Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
Descritores: | SERVIDÃO ÁGUAS USUCAPIÃO ACTO DE MERA TOLERÂNCIA ATO DE MERA TOLERÂNCIA DIREITO REAL OBRIGAÇÃO ACORDO INTERPRETAÇÃO NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL PRINCÍPIO DA TIPICIDADE ABUSO DO DIREITO | ||
Data do Acordão: | 10/25/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / SERVIDÕES PREDIAIS / CONSTITUIÇÃO DAS SERVIDÕES / EXERCÍCIO DAS SERVIDÕES. | ||
Doutrina: | - Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª Edição, Lisboa, 2009, p. 85; - Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coimbra, 1990, p. 282 e ss. e 456 e ss.; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III. 2.ª Edição, Coimbra, 1984, p. 99. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1306.º, N.º 1, 1544.º, 1546.º, 1548.º, N.º 2 E 1568.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 02-07-2007, PROCESSO N.º 08B3995; - DE 16-03-2011, PROCESSO N.º 263/1999.P1.S1; - DE 02-02-2017, PROCESSO N.º 85/11.4TBSRT.C1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | I. As servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente. Têm natureza real e oneram todo o prédio serviente, e não apenas a parte concretamente afectada (artigo 1546º do Código Civil). II. Possibilitam o aproveitamento de determinadas utilidades do prédio serviente, variáveis consoante o respectivo conteúdo, e implicam as correspondentes restrições para o (qualquer) titular do prédio dominante, que fica impedido de praticar actos que prejudiquem aquele aproveitamento (nº 1 do artigo 1568º do Código Civil). III. O âmbito da servidão define-se pelo respectivo conteúdo (artigo 1544º do Código Civil); tratando-se de uma servidão constituída por usucapião, cumpre determinar, no caso, qual é o âmbito concreto de cada servidão em função das utilidades de que o prédio dominante beneficiou à custa do prédio serviente, relativamente às quais se verificam os requisitos de aquisição do direito de servidão predial por usucapião. IV. Em abstracto, a utilização lícita e consentida de água captada num terreno vizinho, tanto pode corresponder ao exercício de um direito de servidão de águas (de natureza real, portanto), como ao exercício de um direito obrigacional (vinculativo apenas entre os contratantes) ou, ainda, ao aproveitamento da mera tolerância do proprietário do prédio onde se situa o furo. Resultando de um acordo entre os primitivos proprietários dos prédios, a qualificação dependerá da interpretação desse acordo e da sua reiteração ou continuação relativamente aos proprietários subsequentes. V. É nulo por falta de forma um acordo verbal destinado a constituir uma servidão predial. VI. Da interpretação do acordo verbal relativo à utilização da água, inicial ou posterior, assente nos factos provados, não pode concluir-se, nem que essa utilização resulta da mera tolerância unilateral dos réus, nem que as partes quiseram criar uma servidão de águas sobre o prédio dos réus e em benefício do prédio dos autores. VII. Conclui-se, no caso, que houve um acordo não escrito através do qual os primitivos proprietários dos prédios do autor e dos réus combinaram construir um sistema de captação de águas no prédio dos réus, que servisse também a piscina, a rega do prédio do autor e a sua lavandaria, com repartição de despesas de construção, de manutenção e de utilização. É o que resulta literal e objectivamente dos factos provados. VIII. A utilização da água não pode ser enquadrada no exercício da posse correspondente ao direito de servidão de águas, mas sim no contexto de um acordo entre os primitivos proprietários de ambos os prédios, cujo conteúdo está intrinsecamente ligado à forma como foram efectuadas as diversas construções e comodidades nos respectivos terrenos: um único furo, com canalizações para ambos os prédios, os dois com piscina e jardim a necessitar de água e cuja violação poderia ser causa de danos e de consequente obrigação de indemnizar. IX. O princípio da tipicidade dos direitos reais impede que se considere existir aqui uma obrigação real, imediata e directamente oponível a todos e quaisquer proprietários do prédio dos réus (nº 1 do artigo 1306º do Código Civil); de igual modo o impediria a falta de forma legalmente exigida para as modificações ao conteúdo do direito de propriedade (artigo 22º do Decreto-Lei nº 116/2008). X. Mas não impede que se se retire da inserção do acordo dos proprietários iniciais na ligação física entre ambos os prédios, assim concebida no conjunto de moradias projectadas, a obrigação instrumental de assegurar, em caso de venda do prédio onde o furo se situa, que os respectivos adquirentes se vinculam a possibilitar a utilização da água. O que não é equivalente a reconhecer ao autor a posse do direito de servidão: o regime não lhe é aplicável. XI. Concluindo-se que o autor tem direito à utilização da água, nos termos do acordo inicial, reiterado pelos 1ºs réus, aceita-se que é abusivo exigir a retirada das novas instalações, quer porque aquela utilização sempre poderia continuar através do sistema inicial, quer porque em nada prejudicam os réus, antes permitem uma contagem separada dos gastos de electricidade, em seu benefício. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA instaurou uma acção contra BB e mulher, CC e DD e mulher, EE, na qual pediu: – “a)” que fosse “ declarado, e os Réus condenados a reconhecer, que sobre o prédio dos RR. (prédio urbano composto por casa de um pavimento, garagem, anexo e logradouro, sito na Rua …, n.