Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P2239
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: HOMICÍDIO
TENTATIVA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ2006010422393
Data do Acordão: 01/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: UNANIMIDADE
Sumário :
Resultando da factualidade provada que:
- no dia 06-01-2002, cerca das 13h45, o arguido passou com as suas vacas junto à
residência de A, tendo alguns daqueles animais derrubado tijolos ali existentes pertençadeste;
- o A, que se encontrava no interior da casa, face ao barulho produzido, saiu à rua e ao ver os tijolos no chão e o arguido disse para consigo: “só podia ter sido…”;
- ao ouvir isto o arguido, que já havia passado o local, voltou para trás, envolvendo-se ambos em discussão, e a dada altura desta, o arguido, levantando a enxada que levava consigo, desferiu uma pancada com a parte metálica da mesma na cabeça do A, atingindo-o na região fronto-temporal direita, projectando-o ao chão;
- quando o mesmo procurava levantar-se, o arguido desferiu-lhe outra pancada, com a mesma enxada na cabeça, atingindo-o na região occipital, deixando-o sem sentidos, e saindo do local;
- em consequência directa, necessária e exclusiva da conduta do arguido o A sofreu ferida extensa, com 9 cm de comprimento, em forma de S, na região temporal direita, com fractura e afundamento do osso, e ferida na região occipital, com 4 cm de comprimento, lesões que foram causa de edema e higroma na região fronto-temporal direita e equimose peri-ocular na região direita e de doença por 193 dias, 30 dos quais com incapacidade para o trabalho, com cicatriz viciosa no hábito externo e cefaleia ligeira pós-traumática;
- o arguido agiu como descrito, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que ao atingir o A na cabeça com a enxada, como o fez, actuava de forma adequada a causar-lhe a morte, o que quis, tendo agido com essa intenção, a qual todavia não veio a ocorrer por razões alheias à sua vontade;
- o arguido e o ofendido A, estavam de relações cortadas desde há cerca de 20 anos, por razões que se prendiam com eventuais agressões daquele a familiares deste;
- o arguido tem 67 anos de idade, vive com a mulher e uma irmã reformada, tem dois filhosmaiores, sendo de condição social humilde, goza de boa situação económica, explorandouma vacaria;
- já foi condenado por duas vezes, a primeira pela prática de um crime de incêndio, perpetrado em 1995, e a segunda pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples, cometido em 1998, tendo-lhe sido aplicada, em ambas as situações, pena de multa; e tendo em atenção que o crime de homicídio simples, na forma tentada, é punível com pena de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão, há que reconhecer que a pena cominada de 5 anos de prisão não merece qualquer censura, situando-se dentro da medida da culpa, e sendo imposta pela necessidade de tutela da confiança das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No processo comum colectivo n.º….., do Tribunal Judicial da comarca de …, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material de um crime tentado de homicídio simples, previsto e punível pelos artigos 22º, 23º e 131º, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão (i ).
Mais foi o arguido condenado a pagar ao ofendido BB a quantia de € 16.701,46, acrescida de juros à taxa de 7% desde 1 de Abril de 2003 e até 30 de Abril de 2003 e à taxa de 4% desde 1 de Maio de 2003 até efectivo pagamento, ao Centro de Saúde de …. a importância de € 159,06, ao Hospital de …. a quantia de € 1.571,56 e ao Hospital de ….. a importância de € 46,39.
O arguido e demandado AA interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação do … visando o reexame da matéria de facto e da matéria de direito, recurso que foi rejeitado relativamente à impugnação da matéria de facto e julgado improcedente no que tange à matéria de direito.
Inconformado, recorre agora para este Supremo Tribunal, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. O comportamento do arguido deveria ter sido assacado à luz do crime de ofensas à integridade física grave e não sob a forma de tentativa de homicídio simples.
2. Os pressupostos exigidos pelo artigo 144º, alínea a), do Código Penal, encontram-se preenchidos na íntegra pelo recorrente.
3. Pois o arguido/recorrente nem previu, nem projectou em tempo algum a morte do ofendido.
4. O arguido ao atingir o ofendido no lado direito do parietal apenas provocou algum desfiguramento, já que ficou privado de uma parte óssea, não tendo sido atingida qualquer parte encefálica.
