Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12766/17.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
USOS LABORAIS
REDUÇÃO REMUNERATÓRIA
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CLÁUSULAS ACESSÓRIAS / TERMO RESOLUTIVO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS ATRIBUIÇÕES PATRIMONIAIS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª Edição, p. 111;
- Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 2016, 10.ª Edição, p. 638;
- Júlio Gomes, Dos Usos da Empresa em Direito do Trabalho, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLIX (XXII da 2ª série), 2008, n.ºs 1-4, p. 111;
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2015, 7.ª Edição, p. 584;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 129.º, N.º 1, ALÍNEA D) 258.º, N.º 3 E 260.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 2.
CT/2003: - ARTIGO 1.º.
LEI DO CONTRATO DE TRABALHO (LCT): - ARTIGO 12.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 05-04-1989, IN BMJ 386, P. 446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º, P. 382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III, P. 156;
- DE 18-06-1996, IN CJ, 1996, II, P. 143;
- DE 17-11-2016, PROCESSO N.º 1032/15.0T8BRG.G1.S1;
- DE 09-03-2017, PROCESSO N.º 401/15.0T8BRG.G1.S1.
Sumário :

I - O subsídio de refeição tem natureza de benefício social e destina-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efetivo, tomada fora da residência habitual.

II - Sendo o subsídio de refeição devido, nos termos legais, apenas nos dias de trabalho efetivo, o seu pagamento nas férias, período em que os trabalhadores não prestam trabalho nem estão, em regra, na disponibilidade de o prestar, excede o respetivo montante normal.

III - O pagamento do subsídio de refeição, nas férias, durante cerca de 40 anos, constituiu uma prática constante, uniforme e pacífica sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, assumindo a natureza dum uso relevante à luz dos artigos 12º, nº 1 da LCT, 1º do CT/2003 e do CT/2009, coberto pela imperatividade da norma do art. 129º, nº 1, al. d) do Código do Trabalho/2009, “ex vi” do art. 260º, nº 1, al. a) e nº 2 do mesmo diploma.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

O SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO AA (STEC) intentou a presente ação declarativa comum contra a AA, SA., pedindo que seja condenada:

a) a reconhecer que o subsídio pago com a retribuição de férias é parte integrante da retribuição, nos termos do art. 258º e 260º nº 1 al. a) parte final, do Código de Trabalho;

b) a pagar aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio que se venceu, a partir de maio de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento;

c) a pagar a cada um dos seus trabalhadores associados no Sindicato ora A., representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio com a retribuição de férias desde o início do ano de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento alegou que grande parte dos trabalhadores da R. se encontram filiados no A. e que, desde 1977, o subsídio de refeição atribuído aos trabalhadores da R. é pago mensalmente num montante fixo, 12 vezes por ano à razão de 21 dias, excetuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivo de baixa médica ou de faltas. Tais valores fazem parte da retribuição, pois pese embora o acordo de empresa sempre referir que o pagamento apenas era devido por cada dia de trabalho efetivo, sempre os usos da empresa, há mais de 40 anos, foram no sentido de proceder a tal pagamento independentemente das férias, em que não existe trabalho efetivo, e como se de uma retribuição se tratasse. No dia 18 de abril de 2017 a Administração da R., emitiu um comunicado para a “caixa pessoal” de todos os trabalhadores do perímetro doméstico, informando-os que o subsídio de refeição pago 12 meses por ano deixaria de o ser, passando a ser retribuído nos termos da cláusula 62.ª do AE, por cada dia de trabalho efetivamente prestado. Em abril de 2017 foram descontados aos trabalhadores, no seu vencimento, os valores de subsídio de refeição relativos a férias gozadas a partir de janeiro de 2017 e que estes atos lesam os direitos e garantias dos trabalhadores e os seus interesses coletivos que cabe ao A. promover e defender.

Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual sustentou a sua absolvição do pedido e alegou, no essencial, que o pagamento era efetuado nas férias dos funcionários na medida em que o registo destas era feito manualmente, em suporte de papel e tal conduzia a uma dificuldade de processamento salarial numa empresa com a dispersão geográfica e dimensão da Caixa. Só desde 2000 que o sistema informático descentralizado permite efetuar tal registo, mas manteve o pagamento em causa por mera liberalidade, que teve o seu fim na medida em que existiu necessidade de redução de custos face à difícil situação económica e financeira que atravessa. A prática que existiu teve uma razão de ser, não integra um uso, nem o pagamento a retribuição. E mesmo que constituísse um uso este não poderia prevalecer sobre as disposições convencionais aplicáveis nos termos do artigo 3º, nº 2 do Código Civil, sendo que nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis o subsídio de refeição nunca teve natureza retributiva.