ºs 202 e 210, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número mil seiscentos e oitenta e dois, registado e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7551) se encontra constituída, por usucapião do Autor, a favor e para benefício do prédio do autor (prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, garagem e anexos, com logradouro, sito na Rua …, n.º 214/222, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número mil seiscentos e oitenta e um e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7550) uma servidão de águas para captação e utilização de água do furo existente no prédio serviente, a meio do jardim, junto ao muro de meação dos prédios, o qual possui um sistema de captação e utilização de água autónomo, composto por bomba com motor e ligação de cabo de alimentação energética e de cano subterrâneo de distribuição de água que se destina a rega, piscina e outros gastos domésticos do prédio dominante, sem prejuízo do referido furo possuir um outro sistema de captação de água autónomo que se destina a rega, piscina e outros gastos domésticos do prédio serviente; b) Simultaneamente” que fosse “declarado e serem os RR. condenados a reconhecer que nos termos da servidão descrita supra na alínea a) do pedido, o dono do prédio dominante fica obrigado a reembolsar o dono do prédio serviente de metade das despesas de manutenção e reparação do furo, mediante a apresentação do respetivo comprovativo. Sem prescindir e para o caso de assim se não entender, o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio c)” que fosse“declarada, para todos os efeitos legais, nomeadamente de registo e serem os Réus condenados a reconhecer, a posse de boa-fé, pacífica, contínua e pública, desde 7 de dezembro de 2006, do autor, correspondente ao exercício do direito de servidão de águas sobre o “prédio dos Réus” a favor e para benefício do “prédio do Autor”, para captação e utilização da água do furo existente no “prédio dos Réus”, a meio do jardim, junto ao muro de meação dos prédios, o qual possui um sistema de captação de água autónomo, composto por bomba com motor e ligação de cabo de alimentação energética e de cano subterrâneo de distribuição de água que se destina a rega, piscina e outros gastos domésticos do “prédio do autor”, sem prejuízo do referido furo possuir um outro sistema de captação de água autónomo que se destina a rega, piscina e outros gastos domésticos do prédio dos Réus.” Para o efeito, e em muito breve síntese, invocou a aquisição do direito de servidão de águas sobre o prédio dos réus e em favor do prédio de que é proprietário, por usucapião, tendo “por objecto e finalidade a captação e utilização da água do furo existente no ‘prédio dos réus’, situado junto ao muro de meação dos prédios, a meio do jardim do ‘prédio dos réus’”, “com o sistema de captação e canalizações inerentes, para a rega do jardim e pátios interiores, piscina e outros gastos domésticos do ‘prédio do autor’” e, “subsidiariamente (…), por via da declaração judicial da posse do autor, por mais de 7 anos e 9 meses”. Em qualquer dos casos, a posse correspondente à servidão resultou da execução de um acordo entre os primeiros réus e os anteriores proprietários do prédio do autor no sentido de fazerem um único furo para captação de águas que servisse ambos os prédios, que são contíguos, com as respectivas canalizações, cujos custos de construção, instalação e manutenção seriam suportados por ambos os proprietários, como foram, tal como deveria suceder com os custos de electricidade; esse acordo foi sempre respeitado pelos primeiros réus que, todavia, se recusam a outorgar por escritura pública o contrato correspondente à servidão, apesar de inicialmente terem acordado na celebração da escritura (os primeiros réus, aos quais disse que a única maneira de formalizar a servidão era a celebração da correspondente escritura pública). Os réus contestaram e deduziram reconvenção (cfr. o aperfeiçoamento de fls. 271), pedindo que o autor fosse condenado a – “a) reconhecer que não é titular de qualquer servidão de águas para captação e utilização da água do furo existente no prédio dos 1ºs RR., nem tem qualquer posse juridicamente atendível que lhe permita servir-se dessa água nos termos em que vem fazendo; b) Remover em consequência toda a canalização existente de recolha de água que instalou no prédio dos 1ºs RR. para condução da água nascida no prédio destes primeiros RR. e de que o autor se vem aproveitando; c) Jamais utilizar essa água para quaisquer fins, designadamente para os referidos na petição e para recolha e aproveitamento da água pertencente aos primeiros réus, como vem fazendo.” Também em curta síntese, negam ter havido “posse juridicamente relevante” para que qualquer dos pedidos possa proceder, uma vez que a utilização da água resultou apenas de um “acto de tolerância” dos proprietários do seu prédio, nunca tendo ocorrido qualquer inversão do título, que, aliás, “nem vem alegada”; afirmam que a argumentação do autor assenta “num pretenso e invocado acto voluntário de consentimento dos réus ou dos seus antecessores”, o que significaria que “nunca poderia ter-se a posição do autor como de verdadeira posse, e muito menos como dotada de animus possidendi, bem pelo contrário. (…) nesta perspectiva, o direito do autor teria sido adquirido a partir de um acto voluntário de consentimento de constituição do proprietário do prédio