ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO (aqui patrocinado por ..., adv.)
Autor / Apelante / Recorrente
CONTRA
BANCO ESPÍRITO SANTO, SA
Réu 1
GNB – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÀRIO, SA
[anteriormente ESAF - ESPÍRITO SANTO FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA]
(aqui patrocinados por ..., adv.)
Réu 2 / Apelada / Recorrida
E
(na petição inicial corrigida)
FUNDO DE PENSÕES DO BANCO ESPÍRITO SANTO
Réu 3
I – Relatório
O Autor intentou a presente acção pedindo seja declarada “a ineficácia da compra de unidades de participação [e] as Rés ESAF e Fundo de Pensões condenados a pagar ao A, contra a restituição das 500 unidades de participação a quantia de 580.000,00 €”, sendo 500.000,00 a título de capital investido e 80.000,00 € a título de lucros cessantes; subsidiariamente, seja declarada 2ª anulação da compre e venda das 500 unidades e participação [e] as Rés condenadas a pagar ao A.” igual quantia. E, ainda, em qualquer dos casos, juros moratórios desde a citação.
Invocou, para fundamentar a sua pretensão, que, em finais de 2006 e enquanto cliente do BES, foi-lhe apresentado pelo funcionário do ‘private bank’ com quem habitualmente lidava um produto financeiro denominado ‘Espírito Santo Reconversão Urbana II (FRU II), com expectativas de bons níveis de rentabilidade, tendo emitido ordem de subscrição de 500 unidades de participação desse fundo, sendo que lhe foram omitidas informações sobre as vicissitudes de constituição desse fundo e qualquer documentação sobre a constituição, funcionamento e actividade do mesmo. Só veio a ter acesso a essa documentação, depois de muita insistência, em ABR2008, tendo da análise da mesma ficado com preocupações atinentes à viabilidade do fundo, tendo solicitado a convocação de uma assembleia de participantes, o que foi recusado pela Ré2. Da informação obtida constatou que as unidades de participação não foram adquiridas por subscrição mas no mercado secundário, para o que não conferiu habilitação, tendo tal compra sido efectuada sem poderes de representação pela Ré2, o que a torna ineficaz ou, subsidiariamente, anulável.
Os Réus 1 e 2 contestaram excepcionando a ineptidão da petição inicial, a incompetência territorial, a sua ilegitimidade passiva, a prescrição (quer do direito à anulabilidade quer do direito à indemnização) e impugnando a factualidade alegada, concluindo pela improcedência do pedido contra si formulados, designadamente por se verificarem poderes de representação, não ocorrer fundamento de anulabilidade nem estarem demonstrados os requisitos da responsabilidade civil que os fizesse incorrer em dever de indemnizar. Pedem, ainda, a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Entretanto veio o Autor desistir da instância quanto ao Réu3, requerer a extinção da instância quanto aos pedidos de declaração de ineficácia e a anulação, a ampliação do pedido e a redução do valor da acção.
Pelo tribunal foi desconsiderada a desistência da instância relativamente ao Réu3 dado este não ter sido indicado como parte na primitiva petição inicial não tendo a sua correcção aptidão para introduzir novas partes na acção, e não ter sido utilizado nenhum dos mecanismos processuais aptos a produzir modificações subjectivas da instância. Não foi admitida a ampliação do pedido e indeferido o pedido de redução do valor. E, por fim, declarada a extinção (da totalidade) da instância por inutilidade superveniente.
Deduzida apelação de tal decisão a Relação revogou a decisão da 1ª instância na parte em que julgou extinta a instância por inutilidade da lide quanto ao pedido de indemnização e na parte em que não admitiu a ampliação do pedido subsistente (80.000,00 €) em 8.882,80 €, mantendo o demais decidido na 1ª instância.
Foi interposto recurso de revista que não foi conhecido por inadmissibilidade do mesmo.
No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções e ineptidão da petição inicial e ilegitimidade passiva (atento a que na versão do Autor o pedido de indemnização se funda nos danos causados pela falta e omissão de informação por parte das Rés) e considerada prejudicada a excepção da prescrição.
Foi decretada a extinção da instância relativamente ao Réu 1 dado ter sido decretada a liquidação judicial do mesmo.
