Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO CADUCIDADE DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO PRINCIPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL | ||
Data do Acordão: | 11/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Sumário : | I. A convenção coletiva quanto à sua parte normativa, está sujeita às regras de interpretação da lei, sendo que a letra da norma representa o ponto de partida, mas também o limite da interpretação admissível e não se confundem “revisão” e “proposta de revisão”, realidades muito distintas. II. Tendo o Acordo de Empresa caducado em 2019 há que aplicar o disposto no artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 a respeito dos efeitos após a caducidade e até á entrada em vigor de outra convenção coletiva ou decisão arbitral. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 23018/22.8T8LSB.L1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA intentou ação declarativa com processo comum contra Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – Mais Sindicato, formulando os seguintes pedidos: “Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e em consequência: A) Deve a R. ser condenada cumprir todas as condições individualmente acordadas com A. no contrato individual de trabalho; B) Deve a R. reconhecer o direito da A. aos benefícios do sistema de assistência à saúde do SAMS, de forma imediata, pagando o valor correspondente à comparticipação que a A. devia ter beneficiado pela sua despesa em medicamentos efectuada no dia 06 de Julho de 2021 no valor de €2,10 (dois euros e dez cêntimos); C) Deve a R. reconhecer e a pagar subsídio mensal por filho, por idade e em situação escolar; D) Deve a R. reconhecer e a pagar prémio por antiguidade à A. e, consequentemente, pagar prémio de antiguidade que a A. deveria ter recebido pelos seus 25 anos ao serviço da R., que ocorreram em 17 de Março de 2022, no valor de €2.610,76 (dois mil, seiscentos e dez euros e setenta e seis cêntimos); E) Deve a R. reconhecer e atribuir a correcta retribuição e subsídio de refeição à A. e, pagar a título de retribuição base mensal o valor de €1.305,38 (mil, trezentos e cinco euros e trinta e oito cêntimos) e de subsídio de refeição diário no valor de €9,90 (nove euros e noventa cêntimos); F) Deve a R. pagar os créditos laborais devidos a diferenças de retribuição base mensal e subsídio de refeição diário no valor de €6.466,42 (seis mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos), que não foram pagas no período de Janeiro de 2011 a Setembro de 2022, devendo ainda a R. ser condenada a pagar todas os créditos laborais que não forem pagos desta natureza subsequentes até trânsito em julgado na presente acção; G) Deve a R. ser condenada a pagar à A. juros de mora sobre as quantias supra peticionadas, desde a data do seu vencimento, até integral e efectivo pagamento, bem como em custas do processo e procuradoria condigna.” Citado, o Réu contestou. Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento. Em 14.06.2023 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Nos termos e fundamentos expostos, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência decido: 1 – Condenar o Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – Mais Sindicato a reconhecer/aplicar à autora AA todos os benefícios/direitos acordados no contrato de trabalho com esta celebrado e, em consequência: a – reconhecer o direito da autora ao benefício do sistema de assistência à saúde do SAMS e a pagar-lhe a comparticipação relativamente à despesa feita pela autora em medicamentos no dia 6 de Julho de 2021. b – reconhecer o direito da autora ao subsídio mensal por filho, por idade e, em situação escolar. c – reconhecer o direito prémio por antiguidade e a pagar-lhe o prémio dos 25 anos de serviço da autora ao serviço do réu completados no dia 17.03.2022 e equivalente a duas retribuições mensais auferidas àquela data completados no dia 17.03.2022. 3 - Condenar o Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – Mais Sindicato a actualizar a retribuição e subsídio de alimentação da autora desde 2011 a 2019 e, em consequência a pagar-lhe as respectivas diferenças vencidas nesse período. 4 - Condenar o Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – Mais Sindicato a pagar à autora juros de mora à taxa legal sobre as quantias acima referidas desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento. 5 – Absolver o réu do demais peticionado”. O Réu interpôs recurso de apelação. Por acórdão de 20.03.2024, o Tribunal da Relação decidiu: “- Julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar o ponto 3 da decisão recorrida e a condenação do R. no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas no indicado ponto 3; - Absolver o R. dos pedidos formulados sob e) e f) da petição inicial”. A Autora veio interpor recurso de revista. O seu recurso apresenta as seguintes Conclusões: A. O recurso ora interposto pelo Recorrente versa sobre o Acórdão proferido pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa a fls. …, o qual julgou procedente o recurso de apelação da Ré e, em consequência, revogou o ponto 3 da decisão recorrida e a condenação do Réu no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas no indicado ponto 3, absolvendo ainda o Réu dos pedidos formulados sob e) e f) da petição inicial. B. Com relevância para o objeto do presente recurso, versa o recurso sobre matéria de direito, uma vez que, houve aspetos, os quais, salvo melhor entendimento, foram incorretamente apreciados. C. A decisão recorrida merece censura, pois a fundamentação da decisão do Tribunal a quo foi incorretamente apreciada. D. Desta forma, foi decidido pelo Tribunal a quo que, relativamente à cláusula 3.