5. Pois, o arguido agiu com algum excesso de legítima defesa, já que o ofendido foi quem primeiro fez provocações e mesmo em tom de ameaças verbais.
6. Existe, pois, errado enquadramento jurídico do comportamento do arguido, devendo o mesmo ser punido de acordo com o previsto no artigo 144º, alínea a), do Código Penal.
7. A pena cominada deveria ser em medida não superior a três anos e esta suspensa por um período de tempo de quatro anos, já que tal sanção vem satisfazer plenamente os fins de prevenção geral e especial, obedecendo aos critérios constantes do artigo 50º, do Código Penal.
8. Os critérios de escolha e de determinação da medida da pena, impostos pelos artigos 33º, 40º e 71º, do Código Penal, não foram devidamente ponderados pelo tribunal recorrido.
9. O tribunal a quo não ponderou devidamente as condições sócio-económicas do recorrente.
10. Nem levou em devida conta, para determinação da medida da pena, os hábitos de trabalho do recorrente e o facto de o mesmo se encontrar inserido socialmente, não obstante tais factos resultarem provados na fundamentação.
11. Embora tais circunstâncias não façam parte do tipo de crime, depõem a favor do recorrente, levando a crer que a sua idade, a ocupação laboral, a inserção social e a estabilidade familiar que possui, se tivessem sido devidamente ponderadas e analisadas, com o devido respeito o dizemos, tornam o recorrente, a curto prazo, apto a uma fácil recuperação, retomando uma vida normal, regendo a sua conduta por valores condizentes com a lei, tornando-se um cidadão útil, o que vai ao encontro dos seus desejos.
12. Todo este circunstancialismo não se coaduna com a gravosa pena de 5 anos de prisão aplicada ao recorrente.
13. A pena de prisão de 2 anos e 6 meses, substituída por multa ou mesmo suspensa por um período de tempo nunca inferior a 4 anos, seria adequada e proporcional ao caso concreto, considerando-se que tal pena seria suficiente para atingir os fins incertos na norma incriminadora, permitindo ao recorrente, a curto prazo, abraçar nova vida, evitando deste modo a quebra da sua inserção na comunidade.
14. A suspensão da execução da pena de prisão, cujos pressupostos se encontram prescritos no artigo 50º, do Código Penal, caldeados com a matéria provada, permitem concluir que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão satisfazem as finalidades da punição.
15. O juízo de prognose relativo ao recorrente é favorável, pelo que a pena de prisão deverá ser suspensa na sua execução.
16. Considerando-se o exposto, subsumindo nas disposições conjugadas dos artigos 40º, 50º e 71º, do Código Penal, constata-se que a pena aplicada não respeitou os critérios da sua determinação, pelo que o tribunal recorrido violou as aludidas normas.
17. Sendo que a sua correcta interpretação, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que depõem a favor do recorrente, impunham ao tribunal a quo a aplicação ao recorrente da pena concreta de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.
18. Uma vez que o ofendido BB contribuiu com grave culpa para a ocorrência dos danos morais na sua pessoa, já que provocou em tom de ameaça e tudo ocorreu de uma forma imprevista e inesperadamente e seu internamento não ultrapassou os 8 dias e a impossibilidade para o trabalho não ultrapassou 30 dias, a indemnização não deve ultrapassar os € 5.000.
19. Por sua vez, o recorrente não é uma pessoa de grandes rendimentos financeiros, pois é um lavrador tradicional do nordeste transmontano, que nem sequer está obrigado à apresentação de rendimentos em sede de I.R.S.
Com tais fundamentos, no provimento do recurso pretende o recorrente seja alterada a qualificação jurídica dos factos, sendo condenado como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave, com a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução ou, caso assim se não entenda, seja condenado como autor do crime de homicídio tentado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução.
Mais pretende seja reduzido para € 5.000 o montante da indemnização fixada a favor do ofendido.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Exm.º Procurador-Geral Adjunto na Relação do .... pugna pela improcedência do recurso no que à sua vertente criminal diz respeito, por entender que os factos provados se mostram correctamente qualificados e que a pena cominada foi determinada de acordo com os critérios legais não merecendo qualquer reparo.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal limitou-se a uma referência à validade da instância, tendo promovido a designação de dia para audiência.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
Começando por delimitar o objecto do recurso verifica-se que a discordância do recorrente relativamente ao acórdão impugnado incide na qualificação jurídica dos factos, na medida da pena e no quantum da indemnização arbitrada a favor do ofendido.