Saneado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido.

Inconformado, o A. apelou, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«5. Decisão

Em face do exposto:

5.1. julga-se procedente a arguida nulidade da sentença;

5.2. nega-se provimento à ampliação do âmbito do recurso deduzida pela R. ora recorrida;

5.3. concede-se provimento ao recurso do A., revogando a decisão final constante da sentença da 1.ª instância e condenando-se a R. AA, SA:

a) a reconhecer que o subsídio pago aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, com a retribuição de férias, é parte integrante da retribuição;

b) a pagar aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio que se venceu, a partir de Maio de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento;

c) a pagar a cada um dos seus trabalhadores associados no Sindicato ora A., representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio com a retribuição de férias desde o início do ano de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento. 

Custas pela R.»

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição dos pedidos.

Juntou parecer jurídico.

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Recebidos os autos e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.

Notificadas as partes, apenas a recorrente respondeu mantendo o que alegara em sede de recurso.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

1.    O douto Acórdão recorrido fundamentou a decisão nele contida, essencialmente, em dois pontos. O primeiro, o da natureza retributiva da prestação em análise por via da presunção prevista no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho, que alegadamente não foi ilidida pela Recorrente, o que determina a sua irredutibilidade. O segundo, o reconhecimento da existência de um uso laboral relevante que vincula a Recorrente por ser mais favorável aos trabalhadores do que o regime que decorre da regulamentação colectiva aplicável.

2.     A utilidade da distinção que vem sendo doutrinalmente aprofundada entre a noção de remuneração em sentido amplo e de remuneração em sentido estrito revela-se especialmente pertinente como via de concluir se a uma determinada prestação deve associar-se o regime de salvaguarda da retribuição que se consubstancia, primordialmente, no princípio da irredutibilidade da retribuição, contido no artigo 129.º, n.º 1 alínea d) do Código do Trabalho e no regime da protecção especial dos créditos laborais, contido no artigo 333.º e seguintes do Código do Trabalho.

3.      Como elementos característicos do conceito de retribuição, de acordo com o disposto no artigo 258.º do Código do Trabalho, alinham-se os seguintes: i) trata-se de um direito do trabalhador; ii) que decorre do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos; iii) como contrapartida do trabalho prestado ou da disponibilidade para a prestação de trabalho; iv) paga de forma regular e periódica; v) com carácter patrimonial.

4.      Desta enunciação resulta que apenas nos casos em que se encontrem reunidos todos estes elementos se pode considerar determinada prestação como remuneração em sentido estrito ou retribuição. Tais elementos são necessariamente cumulativos, pelo que a falta de algum ou alguns deles permite descaracterizar a prestação como retributiva e incluí-la no perímetro mais alargado dos complementos remuneratórios.

5.     A ilisão da presunção prevista no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho não se restringe à demonstração da configuração da prestação como uma mera liberalidade, antes ocorre ipso facto quando, como é o caso, não se encontram preenchidos todos os requisitos para que a prestação possa ser qualificada como retribuição.

6.      A operacionalização da presunção contida no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho debate-se, nestes autos, com incontornáveis dificuldades.

7.     A qualificação de uma determinada prestação como retribuição mediante o recurso à verificação apenas dos elementos da regularidade e periodicidade pode conduzir a resultados excessivos, que apenas podem ser corrigidos mediante a ponderação e avaliação da presença dos restantes elementos essenciais do conceito de retribuição, designadamente e em especial o de se tratar da contrapartida pelo trabalho prestado ou pela disponibilidade para a prestação de trabalho.

8.     Nesse sentido se pronunciou já esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça nos doutos Acórdãos de 3/11/2016 e de 30/03/2017, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, onde se sublinha: "face ao cariz sinalagmático do contrato de trabalho, a regularidade e periodicidade não constitui o único critério a considerar, sendo ainda necessário que a atribuição patrimonial constitua uma contrapartida do trabalho e não se destine a compensar o trabalhador por quaisquer outros factores."