ª, n.º 9 do Acordo de Empresa outorgado entre o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços (publicado no BTE n.º 19, de 22.05.2003), “O nº 9 da cláusula em apreço oferece algumas dificuldades interpretativas, mas consideramos que o seu sentido é claro. Com efeito, resulta deste preceito que só serão aplicadas as sucessivas atualizações previstas no ACTV do setor bancário se, após o decurso do prazo de 10 meses, não ocorrer denúncia da tabela salarial acompanhada de proposta de revisão (e enquanto estas não forem apresentadas).”. E. Acrescentou, ainda, o Tribunal a quo, que “Embora o preceito utilize a expressão “revisão” pretende reportar-se a “proposta de revisão”, conforme resulta do facto de a iniciativa caber a qualquer das partes e não estar dependente do acordo das mesmas. Esta asserção decorre também do preceito utilizar as expressões “na forma prevista nesta cláusula”.” F. Prossegue, afirmando que “Estatui o art. 500º, nº1 do CT : «1 - Qualquer das partes pode denunciar a convenção coleciva, mediante comunicação escrita dirigida à outra parte, acompanhada de proposta negocial global.».” G. Refere, ainda, o Tribunal a quo “Consta do aviso sobre a data da cessação do AE em apreço (publicado no BTE nº 23/2020): « ( …) O Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas denunciou o acordo de empresa junto do SEP por carta datada de 21 de setembro de 2011, acompanhada de proposta de revisão global da convenção coletiva (…)»”. H. Concluindo o Tribunal a quo, dessa forma, que “Assim e atento o indicado sentido interpretativo do nº 9 da referida cláusula 3ª do AE, não cumpre aplicar (na questão em apreço) o regime de sobrevigência e de caducidade da convenção coletiva estabelecidos no art. 501º do CT.”. I. Ora, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do disposto na lei civil e laboral. J. Uma vez que que o Réu não só cumpriu com o disposto no na referida cláusula 3.ª do AE supra identificado, como também violou grosseiramente o disposto das cláusulas do contrato de trabalho outorgado com a Autora-Recorrente, bem como o art. 11.º do Código do Trabalho. K. A interpretação feita pelo Tribunal a quo relativamente a todo o conteúdo da cláusula 3.ª do AE supra identificado encontra-se feita de forma errada, violando, dessa forma, o artigo 9.º do Código Civil. L. A Recorrente, na sua petição inicial, alegou os seguintes factos, constantes dos artigos 1.º a 8.º da p.i. M. Para além disso, também no aditamento ao contrato de trabalho de 25 de maio de 1998 supra referido, as partes acordaram em “durante a vigência do disposto na cláusula 1ª e 2ª desta alteração ao Contrato Individual de Trabalho, aplicará ao 2º Outorgante a sua tabela salarial em vigor para os trabalhadores a quem se aplica o ACTV do Sector Bancário.”, conforme previsto na cláusula 3.ª do aditamento. N. Todos os factos alegados pela Recorrente foram dados como provados na sentença, nos pontos 1 a 5, e não foram impugnados pelo Réu. O. Alegou ainda a Recorrente as seguintes conclusões de direito, constantes nos artigos 80.º a 82.º da p.i. P. Foi ainda dado como provado no ponto 10 da sentença que “Em 21 de Setembro de 2011, a ré denunciou o suprarreferido Acordo de Empresa de 2003 e após o processo negocial, o acordo de empresa cessou a sua vigência, por caducidade, no dia 28 de Abril de 2019.” Q. Nesta senda e a respeito destas alegações da Recorrente na p.i. e respetivos pedidos relacionados com aquelas, o Juízo do Trabalho de Lisboa decidiu, e bem, dar razão à então Autora, ainda que não na totalidade, condenando o Réu “…a atualizar a retribuição e subsídio de alimentação da autora desde 2011 a 2019 e, em consequência a pagar-lhe as respetivas diferenças vencidas nesse período.” E, ainda, a ”4 - Condenar o Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – Mais Sindicato a pagar à autora juros de mora à taxa legal sobre as quantias acima referidas desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento.” R. O Réu, tendo-se conformado com a praticamente toda a sentença do Juízo do Trabalho de …, resolveu, ainda assim, recorrer sobre os pedidos agora revogados pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. S. Recurso esse que foi também alvo de análise e parecer do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa que considerou improcedente o recurso do Réu. T. Em primeiro lugar, o referido n.º 9 da cláusula 3.ª do AE de 2003 em apreço refere o seguinte: “Se qualquer das partes não proceder à respetiva denúncia e revisão nos prazos estabelecidos e na forma prevista nesta cláusula, a tabela salarial e as cláusulas com expressão pecuniária serão atualizadas e revistas nos termos, medida, quantitativos e períodos de vigência igualmente aplicados no ACTV do sector bancário.” U. Ora, a referida cláusula, antes de mais, importa duas condições ou pressupostos cumulativos: que qualquer uma das partes procedesse à denúncia e revisão do AE de 2003. V. Ora, não ficou provado nos presentes autos que o Réu tenha procedido à revisão nos prazos estabelecidos do AE. W. Apenas ficou provado, no ponto 10 da douta sentença, que o Réu procedeu unicamente à denúncia do AE de 2003 em 21 de setembro de 2011, sem qualquer revisão do mesmo. X. Ora, esta dupla condição obrigatória não se encontra preenchida, como bem sabe o Réu. Y. Aliás, tanto assim sabe, que as expressões que utiliza ao longo de praticamente todos os seus articulados é “denúncia ou revisão”, o que não corresponde ao clausulado que o mesmo Réu invoca para justificar a sua tese da inaplicabilidade do n.