É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto (factos provados):
No dia 6 de Janeiro de 2002, cerca das 13,45 horas, o arguido AA passou com as suas vacas, junto à residência de BB, sita na Rua das ….., na povoação de …., V…., tendo alguns daqueles animais derrubado tijolos que ali se encontravam pertença deste.
O BB que se encontrava no interior da casa, face ao barulho produzido saiu à rua e ao ver os tijolos no chão e o arguido, disse para consigo “só podia ter sido…”, e ao ouvir isto o arguido que já havia passado o local, voltou para trás, envolvendo-se ambos em discussão, e a dada altura desta, o arguido levantando a enxada que levava consigo, desfere uma pancada com a parte metálica da mesma na cabeça do BB atingindo-o na região fronto-temporal direita projectando-o ao chão, e, quando o mesmo se procurava levantar, o arguido desfere-lhe outra pancada com a mesma enxada na cabeça atingindo-o na região occipital, deixando-o sem sentidos, e saindo do local.
Aos gritos de socorro da filha EE acodem os arguidos DD e CC, filhos do BB, que saindo de casa e apercebendo-se do sucedido, perseguem o arguido AA que vêm a alcançar a 150 metros de casa do pai.
Aí o DD e o CC envolveram-se com o arguido AA, e o DD retirou a este a enxada que levava ao mesmo tempo que o CC o empurra e faz tombar sobre um muro de pedra que ali se encontrava, aleijando-se no braço esquerdo, e de imediato o DD, com o cabo da enxada desfere-lhe duas pancadas nas pernas, deixando-o no local tombado, e regressam a casa para socorrer o pai.
Como consequência directa, necessária e exclusiva da conduta do arguido AA, o BB sofreu ferida extensa com 9 cm de comprimento em forma de S na região temporal direita com fractura e afundamento do osso, e ferida na região occipital com 4 cm de comprimento, que foram causa de edema e higroma na região fronto-temporal direita e equimose peri-ocular na região direita e de doença por 193 dias, 30 dos quais com incapacidade para o trabalho, e com cicatriz viciosa no hábito externo e cefaleia ligeira pós-traumática.
Como consequência directa, necessária e exclusiva da conduta dos arguidos CC e DD o AA sofreu dores com as pancadas nas pernas e no braço esquerdo em virtude da queda, que foi causa de doença por 69 dias sem incapacidade para o trabalho.
O arguido AA, agiu como descrito, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que ao atingir o BB na cabeça com a enxada, como o fez, actuava de forma adequada a causar-lhe a morte, o que quis, tendo agido com essa intenção, a qual todavia não veio a ocorrer, por razões alheias à sua vontade.
Os arguidos DD e CC, agiram voluntária, livre e conscientemente, com intenção de molestarem o AA na sua integridade física.
Todos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas.
O arguido AA e o ofendido BB, estavam de relações cortadas desde há cerca de 20 anos, por razões que se prendiam com eventuais agressões daquele a familiares deste.
Os arguidos CC e DD, agiram como descrito, depois de verem o pai no estado em que ficou e exaltados com isso e para se vingarem da agressão.
A enxada utilizada pelo arguido AA é um instrumento contundente e perigoso.
O arguido AA, vive com a esposa e uma irmã reformada, e tem dois filhos maiores, é de humilde condição social e trabalhador.
Goza de boa situação económica, explorando uma vacaria e tem dois ou três tractores, para além de várias propriedades.
Tem os antecedentes criminais que constam do seu CRC.
O arguido DD vive com a esposa, empregada de limpeza e dois filhos menores (5 anos e 15 meses), e aufere como funcionário do C. M. V…. cerca de 6000 euros; é de humilde condição social, não tem antecedentes criminais e tem bom comportamento.
O arguido CC vive com os pais, é carpinteiro, auferindo o salário de 475 euros; é de humilde condição social, não tem antecedentes criminais e tem bom comportamento.
O ofendido BB é agricultor, sapateiro e trolha, auferindo nessas actividades um rendimento médio mensal de 500 euros.
O ofendido apenas em Maio de 2002 se sentiu em condições físicas e psíquicas para trabalhar, tendo nessa altura acabado os tratamentos e curativos às lesões sofridas.