9.      A prestação em análise nos presentes autos foi subsumida no conceito de retribuição mediante a conclusão de que se verificam os elementos da regularidade e periodicidade e de que não foi ilidida a presunção contida no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho, sem que fosse dada a devida relevância à sua relação com o trabalho prestado ou com a disponibilidade para a prestação de trabalho, que era, precisamente, nenhuma.

10.   Ora, como se reconhece no douto Acórdão recorrido, o subsídio de refeição pago nas férias não constituía qualquer contrapartida da prestação do trabalho pelo trabalhador ou da disponibilidade para a prestação de trabalho - pois era pago, precisamente, nas férias, em que não é prestado trabalho nem há disponibilidade para a sua prestação -, pelo que é claro que sempre faltaria este elemento essencial da noção legal de retribuição (que, repete-se, exige a verificação cumulativa de todos os elementos), ficando desta forma necessariamente ilidida a presunção contida no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho.

11.   No caso dos autos o douto Acórdão recorrido sustenta-se na verificação dos elementos da regularidade e periodicidade, a que acresce o facto de se tratar de um uso laboral, mas do mesmo passo que reconhece expressamente - como já fora reconhecido em primeira instância - que não se verifica o elemento da contrapartida pelo trabalho prestado ou pela disponibilidade para a prestação de trabalho e ignora o facto de não se tratar de um direito dos trabalhadores.

12.   Contrariamente ao que foi decidido no douto Acórdão recorrido, a natureza retributiva da prestação em causa nos presentes autos pode e deve, pois, ser descaracterizada pela ausência de qualquer um dos elementos essenciais do conceito de retribuição, como o da relação com o trabalho prestado ou a disponibilidade para a sua prestação; concomitantemente, a presunção constante do artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho é necessariamente e, dir-se-ia, automaticamente, ilidida pela prova da ausência de qualquer um destes elementos.

13.   Falta também à prestação em análise nos presentes autos uma outra característica essencial à qualificação como retribuição, qual seja o direito do trabalhador ao seu recebimento, que corresponderia ao dever da Recorrente ao seu pagamento, por não resultar do contrato de trabalho nem de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que vincule a Recorrente, conforme é aliás expressamente reconhecido no douto Acórdão recorrido.

14.  Por não integrar a retribuição dos trabalhadores da Recorrente a prestação objecto dos presentes autos não está sujeita ao princípio da irredutibilidade previsto no artigo 129.º, n.º 1 alínea d) do Código do Trabalho, podendo ser retirada nomeadamente quando, como notoriamente foi o caso nos presentes autos, tal medida se impõe à entidade patronal confrontada com a necessidade, rectius, a obrigação, de reduzir custos no âmbito de um processo de recapitalização pelo Estado, o seu accionista, que neste sentido se comprometeu perante as instituições comunitárias que superintendem a aplicação das regras imperativas em matéria de concorrência e auxílios de Estado no âmbito do direito da União Europeia.

15.   Acresce que contrariamente ao que parece ter-se considerado no douto Acórdão recorrido, não é por o tempo e o modo de atribuição da prestação em análise ter dado origem a um uso laboral que a mesma se transformou em prestação com carácter retributivo, quer porque lhe continua em qualquer hipótese a faltar a característica da contrapartida do trabalho prestado ou da disponibilidade para a prestação de trabalho, quer porque nada aponta no sentido de uma evolução naquele sentido.

16.   É que os usos laborais têm como função essencial (e residual, na perspectiva das fontes de direito) integrar o conteúdo do contrato de trabalho nos pontos em que ele é omisso. E no caso concreto não há qualquer caso omisso, porque a regulamentação colectiva integra a lacuna identificável no contrato de trabalho, ao dispor expressamente que o subsídio de refeição apenas é devido relativamente aos dias de trabalho efectivo.

17.   Por outro lado, os trabalhadores a quem tal prestação era paga não poderiam ignorar que esse pagamento não resultava de qualquer norma legal, de instrumento de regulamentação colectiva, de regulamentação interna ou de contrato individual de trabalho e que, como tal, não poderia resultar senão de uma mera liberalidade, não podendo as expectativas geradas pelo uso ser razoavelmente fundadas noutra causa que não a da liberalidade referida.

18.   E não podiam os mesmos trabalhadores ignorar que nas sucessivas versões da regulamentação colectiva de trabalho em cuja negociação participaram activamente - mediante os seus representantes - o direito ao subsídio de refeição foi sempre expressa (e expressivamente) limitado aos dias de trabalho efectivo.

