Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1284/15.5T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RECURSO SUBORDINADO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONVOLAÇÃO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRANSMISSÃO
Data do Acordão: 09/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Não há recurso subordinado sem recurso independente, sendo este que delimita o objecto daquele.

II. A convolação da peça processual denominada ampliação do recurso em recurso subordinado é legalmente inadmissível quando não há recurso independente a que possa subordinar-se.

Decisão Texto Integral:

Recorrente: AA

A..., Unipessoal, Lda, réus

Recorrido: BB, autora

Valor da causa: 363 686,10 €


*


I – Relatório

I.1 –

AA e A..., Unipessoal, Lda, apresentaram recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 5 de Março de 2024 que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora, revogando parcialmente a sentença recorrida, substituindo-a pelo seguinte:

d) Declara-se que pertence à herança aberta por óbito de CC o estabelecimento comercial denominado “Centro ....”, a laborar nas frações B, C, D, E do prédio urbano sito na Av. ..., nºs 177 e 179, em ..., integrado pelos bens identificados no ponto 49 dos factos provados, entre os quais os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-..;

e)Julga-se ineficaz a transmissão do estabelecimento comercial denominado “Centro ....”, identificado nos pontos 48, 49, 54 e 55 dos factos provados, efectuada por DD para a sociedade A..., Unipessoal, Lda, ordenando-se a restituição desse estabelecimento à herança aberta por óbito de CC, condenando-se os Apelados nessa restituição, bem como a absterem-se de qualquer comportamento que perturbe a propriedade da herança relativamente a esse estabelecimento;

f) Ordena-se o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos sobre os imóveis objecto da escritura de compra e venda outorgada em 6 de Julho de 2012, exarada a fls. 14 a 16 do Livro 296 do cartório Notarial sito na Rua ..., em ...;

No mais mantém-se a sentença recorrida.”

Os recorrentes apresentaram alegações que terminam com as seguintes conclusões:

DA QUALIFICAÇÃO E CONVOLAÇÃO COMO RECURSO SUBORDINADO.

a. Face ao recurso apresentado pela então A./Apelante, os então RR./Apelados, deduziram em simultâneo, as respetivas contra-alegações de recurso, e bem assim, interpuseram, para apreciação distinta, uma peça que, continha em simultâneo, (i) contra-alegações de recurso (fls. 2 a 118), com as respetivas conclusões (fls. 118 a fls. 174, e para apreciação autónoma, uma peça designada de ‘Ampliação de Recurso’ (de fls. 175 a fls. 202), acompanhado das respetivas conclusões (fls. 202 a 223).

b. Para tanto, invocaram a norma contida no n.º 1 do artigo 636º/CPC, fundamentando a apresentação e requerendo a apreciação pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.

c. A A./Apelante, respondeu à matéria da ampliação do recurso, sustentando ser a mesma, inadmissível, argumento que, aliás, foi acompanhado pelo douto Acórdão proferido.

d. Por outro, a Apelante/Recorrida, relativamente ao recurso de apelação, por si apresentado, restringiu o âmbito de aplicação dentro dos segmentos decisórios em que decaiu, designadamente quanto aos pedidos que o tribunal a quo julgou improcedentes identificados quer no pedido, quer na Conclusão I:

2. “quanto à alínea d) do petitório, na parte em que pedia a declaração que a herança aberta por óbito da falecida CC é proprietária e integra o estabelecimento comercial que gira sob a designação “Centro ....”;

3. quanto às alíneas e) e f);

4. quanto à alínea g) na parte em que pedia o cancelamento de todos os registos que hajam sido efetuados sobre os bens objetos da escritura de compra e venda outorgada em 6.07.2012.”.

5. Declara o douto Ac.: “Os Apelados/Réus não recorreram e, limitaram-se a ampliar o âmbito do recurso em sede de contra-alegações, faculdade que lhes é conferida pelo art. 636º do CPC, sendo a ampliação do recurso admissível por ter sido apresentada em tempo, por quem tem legitimidade e ter cobertura legal. Questão distinta diz respeito aos efeitos que os Apelados pretendem obter com a referida ampliação do recurso que, perante o alegado nas contra-alegações e mormente nas conclusões que delimitam a ampliação, manifestamente não tem cobertura legal.”,

6. Discordam os Recorrentes quanto às conclusões firmadas sobre a não apreciação da peça designada “Ampliação de Recurso”,

7. Porquanto, se defende o entendimento sob o qual resulta a conclusão de que deveria o Venerando Tribunal da Relação do Porto, ter determinado a convolação da ampliação de recurso, em recurso subordinado, com posterior apreciação dos fundamentos nele contidos – não tendo sido observada a norma contida no artigo 193º/CPC, sobre o erro na forma do processo ou no meio processual.

8. O douto Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, parece apontar para a convolação, in Proc. nº 601/20.0T8CNT.C1, de 12-07-2022: “I - A ampliação do objeto do recurso da parte contrária só é admissível nos casos em que à parte não é facultada, por falta de legitimidade ad recursum – decorrente da circunstância de ser parte vencedora - a interposição de recurso independente ou subordinado: se a parte não for vencedora, mas vencida, ainda que só parcialmente, a lei não lhe abre a faculdade da ampliação do objeto do recurso, o que se compreende dado que neste caso lhe é lícito interpor recurso autónomo independente ou só subordinado; II - A correção do erro do apelado sobre o meio processual adequado a levar ao tribunal ad quem a apreciação de parte do seu pedido no qual sucumbiu, não é admissível, se o direito ao recurso autónomo independente tiver sido atingido pela caducidade e a convolação do requerimento de ampliação do objeto do recurso para recurso subordinado importar uma diminuição das garantias processuais do apelante (…)”.

9. A convolação está naturalmente sujeita a limites, uma vez que é necessário que a ela não obstem quaisquer outras circunstâncias, de que se destacam, desde logo, três: a extinção por caducidade do direito de praticar o ato convolado e a inaproveitabilidade do ato objeto de convolação, por não reunir os requisitos específicos exigidos para o ato para o qual seria convolado, ou por implicar o agravamento da posição processual da parte contrária aquela a quem a convolação aproveitaria. Se, realmente, o meio processual erroneamente utilizado determinou uma diminuição das garantias da contraparte, a sua convolação deve ter-se por inadmissível, o que, manifestamente não é o caso que submetemos à vossa douta apreciação.

10. Vejamos, claramente não se verificam os limites acima enunciados. Não se verifica, desde logo, a caducidade do direito de praticar o ato convolado; igualmente, não se verifica a inaproveitabilidade do ato objeto de convolação, porquanto, este, reúne os requisitos específicos exigidos para o ato para o qual seria convolado. Vejamos,

11. A douta sentença, proferida no âmbito da 1.ª instância, foi notificada aos Ilustres Mandatários das Partes, em 18/5/2023, sob as referências nº .......54 e .......27; sucede, em 30/06/2023, relativamente aos concretos pontos do decaimento, apresentou a A., alegações de recurso de apelação.

12. O Art.º 633º/CPC, refere no ponto n.º 2, que o prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária; ora, sendo certo que o recurso subordinado fica na dependência do recurso principal, não menos verdade será o referido pelo douto Ac. do STJ, de 26/01/2017: “(…) porém, não interfere na admissibilidade do recurso subordinado, nem a renúncia ao recurso, nem sequer a aceitação expressa ou tácita da decisão recorrida. Salvo declaração expressa em sentido contrário, desde que a parte contrária interponha recurso que seja admissível, sê-lo-á também o recurso subordinado, cfr. art. 633, nº 4 do CPC.”.

13. Ora, os Recorrentes foram notificados das alegações de recurso, em 3/7/2023 (referência n.º .......12), pelo que dispunham de um prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do n.º 1 do artigo 638º do CPC, acrescidos de 10 (dez) dias, nos termos do nº 7 da mesma norma, por força do objeto recursivo incidir sobre a reapreciação da prova gravada, terminando o correspondente prazo para os Recorrentes apresentarem as sua contra-alegações, em 28/09/2023.

14. Sucede, em 28/09/2023, os Apelados, apresentaram, tempestivamente, por via da mesma peça processual, as respetivas contra-alegações e correspondentes conclusões, bem como, requereram autonomamente, ampliação de recurso, motivado, tendo apresentado igualmente, as respetivas conclusões.

15. Em 13/10/2023, a A./Apelante, apresentou as suas contra-alegações a que, por erro de qualificação, apelida de Resposta (referência n.º 15167201), deduzindo e alegando argumentos e fundamentos, de fls. 15 a fls. 46, vertidos nos Pontos nº 41 a 121, a que acrescem as respetivas conclusões, de fls. 47 a 55.

16. Por último, importa igualmente referir, não se verificarem quaisquer diminuições das garantias processuais da contraparte, pelo que, estando presentes todos os argumentos e fundamentos que assistem às motivações das Partes, a única parte que pode ver diminuídas as respetivas garantias processuais, são os RR/Apelados, caso não seja doutamente determinado a convolação em recurso subordinado.

17. Acresce, face à relevância do tema em apreço, a referência a outro Ac. do STJ, in Processo nº 1238/20.OT8PTG.E1.S1, de 24 Fevereiro 2022,

18. Pelo que, face aos entendimentos expressos acima expostos, se entende estar verificado um dos fundamentos da presente Revista, em observância ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 674º/CPC, que refere poder ter a revista como fundamento, a violação ou errada aplicação da lei de processo, o que se invoca.

19. Em causa, a não convolação da ampliação de recurso em recurso subordinado, ao abrigo do disposto no artigo 193º, nº 3 do CPC, gerando uma diminuição das garantias processuais dos RR/Apelados, pelo que, face a todo o exposto, se requer a V. Exas., Digníssimos Juízes Conselheiros, possam reconhecer a convolação ora requerida, aplicando o regime jurídico que entenderem por bem, com todas as consequências legais.

DA CONTRADIÇÃO DA DECISÃO COM OS FACTOS PROVADOS /DA INEXISTENTE TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO.

20. Considerou o douto Acórdão: “O objetivo visado pela Apelante/Autora com a instauração desta ação foi obter a restituição para o acervo hereditário da mãe dos bens indevidamente transferidos para apenas um dos herdeiros e depois deste para terceiros.”

21. “Compulsada a sentença recorrida afigura-se-nos que a improcedência relativamente aos pedidos que haviam sido formulados pela Apelante sob as alíneas d) e e) decorre de uma manifesta confusão entre os conceitos de estabelecimento comercial e de sociedade unipessoal de que padece a sentença na sua parte final, confusão essa que, como melhor se verá, é transversal aos articulados das próprias partes (…)”. “Acontece que, contrariamente ao esperado e, salvo o devido respeito, de forma anacrónica, o tribunal a quo julgou improcedente o pedido que havia sido feito sob a alínea d), não declarando que a herança aberta por óbito de CC é proprietária daquele estabelecimento comercial (quando anteriormente o havia afirmado ser), julgou improcedente o pedido que havia sido feito sob a alínea e), não declarando a nulidade (neste caso ineficácia) da transmissão do referido estabelecimento para a sociedade A..., Unipessoal, Lda (quando anteriormente havia afirmado essa mesma ineficácia) e não ordenou a restituição de tal estabelecimento à referida herança (mera decorrência da ineficácia da transmissão), resultando essa improcedência de um erróneo raciocínio sobre uma alegada transformação do estabelecimento comercial em sociedade comercial e extinção daquele.”.

22. Contudo, não deixa de ser contraditória a apreciação de Direito que o douto Ac. faz, porquanto, por um lado reconhece a transmissão, sendo, contudo, irrelevante o modo e o meio como foi concretizada – por outro, declara que a mesma será sempre ineficaz, por não ser o estabelecimento passível de ser transmitido,

23. E perguntamos? Será indiferente ter-se- verificado que não houve transmissão? Vejamos, a herança aberta pelo óbito de CC, integra os bens, mercadorias, equipamentos e outros, que à data do falecimento se encontrassem integrados na esfera patrimonial daquela.

