Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1905/22.3T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
FURTO
LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A eventual indemnização de danos sofridos pela autora pelo tardio pagamento da indemnização que lhe era devida, que excedam o valor dos juros de mora, depende da prova da existência daqueles.
Decisão Texto Integral:

I – Relatório

I.1 – relatório

MGL 2 - Transportes Ldª apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 9 de Abril de 2024 que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente/seguradora e, em consequência:

1-Revogou a decisão recorrida, na parte em que condenou a R. no pagamento à A. “pela privação do uso dos tractores e semi-reboques, uma indemnização correspondente à verba diária de € 149,33 (cento e quarenta e nove euros e trinta e três cêntimos), por cada trator e € 100,00 (cem euros) por cada semi-reboque, contados desde o dia 24.09.2020 até à data em que se verificar a efectiva entrega à A. da indemnização, acrescida dos juros à taxa legal de 4% desde a citação, até efectivo e total pagamento.”

2-No demais manteve a decisão recorrida,

A recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. A A. é uma empresa que tem por objeto a atividade de transportes internacionais rodoviários de mercadorias;

2. É dona e legítima proprietária dos tratores pesados e semirreboques identificados nos autos;

3. A A. celebrou com a Ré um contrato de seguro de responsabilidade civil, do ramo automóvel frota, que além do obrigatório, previa a cobertura facultativa de danos próprios e roubo que viessem a produzir-se nos referidos veículos tratores pesados e semirreboques;

4. Os conjuntos compostos pelos tratores pesados e semirreboques faziam parte da frota da autora;

5. Os veículos referidos foram furtados entre os dias 18 de Agosto e o dia 24 de Setembro de 2020, facto que participou à GNR;

6. A A. no dia de Setembro de 2020 participou à Ré o sinistro;

7. Os veículos a que se vem referindo não foram recuperados;

8. Nos termos do contrato de seguro celebrado, em caso desaparecimento dos veículos, a A. adquire o direito à indemnização devida decorridos que forem sessenta dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tivessem sido encontrados;

9. Os veículos não foram encontrados, tendo prazo de sessenta dias venceu-se no dia 2 de Novembro de 2020;

10. A A. reclamou perante a Ré o pagamento do valor indemnizatório previsto no contrato;

11. A Ré nunca se disponibilizou para pagar as indemnizações devidas, apesar de várias vezes interpelada;

12. 0s conjuntos articulados compostos pelos tratores pesados e semirreboques constituíam um dos instrumentos de trabalho da Autora;

13. A A. não mais pode utilizar os supra identificados veículos e semirreboques no exercício da sua atividade de transportes internacionais de marcadoiras a que se dedica;

14. A perda total dos veículos confere à Autora não só o direito à sua substituição, ou indemnização pelo respetivo valor, a ser indemnizada pelo uso que foi privada no período compreendido entre a data do sinistro até á data da entrega do veículo de substituição ou pagamento de indemnização.

15. É facto que a privação do uso dos tratores e semirreboques, não se encontra incluído nas coberturas do seguro, como não se mostra incluída uma indemnização por lucros cessantes;

16. Porém, tais factos não desobrigam a Ré de indemnizar a A.

17. Com a verificação do sinistro, a Ré ficou constituída no dever de, de modo diligente, proceder à sua liquidação no caso realizar a Autora, a prestação indemnizatória equivalente ao valor pelo qual os veículos se encontravam seguros;

18. Mas não foi esta atitude da Ré, que não deu devido cumprimento à sua obrigação de liquidar o sinistro;

19. A Ré violou - de modo que se lhe presume imputável o fundamental dever que para si emerge do contrato: liquidar o sinistro;

20. Com tal conduta a Ré violou não apenas o dever fundamental de proceder à liquidação do sinistro, mas também o dever lateral de proceder a essa liquidação de modo tempestivamente adequado ou em prazo razoável, até hoje a Ré não realizou prestação indemnizatória, por força do contrato está indubitavelmente adstrita;

21. Esta violação torna-a responsável por todos os danos causados à Autora, designadamente o dano de privação do uso daqueles veículos e semirreboques;

22. E isto apesar de não se ter convencionado, no contrato de seguro, a reparação desse dano;

23. A fonte do dever de prestar arranca aqui, não da mora da realização da sua prestação fundamental - mas da violação de um dever acessório ou lateral de conduta: o de realizar da prestação indemnizatória fundamental - em prazo razoável, que se liga inextricamente ao dever do segurador de agir de modo diligente;

24. Assim deve a Ré ser condenada a indemnizar a A. pela privação do uso desde a data do sinistro até à data da satisfação da indemnização;

25. Estando provado um dano, mas ignorando-se o seu valor e mostrando-se ainda possível, no incidente de liquidação, suprir a falta de elementos para fixar o quantum da prestação indemnizatória devida, deve relegar-se para momento ulterior à sua liquidação, ou quando assim não se entenda, fixar-se logo, com recurso a critérios não normativos da equidade, aquela quantidade.