19.   Não podiam por fim os trabalhadores da Recorrente ignorar que o tratamento fiscal e parafiscal concedido pela Recorrente à prestação em causa era em tudo equivalente ao tratamento conferido à prestação atribuída relativamente aos dias de trabalho efectivo: se sabem (porque não podiam ignorar) que esta não constitui retribuição, que expectativa legítima poderiam ter que aquela constituía?

20.   E ainda que fosse possível atribuir ao uso laboral outra função que não a de integração de lacunas, irrelevante nos casos em que, como nos presentes autos, não existe qualquer lacuna por a matéria se encontrar regulada em instrumento de regulamentação colectiva, ainda assim o uso em análise teria que ceder perante a "norma corporativa" traduzida na regulamentação colectiva aqui relevante, por aplicação do disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Código Civil, da qual

21.   Decorre que o subsídio de refeição apenas é devido por referência aos dias de trabalho efectivo ou de disponibilidade para o trabalho e já não por referência aos dias de férias.

22.   A prática seguida pela Recorrente, constituindo uma efectiva liberalidade, tornou-se impraticável no contexto de dificuldade económica e financeira que atravessava e aliás ainda atravessa - que é facto público e notório -, o que justificou a sua cessação, também por operacionalmente não se levantarem os obstáculos com que, no passado, a Recorrente se deparava.

23.   Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido, designadamente, o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Código Civil e nos artigos 1.º, 129.º, n.º 1, alínea d), 258.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código do Trabalho.

O recorrido formulou as seguintes conclusões:

“I. O recorrido Iouva-se no douto Acórdão ora recorrido porque considera que, para além de uma avaliação muito lúcida e ponderada da matéria de facto fez uma correta aplicação do direito, ao considerar que se trataria de uma prestação retributiva, que beneficiaria do princípio da irredutibilidade salarial, constante do artigo 129.º, n.º 1 d) do Código do Trabalho.

II. O que aqui está em causa é o pagamento de uma prestação nos dias de férias, ao longo de 40 anos e que faz parte integrante da retribuição.

III. Esta atribuição retributiva não tem a natureza de subsídio de refeição, mas sim de retribuição, dado que nas férias o trabalhador não presta trabalho e nessa medida não serve para compensar qualquer despesa que os trabalhadores tenham com alimentação nem tão pouco há uma causa específica para a sua atribuição.

IV. Ao trabalhador cabe somente provar a perceção das prestações pecuniárias, não tendo de provar que as mesmas são contrapartida do seu trabalho, antes cabendo à recorrente ilidir a presunção do artigo 258.º, n.º 3 do CT, que presume que toda e qualquer prestação realizada pelo empregador em benefício do trabalhador constitui retribuição.

V. O Acórdão ora impugnado fundamentou de forma clara e inequívoca e por isso não merece qualquer reprovação, ao considerar que a recorrente não logrou ilidir a referida presunção, e da leitura conjugada dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 258.º do CT, a prestação paga nas férias ao longo de 40 anos faz parte da retribuição dos trabalhadores da recorrente.

VI. A recorrente pretendeu fazer crer que a prestação paga constituiu uma mera liberalidade e por isso não sendo obrigatória, poderia ter sido retirada. Mais uma vez o douto Acórdão intuiu, com exemplar clarividência, a verdadeira natureza da prestação em causa ao dizer que: "o empregador não podia desconhecer, quer que pagava aquele valor (não despiciendo) com a retribuição de férias, quer que, nem a lei, nem o AE lhe impunham que procedesse ao pagamento de subsídio de refeição no referido período, quer que em tal período inexistiam despesas do trabalhador a compensar a este título, quer que, por isso mesmo, os valores pagos nada tinham a ver com a função de um subsídio de refeição, e, ainda assim, persistiu no seu pagamento desde 1977 ao longo de cerca de 40 anos, sem praticar qualquer acto susceptível de tornar os trabalhadores cientes, designadamente a partir de 2000, de que o fazia como uma mera liberalidade, é de presumir que as inerentes prestações constituem retribuição".

VII. O pagamento do "subsídio" ao longo de 40 anos tornou-se uma prática obrigatória e, por isso não pode ser afastada pelas partes. Pois, não só criou expetativas juridicamente relevantes que não podem ser frustradas, como se incorporaram na relação contratual e por isso são parte integrante da retribuição.