º 9 da Cláusula 3.ª do AE de 2003 e, consequentemente, “…a tabela salarial e as cláusulas com expressão pecuniária serão atualizadas e revistas nos termos, medida, quantitativos e períodos de vigência igualmente aplicados no ACTV do sector bancário”. Z. Aliás, é o próprio Réu que conclui no sentido de que apenas se efetuou a denúncia do AE em 21 de setembro de 2011, na sua conclusão A) do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. AA. Mais: em nenhuma parte da sentença se considerou provado que tenha sido feita qualquer revisão nos prazos estabelecidos na referida Cláusula 3.ª do AE. BB. Mas, ainda que assim não fosse entendido, a verdade é que sempre as cláusulas de expressão pecuniária, nomeadamente as relativas a retribuição (e atualização da mesma), sempre se manteriam em vigor até que existisse um novo instrumento de negociação coletiva de trabalho (neste caso, um AE) ou decisão arbitral, ao abrigo do disposto no atual n.º 8 do art. 501.º do Código do Trabalho. CC. Essa mesma conclusão é a base da fundamentação da douta sentença do Juízo do Trabalho de Lisboa, e bem. DD. Não podem os trabalhadores ficarem prejudicadas nos seus direitos retributivos, por tempo indeterminado, com a denúncia de um Acordo de Empresa. EE. As normas legais previstas no Código do Trabalho e em particular o disposto no actual n.º8 do art. 501.º deste diploma legal assim o preveem. FF. Não se compreenderia que as partes quisessem, através de uma norma constante em IRCT, prejudicar as necessárias actualizações salariais que os trabalhadores necessitam, sem prazo previsto para que as mesmas sucedessem. GG. Nem se concebe como é que uma das partes outorgantes numa convenção colectiva, ainda para mais um Sindicato, pudesse sequer conceber a ideia de deixar que os seus trabalhadores não vissem a sua retribuição actualizada quase 10 anos, através de uma norma constante em IRCT. HH. Mas, ainda que assim fosse o real desejo do Réu, a verdade é que a legislação laboral tem mecanismos próprios que salvaguardam os direitos dos trabalhadores de natureza retributiva, também ao nível das actualizações salariais. II. Daí ter o Juízo do Trabalho de … decidido bem pela procedência parcial do pedido da A. a este respeito. JJ. Desta forma, encontra-se incorrectamente decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a revogação daquela parte da sentença, impugnando-se a motivação que leva o Tribunal a quo a decidir desta forma. KK. Entende o Tribunal a quo que a expressão “denúncia e revisão”, constantes no n.º9 da cláusula 3.ª do AE de 2003 deve entender-se “denúncia e proposta de revisão”. LL. Para o efeito, justifica o Tribunal a quo que “… conforme resulta do facto de a iniciativa caber a qualquer das partes e não estar dependente do acordo das mesmas. Esta asserção decorre também do preceito utilizar as expressões “na forma prevista nesta cláusula”, equiparando esta situação ao previsto no disposto no art. 500.º, n.º1, do Código do Trabalho. MM. Ora, nem no citado art. 500.º do Código do Trabalho, nas suas diversas versões, nem também no art. 558.º do Código do Trabalho de 2003, nem também no art. 16.º do Decreto-Lei n.º519-C1/79, existiu qualquer expressão aparentada com o previsto no n.º9 da cláusula 3.ª do AE de 2003. NN. Em todas as versões dos dispositivos legais a este respeito, as expressões jurídicas utilizadas pelos diversos legisladores foi no sentido da denúncia de uma convenção colectiva só operar efeitos se dirigida de forma escrita pela parte que pretende denunciar à contra-parte, acompanhada de proposta negocial. OO. Expressões essas que não se encontram previstas no já referido n.º 9 da cláusula 3.ª do AE de 2003. PP. Naquela cláusula, as partes quiseram, de facto, fazer operar o disposto naquela norma, nomeadamente no que diz respeito à questão salarial, apenas no momento em que o AE fosse (i) denunciado e (ii) revisto por uma das partes. QQ. E não que o AE fosse (i) denunciado e (ii) enviado proposta de revisão por uma das partes. RR. Ora, o AE apenas foi revisto, de facto, em 2021, tendo caducado em 2019. SS. Esta é a única interpretação jurídica possível que se pode extrair nesta situação, com respeito pelo art. 9.º do Código Civil. TT. Tanto assim é que o Réu, no AE de 2021, publicado no BTE n.º9, de 8/3/2021, alterou profundamente a cláusula respeitante a esta questão, conforme se poderá constatar pela leitura e análise do n.º3 da cláusula 3.ª daquele dispositivo legal! UU. Naquela cláusula, o Réu previu, de maneira substancialmente diferente, que “Qualquer das partes pode denunciar o presente AE mediante comunicação escrita dirigida à outra parte, acompanhada de proposta negocial global, não se considerando denúncia a mera proposta de revisão da convenção.” VV. Aliás, ainda em 2021 o Réu considerava que “…não se considerando denúncia a mera proposta de revisão da convenção.”. WW. E nos factos provados nos presentes autos apenas resulta, nomeadamente no o seu ponto 10, que “Em 21 de Setembro de 2011 a ré denunciou o supra referido Acordo de Empresa de 2003 e após o processo negocial…”, sem qualquer revisão do mesmo. XX. Não pode, por isso, interpretar-se a referida cláusula 3.ª conforme o fez o Tribunal a quo. YY. E, só por isso, deve a presente decisão e Acórdão do Tribunal a quo ser revogada, confirmando-se a decisão do Juízo do Trabalho de … a este respeito, devendo ao Réu ser condenado nos pedidos efetuados pela Recorrente e revogados posteriormente pelo Tribunal da Relação de Lisboa. ZZ. Mas ainda que assim não fosse entendido, o que não se admite, considerando-se como acertada e válida a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo sobre o alcance da referida cláusula 3.