26. A recorrente ficou impedida de usar os seus veículos desse 24.09.20, sendo que o valor a indemnizar de ser culcado até à data da satisfação da indemnização.

27. Ao decidir-se como se decidiu, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, violou o disposto nos artigos 566, 483 nº1 ambos do Código Civil e os artigos 562 e 564 também do Código Civil e para efeitos do artigo 674 nº. 1 al, a) do Cód. Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso de Revista ser admitido e consequentemente revogar-se a douta Apelação, condenando-se a Ré a pagar à A. uma indemnização pela privação do usso dos veículos, a liquidar em execução de sentença, ou se assim não se entender, fixada com recurso à equidade, como é de inteira Justiça

A recorrida apresentou contra-alegações onde entende dever ser integralmente confirmado o acórdão recorrido.


*


I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º do Código de Processo Civil.


*


I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

- Indemnização pela privação do uso dos veículos furtados.


*


I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. A Autora MGL 2 – Transportes Lda., NIPC .......94, com sede em ..., ..., é uma empresa que tem por objecto a actividade de transportes internacionais rodoviários de mercadorias.

2. A Autora é dona e legitima proprietária dos seguintes veículos:

(a) Tractor pesado, marca Renault, com o número de matrícula ..-PF-..;

(b) Semi-reboque pesado, marca Trailer, com o número de matrícula VI-..63;

(c) Semi-reboque pesado, marca Lecitrailer, com o número de matrícula VI-...20;

(d) Semi-reboque pesado, marca LeciTrailer, com o número de matrícula VI-..02;

(e) Tractor pesado, marca Renault, com o número de matrícula ..-QG-..;

(f) Tractor pesado, marca Renault, com o número de matrícula ..-NO-...

3. A Autora celebrou com a Ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., um contrato seguro de responsabilidade civil, do ramo automóvel frota, que além do obrigatório, previa as coberturas facultativas de danos próprios e roubo, que viessem a produzir-se nos referidos veículos, contratos esses titulados pelas apólices .......33/14, .......33/17, .......33/19, .......33/21, .......33/24, .......33/31, que tiveram o seu início 29/12/2014, 29/12/2014, 14/08/2015, 19/01/2016, 14/08/2015, 29/12/2014, 07/01/2018, respectivamente, com periocidade anual e pagamento fraccionado mensal (docs. 1 a 6 juntos com a petição inicial).

4. O prémio comercial mensal último de cada um dos contratos de seguro cifrou-se em € 515,84, € 38,98, € 48,38, € 44,12, € 543,99 e € 387,01, respetivamente, que a A. pagou (Doc. 7 junto com a petição inicial).

5. Os contratos identificados abrangiam a cobertura de furto ou roubo com o seguinte capital seguro: Veículo ..-PF-.., € 47.500,00; Veículo ..., € 10.000,00; Veículo ..-NO-.., € 13.500,00; Veículo ..., € 12.500,00; Veículo ..., € 12.500,00; Veículo ..-GQ-.., € 55.000,00 (docs. 1 a 6 juntos com a petição inicial).

6. Os conjuntos compostos pelos tractores pesados e semi-reboques identificados em 1.2. faziam parte da frota da Autora.

7. No dia 18 de Agosto de 2020, pelas 15 horas, a A. parqueou os referidos veículos num prédio, sito ao Padrão, limite de ..., ..., pertencente ao sócio gerente da A. AA.

8. Este prédio confina com a EN-234, que de Mangualde segue para Nelas, é fechado, delimitado com muros na parte confinante com a estrada. O acesso ao parque a partir da estrada é efectuado através de um portão fechado com aloquete.

9. No dia 24-09-2020, pelas 14 horas a A. deslocou-se ao local onde havia parqueado os veículos com a finalidade de os por a trabalhar, tendo constatado que os veículos identificados em 1.2 haviam desaparecido daquele local.

10. O gerente da A. BB, deslocou-se de imediato ao Posto da GNR de ..., onde apresentou queixa contra desconhecidos, por furto dos veículos, o qual terá ocorrido entre os dias 18 de Agosto de 2020 e o dia 24 de Setembro de 2020, (Doc. 8 junto com a petição inicial).