VIII. O Acórdão recorrido andou bem ao concluir que o pagamento desta prestação retributiva nas férias há 40 anos, num montante fixo, em 12 meses correspondente a 21 dias, constitui um uso laboral vinculativo e relevante.

IX. É através desta prática reiterada, constante, pacífica e universal que surge o direito do trabalhador a esta prestação e o dever do empregador a cumpri-la. E como tão bem refere o Acórdão tal funda-se na tutela da confiança e das expetativas das partes que não podem ser frustradas, bem como o dever geral de boa fé que deve presidir nas relações contratuais, de acordo com o estipulado no artigo 126.º do CT.

X. O recorrente não poderá olvidar-se que a prestação paga nas férias ao longo de 40 anos cumpre os pressupostos do artigo 258.º, n.º 1, designadamente a sua regularidade e periodicidade e que decorre de um direito dos trabalhadores adquirido através de um uso laboral vinculativo e relevante, e que cabia ao recorrente ilidir a presunção (iuris tantum) que recaía sobre si, mas não logrou afastá-la.

XI. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa decidiu de forma correta ao considerar assente a natureza retributiva da atribuição patrimonial em causa, quer por virtude da operatividade da presunção prevista no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho, quer por força da existência de um uso laboral relevante.

XII.   Aplica-se a esta prestação o regime das garantias associado à retribuição que se consubstancia na proibição da irredutibilidade salarial, decorrente do artigo 129.º, n.º 1 a) do CT. O que significa que a recorrente não poderia retirar a referida prestação realizada nas férias e ao fazê-lo violou o princípio da irredutibilidade salarial.

XIII. Ao decidir como decidiu o Tribunal "ad quem" fez uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação declarativa comum instaurada em 30.05.2017.

O acórdão recorrido foi proferido em 21.03.2018.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão atual.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO:

Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se impende sobre a recorrente a obrigação do pagamento do valor do subsídio de refeição correspondente a 21 dias com a retribuição das férias aos seus trabalhadores com contrato individual de trabalho.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

a) Os trabalhadores da R. estão sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho, exceto os que se encontravam ao serviço da R. à data em entrada em vigor do DL 287/93 e que não optaram por tal regime;

b) Tendo a R. trabalhadores com o regime de contrato administrativo de provimento e de contrato individual de trabalho;

c) Desde 1977 que a R. procede ao pagamento aos seus trabalhadores do subsídio de refeição, num montante fixo mensal, pago doze vezes por ano, e à razão de 21 dias, exceptuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivos de baixa médica ou de faltas;

d) No dia 18 de Abril de 2017 a administração da R. emitiu um comunicado, via internet, para a “caixa pessoal” de todos os trabalhadores do perímetro doméstico, informando-os que o subsídio de refeição pago 12 meses por ano deixaria de o ser, passando a ser retribuído nos termos da cláusula 62ª do AE, ou seja, “pago por cada dia de trabalho efectivo”;

e) Mais referiu que “a partir do processamento do vencimento do mês de Abril, os valores correspondentes ao subsídio de refeição recebidos nos dias de férias gozados desde o início de 2017, serão deduzidos mensalmente e em partes iguais, até ao final do ano em curso, por forma a mitigar o impacto do ajustamento destes meses. A partir de maio, já se processará o subsídio de refeição nos termos acima indicados, deixando de ser processados os subsídios de refeição respeitantes às férias gozadas em cada mês. Esta alteração será aplicada a todos os colaboradores do Grupo AA (perímetro doméstico).”

f) No vencimento do mês de Abril de 2017 foram já descontados os valores do vencimento dos trabalhadores que gozaram férias a partir de Janeiro de 2017;

g) O referido subsídio cifra-se em € 233,10 mensais;

h) Foram feitos em Abril os acertos relativamente aos dias efetivos de trabalho de cada mês, ou seja, como entre Janeiro e Março foram pagos 21 dias, foi efetuado o acerto face aos dias úteis de cada um desses meses;

i) No mês de Abril foi pago o subsídio de refeição em função dos dias úteis desse mês;

j) No mês de Abril foi deduzido o subsídio de refeição relativamente aos dias de férias gozados entre Janeiro e Abril, independentemente de respeitarem a férias vencidas em 01/01/2017 ou de anos anteriores;