A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido, com fundamento em ter sido demonstrado que não foi ela o intermediário financeiro na aquisição das unidades de participação em causa. E não condenou o Autor como litigante de má-fé.
Inconformado, apelou o Autor, impugnando a matéria de facto bem como imputando à sentença nulidade e erro de julgamento.
A Relação anulou o julgamento ordenando a ampliação da base instrutória.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção em virtude o A. não ter feito prova de ilicitude na conduta da Ré. E não condenou o Autor como litigante de má-fé.
Mais uma vez apelou o Autor, impugnando a matéria de facto e imputando à sentença erro de julgamento.
A Relação, considerando que a Ré 2, actuando como intermediário financeiro, não observou os deveres de informação a que estava adstrita (sem, contudo, consubstanciar tal violação e não obstante reconhecer ter o Autor literacia em instrumentos financeiros), mas que não se podia extrair que tivesse actuado com culpa (ainda que presumida) dado não se ter apurado que o Autor tenha emitido ordem de subscrição em mercado primário ou que, se soubesse que a subscrição fosse em mercado secundário, não o teria feito, julgou, unanimemente, a apelação improcedente confirmando a decisão recorrida. Não deixou, no entanto, de deixar expresso que no seu entender não se verificava o invocado dano da perda de remuneração do capital, mas apenas o relativo à diferença entre o preço pago e o valor do resgate das unidades de participação.
Ainda irresignado veio o Autor interpor revista excepcional, que como tal foi admitido concluindo, em síntese, verificarem-se os pressupostos do pedido indemnizatório por si formulado.
Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.
A instância foi suspensa até ao trânsito em julgado do acórdão proferido no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência 1479/16.6T8LRA-C2.S1-A, que veio a dar origem ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8/2022, publicado no Diário da República, I Série, de 03NOV2022.
II – Da admissibilidade e objecto do recurso
A revista excepcional mostra-se já admitida.
Destarte, o recurso merece conhecimento.
Vejamos se merece provimento.
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver resume-se a verificar se o Réu é responsável pelo prejuízo que o Autor teve com a subscrição de unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário Fechado denominado Espírito Santo Reconversão Urbana II (FRU II).
III – Os factos
Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:
Factos provados:
1. O A. era cliente do Banco Espírito Santo, sendo aí titular de contas bancárias.
2. As relações que o A. mantinha com o BES eram estabelecidas através de reuniões no ou deslocações ao Centro Private ..., sedeado na agência do BES de ..., ou ao balcão desta agência.
3. Os contactos no Centro Private ... eram essencialmente mantidos com o seu responsável, BB, que exerce a sua actividade por conta, no interesse e às ordens do BES.
4. No dia 26 de dezembro de 2006, o A. entregou à R. um pedido de subscrição de 500 unidades de participação no Fundo de Investimento Imobiliário Fechado denominado Espírito Santo Reconversão Urbana II (FRU II).
5. O documento usado para esta operação apenas deve ser utilizado para operações em mercado primário.
6. A R. é uma sociedade do Grupo Espírito Santo e é a sociedade gestora do referido fundo.
7. O A. pagou a quantia de € 500.000,00 pelas 500 unidades de participação.
8. A R. procedeu à aquisição de 500 unidades de participação no FRU II, em nome e por conta do A., em mercado secundário.
9. A aplicação da quantia de € 500.000,00 em depósito a prazo daria ao A. uma rentabilidade de cerca de 3% ao ano.
10. A 1 de agosto de 2012, foi liquidado o pedido do A. de resgate das unidades de participação pelo valor de € 491.117,20.
11. O A. não é um mero investidor ocasional, tendo perfeito conhecimento do funcionamento dos mercados de capitais, incluindo dos fundos de investimento
12. O A. adquiriu a titularidade das 500 unidades de participação pelo montante total de € 5.000.000,00 [trata-se de manifesto lapso de escrita/digitação, pois querer-se-á significar € 500.000,00, em congruência com os pontos 7 e 9], livres de quaisquer ónus, obrigações ou encargos, exatamente nos mesmos termos e condições que se teria verificado em caso de subscrição em mercado primário.