ª, n.º 9, do AE de 2003, AAA. Sempre teria a Recorrente direito a que lhe fossem efetuadas as atualizações salariais no modo pedido na petição inicial, i.e., o Réu devia ter aplicado a percentagem de aumentos salariais previsto no sector bancário à relação laboral e retribuição base da Recorrente. BBB. E devia tê-lo feito de acordo com o acordado com a Recorrente no seu contrato individual de trabalho. CCC. Em 25 de Maio de 1998, Réu e Recorrente celebraram um aditamento ao contrato de trabalho, tendo ali ficado acordado entre as partes que seria aplicado transitoriamente à Recorrente o disposto na Cláusula 19.ª do ACTV do Sector Bancário (relativa a promoções na carreira), vigente naquela data, que cessaria com a aprovação pela Réu das Normas Reguladoras de Prestação de Trabalho para a área administrativa e/ou com a publicação de um acordo de empresa que fosse potencialmente aplicável (cfr. Doc. 4 e 5 juntos com a p.i.). DDD. Para além disso, também no aditamento ao contrato de trabalho de 25 de Maio de 1998 supra referido, as partes acordaram em “durante a vigência do disposto na cláusula 1ª e 2ª desta alteração ao Contrato Individual de Trabalho, aplicará ao 2º Outorgante a sua tabela salarial em vigor para os trabalhadores a quem se aplica o ACTV do Sector Bancário.”, conforme previsto na cláusula 3.ª do aditamento. EEE. Perante as cláusulas acordadas no aditamento supra referido, as atualizações salariais da Recorrente ficariam indexadas àquelas que fossem ocorrendo no ACTV do sector bancário. FFF. Ora, caso se entenda que a tese do Réu da não aplicação do AE de 2003 à questão salarial vingasse, e assim decidida pelo acórdão do Tribunal a quo a que a agora se recorre, então sempre teria que ser novamente aplicadas as cláusulas do contrato individual de trabalho e seus aditamentos, acordado entre Réu e Recorrente. GGG. Aliás, era esse o pedido principal dos presentes autos, o qual foi decidido no Juízo do Trabalho de … favoravelmente à Recorrente, não tendo o mesmo sido alvo de recurso por parte do Réu. HHH. Aliás, o Réu conformasse de tal forma com essa sentença, que de imediato restabeleceu todos os direitos e condições individualmente acordadas no contrato de trabalho e aditamentos com a Recorrente, nomeadamente o acesso ao SAMS, subsídio escolar, pagamento do prémio de antiguidade pelos 25 anos de antiguidade, etc. III. Ora, se assim foi decidido pelo Juízo do Trabalho de … e aceite pelo Réu, não restaria outra alternativa ao Tribunal a quo se não decidir da mesma maneira, i.e., aplicar as condições individualmente contratadas entre empregador e trabalhadora. JJJ. Neste sentido já se pronunciou a jurisprudência no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-05-2023, Proc. n.º19347/21.6T8LSB.L1-4. KKK. Também isso mesmo foi recentemente decidido no Proc. n.º2998/23.1T8LSB, que correu termos no Juízo do Trabalho de … - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. LLL. Naquela sentença, que terá já transitado em julgado, o Tribunal entendeu que o Réu não podia ter deixado de fazer as atualizações salariais que eram efetuadas no sector bancário, por tal ter sido acordado entre as partes no contrato individual de trabalho. MMM. Foi exatamente a invocação de direito que consta na referida jurisprudência que a Recorrente defendeu na sua petição inicial. NNN. O Réu, com a caducidade do Acordo de Empresa de 2003, e com a decisão da empresa em deixar de aplicar as cláusulas ali previstas a todos os trabalhadores que não aderiram ao novo Acordo de Empresa de 2021, devia ter passado a cumprir com as disposições individualmente contratadas com a Recorrente no contrato individual de trabalho celebrado entre as partes em 1997. OOO. No entanto, de forma totalmente ilegal, não o fez, aplicando apenas as regras previstas no Código do Trabalho. PPP. Estando em incumprimento com a aplicação de todos os direitos da Recorrente previstos no que diz respeito às atualizações salariais peticionadas. QQQ. Com a caducidade de um instrumento regulamentação coletiva de trabalho, cessando a fonte convencional, “então as partes voltam a reger-se pelo contrato de trabalho, pela lei e demais fontes que em concreto sejam aplicáveis”, como bem ensina LUÍS GONÇALVES DA SILVA, e a doutrina de referência a este respeito. RRR. A Recorrente nunca renunciou às condições contratualmente acordadas com o Réu no seu contrato individual de trabalho, nem expressa, nem tacitamente. SSS. Pelo que deveria ser beneficiária dos direitos individualmente contratados com o Réu enquanto trabalhadora por conta de outrem, nomeadamente os peticionados relativamente às actualizações salariais, tal como decidido em Primeira Instância e revogados através da decisão do Tribunal a quo. TTT. Tendo, desta forma, a Recorrente direito à actulização da actualizar a retribuição e subsídio de alimentação da 2011 a 2019 e, em consequência, deve o Réu pagar-lhe as respectivas diferenças vencidas nesse período. UUU. Bem como tem a Recorrente direito ao pagamento de juros de mora à taxa legal sobre as quantias acima referidas desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento. VVV. Pelo que deveria o Tribunal da Relação de Lisboa declarado totalmente improcedente o recurso do Réu, o que, erradamente, não fez. WWW. Por conseguinte, não colhem os fundamentos do Tribunal recorrido, sendo obrigatória a conclusão de que o Tribunal a quo errou na apreciação que fez sobre esta matéria. XXX. Na verdade, face à errada aplicação do direito pelo Tribunal recorrido, as quais deverão ser sanadas por via do presente recurso, apenas se poderá concluir que a Recorrente tem direito a que o Supremo Tribunal de Justiça decida favoravelmente o alegado pela Recorrente no seu Recurso de Revista, assim se revogando a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. O Réu apresentou contra-alegações. Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, o Ministério Público emitiu Parecer, no sentido da improcedência do recurso. A Autora respondeu ao Parecer. Fundamentação De Facto Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos: 1 – Em 17 de Março de 1997, Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, atual réu, e autora, subscreveram o “contrato de trabalho a termo certo”, junto a fls. 17 e verso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 2 – A autora foi contratada para desempenhar “funções administrativas”, pelo prazo de seis meses. 3 – Em 16 de Setembro de 1997, o réu comunicou à autora que a mesma passava “a fazer parte do Quadro de Pessoal Efectivo, desta Instituição”. 4 – E nesta sequência, em 17 de Setembro de 1997, réu e autora subscreveram um aditamento ao contrato de trabalho, apesar de o designarem por “contrato individual de trabalho”, junto a fls. 18 verso a 20, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte: “(…). 6ª 1. O 1º outorgante garantirá ao 2º outorgante: a) Quando reformado por limite de idade ou por invalidez, o 2º outorgante terá direito a um complemento de reforma que será calculado de acordo com critérios internos a definir pelo 1º outorgante e tendo em atenção o tempo de serviço prestado no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. b) Nas situações previstas na alínea anterior, o 2º outorgante terá direito a receber subsídio de Natal e um 14.º mês de montante igual ao do respetivo vencimento. 2. Por morte do 2.º outorgante, o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas concederá: a) um complemento à pensão mensal de sobrevivência, a conceder pelo Centro Nacional de Pensões, de acordo com os intentos a definir pelo 1º outorgante. b) Um subsídio de Natal e um 14º mês, do mesmo montante fixado na alínea anterior, a pagar no mês de Novembro e Abril, respectivamente. c) Os beneficiários da pensão e subsídios previstos nas alíneas anteriores, são constantes da lei aplicável. 3. O 2º outorgante terá direito aos benefícios dos S.A.M.S., mediante o pagamento de contribuições previstas no respectivo regulamento. 4. O 2º outorgante tem direito a um subsídio mensal infantil, por cada filho, no valor de 3.550$00, que é devido desde os 3 meses de idade até Setembro do ano em que a criança perfizer 6 anos. 5. O 2º outorgante receberá, trimestralmente, por cada filho com direito a abono de família e que frequente o ensino oficial ou oficializado, um subsídio de estudo dos seguintes montantes: a) 1º ao 4º ano de escolaridade …………………………3.960$00 b) 5º ao 6º ano de escolaridade ………………………. 5.600$00 c) 7º ao 9º ano de escolaridade ……………………… 7.000$00 d) 10º ao 12º ano de escolaridade ………………. 8.740$00 e) Superior ao 12º ano ou ensino superior…..9.700$00 6. Quando o 2º outorgante completar 15, 25 e 35 anos de bom e efetivo serviço, terá direito, nesse ano, a um prémio de antiguidade de valor igual, respetivamente, a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efetiva, nos termos da regulamentação interna vigente. 7. a) A retribuição mensal e os subsídios previstos neste contrato serão periodicamente revistos. b) A atribuição dos subsídios previstos nos nºs 4 e 5, bem como do prémio referido no nº 6, é regulamentada por normas internas estabelecidas pelo 1º outorgante. (…).” 5 – Em 25 de Maio de 1998, réu e autora subscreveram o escrito que designaram, por “Alteração ao Contrato Individual de Trabalho”, junto a fls. 20 verso e 21 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte: “CLÁUSULA 1.ª O 1º Outorgante aplicará transitoriamente ao 2º Outorgante o disposto na cláusula 19ª do ACTV do Sector Bancário, na redação vigente à presente data. CLÁUSULA 2ª A aplicação transitória ao 2º Outorgante do disposto na cláusula 19ª do ACTV do Sector Bancário, na redação vigente à presente data, cessará com a aprovação pelo 1º Outorgante das Normas Reguladoras de Prestação de Trabalho para a área administrativa e/ou com a publicação de um Acordo de Empresa que seja potencialmente aplicável. CLÁUSULA 3ª O 1º Outorgante, durante a vigência do disposto na cláusula 1ª e 2ª desta alteração ao Contrato Individual de Trabalho, aplicará ao 2º Outorgante a sua tabela salarial em vigor para os trabalhadores a quem se aplica o ACTV do Sector Bancário. CLÁUSULA 4ª Com a aprovação das Normas Reguladoras de Prestação de Trabalho para a área administrativa e com a publicação de um Acordo de empresa potencialmente aplicável, o 1º Outorgante compromete-se a atribuir ao 2º Outorgante o mesmo vencimento mensal base que vinha auferindo. CLÁUSULA 5ª Esta alteração ao Contrato Individual de Trabalho produz efeitos ao dia 1 de Novembro de 1997, cessando a sua eficácia nos termos previstos na cláusula 2ª desta alteração contratual.” 6 – Em 22 de Maio de 2003, foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, o Acordo de Empresa outorgado entre o réu Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas (denominação dessa época) e a FETESE – Federação de Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado no BTE n.º 19, de 22 de Maio de 2003. 7 – A autora subscreveu o Acordo de Empresa, o que o fez em Agosto de 2003, através do escrito junto a fls. 78 verso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, com o seguinte teor: “AA, com a categoria de ..., ao serviço do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, declara para todos os efeitos, que adere a todas as condições de trabalho fixadas no Acordo de Empresa outorgado entre o SBSI e a FETESE, passando as relações de trabalho entre as partes a ser regidas pelas cláusulas daquele Acordo de Empresa.” 