24. Assim já não será, relativamente a parte desses mesmos bens, mercadorias, viaturas que foram vendidos a posteriori, porquanto, o resultado de tais vendas integrou a herança aberta de CC. De que modo? Pelo depósito, por força dos pagamentos efetuados como contrapartida das vendas, nas contas bancárias que eram co- tituladas por DD e pelos respetivos filhos, entre os quais a Apelante.

25. Mais, os Apelados lamentam que não tivesse o douto Acórdão tido em conta, tudo o que foi deduzido e exposto sobre a inexistente transmissão de estabelecimento, em sede de contra-alegações – fls. 13 a fls. 53, onde se demonstrou a razão deste entendimento.

26. Sucede, com fundamentação diferenciada, as doutas decisões conhecidas e proferidas, divergem quanto ao entendimento e fundamentação da alegada e hipotética transmissão de um estabelecimento comercial,

27. Para a douta Sentença (1ª Instância), à data da constituição societária, terá sido transmitida a globalidade do estabelecimento, designadamente mercadorias, equipamentos e a respetiva clientela, conforme Facto Provado nº 54.

28. Para o douto Acórdão, na data da constituição da sociedade, o estabelecimento comercial terá sido objeto de transmissão para a mesma, o que não só, também não corresponde à verdade dos factos, como contraria a prova efetuada,

29. Ora, os Factos Provados nº 20, 21, 65 e 66, referente às viaturas e mercadorias demonstram estarem assentes as respetivas vendas – e em momento posterior, pelo que se contraria a conclusão de terem sido transmitidos!

30. Mais, as contas bancárias que serviam de suporte ao estabelecimento comercial eram tituladas por DD e filhos, e assim permaneceram após a constituição da sociedade, facto corroborado pelo gestor bancário, e não contraditado por documento, ou testemunha – conforme Facto Provado nº 64.

31. O disposto no n.º 3 do artigo 674º do CPC, aponta como fundamento de Revista, o seguinte:

“(…) 3 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”.

32. Salvo melhor entendimento, afigura-se desajustado concluir por um eventual facto, como o faz o douto Ac., apontando uma alegada transmissão de um estabelecimento comercial, comportando os autos matéria assente, consubstanciada em factos provados que concluem o contrário.

33. Vejamos: à data do óbito de CC, em ... de 2009, a exploração da loja, era exercida pelo marido, comerciante a título individual - DD – cfr. Factos Provados nº 10 e 11.

34. Com a posterior constituição de uma sociedade comercial, a exploração da loja pelo comerciante cessou, de facto: aquele concreto estabelecimento comercial, cessou a respetiva atividade.

35. No dizer da Apelante, em sede de alegações que apresentou: “XII. Os estabelecimentos comerciais não se transformam em sociedade, transmitem-se ou perdem a sua identidade enquanto unidade jurídica” – Não poderíamos estar mais de acordo! A unidade jurídica e económica do estabelecimento explorado pelo comerciante DD, cessou a respetiva atividade em 27/02/2012, pelo que perdeu a sua identidade jurídica.

36. Importa sublinhar o entendimento sob o qual a referência à globalidade de um estabelecimento, tal como expressa, não parece significar, reportar-se àquele, como unidade jurídica per si; referir que DD transmitiu a globalidade do estabelecimento não tem o mesmo significado do que referir que transmitiu «o estabelecimento», enquanto unidade jurídica. A globalidade considerada só pode reportar aos elementos que o integram, conforme Facto Provado nº 49.

37. A douta sentença, proferida em 1ª Instância, expôs a respetiva fundamentação: “b) quais os bens daquele estabelecimento à data da morte da CC (02/04/2009) e se esses bens coincidem com o desta sociedade.” (…) “O estabelecimento comercial que existia à data do decesso da CC, era integrado pelos bens constantes do artigo 27.º da petição inicial, com exceção dos identificados nas alíneas h) e k) a s) – nº 49 dos Factos Provados -, entre os quais os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-...”

38. esclarecia a douta Sentença: “(…) Por conseguinte, o estabelecimento “Centro ....” tem de considerar-se, com esta abrangência, como integrante da herança aberta por óbito da CC.”.

39. Pelo que, quando considera e dá como provado o Facto nº 54, o Tribunal está a considerar no referente apenas ao estabelecimento, que integram a herança aberta, os elementos descritos pelo Facto Provado nº 49; acresce: “V – Falta saber quais os bens que integravam o estabelecimento comercial à data da constituição da sociedade “A..., Unipessoal, Lda”, a 27/02/2012, ou seja, cerca de cinco anos após o decesso da CC.

40. A douta Sentença, clarifica o seu entendimento: “(…) tratando-se de estabelecimento comercial, o ativo a considerar na partilha está em constante mutação, com entrada e saída (venda para obtenção do lucro) dos bens. Isto é, o estabelecimento comercial que ficou por óbito da CC não é a sociedade unipessoal criada pelo marido nem o local aberto ao público onde ela e o marido vendiam os produtos dietéticos; é, antes, a empresa, como atividade, a exploração lucrativa da venda dos produtos dietéticos. Essa empresa, esse estabelecimento comercial esvaiu com o tempo e as transformações que o DD lhe foi impondo. Por conseguinte, não pode reivindicar-se para a herança da CC tal estabelecimento, que o tempo e a evolução da atividade comercial extinguiram numa morte lenta, mas fatal (como todas as mortes) do estabelecimento, que (se intui) foi, em vida da CC, muito rentável.

41. Sabemos, pois, que o Tribunal considerou integrar a herança de CC, apenas os bens descritos no artigo 49º que se encontravam no interior da loja, nada mais. E quando se refere no Facto Provado nº 54, a ideia de transmissão global do estabelecimento comercial, refere-se apenas aos elementos que integravam aquele à data do óbito de CC, e não a uma ideia de transmissão formal de um todo – o estabelecimento – como se tivesse verificado a transmissão de toda uma unidade, o que se rejeita e nem corresponde à verdade.

42. Aliás, se não fosse este o conceito, o Facto Provado nº 54, limitar-se-ia a referir a transmissão do estabelecimento – apenas como um todo – não tendo necessidade de indicar que bens dessa loja considerou que integravam a herança aberta de CC.

43. Acresce, considerou ainda o douto Ac., o seguinte: “Aquando da constituição da referida sociedade unipessoal, DD transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “Centro ....”, equipamentos, mercadoria e a respetiva clientela (ponto 54 dos factos provados). O estabelecimento pode ser objeto de transmissão definitiva através de contratos de compra e venda- trespasse-, de doação, ou de entrada em sociedade (entrada em espécie) como se extrai dos arts. 19º nº 1 al. b), 20º al. a), 25º e 28º do CSC. (…) “Embora não conste dos autos o modo específico como foi transferido o estabelecimento do sócio para a sociedade unipessoal, o que releva é que ficou efetivamente provado que o sócio DD transmitiu aquele estabelecimento para a sociedade unipessoal que criou.”.

44. E a razão pela qual, aqui estamos, é porque, aqui chegados, nos perguntamos: No entender da Apelante, a «transmissão» deu-se por força de um «trespasse», argumento novo, nunca antes invocado e sob o qual o Tribunal de 1ª Instância não se pronunciou por força da inexistência de tal argumento invocado e alegado nos autos, pelo que tal questão não lhe foi submetida para apreciação e decisão.

45. A A./Apelante, considerou nas suas alegações de recurso, o seguinte: “IX. (…) depois do estabelecimento comercial, e aquando da constituição da sociedade A..., Unipessoal, Lda transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento comercial (Facto Provado n.º 54), em 01.03.2012, data em que a sociedade iniciou a exploração do estabelecimento (…) o que existiu foi a transmissão do estabelecimento comercial à sociedade (Facto Provado n.º 54), aliás é de conhecimento público e notório que quando se diz “passar” um estabelecimento, significa a transmissão do estabelecimento, o seu trespasse; “passar” corresponde à expressão popular de trespasse. – Cfr. Facto Provado n.º 24, 19, 48 a 57 e 65. (…)”.

46. E ainda, “(…) XXXIV. Por conseguinte, a fundamentação de facto da sentença, veja-se os factos provados n.º 54 e 55, a matéria de facto considerada provada, exposta nas alegações artigo 6.º a 73.º, e a prova produzia supramencionada, impõe a alteração dos factos provados n.º 54 e 55, já que não é correcto, nem rigoroso, afirmar que a sociedade foi instalada no mesmo espaço que ocupava a loja “Centro ....”, pois o que de facto ocorreu foi o trespasse desse estabelecimento comercial para a sociedade (…)”.

47. Ora, não há qualquer prova de ter ocorrido um trespasse, matéria que não foi invocada nos autos, muito menos sujeita a prova, e à douta apreciação em sede de 1ª Instância.

48. Por outro, o douto Acórdão, considerou provada a transmissão global do estabelecimento comercial, não se pronunciando, contudo, sobre a tese nova trazida pela Apelante – o trespasse - explicitando antes, o entendimento de que o mesmo foi globalmente transmitido, sendo irrelevante porque ineficaz o modo como terá sido transmitido.

49. E concluiu: “(…) aquando da constituição da sociedade A..., Unipessoal, Lda o seu único sócio para ela transferiu o estabelecimento comercial com a globalidade dos seus elementos corpóreos e incorpóreos, bem sabendo que esse estabelecimento comercial não lhe pertencia em exclusivo, porque fizera parte da comunhão conjugal com a sua mulher e depois do falecimento desta uma quota parte do mesmo ficou a pertencer àquela herança indivisa.” – sublinhado nosso!

50. Ora, não consta dos autos, qualquer elemento de prova, que demonstre, que à data da constituição da sociedade ‘A..., Unipessoal, Lda, se tenha verificado a transmissão do estabelecimento comercial, da globalidade dos seus elementos corpóreos e incorpóreos. – cfr. Factos Provados nº 19, 20, 21, 22, 23, 27 a 28, 31 a 32, 35 a 36, 37 a 38, 65 e 66.

51. Pelo que, se pergunta como foi globalmente transmitido? É que, se afigura não ser possível aceitar uma decisão que nos transmite a ideia da transmissão global, sem fundamentar o modo como se verificou tal transmissão!

52. Em sede de Petição Inicial – no respetivo petitório, a A./Apelante, deduzia na alínea e), o seguinte pedido: “(…) e) Deve ser declarada a nulidade da transmissão do referido estabelecimento comercial, designado por “Centro ....”, identificado na petição inicial nos arts. 27.º a 34.º e efetuada entre o dia 27/02 e o dia 01/03 de 2012, por DD para a sociedade A..., Unipessoal, Lda, devendo ser ordenada a restituição de tal estabelecimento à herança aberta por óbito de CC, condenando-se o 3.º e 4.º RR. nessa restituição, bem como na abstenção de qualquer comportamento que perturbe a propriedade dessa herança relativamente a esse estabelecimento comercial;(…)”.

53. O pedido, formulado e apresentado pela A./Apelante, é muito concreto: declarar a nulidade da transmissão efetuada entre o dia 27/2 e o dia 1/3 de 2012, com a restituição do estabelecimento.

54. A nova sociedade comercial ‘A..., Unipessoal, Lda’, foi constituída em 27/2/2012 (cfr. Factos Provados nº 10 e 11), razão pela qual a então A./Apelante, deduziu o pedido formulado na alínea e), em sede de PI – Mas, apenas isso, uma constituição formal de uma sociedade comercial, nada mais!

55. Mais, o douto Acórdão, decidiu reformular a alínea e), do petitório, passando a dispor do seguinte modo: e) Julga-se ineficaz a transmissão do estabelecimento comercial denominado “Centro ....”, identificado nos pontos 48, 49, 54 e 55 dos factos provados, efetuada por DD para a sociedade A..., Unipessoal, Lda, ordenando-se a restituição desse estabelecimento à herança aberta por óbito de CC, condenando-se os Apelados nessa restituição, bem como a absterem-se de qualquer comportamento que perturbe a propriedade da herança relativamente a esse estabelecimento;”.