k) O acerto da reposição do subsídio de refeição quanto aos dias de férias gozados entre Janeiro e Abril está a ser processado em 9 prestações mensais, ou seja entre Abril e Dezembro de 2017;

l) A partir de Maio são pagos os dias efetivos de trabalho (descontando férias e outras ausências);

m) O pagamento do subsídio de refeição pela Ré, nos termos em que vinham sendo feitos, decorreu das dificuldades de processamento salarial, numa Empresa com a dimensão e dispersão geográfica da Caixa, face à tecnologia então disponível;

n) O registo das ausências por férias, com base em suporte de papel e registo manual e a impossibilidade de desenvolver sistemas de processamento automático, conduziram a que fosse mantido o sistema de pagamento de subsídio de refeição numa base mensal fixa;

o) Só a partir de 2000 com a entrada em produção de uma aplicação de registo descentralizado de ausências no novo sistema informático – Meta 4 –, é que o processo foi desmaterializado, ficando assim automatizado;

p) Desde 2000 até à data mencionada em d) dos factos assentes a R. manteve o pagamento do subsídio em apreço;

q) A medida tomada em d) dos factos assentes resultou da necessidade de redução de custos face à situação económica e financeira que a R. atravessa.

4.2 - O DIREITO

Vejamos então a referida questão que constitui o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se impende sobre a recorrente a obrigação do pagamento do valor do subsídio de refeição correspondente a 21 dias com a retribuição das férias aos seus trabalhadores com contrato individual de trabalho.

Peticionou o A. o reconhecimento de que o subsídio pago com a retribuição de férias é parte integrante da retribuição, nos termos dos arts. 258º e 260º nº 1 al. a) parte final, do Código de Trabalho e a consequente condenação no respetivo pagamento a partir de maio de 2017, data a partir da qual a recorrente lhe pôs termo.

A 1ª instância considerou que o valor que a recorrente vinha pagando aos seus trabalhadores com a retribuição das férias, sob a denominação de subsídio de refeição e correspondente a 21 dias, não tem natureza retributiva e que, embora, vindo a ser prática reiterada daquela, podendo por isso configurar um uso, não constitui fonte de obrigação do respetivo pagamento por contrariar o estabelecido no Acordo de Empresa (AE), em consequência do que julgou a ação improcedente e absolveu a R. dos pedidos.

Já a Relação entendeu que, embora aquele valor não constitua uma contrapartida da atividade desenvolvida pelos trabalhadores, tem natureza retributiva na medida em que a empregadora não ilidiu a presunção estabelecida no art. 258º, nº 3 do CT. Considerou ainda que o pagamento em causa, que se manteve durante cerca de 40 anos, constitui um uso laboral estando a empregadora vinculada ao respetivo pagamento na medida em que é mais favorável do que o estabelecido no AE e, revogando a sentença, condenou a ora recorrente nos pedidos.

Vejamos.

Está provado que desde 1977 a R. procede ao pagamento aos seus trabalhadores do subsídio de refeição, num montante fixo mensal, pago doze meses por ano, e à razão de 21 dias, excetuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivos de baixa médica ou de faltas.

No dia 18 de Abril de 2017 a administração da R. emitiu um comunicado, via internet, para a “caixa pessoal” de todos os trabalhadores do perímetro doméstico, informando-os que o subsídio de refeição pago 12 meses por ano deixaria de o ser, passando a ser retribuído nos termos da cláusula 62ª do AE, ou seja, “pago por cada dia de trabalho efectivo.

O subsídio de refeição foi “abonado” a partir de 1 de agosto de 1977, a “todos os funcionários e agentes da Administração Pública”, como o eram então os trabalhadores da R., pelo DL 305/77 de 29 de julho, no montante de “700$00 mensais, desde que exerçam funções a tempo completo” sendo, todavia “correspondente a um subsídio de refeição de 35$00, relativos a 11 meses e 22 dias por mês, pago durante os doze meses do ano”, como se refere no preâmbulo do diploma.

Daqui se vê que, pese embora o subsídio fosse pago em 12 meses por ano, o mesmo reportava-se apenas a 11 meses, ou seja, não era devido no período de férias ainda que também nesse mês ocorresse o pagamento.