onerado, que teria feito uma promessa de constituição, que não cumpriu, o que exclui qualquer possibilidade de aquisição por usucapião e de posse (…)”. O autor replicou, defendendo a improcedência do pedido reconvencional e invocando abuso de direito quanto aos pedidos reconvencionais b) e c).. Pela sentença de fls. 492 (com a rectificação determinada pelo despacho de fls. 668), a acção foi julgada parcialmente procedente. Foi declarado que o autor “não é titular de qualquer servidão de águas subterrâneas do prédio dos 1ºs RR. nem tem qualquer posse que lhe permita servir-se dessa água.” Os 1ºs réus foram condenados a “reconhecer que o A. é titular de um direito de natureza obrigacional que lhes permite utilizar a água subterrânea do prédio daqueles para rega do seu jardim, pátios e respectiva piscina.” O autor foi absolvido “dos demais pedidos reconvencionais.” Para assim decidir, a sentença recordou que “os prédios em causa, contíguos entre si, nasceram de um projecto comum, cujos mentores, entre os quais se contavam os 1ºs RR, assim como os anteproprietários do prédio do A., aquando da respectiva construção, para os logradouros, acordaram e decidiram verbalmente servir-se da água de furos feitos apenas em alguns dos lotes”; – que, assim, “do furo realizado no logradouro do prédio dos 1ºs RR., e equipamento nele instalado como seja uma bomba e canalização, sairia a água para o servir assim como para servir o logradouro do prédio vizinho, actualmente do A., (…) desde a ocupação originária desses prédios, no caso dos 1ªs RR. desde meados de Maio de 1999 e no caso dos anteproprietários do prédio do A., desde finais do mesmo mês, tem vindo a ser prática regular, inclusive por este último a partir de finais de 2006, posto que para a rega dos respectivos jardins e piscinas tem vindo a ser utilizada água daquele furo”; – que “esta prática, não assentando em qualquer contrato escrito, iniciou-se por acordo dos então proprietários dos prédios, e foi sendo mantida pelos mesmos, à vista de toda a gente, inclusive dos 1ºs RR., de forma pacífica, e assim prosseguiu com o A. até Janeiro de 2014, altura em que os 1ºs RR. passaram a opor-se à possibilidade de o A. continuar a usar a água por direito próprio e permiti-lo por mera tolerância”; – que se trata portanto de “uma situação de captação de águas subterrâneas” no prédio dos 1ºs RR. e que continuam a ser canalizadas dessas águas para o prédio do A, para o qual são “conduzidas através de obras em parte visíveis”, existentes no prédio dos 1ºs réus; – que a “possibilidade de aproveitamento das águas subterrâneas (…) foi concedida (…) para ser utilizada em benefício das necessidades de determinado prédio (…) pelo que dúvidas não restam de que a apreciação da situação dos autos, como de resto é pedido, se enquadra no âmbito do direito de servidão ao aproveitamento de águas”; – que importa saber se estão verificados os requisitos para a aquisição por usucapião; – que, no caso, “à substituição do anterior possuidor (…) por um outro (…) por vontade de ambos (pontos 25, 26, 31 e 32), acresce a prática reiterada de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de servidão de aproveitamento das águas subterrâneas do prédio dos 1ªs RR. a parte do direito de exploração das mesmas águas por parte deste, nos termos do art. 1395º, nº 2 do CC (…)”; – mas que não chegou a decorrer o prazo de 15 anos para a aquisição do direito de servidão por usucapião, porque em Janeiro de 2014 “os 1ºs RR manifestaram ao A. a sua oposição relativamente à servidão (…)”, permitindo o uso das águas “por mera cortesia e para manter as boas relações de vizinhança, o que comunicaram ao A.”; – que, assim, o autor perdeu o animus de possuidor, passando a mero detentor; perdeu, portanto, a posse; – mas que o acordo quanto ao uso das águas, nulo por falta de forma enquanto constitutivo de uma servidão, se converte “num negócio de constituição dum direito obrigacional de exploração das (referenciadas) águas subterrâneas”, em conformidade com o princípio constante do artigo 293º do Código Civil e com a presunção de terem carácter obrigacional as restrições ao direito de propriedade (artigo 1306º do Código Civil), acordo que dá ao autor “o direito obrigacional de usar essas águas em benefício do seu prédio”, de “manter a canalização e demais obras necessárias à captação da água que tem direito a usar em proveito do seu prédio, sem prejuízo de suportar ou contribuir para as correspondentes despesas de manutenção e consumo a que dê lugar”. Esta sentença veio a ser parcialmente revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação ... de fls. 747, que: – julgou nula a sentença na parte em que reconheceu ao autor “um direito de natureza obrigacional, quer por excesso de pronúncia ao apreciar causa de pedir não invocada, quer por condenação em pedido diverso do formulado (…)”; – condenou os réus “a reconhecer que sobre o seu prédio (…) se encontra constituída por usucapião e em proveito do prédio do A. (…) uma servidão de utilização de água captada através do furo existente no prédio dos RR. situado a meio do jardim destes e junto ao muro de meação dos prédios para rega do jardim e piscina do prédio ora pertencente ao autor. Constituição de servidão por via de usucapião que assim se declara. Captação esta executada através de sistema de captação de água autónomo, composto por bomba com motor e ligação de cabo de alimentação energética e de cano subterrâneo de distribuição de água. Sem