56. Uma vez mais, temos uma decisão sem entender o modo como foi alegadamente transmitido, sem conceder, o referido estabelecimento comercial, razão pela qual, nos termos já invocados, se apresenta a presente Revista!

57. Salvo melhor entendimento, será necessária a indicação do meio de prova, que demonstre esta configuração, esta dinâmica transmissiva que se encontra apenas alicerçada num facto único - Facto Provado nº 54 – cujas contra-alegações de fls. 13 a 53 não foram tidas em conta. Pelo que, se pergunta: Como foi transmitido? Por compra e venda? Onde está a prova que os artigos 874º e 875º do Código Civil mencionam e requerem?

58. O próprio Ac., admite não estar indicado em lado algum, o modo como foi operacionalizada a alegada transmissão, razão pela qual não se aceita tal prova, nem tal conclusão. O douto Ac. STJ, de 07.02.2017, refere: – “(…) 4- Em suma, o S.T.J. só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova (…)”.

59. Ora, entendem os RR/Apelados, ser essencial o conhecimento por V. Exas., Digníssimos Juízes Conselheiros, do juízo de prova e do meio de prova fixado, por força dos argumentos e fundamentos supra expostos.

60. Para os RR/Apelados, aqui Recorrentes: após muitos anos, muitas horas de dialética processual, por vezes, até incorrendo em interpretações confusas face ao reclamado pela Apelante, não têm dúvidas os Recorrentes, de que o estabelecimento de DD não foi transmitido a ninguém! Cessou a respetiva atividade de «facto», no mesmo dia em que uma empresa nova, conforme Factos Provados nº 10 e 11, iniciou a respetiva atividade em 27/2/2012, tal como consta do Facto Provado nº 55.

61. Pelo que, ora se requer a V. Exas, Digníssimos Juízes Conselheiros, o reconhecimento dos argumentos, fundamentos e enquadramento exposto nas presentes, aguardando-se a aplicabilidade do Direito, em nome da costumada Verdade e da Justiça!

A autora, recorrida, apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:

I. Entendem os RR./Recorrentes que o Tribunal recorrido tinha o dever de determinar a convolação da ampliação de recurso em recurso subordinado, não tendo sido observada a norma contida no artigo 193.º do CPC sobre o erro na forma do processo ou no meio processual.

II. Para tal efeito invocam o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que n.º 601/20.0T8CNT.C1, de 12-07-2022 que aponta como limites à convolação e correcção do erro sobre o meio processual: A extinção por caducidade do direito de praticar o acto convolado e a inaproveitabilidade do acto objecto de convolação por não reunir os requisitos específicos exigidos para o acto para o qual seria convolado ou por implicar o agravamento da posição processual da parte contrária aquela a quem a convolação aproveitaria, concluindo que no presente caso não se verificam tais limites.

III. Contudo, tal não corresponde à verdade, os RR./Recorrentes foram notificados da douta sentença proferida em 18/05/2023, pelo que, considerando o prazo de 30 dias para interpor o recurso, mais o prazo de 10 dias, caso o recurso verse sobre a reapreciação de prova gravada, o termo do prazo para interpor o recurso independente terminou em 01 de Julho de 2023, pelo que em 28/09/2023, data em que apresentaram o pedido de ampliação do objecto do recurso, estava largamente ultrapasso o referido prazo, extinguindo-se, por caducidade, o direito de impugnar a decisão através de recurso independente.

IV. E, ainda que não se encontre ultrapassado o prazo para interpor o recurso subordinado, continua a não assistir razão aos RR./Recorrentes, porquanto, não existe homogeneidade, nem equiparação entre o meio processual utilizado (ampliação do recurso) e o meio processual pretendido (recurso subordinado)

V. Os RR./Recorrentes encontram-se representados por mandatário, uma vez que estamos perante um caso em que a sua constituição é obrigatória, o que se justifica pela necessidade de fazer assistir os particulares por um profissional com preparação e cultura jurídica que garanta uma defesa eficaz em litígio, além de que a sua constituição assenta no interesse público de que o pleito seja conduzido de forma competente, praticando as partes, em termos adequados, os actos processuais da sua responsabilidade.

VI. Do dispositivo da sentença resulta evidente que ambas as partes ficaram vencidas, o que aliás foi constatado pelos RR./Recorrentes nas contra-alegações, os quais afirmaram que deduziram o pedido de ampliação do âmbito de recurso por não se conformarem com as decisões contidas na al. a) e b) da sentença.

VII. Os RR./Recorrentes também constataram que a ora A./Recorrida restringiu o âmbito do objecto do seu recurso apenas à parte da sentença que lhe foi desfavorável e que identificaram com claridade nas contra-alegações, ou seja, al. d) da douta sentença.

VIII. Porém, apesar de cientes que são parte vencida quanto ao decidido nas alíneas a) e b) da sentença e que a A./Recorrida restringiu o âmbito do seu recurso, os RR./Recorrente não se conformando com a douta sentença, não interpuseram, conforme podiam e deviam, recurso, nem independente, nem subordinado, limitando-se a requerer a ampliação do recurso,

IX. Ora, tal como entendeu o douto Tribunal recorrido, a lei é clara a esse respeito, a ampliação de recurso e o recurso subordinado são mecanismos substancialmente diferentes, se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer, podendo o recurso ser independente ou subordinado, mas a parte que não recorrer do segmento da decisão em que ficar vencida está sujeita aos efeitos do julgado na parte não recorrida, que não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, por conseguinte impõe-se nestes autos o caso julgado quanto ao decidido nas als. a), b) e c) da douta sentença que não foi objecto de recurso.

X. Os RR./Recorrente sabiam e expressaram de forma clara ao longo das suas contra-alegações e nas conclusões da ampliação do recurso que, através da ampliação do recurso, não pretendiam beneficiar da procedência parcial da acção decidida pela sentença proferida, mas, antes, de forma diametralmente oposto, pretendiam reverter/alterar esse resultado, passando de uma procedência parcial da acção para, através da deduzida ampliação do objecto do recurso, uma improcedência total da acção, resultado este que não lhe foi atribuído na sentença e que os mesmos não «atacaram» por via de recurso – como deviam, se dela discordavam, como evidenciaram.

XI. Da ampliação do recurso nunca decorrerá a revogação dos segmentos em que decaíram, conforme pretendem, permitindo apenas manter uma decisão que lhes foi favorável, ainda que com fundamento diverso, já o recurso subordinado permite discutir e alterar a decisão proferida em 1.ª instância em termos e com uma abrangência que não encontra paralelo na ampliação do recurso,

XII. Pelo que, os mecanismos processuais não são dotados de uma análoga funcionalidade, nem sequer se pode afirmar que no presente caso estamos perante um “erro ou irregularidade” que admita a convolação, pois os RR./Recorrentes manifestaram ter conhecimento de que são parte vencida quanto ao decidido nas als. a) e b) e o seu propósito de alterar a sentença para obterem a improcedência total.

XIII. Por conseguinte, a invocada convolação não irá corrigir uma pequena irregularidade, mas modificar substancialmente as posições e riscos das partes, bem como os seus efeitos jurídicos, violando não só a lei, como também as garantias processuais da ora Recorrida, a única parte que interpôs recurso.

XIV. É aliás esta diferença substancial e falta de homogeneidade dos mecanismos processuais que justifica que não se possa qualificar como recurso subordinado as alegações complementares que o recorrido apresenta ao abrigo do artigo 636.º do CPC, uma tal intervenção não poderá superar o caso julgado que se tenha formado relativamente à decisão que não foi objecto de oportuna reacção traduzida na interposição de recurso autónomo ou subordinado, tal como entendeu, e bem, o Acórdão recorrido.

XV. Isto posto, o douto tribunal recorrido decidiu em conformidade e com respeito da lei adjectiva, pois inexiste no presente caso homogeneidade e equiparação entre o meio processual utilizado e o meio processual pretendido que consinta a convolação, tratando-se de meios processuais com objectivos e consequências substancialmente diferentes, além de que está vedado ao Tribunal ad quo e ad quem a modificação do segmento da douta sentença proferida na al. a), b) e c), as quais, por não terem sido objecto de recurso, formaram caso julgado, sob pena de violação do caso julgado e da proibição da reformatio in peius, previsto no artigo 635.º, n.º 5 do CPC.

XVI. No mais, também não assiste razão aos RR./Recorrentes quando afirmam que não se verificam «quaisquer diminuições das garantias processuais da contraparte» e, consequentemente, que não se verifica «a inaproveitabilidade do ato objeto de convolação»

XVII. Além das garantias processuais subjacentes ao caso julgado e à proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 635.º, n.º 5 do CPC, bem como à impossibilidade de convolação por inexistir homogeneidade e equiparação entre os meios processuais, tal como entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra citado pelos Recorrentes, no presente caso a convolação em recurso subordinado é legalmente inadmissível, pois determina um agravamento da posição processual da Recorrida, já que a ora Recorrida apenas teve o prazo de 15 dias para se pronunciar sobre a ampliação do recurso, ao passo que, se tivesse sido interposto recurso subordinado, tendo em conta que foi impugnada matéria de facto, disporia do prazo de 40 dias, nos termos do disposto no artigo 638.º 5 e 8 do CPC.

XVIII. E o agravamento da posição processual da Recorrida é ainda mais evidente no presente caso, pois a ora Recorrida apenas beneficiou do prazo de 15 dias para se defender do risco de ver uma sentença que lhe foi parcialmente favorável, e que não foi objecto de recurso, revertida numa sentença totalmente desfavorável, pelo que é evidente que apenas os Recorrentes sairiam beneficiados em tal cenário, com total prejuízo para a Recorrida, violando o principio da auto-responsabilidade das partes, da igualdade e o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6.º, n.º 1, 4.º do CPC e artigo 20.º 4 da CRP.

XIX. O principio do processo equitativo, na dimensão de “justo processo”, é integrado por vários elementos um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz.

XX. Deste modo, ainda que o artigo 193.º, n.º 3 do CPC, vise suprir o erro na escolha do meio processual, em prol da verdade material, a sua aplicação não pode descurar as circunstâncias concretas e tem como limites incontornáveis os princípios enformadores do processo civil, entre os quais se destacam, o princípio da auto-responsabilidade das partes, o princípio da igualdade e o direito a um processo equitativo, a proibição da reformatio in pejus e as garantias processuais das partes, pelo que deve ser afastada a sua aplicação, dado que tal convolação implica a diminuição das garantias processuais da Recorrida e a violação do disposto no artigo 3.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, 4.º, 635.º, 5, 638.º, n.º 5 e 7 todos do CPC e, ainda, do disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

XXI. Em consequência de tudo o que se expôs, não existe qualquer violação ou errada aplicação do processo, impõe-se aos presentes autos o caso julgado que se formou na parte não recorrida (isto é, al. a), b) e c) da douta sentença), por força do disposto no artigo 635.º, n.º 5 do CPC, ao que acresce que a convolação é legalmente inadmissível, pois representaria um agravamento da posição processual da A./Recorrida, dado que importaria uma patente diminuição e ofensa das suas garantias processuais, bem como a violação da lei e dos princípios enformadores do processo civil, designadamente do disposto no artigo 3.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, 4.º, 635.º, n.º 5, 638.º, n.º 5 e n.º 7 todos do CPC e artigo 20.º 4 da CRP, não se tratando de meios processuais homogéneos e equiparáveis.

XXII. Pelo que, deve a pretensão dos RR./Recorrentes ser julgada improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido nos exactos termos em que foi proferido,

XXIII. Por fim, importa acrescentar que os Recorrente não contestam a decisão do Tribunal da Relação quanto à inadmissibilidade da ampliação do recurso, pelo que admitem e concordam não ser a ampliação o meio adequado aos fins que se propunham alcançar, invocando agora a convolação, porém, quando confrontados com a inadmissibilidade da ampliação de recurso, através da resposta apresentada pela Recorrida, não exerceram o contraditório, nem requereram a convolação que ora suscitam, pelo que aguardaram pelo desfecho dos presentes autos para invocar a convolação, o que é legalmente inadmissível.