Em deslocações ao Hospital de … gastou 25,02 euros e ao Hospital de … 100,8 euros, e em despesas com refeições nessas alturas gastou 50 euros, bem como pagou ao Hospital de …pelos tratamentos que ali fez a quantia de 19,46 euros.
Esteve internado no Hospital de … e foi transferido de helicóptero para o Hospital de …..
Para além das dores físicas sofridas em consequência do acto do arguido AA o ofendido continua a sofrer dores intensas, o que lhe provoca uma maior dificuldade no trabalho, e sofre fortes dores de cabeça de forma constante e nas mudanças de lua. É conceituado no meio em que vive, e face à agressão teve grande medo e temeu pela sua vida.
Em consequência da agressão o ofendido BB foi socorrido aos ferimentos pelo Hospital ...... no dia 6/1/02, sendo o custo da assistência hospitalar de 46,39 euros.
Em virtude dos actos descritos, o Hospital ..... prestou ao BB a assistência médica e medicamentosa que a sua situação clínica exigia, no valor de 1.571,56 euros, e ao AA prestou-lhe a assistência que o seu caso demandava no valor de 27,93 euros.
O Centro de Saúde de V…, prestou ao BB a assistência médica e medicamentosa que a sua situação clínica exigia, no valor de 159,06, euros, e ao AA prestou-lhe a assistência que o seu caso demandava no valor de 49,61 euros.
Qualificação Jurídica dos Factos
Entende o recorrente que os factos provados se mostram incorrectamente qualificados, não integrando o crime tentado de homicídio pelo qual foi condenado, antes preenchendo o crime de ofensa à integridade física grave previsto no artigo 144º, alínea a), do Código Penal, visto que não projectou a morte do ofendido BB, nem a previu, sendo certo que ao atingir aquele apenas provocou algum desfiguramento, sem que haja afectado qualquer parte do encéfalo.
Do exame da decisão proferida sobre a matéria de facto, mais concretamente dos factos provados, resulta que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o mesmo, não só previu, como quis causar a morte ao ofendido BB.
Por outro lado, certo é que a morte do ofendido BB não se verificou por razões alheias à vontade do recorrente.
Com efeito, vem provado que: «O arguido AA, agiu como descrito, livre e conscientemente, bem sabendo que ao atingir o BB na cabeça com a enxada, como fez, actuava de forma adequada a causar-lhe a morte, o que quis, tendo agido com essa intenção, a qual todavia não veio a ocorrer, por razões alheias à sua vontade».
De acordo com o disposto no artigo 22º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime, que decidiu cometer (ii.), sem que este chegue a consumar-se, sendo actos de execução os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime, os que forem idóneos a produzir o resultado típico ( iii) ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.
Nesta conformidade, dúvidas não restam de que os factos provados foram correctamente qualificados, posto que o recorrente quis matar o BB, tendo praticado todos os actos necessários e adequados à consumação do crime de homicídio, o qual não ocorreu por razões alheias à sua vontade.
Medida da Pena
Alega o recorrente que na determinação da medida da pena não foram respeitados os critérios legais, nem foram devidamente ponderadas as circunstâncias ocorrentes, designadamente as suas condições pessoais, com destaque para a sua idade, ocupação laboral, inserção social e estabilidade familiar, circunstâncias que revelam que o recorrente se recuperará com facilidade, regendo a sua conduta por valores condizentes com a lei, razão pela qual lhe deve ser aplicada uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, substituída por multa ou suspensa na sua execução, a qual é suficiente para atingir as finalidades da punição (iv).
A determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 41º, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 daquele artigo.
Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a p+ena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (v).
Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa (vi), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República, consagra (vii.).
No caso vertente estamos perante um crime tentado de homicídio, ilícito em que o bem jurídico tutelado é a vida humana, bem jurídico supremo do homem, que a Constituição da República declara inviolável – artigo 24º.
Por isso e pese embora a imperfeição do facto, as necessidades de prevenção são muito elevadas.
O recorrente agiu com dolo directo ou de primeiro grau, consabido que quis causar a morte ao ofendido.
A ilicitude do facto é acentuada, sendo que o contexto em que ocorreu mostra que o recorrente se deixou arrastar por sentimento de vingança, ao que parece mantido durante largos anos (viii).
O modo de execução do crime revela um carácter rude.