11. A A. no dia 28 de Setembro de 2020 participou à Ré a ocorrência do furto dos veículos em causa, (Docs. 9, 10, 11, 12, 13, 14, juntos com a petição inicial).

12. O auto de notícia elaborado pela GNR de ... foi remetido ao Ministério Público – Procuradoria da Comarca de ..., DIAP – Secção de ..., o qual deu origem ao Inquérito 336/20.4...

13. O inquérito foi arquivado por não ter sido possível identificar os autores do ilícito (Doc. 15 junto com a petição inicial).

14. Os veículos identificados em 1.9. não foram recuperados pelas autoridades (Doc. 16 junto com a petição inicial).

15. Nos termos do contrato de seguro celebrado, em caso de desaparecimento dos veículos, a A. adquire o direito à indemnização devida decorridos que forem sessenta dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período, não tiverem sido encontrados os veículos seguros.

16. Os veículos não foram encontrados, tendo o prazo de sessenta dias se vencido em 24 de Novembro de 2020.

17. A A. reclamou perante e Ré o pagamento do valor indemnizatório previsto no contrato.

18. A A. pagou os prémios dos seguros, correspondente ao capital garantido para cada um dos veículos, no valor de € 47.500,00, € 10.000,00, € 12.500,00, € 12.500,00, € 55.000,00 e € 13.500,00, até 30 de Abril de 2021 (Doc. 7 junto com a petição inicial).

19. Decorridos sessenta dias após a participação do furto não só às autoridades, mas também à Ré, esta interpelada por inúmeras vezes para pagar as indemnizações devidas, nunca se disponibilizou a tal.

20. No dia 22 de Novembro de 2021, a Ré remeteu à A. um recibo de indemnização no valor de dez mil euros, para pagamento da indemnização devida pelo furto do veículo ..., (Doc. 17 junto com a petição inicial), que nunca pagou.

21. No seguimento das interpelações da A., no dia 11 de Março de 2022, a Ré enviou à A. recibos de indemnização na sequência do furto dos veículos ..-FP-.. no montante de € 15.000,00, ... no montante de € 6.000,00, ... no montante de € 6.000,00, ..-QG-.. no montante de € 22.000,00 e ..-NO-.. no montante de € 10.000,00 (Docs. 18 a 22, junto com a petição inicial).

22. A A. não aceitou tais valores, invocando não estarem em conformidade com aqueles que a Ré expressamente reconheceu nas declarações que emitiu no dia 31 de Maio de 2021. (que os veículos estavam seguros contra os riscos de danos próprios e roubo, com o capital de, respectivamente, € 47.500,00, € 10.000,00, € 12.500,00, € 12.500,00, € 55.000,00 e € 13.500,00) (Doc.1 a 6, juntos com a petição inicial).

23. A Ré recusa-se a satisfazer as indemnizações devidas pelos valores referidos em 1.5..

24. Eliminado.

25. A Ré, desde o início dos contratos, até aos respectivos termos nunca alterou o valor do capital seguro de cada um dos veículos.

26. A Ré anualmente alterava os prémios das referidas apólices, conforme, seguinte:

VeículoAnoPrémio
..-PF-..2016€ 2724,72
2019€ 3395,26
2020€ 5090,38
2021€ 5472,94
VI-..632016€ 209,05
2019€ 260,14
2020€ 389,36
2021€ 418,55
VI-...202016€ 259,51
2020€ 483,19
2021€ 519,38
VI-..022019€ 294,60
2020€ 440,19
2021€ 473,56
..-QG-..2018€ 3583,51
2020€ 5371,60
2021€ 5775,42
..-NO-..2018€ 2573,32
2019€ 2582,85
2020€ 3801,41
2021€ 4088,59

27. Os conjuntos articulados compostos pelos veículos ..-PF-.., ..-QG-.. e ..-NO-.. e semi-reboques VI-..63, VI-...20, VI-..02 constituíam um dos instrumentos de trabalho da Autora.

28. A A. não mais pode utilizar os supra identificados veículos e semi-reboques no exercício da sua actividade de transportes internacionais rodoviários de mercadorias a que se dedica.

29. Eliminado.

30. Entre a A., na qualidade de segurada, e a R., na qualidade de seguradora, foi celebrado, com início em 26.05.2013 um contrato de seguro do ramo automóvel denominado de “Allianz Frotas”, titulado pela apólice n.º .......33 (doc. 1 junto com a contestação).