XXIV. O princípio consignado no artigo 193.º, n.º 3 do CPC não serve para o tribunal suprir, emendando, a errada opção jurídica de fundo que a parte deliberadamente assumiu nos autos, mantendo-a coerentemente até ao exacto momento em que tomou conhecimento do acórdão recorrido que lhe foi desfavorável, passando a partir dessa altura a reconhecer e admitira sua inadmissibilidade, solicitando a convolação do seu acto ilegal no procedimento processual correcto que censuravelmente omitiu.

XXV. Os Recorrentes, identificaram com clareza o seu decaimento na sentença, bem como a restrição do âmbito do objecto do recurso apresentado pela Recorrida, pelo que a escolha do meio processual, dada as suas graves consequências, não pode ser tida com a leveza de estar em causa apenas um “erro ou mera irregularidade”, pois tal entendimento poderá dar cobertura a estratégias processuais dilatórias e contrárias a lei e ao direito, razão pela qual deve a pretensão dos Recorrentes ser julgada improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido nos exactos termos em que foi proferido.

XXVI. Invocam os Recorrentes como fundamento da revista o disposto no artigo 674.º, n.º 3 do CPC, alegando para tanto que o Acórdão recorrido considerou provada a transmissão do estabelecimento comercial sem que, segundo estes, o que se refere sem conceder, conste dos autos qualquer elemento de prova, que demonstre, que à data da constituição da sociedade ‘A..., Unipessoal, Lda, se tenha verificado a transmissão do estabelecimento comercial, da globalidade dos seus elementos corpóreos e incorpóreos.

XXVII. Ora, a presente situação não se enquadra em nenhuma das hipóteses consagradas nos artigos 682.º, n.º 2 e artigo 674.º, n.º 3 ambos do CPC, pois o Acórdão recorrido não procedeu à reapreciação dos factos considerados provados e não provados, mantendo incólumes os factos fixados pela douta sentença, por considerar que, no presente caso, o conhecimento dos factos impugnados se revela um acto inútil, pois a revogação da sentença e o conhecimento do erro de julgamento não depende dos factos impugnados, na medida em que a sua revogação resulta da mera articulação dos factos apurados nos autos com o direito aplicável, pelo que inexiste qualquer juízo de prova ou de meio de prova fixado pelo Tribunal recorrido susceptível de controlo pelo Tribunal ad quem.

XXVIII. Por outro lado, os RR./Recorrentes não impugnam a decisão do Tribunal da Relação que julgou o pedido de alteração da matéria de facto improcedente, logo, não tendo sido essa decisão alvo de recurso, transitou em julgado, impondo-se nestes autos o caso julgado quanto à matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª instância.

XXIX. Em consequência, não estamos perante uma das situações excepcionais em que o Supremo Tribunal de Justiça pode rever o Acórdão recorrido, previstas nos artigos 682.º, n.º 2 e artigo 674.º, n.º 3 do CPC, além de que se impõe ao Tribunal ad quem o caso julgado que se formou relativamente à matéria de facto, não tendo a decisão do Tribunal da Relação sido alvo de recurso, pelo que a requerida revista deve ser julgada improcedente, com as devidas consequências legais.

XXX. Sem conceder, dir-se-á, ainda, que não compete a este tribunal conhecer de matéria de facto, nem tampouco conhecer de questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, destinando-se os recursos a modificar decisões, tendo sempre por objecto a decisão recorrida, e não a criar decisões sobre matéria nova,

XXXI. Os Recorrentes, nas suas contra-alegações, fls. 2 a 53, limitaram-se a tecer interpretações sem qualquer correspondência com os factos provados, manifestando que «não concordam, parcialmente, com o teor dos Factos Provados n.º 49, 54 e 55»,

XXXII. Porém, em sede de ampliação de recurso não requereram a alteração dessa matéria de facto, nem suscitaram nas contra-alegações e na ampliação de recurso as questões agora invocadas, pelo que, estando em causa a matéria fixada pelo Tribunal de 1.ª instância, que não foi objecto de reapreciação, não tendo os RR./Recorrentes suscitado perante o Tribunal recorrido a inconformidade que ora manifestam relativamente aos factos provados, está vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

XXXIII. Sem conceder na inadmissibilidade do recurso de revista, por mera cautela e dever de patrocínio, sempre se dirá que não assiste qualquer razão aos Recorrentes, não existe qualquer contrariedade do Acórdão recorrido com os factos provados, ambas as instâncias concluíram na transmissão da globalidade do estabelecimento comercial, contudo, a sentença apenas julgou os pedidos da Autora improcedentes por padecer de um erro de raciocínio na aplicação do direito aos factos considerados provados.

XXXIV. Ora, os RR./Recorrentes aceitam que o estabelecimento comercial pertence à herança aberta por óbito de CC e, embora não queiram aceitar, reconhecem que existiu a transmissão desse estabelecimento comercial, não tendo a virtualidade para descaracterizar a transmissão evidenciada pelos factos provados, alegar que os resultados da venda dos bens, mercadorias e viaturas integraram a herança através do depósito, pois o que releva nos presentes autos é que tais bens incorporavam o estabelecimento comercial que pertence à herança aberta por óbito de CC, conforme resulta dos factos provados, pelo que DD, sento titular apenas de uma quota-parte, não tinha direito, nem legitimidade para proceder à sua transmissão, sem consentimento, nem conhecimento dos restantes herdeiros.

XXXV. O que se discute no presente recurso, uma vez que já foi decidido nestes autos, por sentença transitada em julgado, ser ineficaz perante a A./Recorrida a partilha efectuada pelas escrituras de “Habilitação de Herdeiros e Partilha” de 28.05.2009 e de Rectificação de 27.06.2012, bem como ser ineficaz a venda feita pela escritura de 6.07.2012 das frações B, C, D e E nela melhor identificadas, tendo sido ainda declarado que todos aqueles bens continuam a pertencer à herança aberta por óbito de CC, «é se também pertencia à mesma herança o referido estabelecimento comercial, como sustenta a Apelante e, em caso afirmativo aferir se é nula ou ineficaz ( cabendo a qualificação jurídica do vício ao tribunal) a transmissão desse estabelecimento efectuada apenas por um dos herdeiros -DD- para a sociedade A..., Unipessoal, Lda»

XXXVI. Da factualidade provada não resulta, como agora alegam os Recorrentes que o estabelecimento comercial «cessou, de facto» a respectiva actividade com a constituição da sociedade, nem tampouco que «a unidade jurídica e económica do estabelecimento comercial (…) cessou a respectiva actividade em 27/02/2012, pelo que perdeu a sua identidade jurídica», aliás o facto provado n.º 55 e a convicção firmada pelo tribunal a quo evidenciam que o estabelecimento comercial não cessou a sua actividade, nem perdeu a sua identidade jurídica, pois o Tribunal de 1.ª instância, socorrendo-se do depoimento do RR. AA, refere que «o avô decidiu constituir uma sociedade comercial que passaria, designadamente, a explorar o referido estabelecimento», portanto, a sociedade passou a explorar o referido estabelecimento comercial (ou seja, o estabelecimento comercial, criado em 1984, denominado “Centro ....”), assim o que existe no presente caso é um erro de julgamento na aplicação do direito aos factos considerados provados, conforme apontou o Tribunal recorrido.

XXXVII. Resulta dos factos provados, o que foi igualmente reconhecido na sentença proferida, que «à data do óbito de CC esta era titular, conjuntamente com o marido DD, de um estabelecimento comercial que foi criado em 1984 e que exploravam nas frações do prédio urbano sito na Av. ..., nºs 177 e 179, sob a denominação “Centro ....”, que era integrado pelos bens constantes do art. 27º da PI (com excepção dos identificados nas alíneas h) e k) a s)), incluindo os dois veículos de marca Citroen aí identificados, que comercializava produtos da área da alimentação, cosmética, suplementos alimentares, homeopatia, emagrecimento e plantas medicinais, que prestava serviços, designadamente de naturopatia, que dava lucro, tinha alvará, equipamentos, mercadoria e clientela, trabalhadores e colaboradores.» - Cfr. Factos Provados 24, 48 a 53 e 56

XXXVIII. É a douta sentença quem reconhece que o estabelecimento comercial denominado “Centro ....” existia à data do decesso de CC e, por isso, não pode deixar de ser considerado como um bem que integra a herança, concluindo que, integrando o estabelecimento comercial a herança aberta por óbito de CC, não produziram quaisquer efeitos os actos de apropriação de outros bens da herança, designadamente o estabelecimento comercial “Centro ....”, que continuam a fazer parte da herança, por esse motivo o Tribunal da Relação acompanha o entendimento tecido pelo Tribunal de 1.ª instância, nada acrescentando de novo, até aos esclarecimentos complementares introduzidos pela sentença em relação à alínea D) sobre o estabelecimento comercial e nos quais se evidencia que a improcedência relativamente aos pedidos formulados sob as alíneas «d), não declarando que a herança aberta por óbito de CC é proprietária daquele estabelecimento comercial (quando anteriormente o havia afirmado ser), julgou improcedente o pedido que havia sido feito sob a alínea e), não declarando a nulidade (neste caso ineficácia) da transmissão do referido estabelecimento para a sociedade A..., Unipessoal, Lda (quando anteriormente havia afirmado essa mesma ineficácia) e não ordenou a restituição de tal estabelecimento à referida herança (mera decorrência da ineficácia da transmissão), resultando essa improcedência de um erróneo raciocínio sobre uma alegada transformação do estabelecimento comercial em sociedade comercial e extinção daquele», decorre de um manifesto e erróneo raciocínio sobre uma alegada transformação do estabelecimento comercial em sociedade comercial e extinção daquele, conforme transcrito no artigo 98.ºdas contra-alegações.

XXXIX. Da factualidade considerada provada, como bem entendeu o Tribunal recorrido, resulta que «o casal era titular de um verdadeiro estabelecimento comercial, caracterizado por um conjunto de bens e elementos corpóreos e incorpóreos devidamente organizados para o exercício de uma actividade económica, conforme sumariamente descritos nos pontos 48 a 56 dos factos provados», entendido como uma organização produtiva não redutível a uma actividade e bens meramente agregados, enquanto unidade jurídica, bem complexo, coisa móvel e incorpórea susceptível de ser objecto de direitos e relações jurídicas, ao abrigo do disposto no artigo 202.º, n.º 1 e art.º 205.º, n.º 1 do Código Civil.

XL. Isto é, estamos perante:

- um estabelecimento comercial que foi criado em 1984 e que o casal explorava nas frações do prédio urbano sito na Av. ..., nºs 177 e 179, sob a denominação “Centro ....” (Facto Provado 48);

- que era integrado pelos bens constantes do art. 27ºda PI (com excepção dos identificados nas alíneas h) e k) a s)), incluindo os dois veículos de marca Citroen aí identificados (Facto Provado 20, 21 e 49);

- que comercializava produtos da área da alimentação, cosmética, suplementos alimentares, homeopatia, emagrecimento e plantas medicinais, que prestava serviços, designadamente de naturopatia (Facto Provado 50 e 51)

- que dava lucro (Facto Provado 52, 53 e 56);

- tinha alvará (Facto Provado 24);

- equipamentos, mercadoria, clientela, trabalhadores e colaboradores (Facto Provado n.º 54, 55 e 56);

- que tinha valor próprio (Facto Provado n.º 56)

41. O estabelecimento comercial considerado com a abrangência descrita pelo Tribunal de 1.ª instância, não desvirtua a sua natureza, pelo que a tese propugnada pelos RR./Recorrentes nas suas conclusões de que «quando se refere no Facto Provado n.º 54, a ideia de transmissão global de estabelecimento comercial, refere-se apenas aos elementos que o integravam aquele à data e não a uma ideia de transmissão formal de um todo – o estabelecimento – como se tivesse verificado a transmissão de uma unidade», pois é a douta sentença que se refere ao estabelecimento comercial como «um bem que integra a herança», resultando dos factos provados, numa adequada aplicação do direito, que existe um estabelecimento comercial, enquanto unidade jurídica, bem complexo, objecto de relações.