Em consequência o ofendido sofreu fractura e afundamento do osso da região temporal direita, com doença por 193 dias, 30 dos quais com incapacidade para o trabalho, ficando portador de uma cicatriz viciosa no hábito externo.
O recorrente tem 67 anos de idade, vive com a mulher e uma irmã reformada, tem dois filhos maiores, sendo de condição social humilde.
Goza de boa situação económica, explorando uma vacaria; possui várias propriedades e dois ou três tractores.
Trata-se de pessoa trabalhadora.
Já foi condenado por duas vezes, a primeira na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 300$00, pela prática de um crime de incêndio perpetrado em 1995, a segunda na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 800$00, pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples cometido em 1998.
Tudo ponderado, tendo em atenção que o crime é punível com pena de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão, há que reconhecer que a pena cominada de 5 anos de prisão não merece qualquer censura – tenha-se em conta que o recorrente nem de bom comportamento beneficia –, pena que, situando-se dentro da medida da culpa, é imposta pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (ix).
Montante da Indemnização Arbitrada
Entende o recorrente que a indemnização fixada a favor do ofendido BB deve ser reduzida para o montante de € 5.000, sob a alegação de que este contribuiu com grave culpa para a ocorrência dos factos e, portanto, para a verificação dos danos, e de que tudo sucedeu de forma imprevista, para além de que o internamento daquele não excedeu oito dias e que o mesmo apenas esteve incapacitado para o trabalho por trinta dias.
Como se vê do exame do processo, trata-se de questão já colocada ao Tribunal da Relação d…, com coincidente alegação, questão que, obviamente, foi apreciada e decidida por aquele tribunal.
Como este Supremo Tribunal tem entendido, não é de conhecer o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual o recorrente se limita a reeditar toda a argumentação já expendida no recurso antes interposto para o Tribunal da Relação e à qual se deu a necessária resposta (x.).
Com efeito, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, só pode basear-se na discordância perante os fundamentos que sustentaram o decidido naquela acórdão e não nos da decisão da primeira instância já sufragados pelo tribunal recorrido (xi ).
Deste modo, sendo certo que o recorrente ao impugnar o montante indemnizatório arbitrado a favor do lesado se limita a repetir os fundamentos já apresentados perante o Tribunal da Relação, sem nada trazer de novo, não deve nem pode ser conhecido o recurso nesta parte.
Termos em que se acorda não conhecer o recurso na parte em que vem impugnada a vertente civil da decisão recorrida, julgando-o improcedente quanto ao mais.
Custas pelo recorrente, com 10 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 04 de Janeiro de 2006
Oliveira Mendes (Relator)
João Bernardo
Henriques Gaspar
Silva Flor
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i - Foram também condenados os arguidos CC e DD como co-autores materiais de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, n.º1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 10.
Mais foram os arguidos CC e DD condenados solidariamente a pagar ao Centro de Saúde de … a quantia de € 27,93.
ii - A culpabilidade na tentativa é pois a culpabilidade do crime consumado, isto é, a intenção (decisão de acordo com o texto legal) de cometer o crime consumado e, daí que o dolo, na tentativa, é o dolo do crime consumado, pelo que bastará a ocorrência de dolo eventual.
iii - Actos idóneos a produzir o resultado típico são aqueles que, segundo um juízo de prognose póstuma, eram adequados à produção do resultado, isto é, capazes de causarem o evento querido ou pretendido – que o agente decidiu cometer.
iv - Consignado se deixa que só as penas curtas de prisão – até 6 meses – são substituíveis por pena de multa – artigo 44º, n.º1, do Código Penal.
v - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
vi - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados.
vii - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 105/106.
viii - Com efeito, da decisão de facto proferida consta que: «O arguido AA e o ofendido BB, estavam de relações cortadas desde há cerca de 20 anos, por razões que se prendiam com eventuais agressões daquele a familiares deste».
ix - Na ponderação feita, considerou-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e que a ressocialização só funciona se “possível”, isto é, depois da necessária protecção dos bens jurídicos, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal – acórdão de 04.10.21, CJ (STJ), XII, III, 192.
x - Cf. entre outros o acórdão de 04.05.27, CJ (STJ), XII, II, 209.
xi - Cf. entre outros o acórdão de 03.05.22, CJ (STJ), XI, II, 188.