prejuízo do outro sistema de captação de água autónomo que serve o prédio dos RR.”; – condenou os réus a reconhecer que “o dono do prédio dominante fica obrigado a reembolsar o dono do prédio serviente de metade das despesas de manutenção e reparação do furo, mediante a apresentação do respectivo comprovativo”, sendo que as despesas de electricidade serão da responsabilidade dos proprietários das moradias, na proporção correspondente; – julgou improcedente a reconvenção, na totalidade. Em síntese, a Relação entendeu que só com a dedução da reconvenção é que os réus se opuseram eficazmente à posse do autor; que decorreu, por isso, o prazo necessário à aquisição do direito de servidão, por usucapião, por ter ocorrido a transmissão da posse dos anteriores proprietários para o autor (cfr. factos 31 a 33), tendo a servidão o seguinte conteúdo: “O objeto da servidão há de assim medir-se pelas necessidades do prédio dominante. In casu corresponderá às utilidades gozadas pelo autor e ante proprietários do prédio dominante durante o período temporal já analisado e que lhe permitiu constituir por via da usucapião o respetivo direito de servidão: de utilização da água captada através do furo existente no prédio dos RR. situado a meio do jardim destes e junto ao muro de meação dos prédios para rega do jardim e piscina do prédio ora pertencente ao autor [vide 19) a 21), 26) a 31), 33) a 37) dos factos provados]. Captação esta executada através de sistema de captação de água autónomo, composto por bomba com motor e ligação de cabo de alimentação energética e de cano subterrâneo de distribuição de água. Sem prejuízo do outro sistema de captação de água autónomo que serve o prédio dos RR. [vide 19), 56) e 61) dos factos provados].” Considerou ainda a Relação que “De igual forma improcede a não alegada acessão na posse, permitida pelo artigo 1256º do CC. A posse adquire-se pela tradição material da coisa, efetuada pelo anterior proprietário [1263º al. b) do CC]. E a acessão ocorreu in casu por via da celebração do contrato de compra e venda celebrado entre os anteriores proprietários e possuidores e o atual possuidor e comprador, o aqui A. [vide 31) a 33) dos factos provados]. (…) “. 2. Os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações de recurso, formularam as seguintes conclusões: «… 6a — Não tendo sido alterada pela Relação a matéria de facto, salvo em pontos circunstanciais e de menor relevância, ficou provado, por decisão de ambas as instâncias, e no que tange a matéria de facto que: a) o autor comprou o seu prédio a FF e mulher GG por escritura de 7 de dezembro de 2006 (facto 1), data a partir da qual passou a servir-se da água (facto 7); b) os anteproprietários do autor usaram a referida água desde 25 de maio de 1999 (factos 25 e 26); c) a partir de finais de 2012, o autor insistiu várias vezes com os réus no sentido de estes outorgarem a favor daquele uma escritura pública de constituição de servidão, concretamente uma servidão de águas (factos 42, 43 e 44), o que os réus recusaram, pelo menos em janeiro de 2014, transmitindo ao autor que a constituição de uma servidão era um ónus muito grande, embora dizendo que consentiam a manutenção do sistema, mas a título provisório e apenas de molde a manter um clima de cordialidade nas relações recíprocas (factos 51, 52, 53 e 66). 7a - Desse conjunto de factos, resulta, em suma, que: a) nem o autor, nem os antecessores deste exerceram quaisquer atos de verdadeira posse sobre a instalação que lhes permitisse servir-se da referida água, uma vez que só tem posse quem atua por forma corresponde ao exercício do direito real correspondente, o que não está alegado nem se provou (artigo 1251° do Código Civil); b) os antepossuidores do autor apenas detiveram o uso da instalação, igualmente sem posse durante cerca de 8 anos, e o autor apenas deteve esse uso durante cerca de 7 anos (isto é, um e outro durante menos de 15 e 20 anos, exigidos pelo artigo 1296° do Código Civil), não podendo sequer o autor juntar a sua posse à do antecessor, por falta de preenchimento dos requisitos postos pelo artigo 1256°, n° l e 1264° do Código Civil; c) os detentores precários nunca podem adquirir para si por usucapião o direito possuído, a não ser que tenham invertido o título da posse, o que no caso não sucedeu nem foi alegado; c) o autor, como se disse, ao pretender que os réus formalizassem em escritura pública o direito que reivindicava, bem evidenciou que não tinha qualquer animus possidendi, pois ao exigir uma escritura mostrava bem saber que o direito não lhe tinha sido transmitido, era dos réus até à realização da escritura. 8a - Para além disso, independentemente do que se deixou dito em sede de recurso de apelação quanto ao depoimento de parte da anteproprietária do prédio, que reconheceu que a situação constituída resultava apenas da amizade das partes e de mero favor dos réus (…), também o autor no seu depoimento de parte, para além de confirmar as diligências que fez para outorgar a escritura pública, acrescentou que, ele que é licenciado em Direito e advogado, pagaria um preço de 500 euros pela água, não obstante considera essa água como bem do domínio público, o que é bem significativo da impossibilidade de simultaneamente se conceber que ele tinha qualquer animus rem sibi habendi (…) 9a - Da consciência da sua falta de direito fala também a circunstância de o autor, nos seus articulados, apenas ter alegado, quanto ao animus, que estava convencido de que utilizava a água em causa por ser dono do imóvel, e não por ter qualquer intenção de exercer direito próprio, de propriedade ou de servidão sobre a água, proveniente de prédio alheio, o que é manifestamente insuficiente para se ter sequer por alegada a usucapião e oanimus possidendi relativamente à servidão que lhe foi reconhecida. 