42. Logo, tendo presente a natureza jurídica do estabelecimento comercial, amplamente exposto no recurso interposto pela e pelo Tribunal a quo, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, entendeu bem o Tribunal a quo em não acompanhar a douta sentença proferida quando refere que «o estabelecimento passou a sociedade unipessoal na titularidade de DD» ou que foi «erigido em sociedade comercial», uma vez que, o que resulta dos factos provados é que o estabelecimento comercial foi transferido para a sociedade unipessoal, com os seus equipamentos, mercadorias e respectiva clientela, trabalhadores e colaboradores «sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal DD e CC» (cfr. Facto Provados n.º 48 a 56)

43. A confusão de conceitos entre estabelecimento comercial e sociedade da sentença proferida é patente, bem como o erro lógico e de direito, tal como assinala o Acórdão recorrido, «o estabelecimento foi transferido para a sociedade como qualquer outro bem, nunca se transformou em sociedade nem se vê como seria isso possível, nem se compreende como se pode questionar se “ a ineficácia da partilha (…) atinge, por arrasto, a constituição da sociedade unipessoal”, porquanto a sociedade tem personalidade jurídica e não se confunde com o seu activo ou património, que um dia é um e no outro pode ser diferente, basta que aliene o património»

44. Tal como refere o Acórdão recorrido:

«A ineficácia da partilha também em nada atingiria a sociedade unipessoal constituída por um dos herdeiros, desde logo porque a partilha declarada ineficaz não a abrangeu, porque tal sociedade não existia à data da morte de CC e por conseguinte não constituía património a partilhar, diferente do estabelecimento com o qual a sociedade nunca se confunde, estabelecimento este que ao contrário da sociedade constitui um bem a partilhar por todos os herdeiros de CC.

A sociedade unipessoal existe, tal qual existe o estabelecimento comercial que para ela foi transmitido, esta transmissão é que é ineficaz perante os demais herdeiros, apesar disso mantém-se incólume a sociedade por não estar em causa qualquer vício na sua constituição.»

45. O erro de direito é ainda patente na douta sentença quando afirma que:

«o estabelecimento comercial que ficou por óbito, não é a sociedade unipessoal criada pelo marido», pois estão em causa realidades distintas de um lado um sujeito (a sociedade) e do outro um objecto (o estabelecimento) que mantêm a sua existência com autonomia, tal como afirma o acórdão recorrido «A sociedade unipessoal existe, tal qual existe o estabelecimento comercial que para ela foi transmitido, esta transmissão é que é ineficaz perante os demais herdeiros, apesar disso mantem-se incólume a sociedade por não estar em causa qualquer vício na sua constituição.

O estabelecimento comercial é um bem jurídico complexo-porque composto por vários bens e elementos, corpóreos e incorpóreos- e unitário- porque constitui uma unidade funcional e jurídica, suscetível de ser globalmente transacionado, transmitindo-se, portanto, todos os bens (corpóreos e incorpóreos) e elementos que o integram, sem que seja necessário que as partes os inventariem, separem e os transacionem isoladamente.

Uma sociedade unipessoal pode ter no seu património um estabelecimento comercial, como por regra acontece, mas com ele não se confunde, sendo o estabelecimento um bem passível de ser cindido a qualquer momento da sociedade ou da pessoa a quem pertença.»

46. Pelo que, tendo em conta que os estabelecimentos comerciais não se transformam em sociedade, transmitem-se ou perdem a sua identidade, tendo resultado da prova produzida e dos factos provados que existia um estabelecimento comercial e que esse estabelecimento comercial foi transmitido para a sociedade, não podia o Tribunal de 1.ª instância, concluir, como fez que o estabelecimento comercial se transformou em sociedade e se esvaiu com o tempo e com as transformações que o DD lhe foi impondo (cfr. Facto Provado n.º 54 e 55).

47. Incumbia ao Tribunal de 1.ª instância aplicar em sede de direito, de forma adequada, as consequências jurídicas do acto de transmissão, in casu, a ineficácia, que expressamente reconheceu, sendo que não corresponde à verdade o alegado pelos RR./Recorrentes de que o conceito de trespasse é um conceito novo que nunca tinha sido invocado, porquanto, a A./Recorrida no artigo 70.º da petição inicial alegou a transmissão do estabelecimento comercial sem documento escrito que consubstancie esse trespasse, invocando a nulidade, pelo que não constitui qualquer argumento novo.

48. Também não se pode afirmar que o Tribunal de 1.ª instância deixou de se pronunciar, pois conforme resulta dos factos provados, o Tribunal de 1.ª instância considerou provado que existiu a transmissão do estabelecimento comercial para a sociedade, sendo, de facto o mesmo estabelecimento comercial que era explorado pelo casal e que existia à data do decesso de CC (facto provado 54 e 55), considerando ineficaz os actos de apropriação do referido estabelecimento comercial, enquanto bem que integra a herança, porém, em sede de fundamentação de direito, através de considerações complementares, entendeu, erroneamente como sinalizou o Acórdão recorrido, que esse estabelecimento comercial “passou a sociedade”, “se transformou em sociedade”, foi “erigido em sociedade” e se “esvaiu com o tempo”

49. Daí que não se possa afirmar, conforme alegam os Recorrentes, que foi o Acórdão da Relação que considerou provada a transmissão da globalidade do estabelecimento, já que foi o tribunal de 1.ª instância que considerou provada essa transmissão, errando na aplicação dos direitos aos factos provados. (Facto Provado 54 e 55).

50. Nem se pode afirmar que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o trespasse, porquanto, tal como entendeu o tribunal recorrido, o trespasse é um termo genérico, uma figura onde cabem todas as negociações relativas à empresa, que tenham por finalidade a sua transmissão definitiva, por acto entre vivos, podendo ou não ser de caracter oneroso.

51. Pelo que, o trespasse, pode, mas não tem de ser oneroso, pelo que para que exista, não se exige a «prova que os artigos 874.º e 875.º do Código Civil mencionam e requerem», conforme alegam os Recorrentes, bastando que exista a transmissão definitiva da propriedade do estabelecimento comercial, o que sucede in casu.

52. Já que resulta dos factos provados que a constituição da sociedade é posterior à criação do estabelecimento comercial que já existia com todos os seus elementos e enquanto unidade jurídica (Factos Provados 48 a 56), pelo não implicou a sua transformação, nem extinção, antes, conforme resulta dos factos provados, o estabelecimento que a sociedade explora é de facto o mesmo estabelecimento comercial de que eram proprietários o casal DD e CC (Facto 55).

53. Por isso, tal como refere o Acórdão recorrido embora não conste dos autos o modo específico como foi transferido o estabelecimento comercial, ficou efectivamente provado DD transmitiu o estabelecimento comercial “Centro ....” para a sociedade (Facto 54), tal como ficou provado que afectou ao estabelecimento comercial os dois veículos (factos provados 20, 21 e 49), instalou a sociedade, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava a loja “Centro ....” e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal DD e CC (Facto 55) e em Junho desse mesmo ano (2012) DD vendeu à referida sociedade as frações autónomas designadas pelas letras B, C, D, E do prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Av. Dr ..., nº 177 e 179, ..., precisamente onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial e se veio a instalar a referida sociedade (Facto 19 e 48).

54. Por conseguinte, não assiste razão aos Recorrentes quando alegam que não consta dos autos qualquer elemento de prova que demonstre que “à data da constituição da sociedade” se tenha verificado a transmissão, pois resulta dos factos provados (e não impugnados pelo Recorrente), transitados em julgado, que aquando da constituição da sociedade DD transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento comercial “Centro ....”, equipamentos, mercadorias, respectiva clientela, trabalhadores, veículos e as fracções (Factos Provados 20, 21, 49, 54, 55 e 19)

55. No mais, alegam os Recorrente que não aceitam uma decisão que transmite a ideia de transmissão global sem fundamentar o modo como se verificou tal transmissão, exercendo censura diante do Acórdão da Relação e exigindo o meio de prova que demonstre a dinâmica transmissiva alicerçada no facto único – Facto Provado n.º 54,

56. Ora, o Tribunal de 1.ª instância, através da análise concatenada de toda a prova produzida, considerou provada a existência do estabelecimento comercial à data do decesso de CC, considerando que esse bem integra a herança conforme refere na fundamentação de direito, e considerou provada a transmissão da globalidade do estabelecimento comercial “Centro ....” para a sociedade, concluindo serem ineficazes todos os actos de apropriação do referido estabelecimento, errando, porém, na aplicação do direito aos factos considerados provados ao entender que o estabelecimento comercial se “transformou em sociedade” em esclarecimentos complementares,

57. Os Recorrentes, embora discordassem parcialmente dos factos considerados provados (49, 54 e 55), conformaram-se com o assim decidido, pelo que não podem agora insurgir-se contra os factos provados que transitaram em julgado e os quais evidenciam de forma clara que existiu a transmissão do estabelecimento comercial,

58. A presente acção visa obter sentença que de determine que referido estabelecimento comercial volte para a herança indivisa à qual pertencia quando foi transmitido para a sociedade Apelada e, para isso basta demonstrar-se o vício de que padece o negócio de transmissão desse estabelecimento comercial de DD para a sociedade A..., Unipessoal, Lda, ora da factualidade provada resulta que o estabelecimento comercial existia à data do decesso de CC (Facto Provado 24, 48 a 56), pelo que, tratando-se de um bem que pertence a herança, tendo já ficado decidido, por sentença transitada em julgado, a ineficácia da partilha de 28.05.2009 e Rectificação de 27/06/2012, encontrando-se provado que DD, aquando da constituição da sociedade “A..., Unipessoal, Lda” transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento comercial denominado “Centro ....”, sendo de facto o mesmo estabelecimento comercial de que eram proprietários o casal DD e CC (Facto Provado 54 e 55)

59. Independentemente do modo como a transmissão tenha operado, impõe-se nos presentes autos a conclusão de que o acto de transmissão, como res inter alios, é um acto verdadeiramente ineficaz perante os demais herdeiros, nomeadamente a A./Recorrida, tal qual sucedeu com os restantes bens.

60. Tal como entendeu o Acórdão recorrido:

«aquando da constituição da sociedade A..., Unipessoal, Lda o seu único sócio, DD, para ela transferiu o estabelecimento comercial com a globalidade dos seus elementos corpóreos e incorpóreos (facto provado 54 e 55), bem sabendo que esse estabelecimento comercial não lhe pertencia em exclusivo, porque fizera parte da comunhão conjugal com a sua mulher e depois do falecimento desta uma quota parte do mesmo ficou a pertencer àquela herança indivisa.

Relativamente à venda das frações que não pertenciam em exclusivo ao herdeiro DD, sendo apenas um dos herdeiros da herança à qual tais frações continuavam a pertencer (declarada que foi ineficaz a partilha através da qual lhe foram tais bens adjudicados) essas vendas foram declaradas ineficazes na sentença recorrida.

E igual desfecho se impõe relativamente à transmissão do estabelecimento comercial, que também não lhe pertencia em exclusivo, consubstanciando esse acto de transmissão, como res inter alios, um acto verdadeiramente ineficaz perante os demais herdeiros, nomeadamente a Apelante.

Não tendo a Apelante tido qualquer intervenção nos negócios de transmissão dos bens pertencentes à herança da qual também é herdeira, sendo tais actos perante ela ineficazes- res inter alios acta- os mesmos são insuscetíveis de produzir efeitos sobre o património a que tem direito, operando essa ineficácia dos contratos ipso iure.

Consequentemente devem ser declarados procedentes os pedidos formulados sob a alínea d) (mencionando-se o conteúdo do estabelecimento que foi em termos sumários apurado nos autos, não sendo esta a sede própria para apurar com rigor designadamente o seu valor à data do óbito de CC) e sob a alínea e) da petição inicial.»

