou lá). Relativamente ao elemento subjetivo, e estando demonstrados os factos supra descritos, atendeu-se às declarações do arguido e às regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando o Tribunal convencido de que o arguido, enquanto “Homem médio” sabe perfeitamente que não pode adquirir, deter, guardar, transportar, vender, ceder produto estupefaciente e que fazendo-o está a praticar um crime (aliás, já foi condenado duas vezes pela prática do mesmo crime). Para a situação pessoal e económica do arguido, o Tribunal relevou o relatório elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e atendeu-se ao certificado de registo criminal. Os factos da reincidência resultam não só da prova documental, como das regras da normalidade e da experiência comum, conjugadas com o relatório da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, donde se infere que a condenação anterior não serviu de suficiente advertência ao arguido JJ, que, em plena liberdade condicional, repete os mesmos atos, sendo de censurar a sua conduta. * Quanto aos factos não provados, resultam do facto de terem sido negados pelas testemunhas em causa. * 3. Apreciando 3.1. Da competência do STJ. Dispõe o artigo 432.º, sob a epígrafe “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”: «1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º» São pressupostos cumulativos do recurso direto para o STJ: - A aplicação de pena superior a 5 anos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo; - Que o recurso vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja interposto com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º. No caso em apreço, o objeto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada ao recorrente uma pena de 7 (sete) anos de prisão, discutindo-se, apenas, o enquadramento jurídico-penal dos factos e a determinação da medida da pena. Por conseguinte, o recurso circunscreve-se ao reexame de matéria de direito, da competência do STJ [artigos 432.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP], sem prejuízo do disposto na parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, segundo o qual se pode recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3, do artigo 410.º, que não foram invocados pelo recorrente e que, a partir da decisão de facto e da respetiva motivação, também não se evidenciam. Conclui-se, em conformidade com o entendimento perfilhado na Relação, ser competente este STJ para conhecimento do presente recurso. 3.2. Da subsunção jurídico-penal dos factos. Alega o recorrente que o acórdão recorrido incorreu em errada qualificação jurídica dos factos apurados, pretendendo, em alternativa, ser condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93, de 22/01. Dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos». Por sua vez, estabelece o artigo 25.º («tráfico de menor gravidade»), al. a): «Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; […]». A substância em causa nos presentes autos – heroína – inclui-se na tabela I-A anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93. O tipo fundamental previsto no artigo 21.º contém uma configuração típica de largo espectro, abrangendo diversas condutas, entre si numa relação de progressão, que vai do cultivo, ao fabrico, ao transporte e ao lançamento no mercado - em que todos os atos têm o denominador comum da aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação -, sendo indiferente para a integração da tipicidade que se realize uma ou outra dessas condutas (Pedro Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Org. P. P. Albuquerque, J. Branco, Universidade Católica Editora, p. 487; acórdãos do STJ, de 8.9.2021, Proc. 17/19.1PESTR.E1.S1, de 23.9.2021, Proc. 29/15.4PEVNG.S1, de 11.11.2021, Proc. 40/20.3PBRGR.S1, e de 31.01.2024, Proc. 10/21.4GBFAF.P1.S1, em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados). Por sua vez, o artigo 25.º, por referência ao tipo fundamental previsto no artigo 21.º, pressupõe que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída». Entre nós, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a convergir no entendimento de que, para que se possa concluir no sentido de haver ilicitude consideravelmente diminuída, o que não se confunde com ilicitude diminuta, há que proceder a uma ponderação global das circunstâncias que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada ou desajustada a punição do agente, no caso concreto, pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º15/93. As circunstâncias referidas no artigo 25.