10ª - De resto, em nenhum documento, apesar de haver grande número deles nos autos, se pode vislumbrar a manifestação de qualquer propósito de estabelecimento de uma servidão de águas ou tão-pouco de um compromisso, do tipo da relação obrigacional configurada pela primeira instância, para além de nem sequer ter sido estabelecido, nem alegado, qualquer compromisso entre os réus e o atual proprietário, mas sim e quando muito entre os réus e os anteriores proprietários do prédio atualmente do autor, não se vislumbrando figura legal que consinta a transmissão de posição contratual desses anteriores proprietários para o autor, uma vez que não foi alegado, nem provado, que o autor tenha invertido o título de posse, ainda que se considerasse ter posse, e não nos parece poder considerar-se (…). 11a - Não pôde o autor, como se disse, configurar qualquer situação de posse que lhe conferisse qualquer direito, em termos de aquisição originária, pois esta só poderia ser admitida se constituída independentemente da intervenção do antigo possuidor, o que não sucedeu, uma vez que o autor alega ter sucedido nos pretensos direitos dos anteriores proprietários que lhos teriam transmitido, o que afasta a possibilidade de usar a acessão na posse ou a sucessão na posse, como faz o acórdão recorrido (…), não sendo, ademais, possível qualquer situação de "posse exclusiva" a favor do autor, pois sempre qualquer direito que ele tivesse teria de ser exercido em colaboração e conjuntamente com os l°s RR (…), e qualquer direito do autor só seria, por isso, configurável, com base na exclusividade da posse que não existia nem tão-pouco foi alegada. 12a - Ainda sem prescindir, a constituição de uma qualquer servidão de águas só seria admissível, como direito às águas nascidas em prédio alheio em benefício de outro prédio, se o autor alegasse e nunca alegou, qualquer forma de propriedade ou compropriedade sobre a própria água extraída, sucedendo mesmo que o autor não era alheio a esse problema, porque na minuta da escritura que enviou aos réus e que pretendia ver por eles subscrita, expressamente indicava um preço para a água transmitida (…) 13a - A situação legitimada pelo acórdão recorrido, e só recentemente criada pelo autor (facto 61 da matéria constante da sentença: somente a partir dos dias 19 e 20 de Maio de 2014, o furo ficou com duas bombas autónomas alimentadas eletricamente por cada uma das moradias e com um cano para cada uma delas) é proibida por lei (depoimento referido na ata de audiência final de 06.10.2016 (…), nos termos do disposto na Secção 132.11 e na Secção 132.12, al. b), bem como no art. 14° do Regulamento de Segurança de Instalações Elétricas de Utilização de Energia Elétrica, que proíbe a instalação de equipamentos elétricos que não sejam acessíveis para "fins de funcionamento, manutenção, verificação e reparação com autonomia absoluta em relação a cada um dos prédios que os mesmos se destinam a servir. -14ª- O Réu, assim, independentemente do número de anos em que deteve a água e o sistema de captação referidos, nunca podia, pois, adquirir a servidão corresponde por usucapião, por absoluta ausência de animus possidendi, pois bem sabia que ela lhe não pertencia, e a quem pertencia, e bem sabia que a utilização que fazia resultava de um ato de complacência dos proprietários, o que excluía necessariamente a inexistência de laços entre o direito do anterior proprietário e o direito do ocupante, e sem essa característica (a independência do direito em relação ao dos anteriores proprietários), a aquisição originária era impossível, porque esta só é admissível se for independente do direito de outrem. 15a- Ainda que se considerasse haver ocorrido tradição dos réus para o autor, certo é que a tradição apenas de natureza verbal não tem relevância jurídica para efeitos de prescrição aquisitiva, que não pode resultar apenas da execução de quaisquer obras (…), sendo certo, ainda que, a tradição fruto do consentimento do proprietário, não passa de um acto de tolerância do titular do direito, que nenhum direito atribui ao beneficiário (…) e que a tradição, numa relação contratual, apenas confere ao beneficiário um simples direito pessoal de gozo, "dando lugar a que a sua posse não o seja no sentido rigoroso e próprio e não passe de uma simples detenção ou posse precária" (…). 16a- Ainda que os factos apurados autorizassem a que de "posse" do autor se pudesse falar, como os proprietários do prédio dos réus, conforme, aliás provado, apenas autorizaram o autor a fazer as obras a título provisório, nunca o direito do autor poderia ser senão um direito de crédito, nunca um direito real, sendo a posse emergente meramente precária e assim continuando indefinidamente, em principio com a mesma natureza, até que eventualmente ocorresse inversão do título (…). 