61. Pelo que entendeu e bem o douto Tribunal, julgar parcialmente procedente, revogando parcialmente a sentença recorrida, substituindo-a pelo seguinte:

«d) Declara-se que pertence à herança aberta por óbito de CC o estabelecimento comercial denominado “Centro ....”, a laborar nas frações B, C, D, E do prédio urbano sito na Av. ..., nºs 177 e 179, em ..., integrado pelos bens identificados no ponto 49 dos factos provados, entre os quais os veículos de matrícula ..-..-IZ e VL-..-..;

e) Julga-se ineficaz a transmissão do estabelecimento comercial denominado “Centro ....”, identificado nos pontos 48, 49, 54 e 55 dos factos provados, efectuada por DD para a sociedade A..., Unipessoal, Lda, ordenando-se a restituição desse estabelecimento à herança aberta por óbito de CC, condenando-se os Apelados nessa restituição, bem como a absterem-se de qualquer comportamento que perturbe a propriedade da herança relativamente a esse estabelecimento;»

62. O que decorre da factualidade provada, tendo sido declarado na sentença proferida, mas que não constou no segmento dispositivo por padecer de um erro de raciocínio na aplicação do direito aos factos provados.

63. Por tudo o exposto, nenhuma censura existe quanto ao Acórdão recorrido que aplicou correctamente o direito aos factos provados, devendo o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão nos exactos termos em que foi proferido, o que se requer.

Nestes termos e nos melhores de Direito o recurso apresentado pelos Recorrentes deve ser julgado por V.Exas., totalmente improcedente, mantendo-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nos exactos termos em que foi proferido.

Termos em que, negando-se provimento ao presente recurso com custas, custas de parte e procuradoria a cargo dos Recorrente se fará a costumada JUSTIÇA.


*


I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível nos termos do disposto no art.º 671.º do Código de Processo Civil.


*


I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

I. Convolação da Ampliação do objecto do recurso de apelação em recurso subordinado.

II. Prova da transmissão do estabelecimento comercial.


*


I.4 - Os factos

O acórdão recorrido considerou relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos:

I. BB nasceu a .../.../1960 e foi registada como filha de DD e de CC – fls. 43 (A).

II. EE nasceu a .../.../1956 e foi registado como filho de DD e de CC – fls. 46 (B).

III. Por escritura de 28/05/2009, DD, viúvo, e FF habilitaram-se como únicos herdeiros de CC, falecida a .../.../2009, o primeiro na qualidade de viúvo e o segundo na qualidade de único filho – fls. 49/50 (C).

IV. Pela mesma escritura os habilitados procederam à partilha dos bens que integram a herança da mesma CC constituída:

1º - por seis fracções autónomas, sitas na freguesia de ... – ... -, designadas, respectivamente, pelas letras B, C, D, E, U e AG pertencentes ao prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Av. Dr. ..., nºs. 177 e 179, inscrito na matriz sob o artigo ..00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 5, todas inscritas a favor do agora dissolvido casal DD e CC – fls. 50/52;

2º - pelas fracções autónomas designadas pelas letras M e N do prédio em regime de propriedade horizontal sito na ... 23, 23-A e 23-B, inscrito na matriz sob o artigo ..02 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .51, ambas inscritas a favor do casal (ora dissolvido) DD e CC – fls. 52;

3º - a fracção autónoma designada pela letra Q do prédio em regime de propriedade horizontal sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo 3957 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 89;

4º - a fracção autónoma designada pela letra X do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... e Prolongamento da ... – Rua ... e ..., inscrito na matriz sob o artigo nº ..03 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 207 – fls. 53 (D).

5. Os bens foram divididos em duas partes iguais no valor cada uma de € 181.843,05, assim se encontrando a meação do viúvo e da falecida CC. A meação desta divide-se em partes iguais, cabendo uma ao viúvo e outra ao filho da falecida, pelo que ao DD caberia uma quota no valor de € 272.764,58 e ao FF a quota de € 90.921,53 – fls. 53/54 (E).

6. Os bens foram todos adjudicados ao viúvo DD, recebendo o FF em tornas – fls. 54 (F).

7. A 27/06/2012, DD, por si e na qualidade de gestor de negócios de EE, GG e FF, rectificou a Escritura de Habilitação e de Partilha referida nos nºs. 3 a 6 dos Factos Provados pela forma seguinte:

a. na parte de habilitação de herdeiros passou a constar que a CC deixou, como únicos herdeiros, ele seu cônjuge supérstite, e os três filhos FF, EE e GG – fls. 267/269;

b) -1) na parte da partilha passou a constar que o activo da herança é de € 363.686,10, o qual é dividido em duas partes iguais, sendo uma a meação dele e a outra a da falecida CC. A parte desta é dividida em partes iguais, por ele, cônjuge sobrevivo, e pelos três filhos;

b) - 2) mantém a adjudicação dos imóveis a seu favor e as tornas, no valor de € 45.460,76, a cada um, devidas a GG e FF já se encontram pagas, e as devidas a EE serão pagas no acto de rectificação de gestão de negócios praticada neste acto – fls. 269/270 (G).

8. Da parte final da escritura de rectificação da gestão consta: “Adverti o outorgante de que o acto de rectificação da partilha é ineficaz para com os seus gestidos enquanto por eles não for rectificado e ainda de que este acto é anulável pelos cônjuges dos seus gestidos por falta de consentimento” – fls. 270 (H).

9. O DD, por intermédio do seu Advogado Senhor Dr. HH, enviou, sob registo, a GG, a EE e a FF as cartas de fls. 275/277, de fls. 279/281 e de 283/285, respectivamente, todas datadas de 03/07/2012 e de igual teor, nas quais:

a) lhes dá conta da escritura de rectificação e seus termos, quer no que respeita à habilitação de herdeiros quer no que respeita à partilha;

b) solicita resposta, num prazo breve, “a eventual aceitação e rectificação, da sua parte, quanto aos actos praticados. Se a resposta for afirmativa, como naturalmente esperamos, ser-lhe-á de imediato endereçado uma minuta de declaração a fim de fazer o favor de preencher e devolver” (I).

10. Com o NIPC nº .......99, está matriculada a firma “A..., Unipessoal, Lda”, que tem por objecto: “comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos alimentares e dietéticos com fins alimentares” – fls. 116 (J).

11. Foi inscrita pela Ap. 2/......27, com o capital de € 50.000,00 pertencente a DD, viúvo, ao qual pertencia a gerência – fls. 116/117 (K).

12. Pela Insc. 2-Ap. 73/......16 passou a gerência a pertencer a AA – fls. 118 (L).

13. Por escritura de 15/06/2012, DD, representado pelo procurador HH, doou ao neto AA a quota de € 50.000,00 de que era titular na firma “A..., Unipessoal, Lda”, livre de quaisquer ónus ou encargos, com todos os correspondentes direitos e obrigações a ela inerentes, por conta da quota disponível, doação esta que foi aceite pelo donatário – fls. 189/191 (M).

14. Pela Menção Dep. ..11/2012-06-29, foi inscrita a transmissão da quota de € 50.000,00 de DD para AA – fls. 118 (N).

15. DD faleceu, a .../.../2014, no estado de viúvo de CC – fls. 120 (O).

16. Por óbito de DD, EE, como cabeça-de-casal e herdeiro, e GG, como herdeira, lavraram, a 15/12/2014, perante a Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Civil de ..., “Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros”, onde consignaram que o autor da herança DD faleceu, a .../.../2014, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo deixado como herdeiros, os filhos EE e GG – fls. 122/123 (P).

17. AA nasceu a .../.../1984 e foi registado como filho de EE e de II – fls. 122 (Q).

18. JJ nasceu a .../.../1979 e foi registado como filho de EE e de KK – fls. 194 (R).

19. Por escritura de 06/07/2012, DD, representado por HH, vendeu à firma “A..., Unipessoal, Lda”, representada pelo sócio único AA, que actuou em nome e representação da mesma firma e aceitou a compra nessa qualidade, pelo preço de € 90.000,00, pago em 60 prestações de € 1.500,00, as fracções autónomas designadas pelas letras B, C, D, E do prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Av. Dr. ..., nºs. 177 e 179, freguesia de ... - ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 5, inscritas a favor do vendedor – fls. 198/202 (S).

20. O veículo de matrícula ..-..-IZ, de marca Citroen, foi registado, a 30/03/2012, a favor de “A..., Unipessoal, Lda” – fls. 60 (T).

21. O veículo de matrícula VL-..-.., de marca Citroen, encontra-se registado a favor de “A..., Unipessoal, Lda” desde 30/03/2012 – fls. 76 (U).

22. A marca nacional nº ....13 – “Centro ....” – foi pedida a 08/11/2011, tendo sido o registo concedido a 25/01/2012 – fls. 330 (V).

23. A marca foi transmitida por DD para “A..., Unipessoal, Lda” a 25/06/2012 – fls. 337/340 e 456/459 (W).

24. A Câmara Municipal de ... concedeu, a 21/11/1984, a DD, o Alvará nº ... para explorar um estabelecimento de Produtos Diese em ... nº 179 – r/c, loja E – fls. 374/375 e 490/491 (X).

25. No dia 14/04/1982, no 1º Cartório da Secretaria Notarial de ..., compareceu como testadora CC, que declarou que, por este testamento, institui herdeiro da quota disponível de seus bens o seu marido DD – fls. 592/595.

26. No dia 14/04/1982, no 1º Cartório da Secretaria Notarial de ..., compareceu como testador DD, que declarou que, por este testamento, institui herdeira da quota disponível de seus bens a sua mulher CC – fls.718/720.

27. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 5/......13-E da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: para comércio, correspondente ao r/c posterior, junto à estrema norte, constituída por uma loja ampla, com a área de 30 m2 e uma dependência na cave com a área de 21 m2 – fls. 677/680.

28. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 8 de 1983/08/29 a favor de DD e CC, casados no regime de comunhão geral, por permuta;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. 25 de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, Lda, por compra a DD – fls. 677/678.

29. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 5/......13-U da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: para habitação, correspondente ao 6º andar esquerdo e sótão, intercomunicáveis, compreendendo o andar propriamente dito com a área de 63 m2, o terraço com 18 m2 e o sótão com a área de 40 m2, aproximadamente – fls. 681/684.

30. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 8 de 1983/08/29 a favor de DD e CC, casados no regime de comunhão geral, por permuta;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. ..63 de 2010/01/04 a favor de LL e de MM, por compra a DD – fls. 681/682.

31. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 5/......13-B da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: o r/c centro posterior esquerdo, para comércio; área: 27 m2 e duas caves, uma na extrema poente com 31 m2 e outra na extrema nascente ao centro com 20 m2 – fls. 685/687.

32. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 2 de 2000/02/10 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. 25 de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, Lda, por compra a DD – fls. 685/686.

33. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 5/......13-AG da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: para habitação, correspondente ao 6º andar esquerdo e sótão intercomunicáveis, compreendendo o andar propriamente dito com a área de 109 m2 e terraço envolvente com 70 m2 e o sótão com a área de 60 m2 – fls. 689/691.

34. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 7 de 1983/08/29 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC – fls. 689.

35. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 5/......13-D da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: r/c posterior esquerdo – 79 m2 – divisão com sanitário e arrumo na cave – fls.693/695.

36. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 4 de 1990/09/27 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. 25 de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, Lda, por compra a DD – fls. 693/694.

37. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 5/......13-C da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: loja ampla no r/c posterior esquerdo, para comércio, no ângulo poente norte; Área: 36 m2 e uma divisão na cave ao centro com 29 m2 – fls. 697/699.

38. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 2 de 2000/02/01 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. 25 de 2012/07/09 a favor de A..., Unipessoal, Lda, por compra a DD – fls. 697/698.

39. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº .51/......30-N da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: garagem individual, na extrema norte a segunda a contar de poente para nascente – 16,5 m2 – fls. 701/702.

40. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 2 de 1990/09/14 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. 22 de 2014/09/11 a favor de NN, por compra a DD – fls. 701/702.

41. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº .51/......30-M da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: garagem individual, na extrema norte a primeira a contar de poente para nascente – 16 m2 – fls. 703/704.

42. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 2 de 1990/09/14 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. 22 de 2014/08/05 a favor de OO, por compra a DD – fls. 703/704.

43. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº .89/......04-Q da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: na cave, a 1ª garagem individual, com área de arrumos incluída, no ângulo nascente/norte (junto à caixa de escadas) – 175,5 m2 – fls. 705/707.

44. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 23 de 1999/05/17 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC – fls. 705.

45. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº .07/......21-X da freguesia de ..., a seguinte fracção autónoma: na cave, na extrema sul, para arrumos – área: 78, m2 – fls. 709/712.

46. Esta fracção foi inscrita:

a) pela AP. 1 de 1987/12/05 a favor de DD, casado com CC, no regime de comunhão geral, por compra;

b) pela AP. ..54 de 2009/06/01 a favor de DD, viúvo, por dissolução da comunhão conjugal e partilha por óbito de CC;

c) pela AP. .48 de 2016/01/22 a favor de PP, por compra a EE e GG, na qualidade de únicos herdeiros de DD – fls. 709/712.

47. À data do falecimento da CC existiam os seguintes depósitos bancários de que era titular o casal constituído pelo DD e pela CC em conjunto ou em contas individuais, no total de € 992.921,19:

a. € 200.000,00, no Banco Santander Totta – fls. 1091v./1092;

b. € 765.015,63, no Banif – fls. 1124/1125;

c. € 2.594,73, no Banco Popular – fls. 1124;

d. € 3.546,55, no Eurobic – fls. 1081 e 1081v.;

e. € 1.223,34, no Barclays – fls. 1109v./1110;

f) € 19.574,11, no BBVA – fls. 1027v. e fls. 1045v.;

g) € 966,83, no BCP – fls. 1061/1061v..

48. Posteriormente à concessão pela Câmara Municipal de ..., a 21/11/1984, do Alvará nº ..27 referido em 24 dos Factos Provados a DD, este e a CC passaram a explorar nas fracções do prédio urbano sito na Av. Dr. ..., nºs. 177 e 179, um estabelecimento comercial sob a denominação “Centro ....”.

49. À data do decesso da CC, este estabelecimento comercial era integrado pelos bens constantes do artigo 27.º da petição inicial, com excepção dos identificados nas alíneas h) e k) a s).

50. O referido estabelecimento comercial comercializava produtos da área da alimentação, cosmética, suplementos alimentares, homeopatia, emagrecimento e plantas medicinais.

51. E prestava serviços de naturopatia.

52. O lucro do estabelecimento, que consta das declarações às Finanças, nos anos de 2007 a 2011 é, respectivamente, de € 20.775,57, € 17.919,65, € 18.490,13, € 18.432,12 e € 23.210,92.

53. O crédito acumulado, em termos contabilísticos, até ao fim do ano de 2011 é de € 240.572,98, e o fundo de maneio (caixa) é de € 57.617,56.

54. Aquando da constituição da firma, ora Ré, “A..., Unipessoal, Lda”, o DD transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “Centro ....”, equipamentos, mercadoria e a respectiva clientela.

55. A sociedade unipessoal foi instalada, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava a loja “Centro ....”, e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal DD e CC.

56. Com base no balancete à data de 31/12/2008:

a. o valor próprio do estabelecimento era, nessa data, de € 287.326,27;

b. o valor das mercadorias, nessa data, de € 269.773,57 (perícia).

57. A ora A. trabalhou para o estabelecimento comercial “Centro ....” entre 1998/1999 e Agosto de 2011, e o irmão EE trabalhou para o referido estabelecimento entre 2004 e Janeiro de 2022.

58. A ora A. recebeu do pai DD, através do cheque, a 1/10/2011, 11/10/2011, 18/10/2011 e 03/01/2012, respectivamente, as quantias de € 25.000,00, € 25.000,00, € 50.000,00 e € 100.000,00 – fls. 1012 e 1077v./1079.

59. A ora A. recebeu do pai DD, através do cheque, a quantia de € 28.000,00, a 27/07/2008 – fls. 431.

60. EE recebeu de DD, através do cheque, a quantia de € 28.000,00, a 25/07/2008 – fls. 430.

61. As quantias referidas em 59 e 60 dos Factos Provados respeitavam a 2/3 do valor da venda da fracção U, que foi de € 84.000,00 no total.

62. Os filhos do DD (BB e EE) nunca demonstraram qualquer interesse ou aptidão em assegurar o futuro do negócio que aquele desenvolvia a nível individual.

63. O DD quis doar, e não vender, a quota da sociedade “A..., Unipessoal, Lda” ao neto.

64. Existiam contas bancárias conjuntas entre o DD e os filhos, bem aprovisionadas, mas que apenas eram movimentadas pelo DD. Este tinha também contas bancárias conjuntas com a nora e com terceiros, que também só eram movimentadas pelo DD.

65. A mercadoria foi vendida à sociedade Ré por € 229.475,75 (+ IVA).

66. A sociedade “A..., Unipessoal, Lda” efectuou pagamentos no valor de € 35,000,00 a DD referente a mercadorias adquiridas.

Factos não provados:

a. O estabelecimento comercial denominado “Centro ....” prestava os seguintes serviços: consultas e terapias de osteopatia, homeopatia, acupunctura, shiatsu e mesoterapia;

b. O DD transmitiu para a sociedade “A..., Unipessoal, Lda” a globalidade do estabelecimento “Centro ....”, equipamentos, mercadoria e a respectiva clientela, com total desconhecimento da A. e seu irmão germano EE;

c. O AA, quando aceitou a doação de 15/06/2012, sabia que a doação da quota integrava a herança, ainda indivisa, aberta por óbito da avó CC, designadamente do estabelecimento comercial “Centro ....”;

d. A mesma doação da quota foi efectuada de comum acordo entre o DD e o neto AA com o intuito de ser uma venda da quota pelo preço de € 50.000,00 e da mercadoria pelo valor de € 400.000,00;

e. Este acordo de doação teve por finalidade retirar o estabelecimento da herança da CC e evitar a necessidade legal de os filhos e o outro neto assinarem a escritura da venda da quota e do estabelecimento que o avô pretendeu fazer ao neto, unicamente para o beneficiar em detrimento dos outros netos;

f. EE recebeu, a 08/09/2011, do pai a quantia de € 100.000,00;

g. A ora A. e o irmão QQ receberam de tornas, em resultado do acordo havido entre eles, entre Setembro de 2011 e Julho de 2012, as quantias constantes dos artigos 12.º e 65.º da contestação dos RR. AA e “A..., Unipessoal, Lda”;

h. os valores referidos em 58 e 59 dos Factos Provados foram entregues no âmbito desse acordo, havido entre o DD e os filhos BB e EE para fechar a partilha extrajudicial dos bens deixados por óbito da CC;

i. o FF nada tem a ver com a partilha feita na escritura de 2009, da qual foi unicamente responsável o DD;

j. Nunca o DD quis prejudicar os filhos na partilha;

k. A A. e o irmão EE ratificaram a escritura de rectificação.


***


II – Fundamentação

I. Convolação da Ampliação do objecto do recurso de apelação em recurso subordinado

O tribunal recorrido decidiu que:

Por conseguinte, a ampliação do recurso apresentada pelos Apelados apenas será tomada em consideração nos pontos em que os Apelados tenham apresentado fundamentos distintos dos da Apelante quanto aos segmentos decisórios em que esta decaiu e aos factos vertidos na ampliação que se contenham dentro do objecto do recurso delimitado pela Apelante, que incide basicamente sobre a nulidade da transmissão do estabelecimento comercial e sua restituição à herança aberta por óbito de CC, bem como a nulidade da doação outorgada por escritura de 15.07.2012 e, o peticionado cancelamento dos registos que hajam sido feitos ou venham a fazer-se sobre os bens objecto da escritura de 6.07.2012.”.

Contra esta decisão se insurgem, neste recurso de revista, os recorrentes AA e A..., Unipessoal, Lda não pelos fundamentos dela constantes mas por não ter o Tribunal recorrido operado a convolação do pedido de ampliação do recurso em recurso subordinado, ao abrigo do disposto no art.º 193.º, n.º 3 do Código de Processo Civil visto, em seu entender, nada a tal obstar.

A autora/aqui recorrida nas suas contra-alegações opõe-se a tal convolação suportada nos seguintes fundamentos:

I. Caducidade do direito de impugnar a decisão por recurso autónomo independente, completada em 1 de Julho de 2023, quando o pedido de ampliação do recurso foi apresentado pelos RR./Recorrentes em 28/09/2023;

II. Apesar de em 28/09/2023 não estar ultrapassado o prazo para interpor recurso subordinado, pois, não existe homogeneidade, nem equiparação entre o meio processual utilizado (ampliação do recurso) e o meio processual pretendido (recurso subordinado).

Passaremos a utilizar o texto constante do acórdão recorrido a este propósito, dada a sua clareza e exactidão, na tentativa de simplificar o raciocínio, dado que ambas as partes dele se socorreram na exposição dos respectivos motivos:

“Na presente acção, em sede de sentença final, ambas as partes ficaram vencidas: a acção foi julgada apenas parcialmente procedente quanto a parte dos pedidos formulados na petição inicial e improcedente quanto ao demais.

Para melhor percecionarmos o vencimento de cada uma das partes, façamos o confronto entre o peticionado e a condenação parcial decretada a final (sem esquecermos que em sede de despacho saneador houve também decisão de improcedência parcial, que transitou em julgado, a que faremos também alusão):

1º pedido - alínea a) - que fosse declarada a falsidade da escritura de habilitação de herdeiros e partilha outorgada em 28 de maio de 2009, e exarada a fls. 98 a 101 do Livº 161-G do Cartório Notarial sito na Av. 5 de Outubro, em ...;

2º pedido - alínea b) - que fosse declarada a nulidade da referida escritura de habilitação de herdeiros e partilha, e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura;

3º pedido - alínea c) - que fosse declarado que por óbito da falecida CC, ocorrido no dia ... de ... de 2009, sejam declarados seus únicos e universais herdeiros, para além do viúvo DD e do filho FF, aqui Co-R., também os filhos GG, aqui A., e EE, aqui Co-R., em consequência do que os bens que integram a herança da falecida devem ser partilhados por estes herdeiros;

4º pedido - alínea d) - que fosse declarado que a herança aberta por óbito da falecida CC é proprietária e integra todos os bens constantes na escritura datada de 28/05/2009, os créditos bancários declarados às Finanças e estabelecimento comercial que gira sob a designação “Centro ....”, a laborar nas frações “B” “C”, “D” e “E” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. Dr. ..., nºs 177 e 179, em ..., cujo objeto, atividades e bens se encontram designadamente descritos nos artigos 27.º a 34.º desta petição inicial;

5º pedido - alínea e) - que fosse declarada a nulidade da transmissão do referido estabelecimento comercial, designado por “Centro ....”, identificado na petição inicial nos artigos 27.º a 34.º e efetuada entre o dia 27/02 e o dia 01/03 de 2012, por DD para a sociedade A..., Unipessoal, Lda, devendo ser ordenada a restituição de tal estabelecimento à herança aberta por óbito de CC, condenando-se o 3.º e 4.º RR. nessa restituição, bem como na abstenção de qualquer comportamento que perturbe a propriedade dessa herança relativamente a esse estabelecimento comercial;

6º pedido - alínea f) - que fosse declarada a nulidade da escritura de doação outorgada em 15 de junho de 2012 e exarada a fls. 43 a 44 do Livro 294 do Cartório Notarial sito na Rua ..., em ..., e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura;

7º pedido - alínea g) - que fosse declarada a nulidade da escritura de compras e vendas outorgada em 6 de julho de 2012 e exarada a fls. 14 a 16 do Livro 296 do Cartório Notarial sito na Rua ..., em ..., e bem assim ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre os bens objeto da dita escritura.