8 - Quando a autora completou 15 anos de antiguidade, em Março de 2012, a ré efetuou o pagamento correspondente ao prémio de antiguidade de valor igual a uma retribuição mensal efetiva. 9 – A autora teve sempre direito aos benefícios do SAMS. 10 – Em 21 de Setembro de 2011, a ré denunciou o supra referido Acordo de Empresa de 2003 e após o processo negocial, o acordo de empresa cessou a sua vigência, por caducidade, no dia 28 de Abril de 2019. 11 – A partir do início de 2020 e, em particular, do momento da publicação do aviso – 22 de Junho de 2020 – a autora e a generalidade dos trabalhadores da ré começaram a receber diversas comunicações internas da empregadora acerca dessa nova realidade. 12 – Por escrito de 11 de Março de 2020, junto a fls. 24, sob o assunto “Caducidade de acordos de Empresa”, a autora comunicou ao réu, que, “…se a comunicação enviada no passado 21 de Fevereiro de 2020, via email, por vossas excelências, significa que pretendem retirar um só dos direitos de que sou titular, manifesto desde já a minha total oposição.” 13 – Em 20 de Janeiro de 2021, o réu celebrou um novo Acordo de Empresa, com a FETESE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, 8 de Março de 2021. 14 – Em 19 de Janeiro de 2021, o réu enviou uma comunicação aos trabalhadores, onde publicitava as “vantagens” em subscrever o novo Acordo de Empresa, em comparação com o regime previsto no Código do Trabalho e no Contrato Coletivo da Hospitalização Privada. 15 – Em 28 de Janeiro de 2021, o réu enviou novo comunicado a reforçar o seu entendimento de que o novo Acordo de Empresa era bastante vantajoso, anexando minutas de declarações de adesão ao mesmo, tendo no dia seguinte enviado novo e-mail com a divulgação do conteúdo do novo Acordo de Empresa. 16 – No dia 11 de Fevereiro de 2021, a ré voltou a enviar novo comunicado aos trabalhadores, onde referia os mecanismos para que o novo Acordo de Empresa fosse aplicado, mais referindo que a assistência em saúde no SAMS cessaria com a não adesão ao Acordo de Empresa ou caso não existisse sindicalização do Sindicato subscritor, com efeitos a 1 de Março de 2021. 17 – Em 26 de Fevereiro de 2021, o réu enviou uma última comunicação a informar que a aplicação do sistema de saúde do SAMS seria aplicável aos trabalhadores até 31 de Março de 2021. 18 – Em 17 de Março de 2021, o réu enviou o “Comunicado”, junto a fls. 31 verso e 32, cujo conteúdo se dá aqui, por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte: “Informamos todos os trabalhadores médicos que, na sequência da caducidade dos acordos de empresa aplicáveis aos médicos, respetivamente, o Acordo de Empresa do SIM, publicado no B.T.E. nº 25, de 8 de Julho de 2020, e o Acordo de Empresa do SMZS, publicado no B.T.E. nº 33, de 8 de Setembro de 2020, e decorrido o período de seis meses para negociação do novo acordo de empresa, o qual terminou sem se ter logrado obter acordo com os sindicatos representativos dos trabalhadores médicos, o direito à referida assistência médica do SAMS cessou. O MAIS Sindicato deliberou, contudo, na defesa dos interesses dos seus trabalhadores, por ato de gestão e a título de mera liberalidade, aplicar aos trabalhadores médicos, relativamente à assistência médica do SAMS, o regime que acordou com os sindicatos de outras classes profissionais. (…).” 19 – A autora, inconformada com a situação e, sentindo-se no direito de revindicar os direitos individualmente contratados com o réu no início da sua relação laboral, enviou ao réu, através do seu mandatário, por carta datada de 4 de Junho de 2021, junta a fls. 32 vs. a 34 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 20 – Por carta datada de 22 de Junho de 2021, o réu respondeu à autora, referindo, assinaladamente, que “…com a adesão individual ao acordo de empresa celebrado com a FETESE, no ano de 2003, a S. constituinte declarou expressamente aceitar todas as condições do Acordo de Empresa e, bem assim, que as relações de trabalho passariam a ser reguladas por aquele acordo. E, no referido A.E., é expressamente ressalvado que a sua adesão se opera com renúncia das condições de trabalho então vigentes. Assim, após ter ocorrido a caducidade do A.E. de 2003, conforme publicação no Boletim do Trabalho e Emprego nº 23, de 22.06.2020, com os efeitos previstos no art. 501º do Código do Trabalho e, não tendo a S. constituinte optado pela adesão ao novo A.E. publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego nº 9, de 08.03.2021, passou a aplicar-se-lhe o regime geral previsto no Código do Trabalho. Nestes termos, a aplicação do regime do Código do Trabalho à relação laboral da S. constituinte, mostra-se em conformidade com a Lei. (…).” 21 – A autora enviou nova comunicação ao réu, através do seu mandatário, por carta datada de 9 de Julho de 2021, junta a fls. 36 e verso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte: “(…). Acuso a recepção da v/carta datada de 22 de Junho de 2021, em resposta à por mim enviada em 04 de junho de 2021. Analisado o teor da mesma, e também na sequência do que já tinha sido referido na comunicação que vos foi feita, informamos que não corresponde à realidade dos factos que a m/constituinte tenha renunciado expressamente às condições de trabalho vigentes na data em que aderiu ao Acordo de Empresa de 2003. (…).” 