Factos não provados:
a) Aquando da apresentação ao A. do produto financeiro FRU II, BB informou que o capital do FRU II já estava integralmente subscrito e que, se o A. quisesse, conseguir-se-ia a subscrição de algumas unidades de participação nesse fundo.
b) Não foi entregue ao A. o Regulamento de Gestão e o Term Sheet.
c) A R. omitiu as dificuldades de satisfação do capital mínimo do fundo.
d) Se o A. conhecesse as dificuldades de satisfação do capital mínimo do FRU II, não teria dado ordem de subscrição de unidades de participação desse fundo.
e) O BES omitiu ao A. que as unidades de participação tinham sido adquiridas em mercado secundário.
f) O A. apenas soube que as suas unidades de participação tinham sido adquiridas em mercado secundário no âmbito do processo instaurado na CMVM.
g) Só no dia 3 de junho de 2011 é que o A. teve conhecimento do preço e identidade ou sujeito a quem adquiriu as unidades de participação.
IV – O direito
Está em causa averiguar da responsabilidade de Ré 2 (a única que permanece na acção) para com o Autor pela sua intervenção, actuando como intermediário financeiro, na subscrição por aquele efectuada de 500 unidades de participação em fundo de investimento imobiliário.
Nesse conspecto haverá desde logo de realçar ser entendimento consolidado que também aqui a obrigação de indemnização depende da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil: ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
E que relativamente à ilicitude e ao nexo de causalidade resulta da doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência 8/2022 (Diário da República, I Série, 03NOV2022) que corre por conta do investidor o correspectivo ónus da prova.
Do que desde logo se extrai não ter fundamento a posição do Recorrente de que era à Ré que competia o ónus da prova do cumprimento do seu dever de informação.
Importa, pois, averiguar se do elenco factual estabelecido resulta demonstrada a invocada violação do dever de informação que sobre a Ré impendia (e cuja existência não sofre qualquer contestação nos autos).
Sendo que aí logo se antolha a dificuldade em identificar qual o comportamento em que se consubstanciaria essa violação.
Com efeito, o acórdão recorrido limitou-se a afirmar apoditicamente a existência dessa violação. Por seu turno também o Recorrente tem vindo a tergiversar na consubstanciação dessa violação. Se na primeira apelação da sentença final identificou (conclusão XIX) a violação do dever de informação como a omissão da informação de que a subscrição do capital inicial do fundo havia encerrado pelo montante mínimo (20 milhões) e não pelo montante pretendido (40 milhões), já na apelação subsequente foca-se (conclusões XXIII e XXVI) no facto de lhe ter sido omitida a informação de que a aquisição das unidades de participação seria efectuada no mercado secundário e não no mercado primário como forma ardilosa de ocultar (e defraudar) as dificuldades na subscrição do capital inicial mínimo do fundo; enquanto que agora na revista (conclusões VIII e IX) identifica essa violação como a omissão da informação da modificação da ‘ordem de subscrição’ em ‘ordem de compra’.
Nesse contexto entendemos ser de identificar como informação tida por omitida ou errónea a atinente à existência de dificuldades na subscrição do capital inicial mínimo do fundo imobiliário; circunstância que podendo revelar pouco interesse do mercado no mesmo poderia influenciar a decisão de investir.
E a invocação da omissão de informação da ‘ordem se subscrição’ em ‘ordem de compra’ só tem a virtualidade para efeitos do dever de informação enquanto sinalização de a subscrição do fundo já estar fechada e porque montante, uma vez que a instância foi extinta quanto ao pedido de invalidação da aquisição em mercado secundário. Ou seja, ainda que nesta perspectiva de alegação a informação em causa era a dificuldade verificada na subscrição do capital inicial mínimo do fundo imobiliário.
Sendo que o Autor não logrou provar a imputada violação do dever de informação, conforme resulta do facto não provado c).
Como, em acréscimo, também não logrou provar nexo de causalidade entre a imputada violação e os imputados danos, conforme resulta do facto provado d).
Donde resulta, directa e inelutavelmente, a improcedência do pedido.
V – Decisão
Termos em que se nega a revista, confirmando a decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pela globalidade do processo em 25.000 €, dispensando-se do pagamento do demais remanescente.
Custas pelo Autor.
Lisboa, 02FEV2023
Rijo Ferreira (Relator)
Cura Mariano
Fernando Baptista