Foi estabelecido no nº V, da secção B, do Anexo à PRT para o Sector Bancário, publicada no Boletim do Ministério do Trabalho, nº 5, de 15.03.1976 (pág. 219 e segs.), sob a epígrafe “Subsídio de almoço”: “1 - A todos os trabalhadores com retribuição anual igual ou inferior a 240 contos é atribuído, por dia de trabalho efectivamente prestado, um subsídio para almoço, cujo valor corresponde a 0,45% sobre a retribuição de base, da classe E, arredondado para o escudo seguinte: a) Este subsídio será pago mensalmente, conjuntamente com o vencimento, por crédito em conta”.

Nos termos da Cláusula 99º, nº 1 do CCT das instituições de crédito, publicado no BTE nº 18 de 15.05.1978: “[a] todos os trabalhadores é atribuído, por dia de trabalho efectivamente prestado um subsídio de almoço de valor igual  a 0,5% do nível 5, pagável mensalmente”.

O direito a tal subsídio foi mantido na Cláusula 63ª, nº 1 do AE entre a AA, S. A., e o STEC — Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo AA ([5]): “1 — A todos os trabalhadores é atribuído, por cada dia de trabalho efectivamente prestado, um subsídio de refeição no valor fixado no anexo IV, que será pago mensalmente”.

Como é comumente aceite, o subsídio de refeição tem a natureza de benefício social e destina-se a compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efetivo, tomada fora da residência habitual, “o que vale por dizer que é na sua causa, e apenas nesta, que radica a sua regularidade, à qual não pode, pois, ser atribuído outro sentido, como seja o indiciar, nos termos gerais, o seu carácter retributivo([6]).

Face a este fim específico, tal subsídio não constitui uma contraprestação do trabalho, não sendo, por regra, retribuição.

Aliás, a sua natureza retributiva foi desde logo afastada na alínea d) do nº 1 da PRT referida: “d) O presente subsídio não é considerado retribuição, para todos e quaisquer efeitos previstos no contrato colectivo de trabalho.

E também na Cláusula 88ª, nº 3, al. d) do CCT das instituições de crédito, publicado no BTE nº 18 de 15.05.1978: “Não se consideram para os efeitos do número anterior, as remunerações devidas a título de subsídio de almoço”, bem como na Cláusula 51ª, nº 4, al. h): “4 — Não constituem, porém, retribuição as seguintes prestações de natureza pecuniária: h) Subsídios de refeição”.

Igual descaracterização era feita no art. 260º, nº 2, Código do Trabalho de 2003, exceto “na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”, caso em que se considerava retribuição, e foi mantida nos mesmos termos no art. 260º, nº 1, al. a) e nº 2, do Código do Trabalho de 2009.

Defende a recorrente que aquele pagamento nas férias é uma mera liberalidade e não uma prestação retributiva.

A distinção, atento o disposto no art. 260º do CT, passa pela contraposição entre o animus donandi e a obrigatoriedade de efetuar a prestação, associado à sua regularidade; a obrigatoriedade e a regularidade podem ser determinadas pelos usos da empresa([7]).

Está provado que, desde 1977, a R. procede ao pagamento aos seus trabalhadores do subsídio de refeição, num montante fixo mensal, doze vezes por ano, e à razão de 21 dias, excetuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivos de baixa médica ou de faltas. O referido subsídio cifra-se em € 233,10 mensais. O pagamento do subsídio de refeição, nos termos em que vinham sendo feitos, decorreu das dificuldades de processamento salarial, face à tecnologia então disponível. O registo das ausências por férias, com base em suporte de papel e registo manual e a impossibilidade de desenvolver sistemas de processamento automático, conduziram a que fosse mantido o sistema de pagamento do subsídio de refeição numa base mensal fixa. Só a partir de 2000 com a entrada em produção de uma aplicação de registo descentralizado de ausências no novo sistema informático – Meta 4 –, é que o processo foi desmaterializado, ficando assim automatizado. Desde 2000 até abril de 2017 a R. manteve o pagamento do subsídio em apreço.

Como resulta das normas atrás referidas, o pagamento de tal subsídio não é devido nas férias já que se trata de um período em que os trabalhadores não prestam trabalho nem estão, em regra, na disponibilidade de o prestar.

Temos assim que, o recebimento pelos trabalhadores deste subsídio nas férias, quando não era devido, excede “os respetivos montantes normais” (art. 260º, nº 1, al. a), do CT/2009).