22 – A esta carta a autora nunca obteve resposta do réu. O Tribunal da Relação considerou ainda assente o seguinte facto, que será indicado como facto 23: O R. não atualizou a retribuição base e o subsídio de alimentação da A. desde 2011 a 2021. De Direito Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que o objeto do presente recurso se reporta às alíneas e) e f) do pedido constante da petição inicial, porquanto foi apenas relativamente a estas que o Acórdão recorrido divergiu da sentença de primeira instância. Com efeito, o Tribunal da Relação decidiu “[j]ulgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar o ponto 3 da decisão recorrida e a condenação do R. no pagamento de juros de mora sobre as quantias referidas no indicado ponto 3” e “[a]bsolver o R. dos pedidos formulados sob e) e f) da petição inicial”. O ponto 3 da sentença referia o seguinte: 3 - Condenar o Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias – Mais Sindicato a atualizar a retribuição e subsídio de alimentação da autora desde 2011 a 2019 e, em consequência a pagar-lhe as respetivas diferenças vencidas nesse período. E, por seu turno, as alíneas e) e f) da petição inicial têm o seguinte teor: E) Deve a R. reconhecer e atribuir a correta retribuição e subsídio de refeição à A. e, pagar a título de retribuição base mensal o valor de €1.305,38 (mil, trezentos e cinco euros e trinta e oito cêntimos) e de subsídio de refeição diário no valor de €9,90 (nove euros e noventa cêntimos); F) Deve a R. pagar os créditos laborais devidos a diferenças de retribuição base mensal e subsídio de refeição diário no valor de € 6.466,42 (seis mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos), que não foram pagas no período de janeiro de 2011 a setembro de 2022, devendo ainda a R. ser condenada a pagar todas os créditos laborais que não forem pagos desta natureza subsequentes até trânsito em julgado na presente ação; A Recorrente remata o seu recurso, com o pedido de que seja “[r]evogada a decisão recorrida e a mesma substituída por outra, nomeadamente a decidida em Primeira Instância, que reconheça o correspondente direito da Recorrente às atualizações salariais a que tinha direito, com correspondente atribuição do correto valor da sua retribuição base e subsídio de refeição, bem como ao pagamento de todas as diferenças salariais e respetivos juros de mora peticionados” (sublinhado nosso), e afirma expressamente que “a Recorrente [tem] direito à atualização da retribuição e subsídio de alimentação da 2011 a 2019 e, em consequência, deve o Réu pagar-lhe as respetivas diferenças vencidas nesse período” (Conclusão TTT). Em abono da sua tese a Recorrente invoca dois argumentos que serão analisados pela ordem em que os apresenta: os efeitos que a convenção coletiva produz após a sua caducidade e a cláusula de atualização constante do seu próprio contrato de trabalho. A convenção coletiva em causa é o Acordo de Empresa outorgado entre o réu Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas (denominação dessa época) e a FETESE – Federação de Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, publicado no BTE n.º 19, de 22 de maio de 2003 (facto 6), o qual veio a caducar em 2019, mais precisamente a 28 de abril de 2019 (facto 10). O Acórdão recorrido julgou, todavia, que o artigo 501.º n.º 8 do CT não era aplicável, porquanto a tabela salarial já não estaria em vigor a partir de 2011, porquanto a Ré denunciou o Acordo de Empresa a 21 de setembro de 2011 (facto 10). Para chegar a esta conclusão o Acórdão recorrido interpretou a Cláusula 3.ª do Acordo de Empresa, a qual tinha o seguinte teor: « 1- O presente AE entra em vigor na data do Boletim do Trabalho e Emprego que o publicar. 2 -O período de vigência do mesmo AE é de 24 meses e o da tabela salarial é de 12 meses. Porém, quando qualquer das partes o entender, poderá, decorridos 10 meses após a data da entrega para depósito do referido acordo, proceder à respectiva denúncia e revisão. 3 - A tabela salarial pode ser denunciada e revista decorridos 10 meses após a data da sua entrega para depósito e por iniciativa de qualquer das partes. 4 - A proposta de revisão, devidamente fundamentada, revestirá a forma escrita, devendo a outra parte responder, também fundamentadamente e por escrito, nos 30 dias imediatos contados da data da sua recepção. 5 - As negociações iniciar-se-ão nos 15 dias seguintes à recepção da resposta à proposta, salvo se as partes acordarem prazo diferente. 6 - Com excepção do cálculo das remunerações de trabalho suplementar e das ajudas de custo, todas as cláusulas com expressão pecuniária terão sempre eficácia a partir de 1 de Janeiro de cada ano. 7 - Este acordo mantém-se, contudo, em vigor até ser substituído por outro. 8 -Da proposta e contraproposta serão enviadas cópias ao ministério competente. 9 - Se qualquer das partes não proceder à respectiva denúncia e revisão nos prazos estabelecidos e na forma prevista nesta cláusula, a tabela salarial e as cláusulas com expressão pecuniária serão actualizadas e revistas nos termos, medida, quantitativos e períodos de vigência igualmente aplicados no ACTV do sector bancário.» A este propósito o Tribunal da Relação afirmou o seguinte: “O nº 9 da cláusula em apreço oferece algumas dificuldades interpretativas, mas consideramos que o seu sentido é claro. Com efeito, resulta deste preceito que só serão aplicadas as sucessivas actualizações previstas no ACTV do sector bancário se, após o decurso do prazo de 10 meses, não ocorrer denúncia da tabela salarial acompanhada de proposta de revisão (e enquanto estas não forem apresentadas). Embora o preceito utilize a expressão “revisão” pretende reportar-se a “proposta de revisão”, conforme resulta do facto de a iniciativa caber a qualquer das partes e não estar dependente do acordo das mesmas. Esta asserção decorre também do preceito utilizar as expressões “na forma prevista nesta cláusula”. Não podemos sufragar este entendimento que viola as regras hermenêuticas de interpretação da convenção coletiva. Esta, pelo menos quanto à sua parte normativa, está sujeita às regras de interpretação da lei, sendo que a letra da norma representa o ponto de partida, mas também o limite da interpretação admissível, tanto mais que o intérprete não deve “fazer” a convenção substituindo-se às partes. Como refere o douto Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, em passagem que transcrevemos: “Ora, analisada a citada cláusula 3.