31. À data do furto em causa nos autos, o identificado contrato de seguro tinha por objecto, entre outros, os veículos identificados no ponto 1.2. (doc. 2 junto com a contestação).

32. No contrato de seguro em causa nos autos foi contratada a cobertura de “Furto” em 29 de Dezembro de 2014, através do suplemento 6 (doc. 3 junto com a contestação).

33. Na página 5 das condições contratuais do contrato de seguro consta: “1. 3. Danos Próprios Artigo 1.º Garantias 1. O contrato de seguro abrangido por esta cobertura garante os prejuízos ou danos que advenham ao veículo seguro em consequência de: (...) c) Furto ou roubo: perda da posse (quando decorridos 60 dias não houver recuperação de veículo), destruição ou deterioração do veículo, por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentado, frustrado ou consumado);”

À data do furto, não se encontrava contratada a cobertura denominada “Privação de Uso por sinistro (Veículo de Substituição)”.

34. O contrato de seguro “Allianz Frota” é um contrato de seguro dinâmico, sendo normal o adicionamento e subtracção de viaturas do objecto do contrato de seguro, como ocorria com a apólice em causa nos autos, incumbindo ao segurado a indicação dos veículos e respectivo capital pelo qual deveriam ser seguros.

35. Quanto ao valor do veículo para efeitos indemnizatórios, consta escrito nas condições contratuais do contrato que “6. 3. Quando o valor do veículo for igual ou inferior ao valor seguro, a Seguradora apenas responderá até à concorrência do capital seguro ou valor venal, não podendo, do sinistro resultar enriquecimento do Segurado”.

36. No seguimento de uma averiguação pela empresa especializada em averiguação e avaliação de sinistro denominada “M....”, a Ré aceitou a responsabilidade civil contratual decorrente do furto descrito nos autos.

37. Em face da participação do sinistro, a Ré diligenciou pela obtenção dos valores de mercado dos veículos em causa nos autos.

38. De acordo com o que logrou apurar em 19 de Janeiro de 2021, através da consulta de anúncios em sites da especialidade, os veículos em apreço tinham o seguinte valor médio de mercado:

a) veículo com a matrícula ..-NO-.., valor médio de € 9.916,60;

(b) veículo com a matrícula ..-PF-.., valor ligeiramente superior a € 9.916,60;

(c) veículo com a matrícula ..-QG-.., valor médio de € 19.966,66;

(d) veículo com a matrícula VI-..63, valor médio de € 3.650,00;

(e) veículo com a matrícula VI-...20, valor médio de € 6.250,00;

(f) veículo com a matrícula VI-..02, valor médio de € 6.250,00. (doc. 4 junto com a contestação).

39. A Ré encarregou a empresa “M....” de efectuar a avaliação dos veículos em causa nos autos, com vista a determinar os prejuízos resultantes do furto participado, empresa esta que pesquisou e analisou diversos anúncios em sites de compras e vendas de veículos pesados e semi-reboques e entrou em contacto com empresas da especialidade com vista a apurar o valor comercial dos veículos em causa nos autos.

40. A “M....” contactou o departamento comercial da empresa "Renault Trucks”, sita em ..., e a empresa “G..., Lda”, sita em ..., especializada na construção e reparação de reboques.

41. No seguimento das enunciadas diligências averiguativas, apurou que os veículos em causa nos autos tinham os seguintes valores de mercado:

(a) veículo com a matrícula ..-NO-.., cotação entre € 9.000,00 e € 10.000,00,

(b) veículo com a matrícula ..-PF-.., cotação de € 11.000,00;

(c) veículo com a matrícula ..-QG-.., cotação entre € 14.000,00 e € 15.000,00;

(d) veículo com a matrícula VI-..63, cotação de € 1.500,00;

(e) veículo com a matrícula VI-...20, cotação de € 2.500,00;

(f) veículo com a matrícula VI-..02, cotação de € 2.500,00 (doc. 5 junto com a contestação).

42. À data de Setembro de 2020, o valor médio de mercado de um veículo com as mesmas características do veículo com a matrícula ..-NO-.., marca Renault Premium era de € 11.000,00 (onze mil euros).

43. À data de Setembro de 2020, o valor médio de mercado de um veículo com as mesmas características do veículo com a matrícula ..-PF-.., marca Renault Premium era de € 13.000,00 (treze mil euros).

44. À data de Setembro de 2020, o valor médio de mercado de um veículo com as mesmas características do veículo com a matrícula ..-QG-.., marca Renault Premium era de € 18.000,00 (dezoito mil euros).