Como se provou, a recorrente efetuou tal pagamento nos 12 meses do ano, de forma regular, durante cerca de 40 anos, pese embora até ao ano 2000, tenha sido devido a dificuldades de processamento de outra forma. Porém, tendo esses óbices terminado em 2000, a recorrente manteve o pagamento nos mesmos termos até abril de 2017, ou seja, durante cerca de 17 anos.

A repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavel­mente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa - uma expectativa que é juridicamente protegida ([8]).

Os usos correspondem a práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade, em cuja noção está ínsita ou implícita a ideia de uma reiteração ou repetição dum comportamento ao longo do tempo([9]), “…de forma a permitir que se possa concluir no sentido da existência de uma regra que leve os trabalhadores a adquirir legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, a mesma será aplicada([10]).

“[S]ão vinculantes por si mesmos ou em função das características que certas práticas assumem. A repetição, a uniformidade e a continuidade dessas práticas, aliadas à sua licitude e à razoabilidade da expectativa de que se mantenham, transformam-nas em padrões de comportamento exigíveis. O carácter vinculante destas práticas é-lhes intrínseco, e pode ser, ou não, explicitamente reconhecido pela lei (…).

Em qualquer destas configurações, os usos laborais são (…) factos reguladores ou conformadores das relações de trabalho em certos âmbitos, e muito particularmente no da empresa concreta…([11]), e constituem, nos termos do art. 1º, do CT/2009, uma fonte específica do direito do trabalho.

O pagamento do valor em causa durante cerca de 40 anos constituiu uma “prática constante, uniforme e pacífica, sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, pois face aos anos em que a mesma vigorou, criou nestes a convicção de que o empregador a prosseguiria no futuro. Quebrando-a unilateralmente, foi abalada esta confiança na sua continuidade, pois tratando-se duma prática reiterada, assumiu por isso a natureza dum “uso” relevante à luz dos artigos 12º, nº 1 da LCT, e dos artigos 1º do CT/2003 e do CT/2009, pois abarcou o período de vigência de todas estas normas” ([12]).

Invoca a recorrente que não está obrigada a manter esta prestação porquanto, mesmo a entender-se que a sua prática constitui um “uso”, este “teria que ceder perante a "norma corporativa" traduzida na regulamentação colectiva aqui relevante, por aplicação do disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Código Civil, da qual [d]ecorre que o subsídio de refeição apenas é devido por referência aos dias de trabalho efectivo ou de disponibilidade para o trabalho e já não por referência aos dias de férias”.

Mas não tem razão. O pagamento em 12 meses não vai contra o estabelecido na regulamentação coletiva, mas apenas além dela, sendo certo que não estamos perante normas imperativas.

Concluímos assim que o subsídio de refeição pago pela Ré nas férias dos seus trabalhadores, quando não seria devido, excede os respectivos montantes normais e tendo sido pago durante cerca de 40 anos, terá que ser considerado, pelos usos da empresa, como elemento integrante da retribuição, nos termos do art. 260º, nº 1, al. a) do CT/2009.

Em suma, o pagamento do subsídio de refeição nas férias dos trabalhadores tornou-se uma prestação obrigatória coberta pela imperatividade da norma do art. 129º, nº 1, al. d), do Código do Trabalho, “ex vi” do art. 260º, nº 1, al. a) e nº 2 do mesmo diploma.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista.

2 – Confirmar o acórdão recorrido.

3 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 27 de novembro de 2018


Ribeiro Cardoso (Relator)


Ferreira Pinto


Chambel Mourisco

_______________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] Bol. Trab. Emp., 1.ª série, n.º 15, 22/4/2005 e que, nesta parte, se mantém em vigor.
[6] Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 2016, 10ª edição, pág. 638 em anotação ao art. 260º.
[7] Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2015, 7ª edição, pág. 584.
[8] Monteiro Fernandes, in ob. e loc. referido na nota 8.
[9] Acórdão desta secção de 17.11.2016, proc. 1032/15.0T8BRG.G1.S1 (Gonçalves Rocha). No mesmo sentido, Júlio Gomes, “Dos Usos da Empresa em Direito do Trabalho”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLIX (XXII da 2ª série), 2008, nºs 1-4, pág. 111.
[10]  Acórdão desta secção de 9.03.2017, proc. 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Chambel Mourisco).
[11] Monteiro Fernandes in ob. cit. pág. 106.
[12] Ac. referido na nota 17.