ª, n.º 9, do AE, não concordamos, e com o devido respeito, com a interpretação levada a cabo pelo acórdão recorrido. Com efeito, afigura-se que tal entendimento não tem o mínimo suporte na letra daquele texto, uma vez que a expressão constante naquela disposição é «revisão» e não «proposta de revisão», sendo que a própria cláusula distingue as duas situações, conforme se constata dos n.ºs 2, 3 e 9 em contraposição com os n.ºs 4, 5 e 8. Conforme estipula o art. 9.º, n.ºs 1 e 2, do CC, a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha nessa letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Conforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem referido inúmeras vezes, «[a] letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma». Por outro lado, a interpretação a realizar, com recurso ao elemento sistemático, no âmbito da relação de conexão próxima, tem que ter em conta os restantes n.ºs daquela cláusula, particularmente o seu n.º 7. E, do mesmo consta expressamente que o AE mantém-se em vigor até ser substituído por outro. Se assim é, a interpretação do n.º 9 realizado pelo acórdão recorrido parece completamente contraditória com essa disposição, já que com a mera denúncia com a proposta de revisão, e não com a própria revisão, seria possível a inaplicabilidade das sucessivas atualizações previstas no ACTV do sector bancário, ou seja, a própria inaplicabilidade do AE em matéria de atualização salarial. Daí que, e desde logo, se afigura que a recorrente tem direito ao valor das prestações reclamadas, no período compreendido entre 2011 e 2019, bem como aos respetivos juros de mora, decorrente do disposto no n.º 9 da cláusula 3.ª do AE.” Com efeito, a revisão não se confunde, de todo, com a proposta de revisão. Aliás se bastasse a denúncia acompanhada da proposta de revisão para fazer “cair” a tabela salarial, não só esta dependeria da vontade exclusiva de um dos contraentes, como estaria encontrado o mecanismo unilateral para eliminar a pós-eficácia da convenção coletiva em matéria de retribuição, quando só o acordo das partes da convenção é que o pode excluir – bastaria denunciar a convenção e não acordar em qualquer revisão da mesma ou, na parte que agora importa, da tabela salarial. De qualquer modo, reitera-se não é isso o que figura na letra da convenção. Assim, e como não consta dos factos que a tabela salarial tenha sido alguma vez revista, há que concluir que a tabela salarial se manteve em vigor até à data da caducidade da convenção coletiva. Destarte são devidos à Autora as diferenças salariais correspondentes à retribuição e subsídios de refeição de 2011 a 2019, data em que operou a referida caducidade do acordo de empresa. A partir de 2019 há que aplicar o artigo 501.º n.º 8 do Código do Trabalho, tanto mais que a trabalhadora não aderiu ao novo Acordo de Empresa e não é abrangida pelo âmbito subjetivo do mesmo (pelo menos, não há prova nesse sentido, nos presentes autos). Ainda que o segundo argumento – a cláusula de atualização constante do contrato individual de trabalho – possa parecer prejudicado, importa destacar que tal cláusula se mantém em vigor e não é afetada nem pela adesão ao Acordo de Empresa de 2003, nem, tão-pouco, pelo aditamento ao contrato individual de trabalho. É certo que o Código do Trabalho de 2003 permitia, no seu artigo 531.º (“As disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se daquelas disposições não resultar o contrário”) que as convenções coletivas se opusessem a que o contrato individual de trabalho se afastasse em sentido mais favorável – ao contrário do atual Código do trabalho de 2009 (veja-se a redação do artigo 476.º, idêntica à do antigo artigo 531.º, mas com a supressão do inciso final “e se daquelas disposições não resultar o contrário”) – contudo tal não resulta do referido Acordo de Empresa. Este previa, outrossim, que a adesão fosse acompanhada de duma declaração de renúncia a outros “normativos” – Cláusula 2.ª, n.º 3: “Os trabalhadores que pretendam aderir ao presente AE, ao abrigo dos números anteriores, entregarão ao SBSI documento de adesão donde conste também expressamente a renúncia aos anteriores normativos que se lhe aplicavam” –, mas tal expressão não abrange o contrato individual que não contendo normas de direito, não constitui um normativo. Mais uma vez a letra da cláusula da convenção é decisiva e torna desnecessário indagar se a trabalhadora não deveria ter sido informada no ato de adesão da consequência que o empregador pretende retirar da adesão, a saber, a renúncia a cláusulas constantes do contrato de trabalho individual mais favoráveis. E o aditamento ao contrato não pretendeu eliminar a cláusula de atualização salarial, mas concretizar o seu funcionamento num período de tempo limitado. Decisão: Concedida a revista, repristinando-se a sentença de 1.ª instância. Custas pelo Recorrido. Lisboa, 6 de novembro de 2024
Júlio Gomes (Relator) José Eduardo Sapateiro Mário Belo Morgado |