45. À data de Setembro de 2020, o valor médio de mercado de um veículo com as mesmas características do veículo com a matrícula VI-..63, marca Trailor SYY3CX era de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

46. À data de Setembro de 2020, o valor médio de mercado de um veículo com as mesmas características do veículo com a matrícula VI-...20, marca Lecitrailer era de € 3.000,00 (três mil euros).

47. À data de Setembro de 2020, o valor médio de mercado de um veículo com as mesmas características do veículo com a matrícula VI-..02, marca Lecitrailer era de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

48. A partir de um determinado número de anos (mais de 8) o veículo já sofreu a sua maior desvalorização, o valor de usado pode manter-se, ou sofrer uma pequena correcção de valor apenas pela idade.

49. No caso do proprietário dos veículos pesados efectuar uma manutenção periódica garante que a ocorrência de avarias seja o menor possível.

50. Os diversos sistemas dos veículos pesados estão sujeitos à degradação das suas condições normais de funcionamento, com o decorrer do tempo de funcionamento, em consequência da contínua utilização.

51. Para que o veículo pesado continue a funcionar nas suas condições normais de funcionamento, é necessário intervir atempadamente, ou seja, antes de ocorrer uma avaria ou falha, nos sistemas que compõem o veículo, permitindo assim que este mantenha as suas características ao longo de todo o seu tempo de utilização.

Factos não provados

1. Os tractores pesados cada um deles, como os semi-reboques, cada um deles, faziam em média duas viagens por semana ao estrangeiro, os tractores no serviço de tracção e os semi-reboques no transporte de carga, percorrendo em média 3.500 kms por semana, 14.000 kms/mês.

2. Cada km era facturado razão de € 0,80 para cada tractor pesado e € 0,275 para cada semi-reboque.

3. As despesas mensais relativas aos tractores com motoristas, combustíveis, óleos, portagens, pneus, seguros, desgaste de componentes, eram em média de € 6720,00.

4. As despesas mensais relativas aos semi-reboques com óleos, pneus, seguros, degaste de componentes eram em média de € 850,00.

5. A A. nunca lucraria menos de € 4.480,00 mensais a que corresponde o lucro diário de € 149,33, com referência a cada um dos tractores e de € 300,00 mensais, a que corresponde o lucro diário de € 100,00 para cada um dos semi-reboques. “

II – Fundamentação

Indemnização pela privação do uso dos veículos furtados

Insurge-se a recorrente contra a decisão proferida no acórdão recorrido de não ser, na presente situação, indemnizável o dano pela privação do uso dos veículos furtados.

Na petição inicial a aqui recorrente alegou que a ré seguradora, em incumprimento do contrato de seguro com ela celebrado, a deixou privada de meios financeiros que lhe permitissem adquirir veículos idênticos aos furtados. Argumentou, também, que o dano assim causado corresponderia à indemnização que seria devida pela perda do uso desses veículos, alegando os factos que permitiriam avaliar este seu dano.

Logrou a recorrente provar que:

23. A Ré recusa-se a satisfazer as indemnizações devidas pelos valores referidos em 1.5..

27. Os conjuntos articulados compostos pelos veículos ..-PF-.., ..-QG-.. e ..-NO-.. e semi-reboques VI-..63, VI-...20, VI-..02 constituíam um dos instrumentos de trabalho da Autora.

28. A A. não mais pôde utilizar os supra identificados veículos e semi-reboques no exercício da sua actividade de transportes internacionais rodoviários de mercadorias a que se dedica.

A privação de utilização dos veículos decorre do furto dos mesmos e, nessa medida, não sendo a seguradora responsável por tal evento não tem obrigação de indemnizar a autora por tal dano, dado que o contrato de seguro não contemplava esta concreta cobertura.

Se, perante a matéria de facto considerada provada pelo tribunal de 1.ª instância era possível equacionar a questão de poderem ser indemnizáveis os danos sofridos pela autora que excedessem o valor dos juros de mora, com a eliminação pelo Tribunal da Relação dos pontos 1.24 e 1.29 da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal de 1.ª instância, não subsiste prova de ter a autora suportado qualquer dano além do atraso no cumprimento da obrigação da ré, que os juros de mora visam indemnizar.

Na falta de prova dos danos sofridos não é possível condenar a ré na sua indemnização pelo que, consequentemente, improcede a revista.


***


III – Deliberação

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.


*


Lisboa, 19 de Setembro de 2024

Ana Paula Lobo (relator)

Maria da Graça Trigo

Isabel Salgado