17a- Poderia supor-se ainda poder chamar à colação uma pretensa inversão do título de posse, mas esta só poderia ter lugar desde que o detentor precário a partir de certa altura passasse a comportar-se pública e abertamente com "animus dominii", ou por oposição àquele de quem possui, oposição esta revelada por actos positivos (…), sendo ainda de considerar que só após a inversão do título, que no caso não foi alegada nem ocorreu, é que poderia começar a contar-se o prazo da usucapião (…) 18a- Impossível é, ainda, defender qualquer ideia de "tradição de posse" no quadro dos factos provados, porque, não apenas a tradição envolve o significado jurídico preciso de entrega (…), que no caso não existe, como a doutrina exige ainda actos expressos e formais de demissão da situação do possuidor anterior e ingresso na posse de um novo possuidor (…) para além de a jurisprudência entender que qualquer tradição apenas de natureza verbal não tem relevância jurídica para efeito de prescrição aquisitiva (…), e ainda que se a posse for transmitida por mera tradição verbal, esta, sendo nula, não consente que se invoque senão a que é exercida pessoalmente, com a exclusão da dos antepossuidores (…), o que no caso, também se não verificou. 19a- Por fim, demonstrado se encontra nos autos que a decisão recorrida nunca poderia ser exequível, sendo impossível reconhecer qualquer direito ao autor, uma vez que é proibido manter em prédios distintos equipamentos comuns que não sejam suscetíveis de ser acionados por um só dos proprietários (…). 20a- Em consequência da total improcedência dos pedidos formulados na ação, que se espera vir a ser decretada por este alto tribunal, não pode a reconvenção deduzida deixar de ser julgada totalmente procedente, e, em consequência, ser o autor condenado a reconhecer que, não sendo titular de qualquer direito de servidão de águas, nos termos por si referidos na petição inicial, deve também ser condenado a remover toda a canalização existente através da qual vem procedendo à recolha e captação da água dos réus, no prédio destes. Nestes termos e nos melhores de direito, deve revogar-se a decisão recorrida e o presente recurso ser julgado inteiramente provado e procedente, com a consequência de a ação ser julgada improcedente e não provada e a reconvenção ser julgada totalmente procedente e provada, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA. Contra-alegou o autor, concluindo assim: «I. Introdução (…) II. Da improcedência do argumento assente na inexistência de posse por alegada falta de corpus, de animus rem sibi habendi, de animus possidendi e de tradição da coisa – conclusões 2ª a 11ª. 14ª e 15ª. C. A realidade dos factos vertida nos pontos 18 a 41 da matéria de facto provada, e correctamente interpretada/apreciada pelo Tribunal a quo, pulveriza a prolixa argumentação esgrimida pelos 1ºs Réus/Recorrentes, colocando a nu a sua absoluta falta de razão. D. Em face da matéria de facto provada e da construção jurídica perfilhada tanto pelo Tribunal de Primeira Instância, como pelo Tribunal da Relação …, é inequívoca a existência, in casu, da posse do Recorrido e dos anteriores proprietários da sua moradia. E. Existindo, por conseguinte, posse, como decidiram, e bem, as duas instâncias anteriores, a conclusão não poderia ser outra que não fosse a de que, presumindo-se a posse naquele que exerce o poder de facto (artº 1252º, nº 2, do Código Civil) e mantendo-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar (artº 1257º, nº 1, do Código Civil), era aos 1ºs Réus/Recorrentes que incumbia ter feito a prova da cessação da posse do Recorrido após Janeiro de 2014. F. O que não fizeram, como os próprios, de resto, reconhecem nas suas alegações ao não contraditarem esta assunção do Tribunal a quo. G. Existindo posse e tendo o Recorrido mantido essa posse para além dos 15 anos, adquiriu por si, como não poderia deixar de ser, o direito de servidão de águas nos termos peticionados, e justamente reconhecidos pelo Tribunal da Relação …, por usucapião. H. No presente caso concreto, existiu uma acessão da posse nos termos do artº 1256º do Código Civil, como, e bem, entenderam tanto o Tribunal de Primeira Instância, como o Tribunal da Relação … e resulta, de forma clara, da matéria de facto provada – cfr. pontos 25 a 41 dos “Factos Provados”. I. A posse do Recorrido e dos anteproprietários do seu prédio é perfeitamente compatível e conciliável com o direito de propriedade dos Recorrentes, cumprindo com todos os requisitos definidos no artigo 1251º do Código Civil. J. O Recorrido pode, por conseguinte, legitimamente, restringir o pleno direito à água subterrânea existente no prédio dos Recorrentes com a constituição a favor do seu prédio de uma servidão de (uso da) água destinada à satisfação das necessidades do seu prédio (dominante). 1. A douta decisão recorrida pronunciou-se de forma fundamentada sobre este ponto (…). III. Da improcedência do argumento da inexistência de propriedade ou compropriedade sobre a água extraída do furo – conclusão 12ª das alegações de recurso. K. O Recorrido tem, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, o direito de aproveitar a água captada através do furo existente no prédio dos Recorrentes, e de ver a existência desse direito ser reconhecida judicialmente, como foi. L. O furo, como resultou dos ‘Factos Provados’, possui um sistema de captação de água autónomo, composto por bomba com motor e ligação de cabo de alimentação energética e de cano subterrâneo de distribuição de água, que se destina a rega e piscina do prédio do Recorrido (isto, claro está, sem prejuízo de o furo possuir um outro sistema de captação de água autónomo que se destina a rega e piscina do prédio dos Recorrentes e que em nada interfere com o mesmo). M. O direito do