º – “meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da ação, qualidade ou quantidade das substâncias” –, indicadas de forma não taxativa, relevam, juntamente com outras circunstâncias que concorram no caso, na “avaliação global do facto”, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude não só diminuída, mas diminuída de forma considerável, apreciável, substancial, ou seja, uma situação em que o desvalor da conduta é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime. É assim porquanto o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou, como já se disse, a que fosse “consideravelmente diminuída”. Para a “imagem global do facto” concorrem, por exemplo, as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem; a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação; a dimensão dos lucros obtidos; a duração, intensidade e persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida; a posição do agente no circuito de distribuição dos estupefacientes; o número de consumidores envolvidos; o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com recurso a meios mais ou menos sofisticados (entre muitos, o acórdão de 11.10.2023, Proc. n.º 10/21.4GALLE.S1, e a abundante jurisprudência nele citada). No caso em apreço, está em causa heroína, droga considerada dura e com forte poder aditivo. Como se refere no acórdão do STJ, de 18.11.2021, no processo n.º 616/20.9JAFUN.S1: «A heroína é um opioide que desenvolve tolerância com grande rapidez, obrigando a aumentar a quantidade autoadministrada, com o fim de conseguir os mesmos efeitos que antes eram conseguidos com doses menores, o que conduz a uma manifesta dependência. Segundo o “Relatório Europeu Sobre Drogas – 2020”, páginas 14 e 24, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, que aqui seguimos, os opiáceos, sobretudo a heroína ou os seus metabolitos, frequentemente em combinação com outras substâncias, estão presentes na maioria das overdoses fatais notificadas na Europa.» As quantidades detidas e traficadas não são muito elevadas, tendo sido concretamente identificados quatro consumidores e referindo-se nos factos provados mais quatro compradores não identificados. Dos consumidores identificados, o arguido vendeu a CC pelo menos 35 quartos de grama; a II pelo menos 10 quartos de grama; a EE, um número indeterminado de doses de 20,00 € (vinte euros) cada; a FF três pacotes (supõe-se outros tantos quartos de grama). O procedimento utilizado no tráfico não oferece particular sofisticação: trata-se de combinação por telemóvel e posterior venda direta junto à residência do arguido. Os factos concentram-se desde setembro até 15 de dezembro de 2022. O arguido tem um historial como consumidor de heroína. Em contexto de liberdade condicional, manteve-se integrado no programa de tratamento com agonista opiáceo com cloridrato de metadona da Associação Regional de Reabilitação e Integração Sociocultural ..., situação que mantinha à data da presente reclusão. A factualidade assente documenta a situação de um “pequeno” traficante de heroína, retalhista distribuidor de rua que vende a quem o procura, procedendo às vendas nas imediações da sua residência.. Uma vez que é diminuta a quantidade apreendida de produto estupefaciente, como são relativamente limitadas as vendas em questão, ainda que tenha sido apreendida ao arguido a quantia monetária de 375,00€, sendo que, no tocante ao indicador de ilicitude “meios utilizados” pelo arguido, na sua atividade de traficante, o que se provou foi um “modus operandi” simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação (encomenda via telemóvel e encontro junto à sua residência), transacionando estupefaciente entre setembro e ... de ... de 2022, encontrando-se o próprio arguido envolvido na problemática da toxicodependência desde os 17 anos de idade, entendemos que o mesmo praticou o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do DL 15/93. Trata-se de um caso de fronteira entre a pequena e a média criminalidade, entre o pequeno e médio tráfico, no limite da pequena criminalidade. Porém, a moldura penal abstrata estabelecida é suficientemente ampla para poder abarcar ilícitos tão diversos como o ilícito praticado pelo arguido a que se reportam os presentes autos. É certo que, à data da prática dos factos, (entre ...), o arguido encontrava-se em gozo de liberdade condicional desde ........2022, tendo sido condenado, nos presentes autos, como reincidente. Porém, a prática de tráfico de estupefacientes após condenação em pena de prisão pela mesma tipologia de atividade delituosa não impede a subsunção da conduta do arguido no crime de tráfico de menor gravidade, por se tratar de circunstância que respeita à culpa e ao inerente juízo de censura que merece, enquanto a «atenuação» contemplada no artigo 25.º, do DL n.º 15/93, é feita em função do juízo de ilicitude. Por conseguinte, a reincidência tem de ser considerada, mas em sede de medida da pena, cuja determinação é um procedimento posterior ao da subsunção jurídico-penal dos factos (cf. o acórdão de 12.12.2018, processo 394/17.9T8PTM.S1). Em suma, deve o arguido ser condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, com absolvição do crime p. e p. pelo artigo 21.