No âmbito do despacho saneador foram desde logo julgados improcedentes os pedidos das alíneas a) e b) na parte em que era pedida a declaração de falsidade e declaração de nulidade da habilitação de herdeiros e julgado inútil o pedido da alínea c) de modo a não ser mais considerado no desenvolver posterior desta acção, tendo tais decisões transitado em julgado.

Em sede de sentença final foi proferida a seguinte decisão:

a) julgada ineficaz, em relação aos gestidos GG, EE e FF a partilha efectuada pelas escrituras de “Habilitação de Herdeiros e Partilha” de 28/05/2009 (fls. 49/55 e nºs. 3 a 6 dos Factos Provados) e de Rectificação de 27/06/2012 (de fls. 267/271 e nºs 7 e 8 dos Factos Provados), designadamente quanto à adjudicação dos dez imóveis identificados na primeira escritura ao DD, os quais continuam a pertencer à herança aberta por óbito de CC.

b) julgada ineficaz, por ilegitimidade parcial, a venda feita pela escritura de 06/07/2012 (fls. 198/202 e nº 19 dos Factos Provados) por DD à sociedade “A..., Unipessoal, Lda” das frações “B”, “C”, “D” e “E”, todas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. Dr. ..., nºs. 177 e 179 da freguesia de ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 5 da freguesia de ...;

c) que pertencem à herança da CC metade dos depósitos bancários constantes do nº 47 dos Factos Provados;

d) a ação improcedente quanto ao mais.

Cada uma das partes podia ter recorrido da sentença na parte que lhe era desfavorável, contudo, apenas o fez a Autora, não tendo nenhum dos Réus interposto recurso, nem independente, nem subordinado, dos segmentos decisórios em que as pretensões da Autora foram julgadas parcialmente procedentes, nos moldes referidos nas alíneas a), b) e c) da sentença final, impondo-se nestes autos o caso julgado quanto ao seguinte:

i. A partilha efectuada na escritura de 28.05.2009, bem como a rectificada na escritura de 27.06.2012, foi declarada ineficaz em relação aos gestidos (incluindo a Autora), tendo ficado decidido que quanto aos 10 imóveis identificados na escritura de partilha de 28.05.2009 (igualmente identificados na escritura rectificativa de 27.06.2012) que nela haviam sido adjudicados a DD, tais bens continuam a pertencer à herança aberta por óbito de CC.

ii. Foi também julgada ineficaz, por ilegitimidade parcial, a venda feita posteriormente pela escritura de 06.07.2012 (fls. 198/202 e nº 19 dos Factos Provados) por DD à sociedade “A..., Unipessoal, Lda” das frações “B”, “C”, “D” e “E”, todas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. Dr. ..., nºs. 177 e 179 da freguesia de ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 5 da freguesia de ... sendo que já na alínea a) ficara decidido que essas 4 frações continuam a pertencer à herança aberta por óbito de CC.

iii. Ficou decidido que pertencem à herança da CC metade dos depósitos bancários constantes do nº 47 dos Factos Provados.

Na sequência dessa procedência parcial dos pedidos que haviam sido formulados pela Autora, o pedido formulado neste recurso pela Apelante foi o seguinte:

“que o presente recurso seja recebido e julgado totalmente procedente, por provado, revogando a sentença na parte em julgou improcedente o pedido da alínea d) na parte em que não declara que o estabelecimento comercial denominado “Centro ....” pertence à herança aberta por óbito de CC, al. e), f) e g) na parte em que não ordena o cancelamento de todos os registos que tenham sido efectuados sobre os bens objecto da escritura de 06 de Julho de 2012, substituindo-se por outra decisão nos termos melhor explanados nas alegações e conclusões do presente recurso.”

A Autora/Apelante restringiu o recurso de apelação por si apresentado, dentro dos segmentos decisórios em que decaiu, apenas quanto aos pedidos que o tribunal a quo julgou improcedentes identificados quer no pedido, quer na Conclusão I:

i. quanto à alínea d) do petitório, na parte em que pedia a declaração que a herança aberta por óbito da falecida CC é proprietária e integra o estabelecimento comercial que gira sob a designação “Centro ....”;

ii. quanto às alíneas e) e f);

iii. quanto à alínea g) na parte em que pedia o cancelamento de todos os registos que hajam sido efectuados sobre os bens objectos da escritura de compra e venda outorgada em 6.07.2012.

Os Apelados/Réus não recorreram e, limitaram-se a ampliar o âmbito do recurso em sede de contra-alegações, faculdade que lhes é conferida pelo art. 636º do CPC, sendo a ampliação do recurso admissível por ter sido apresentada em tempo, por quem tem legitimidade e ter cobertura legal.”.

Isto significa que, tendo apenas a autora apresentado recurso de apelação, restringindo o seu objecto às alíneas d), e), f) e g) dos pedidos formulados na petição inicial, e até dentro de cada alínea a parte desses pedidos, tudo o que fora decidido antes quanto às alíneas a), b) e, c) dos pedidos formulados na petição inicial transitou em julgado, não mais podendo ser objecto de apreciação em sede de recurso.

O recurso subordinado e o recurso principal e independente, não são meras denominações de um recurso.

Apesar do art.º 633.º do Código de Processo Civil no seu nº 1 estatuir que:

“1 - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.”, o recurso subordinado e o recurso independente não são entidades processuais capazes de se substituírem uma à outra.

A parte vencida tem direito de recorrer na parte que lhe é desfavorável e pode fazê-lo de modo independente apresentando o seu recurso. Todavia pode não estar interessada em recorrer de forma independente, eventualmente por a sua perda ser insignificante, e aguardar que a parte contrária apresente um recurso independente da parte que lhe foi desfavorável, apresentando, neste caso, um recurso subordinado, isto é dependente no seu objecto do recurso independente apresentado. O recurso subordinado, fica dependente da sorte processual do recurso independente pelo que a desistência do recurso independente, na situação em que fique sem efeito ou, o tribunal dele não tome conhecimento, determina a caducidade do recurso subordinado, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal - n.º 3 do artigo 633.º do Código de Processo Civil -.

Se o autor formula contra o réu um pedido de condenação a pagar-lhe 100 e o réu é condenado a pagar-lhe só 60, ambas as partes são vencidas, podendo ambas as partes impugnar a decisão, por via do recurso independente, na parte que lhe é desfavorável, por o autor entender que deve receber 100 e não só 60 e o réu entender que nada deve e, por isso não deve pagar 40. Porém o réu pode conformar-se a pagar os 40 da condenação, mas não mais e, quando o autor apresenta o seu recurso entendendo que a acção deve ser julgada totalmente procedente, não querendo correr o risco de ser condenado a pagar mais que 40, apresenta recurso subordinado onde expõe as suas razões para ser absolvido do pedido. Mas este recurso subordinado não serve para discutir qualquer outro pedido em que o réu haja decaído totalmente, ou que apesar de ter decaído parcialmente o autor não apresente recurso independente. Neste caso, o réu ao não apresentar recurso independente sobre qualquer pedido em que haja obtido condenação ou apenas parcial provimento, sujeita-se a ver transitada em julgado a decisão que julgou totalmente procedente um pedido contra si formulado, o mesmo acontecendo relativamente a um pedido que foi julgado parcialmente procedente se o autor não pretender discutir a decisão e não abrir a possibilidade de apresentação de um recurso subordinado. Não há recurso subordinado sem recurso independente, sendo este que delimita o objecto daquele.

Na presente situação é claro que os recorrentes AA e A..., Unipessoal, Lda pretendem que o tribunal proceda à convolação do seu pedido de ampliação de pedido em recurso subordinado, o que não é legalmente possível por inexistir recurso independente a que o mesmo pudesse ficar subordinado. Com efeito, como claramente expressam na sua peça processual de ampliação de recurso, que ora pretendem seja convolada para recurso subordinado:

“Precisamente, invocam e requerem os recorridos, prevenindo e sem conceder, a mera hipótese de serem acolhidos alguns argumentos factuais e fundamentos de Direito, deduzidos pela recorrente, a douta apreciação de fundamentos sobre matéria que consubstancia o respetivo decaimento.

Ora, os recorridos não se conformam com as decisões contidas nas alíneas a) e b), da douta sentença proferida, razão pela qual, em sede de pedido de ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art.º 636º/CPC, requerem a V. Exas, a douta apreciação.”,

estão inconformados com a decisão proferida em 1.ª instância contidas nas alíneas a) e b), da sentença, que não impugnaram por recurso independente, idêntica posição tendo sido adoptada pela autora, com a consequência intransponível de tal decisão ter, quanto a essa matéria, ter transitado em julgado.

Na situação concreta, a convolação da peça processual denominada ampliação do recurso em recurso subordinado é legalmente inadmissível na medida em que apenas poderia ser convolada em recurso independente, mas, na data da sua apresentação em juízo há muito que caducara o direito dos réus de apresentarem recurso independente da decisão, inexistindo, também, recurso independente apresentado pela autora sobre tal decisão, a que pudesse subordinar-se qualquer recurso apresentado pelos réus.

Pelo exposto, improcede a revista com o referido fundamento.

2. Prova da transmissão do estabelecimento comercial

O segundo fundamento da revista prende-se com a decisão que julgou “ineficaz a transmissão do estabelecimento comercial denominado “Centro ....”, identificado nos pontos 48, 49, 54 e 55 dos factos provados, efetuada por DD para a sociedade A..., Unipessoal, Lda, ordenando-se a restituição desse estabelecimento à herança aberta por óbito de CC, condenando-se os Apelados nessa restituição, bem como a absterem-se de qualquer comportamento que perturbe a propriedade da herança relativamente a esse estabelecimento;” sem que os réus/recorrentes entendam “o modo como foi alegadamente transmitido o referido estabelecimento comercial” por ausência do meio de prova que a demonstre, e, apenas alicerçado no facto provado n.º 54.

Se analisarmos a matéria de facto verificamos que a propósito da transmissão do estabelecimento comercial em causa, se fixaram os seguintes factos:

54. Aquando da constituição da firma, ora Ré, “A..., Unipessoal, Lda”, o DD transmitiu para esta a globalidade do estabelecimento “Centro ....”, equipamentos, mercadoria e a respectiva clientela.

55. A sociedade unipessoal foi instalada, desde a sua constituição, no mesmo espaço que ocupava a loja “Centro ....”, e manteve os mesmos trabalhadores e colaboradores, sendo, de facto, o mesmo estabelecimento de que eram proprietários o casal DD e CC.

O Tribunal de revista aplica a lei aos factos fixados pelas instâncias estando impedido de apreciar qualquer erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, excepto quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art.º 674.º do Código de Processo Civil.

A lei não exige qualquer especial prova da transmissão do estabelecimento comercial que haja sido violada, nem os recorrentes a apontam. A transmissão do estabelecimento comercial enquanto organização complexa de factores produtivos com valor de posição no mercado a que se referem os autos, reporta-se mais à transmissão de facto que à forma jurídica utilizada, apontando para que o estabelecimento comercial, bem complexo integrado por elementos corpóreos e incorpóreos, difícil de apreender por ser também uma realidade negocial em contínuo movimento, que era um bem que integrava a herança de CC passou, após a sua morte, a ser gerido, usado, fruído e comercialmente utilizado pela sociedade ré que não tem qualquer quinhão hereditário nessa herança.

Os referidos factos, fixados pelo tribunal de 1.ª instância, não se apresentam como ilógicos, incríveis ou impossíveis, sendo irrelevante para a decisão da causa o concreto modo jurídico, se existiu sequer, com base no qual a sociedade ré haja passado a usar o estabelecimento comercial como se de seu activo se tratasse, sendo certo que se apurou o modo como foram para ela transmitidos alguns dos bens que integravam esse estabelecimento comercial.

Improcede, pois, a revista com este fundamento por não se evidenciar qualquer erro de direito no acórdão recorrido, a impor a sua integral confirmação.


***


III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão.

Custas pelos recorrentes.


*


Lisboa, 19 de Setembro de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

Catarina Serra

Isabel Salgado