Recorrido diz, pois, respeito ao aproveitamento da água do furo existente no prédio dos Recorrentes, com o sistema de captação e canalizações inerentes, para a rega do jardim e pátios interiores e piscina do prédio do Recorrido, como, e bem, foi reconhecido pelo douto acórdão recorrido. N. A argumentação dos Recorrentes faz tábua rasa do disposto, entre outros, nos artigos 1251º, 1257º, nº 1, 1390º e 1395º, todos do Código Civil. O. Diga-se, de resto, que a água em discussão nos autos não nasce no prédio dos Recorrentes, antes o atravessa subterraneamente. P. Como, acertadamente, decidiu o douto acórdão recorrido (págs. 117 e 118): (…) IV. Da improcedência do argumento da inexistência de inversão do título da posse e impossibilidade de defender qualquer ideia de ‘tradição de posse’ – conclusões 10ª, 16ª, 17ª e 18ª. Q. Como resulta sobejamente do acima expendido nos pontos II e III das presentes contra-alegações e dos ‘Factos provados’, as premissas em que assenta a argumentação dos Recorrentes não se verificam, nem resultaram provadas, nos autos – o próprio acórdão recorrido procedeu a uma análise detalhada dos depoimentos transcritos abusivamente pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso (…). R. Ou seja: não ficou provado que a autorização para utilização da água do prédio dos Recorrentes pelo prédio do Recorrido tenha sido concedida por aqueles por ‘razões de amizade’, como candidamente invocam os Recorrentes, e muito menos que as obras realizadas tenham sido autorizadas ‘a título provisório’. S. A simples leitura dos pontos 7 a 16 e 18 a 41 dos ‘Factos Provados’ deita por terra a argumentação dos Recorrentes. T. Convirá, não obstante, realçar que o alegado pelo Recorrido quanto ao acordado entre os Recorrentes e os anteproprietários do prédio do Recorrido, quanto ao acordado entre o Recorrido e os referidos anteproprietários e quanto ao acordado e sucedido entre o Recorrido e os Recorrentes, incluindo com vista à celebração da escritura de constituição da servidão, releva efectivamente, neste caso concreto, não para efeitos de configurar qualquer contrato promessa verbal ou potencial aquisição derivada em que se fundaria a aquisição da posse do Recorrido, mas sim para demonstrar a boa fé e o animus da posse do Recorrido e dos anteproprietários do seu prédio e, bem assim, o verdadeiro animus (de inequívoco reconhecimento dessa posse) com que os Recorrentes sempre pautaram a sua actuação. U. Face ao alegado na p.i. pelo Recorrido e ao que resultou provado nos autos, os Recorrentes, ao defenderem nas suas alegações de recurso a inexistência da posse do Recorrido por falta de tradição (e desapossamento da coisa), fazem uma constatação falsa e uma dedução cuja lógica só mesmo eles poderão alcançar. V. Com efeito, as Recorrentes olvidam que uma das formas de aquisição da posse previstas no artº 1263º do Código Civil é a prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito [al. a) daquele artigo], prática essa que resulta abundantemente, como decorre da decisão do Tribunal de Primeira Instância sufragada pelo douto acórdão recorrido, dos ‘Factos Provados’. W. Pelo que, contrariamente ao que é erroneamente afirmado pelos Recorrentes, a aquisição da posse pelo Recorrido (e pelos seus antecessores) não requer a tradição da coisa (ou a inversão do título da posse), X. Sem prejuízo de se entender, até, caso fosse necessário, que tal tradição, com vista à posse do Recorrido e/ou dos anteproprietários do seu prédio correspondente ao exercício do direito de servidão de águas, sempre resultaria da matéria de facto provada, já que, como decorre dos ‘Factos Provados’, àqueles foi entregue, efectivamente, a disponibilidade de captação de água para a sua moradia. Y. O apossamento e desapossamento, cuja inexistência os Recorrentes argumentam, resultam clara e abundantemente dos ‘Factos Provados’’, não se alcançando as deduções e conclusões dos Recorrentes nesta matéria. V. Da improcedência do argumento da violação do disposto no artº 14º do Regulamento de Segurança das Instalações Eléctricas de Utilização de Energia Eléctrica e inexequibilidade do douto acórdão recorrido – conclusões 13ª, 19ª e 20ª. Z. A argumentação dos Recorrentes sobre a alegada violação das "Regras Técnicas" e do "Regulamento de Segurança de Instalações Eléctricas de Utilização de Energia Eléctrica" não foi levantada pelos 1.ºs Réus/Recorrentes, como o deveria ter sido, nos respectivos articulados, sendo, por conseguinte, uma questão nova sobre a qual o Tribunal de Primeira Instância não foi chamado a pronunciar-se e sobre a qual também não se pronunciou o Tribunal a quo, pelo que não deverá, por isso, ser conhecida pelo Tribunal de recurso. AA. Os tribunais superiores têm, na verdade, afirmado que os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvida pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas. BB. Sem prescindir, e para o caso, que não se concede, de o Tribunal ad quem entender poder conhecer desta questão, a testemunha em que os Recorrentes baseiam a sua argumentação – HH – conforme referiu quando depôs, não exerce a profissão de engenheiro electrotécnico, foi ouvido na qualidade de amigo dos Recorrentes e nunca foi sequer a casa do Recorrido, não conhecendo a mesma, tendo o seu depoimento sido, de resto, totalmente infirmado por um técnico especializado, que realizou a obra em casa dos Recorrentes e Recorrido – a testemunha II, cujo depoimento se encontra consignado na acta de audiência de discussão e julgamento do dia 6.10.2016, como tendo tido início pelas 10h53m e termo pelas llh16m. CC. Tanto das Regras Técnicas, como do Regulamento de Segurança de Instalações Eléctricas de Utilização de Energia Eléctrica não resulta qualquer impedimento de origem legal à situação de facto actualmente existente, tal como a mesma resulta descrita dos "Factos Provados" e foi justamente reconhecida pelo Tribunal – em nenhuma das Secções das Regras Técnicas resulta, sequer, aflorada a "proibição legal" a que aludem os Recorrentes, tal como a referida proibição não decorre, também, do art.