º do mesmo diploma pelo qual se encontra condenado. 3.3. Da medida da pena. Não contestando o recorrente a sua condenação como reincidente, insurge-se, porém, quanto à medida da pena, que considera excessiva. Reincidência que, sublinhe-se, não oferece dúvidas, tendo em vista os pressupostos previstos no artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. Tendo sido o arguido condenado anteriormente por crime de tráfico de estupefacientes e voltando a delinquir pela mesma prática (ainda que agora pelo mencionado artigo 25.º), é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir, conforme o tribunal recorrido considerou - tudo a demonstrar a existência de uma culpa agravada. A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial). Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes). Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena. A moldura penal, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93, passará a ser, por força do disposto no artigo 76.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal, de pena de prisão entre 1 ano e 4 meses e 5 anos. Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 227 e ss.). Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.» De acordo com o referido artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e bem assim as relevantes no plano da prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial. Na determinação da pena, foi ponderado: a intensidade da culpa, porquanto o arguido agiu com dolo direto; o número de clientes (que o tribunal considerou indicar uma ilicitude elevada, do que se diverge); a confissão parcial; as elevadas exigências de prevenção, geral e especial, tendo em vista que, na comarca dos ..., o tráfico de estupefacientes assume valores cada vez mais preocupantes, além do passado criminal do arguido, já anteriormente condenado pela mesma tipologia de crime, tendo praticado os novos factos quando se encontrava em liberdade condicional. Neste contexto, entendemos que, no quadro do binómio formado pela culpa e pela prevenção, a concreta pena de prisão fixada, não considerando a reincidência, seria não inferior a 4 (quatro) anos de prisão Porém, tendo presente a agravação decorrente da reincidência, perante uma moldura penal abstrata de 1 ano e 4 meses a 5 anos de prisão – artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal –, considera-se adequada a pena de 5 (cinco) anos) de prisão, medida que respeita os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado (finalidade de prevenção geral de integração), mostra-se ajustada à culpa do recorrente pelos factos praticados, que é elevada, respondendo às necessidades de prevenção especial de socialização (cumprindo-se também a exigência do artigo 76.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal). A pena aplicada ao arguido, porque não superior a 5 anos, poderia ser suspensa na sua execução desde que verificado o pressuposto material enunciado no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal. De acordo com esta disposição, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O referido artigo 50.º consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª edição, p. 215). São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que determinam a preferência por uma pena de substituição – como é a suspensão da execução da prisão –, sem perder de vista que a finalidade primordial é a de proteção dos bens jurídicos. Não está aqui em causa uma qualquer finalidade de compensação da culpa, mas considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, em função das quais se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto da suspensão da execução da pena (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 344). No caso sub judice, as circunstâncias concretas da prática dos factos, tal como a inexistente motivação evidenciada para se afastar da senda do crime, não permitem formular a favor do arguido aquele juízo de prognose favorável quanto à sua conduta posterior que permita concluir que a simples ameaça da pena realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, ao que acrescem as exigências de prevenção geral de integração que são particularmente intensas e prementes no crime de tráfico de estupefacientes, razão por que não se determina a suspensão da execução da pena de prisão -que o próprio recorrente, aliás, não solicitou. * III - DECISÃO Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em, no provimento parcial do recurso interposto por AA: a) Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; b) Condenar o arguido pela prática do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos) de prisão. Sem custas (artigo 513.º, n.º 1, do CPP) Supremo Tribunal de Justiça, 17 de outubro de 2024 (certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP) Jorge Gonçalves (Relator) Jorge Reis Bravo (1.ª Adjunto) Vasques Osório (2.º Adjunto) |