º 14.° do Regulamento de Segurança de Instalações Eléctricas de Utilização de Energia Eléctrica, que não impõe, sequer, qualquer obrigação, ao contrário do que sustentam os Recorrentes. DD. Mesmo que não procedesse o que acima se deixou dito, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, a verdade é que a argumentação dos Recorrentes consubstancia um autêntico abuso de direito, previsto no art.º 334.°, do Código Civil, na medida em que a obra realizada, e custeada, pelo Recorrido em Maio de 2014 foi feita a pedido e por insistência dos Recorrentes e autorizada por estes – cfr. pontos 13, 14, 57 e 58 dos "Factos Provados". EE. Aliás, se porventura a obra realizada a pedido e com o consentimento dos Recorrentes configurasse qualquer problema, poder-se-ia sempre voltar à situação inicial prévia à intervenção de Maio de 2014, sem que isso prejudique a servidão ou a douta decisão recorrida – no âmbito dos direitos e deveres acessórios das partes, um mero interruptor solucionaria qualquer questão. VI. Da improcedência do pedido reconvencional – conclusão 20ª. FF. Ainda que este Supremo Tribunal venha a entender, o que não se concede e só por mero dever de patrocínio se admite, que a acção interposta pelo Recorrido não pode proceder e que o direito à servidão reconhecido pelo Tribunal a quo não existe, a decisão do Tribunal a quo quanto à improcedência dos pedidos reconvencionais deverá, em qualquer caso, manter-se inalterada. GG. Com efeito, mesmo tendo sido julgada nula a decisão do Tribunal de Primeira Instância na parte em que reconheceu o direito obrigacional do Recorrido, nada justifica a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue os referidos pedidos reconvencionais procedentes. HH. Na verdade, face aos factos alegados e provados, é inquestionável que, a improceder a acção, o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio, assiste ao Recorrido, no mínimo, um direito de natureza obrigacional à utilização da água, pelo que, ainda que tenha sido eliminado o reconhecimento desse direito da parte dispositiva da decisão, o certo é que deverá manter-se a absolvição do Recorrido em relação aos mencionados pedidos reconvencionais, precisamente por ser o mesmo, no mínimo, titular de um direito de natureza obrigacional que lhe permite utilizar a água proveniente do prédio dos Recorrentes. II. Por outro lado, tais pedidos deverão, em qualquer caso, ser julgados improcedentes com fundamento no abuso de direito, invocado pelo Recorrido na réplica e que o Tribunal a quo não conheceu por ter ficado prejudicada a sua apreciação. JJ. Isto porque, no presente caso concreto, a pretensão dos Recorrentes de ver retirada a instalação colocada no seu prédio e proibida a utilização da água pelo prédio do Recorrido, atendendo à sua actuação ao longo de mais de 15 anos e ao facto de a obra realizada em Maio de 2014 ter sido executada a pedido, por insistência e com autorização dos Recorrentes, reveste um manifesto abuso de direito, nos termos do art.º 334.º do Código Civil. Nestes termos, e nos demais de direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser o recurso interposto pelos Recorrentes julgado totalmente improcedente.» 3. Vem provado o seguinte (com as alterações introduzidas na Relação assinaladas): “1. Através de escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 07 de Dezembro de 2006, FF e GG declararam vender ao Autor AA, que declarou aceitar a venda, o prédio urbano constituído por casa de rés-do-chão, garagem e anexos, com logradouro, sito na Rua …, n.º 214/222, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número mil seiscentos e oitenta e um e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 7550 (Cfr. escritura pública de fls. 56 e ss., cujo teor se dá por reproduzido). 2. Este prédio (doravante designado “Prédio do Autor”) encontra-se registado a favor do Autor na Conservatória do Registo Predial de … pela inscrição Ap. quarenta e sete, de 22 de Dezembro de 2006, com indicação de causa "Compra" (Cfr. Certidão Permanente de fls. 60 e ss., cujo teor se dá por reproduzido). 3. Este mesmo prédio, desde 02 de Abril de 1998, esteve registado a favor de FF e GG na Conservatória do Registo Predial de … pela inscrição Ap. trinta e três (Cfr. Certidão da Conservatória do Registo Predial de fls. 67 e ss., cujo teor se dá por reproduzido). 4. Encontra-se registado a favor dos 1º Réus BB e mulher CC na Conservatória do Registo Predial de … pela inscrição Ap. trinta e quatro, de 02 de Abril de 1998, com indicação de causa "Divisão de Coisa Comum", o prédio urbano composto por casa de um pavimento, garagem, anexo e logradouro, sito na Rua …, n.ºs 202 e 210, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número mil seiscentos e oitenta e dois (doravante designado por “Prédio dos Réus”- Cfr. Certidão Permanente de fls. 69 e ss., cujo teor se dá por reproduzido. 5. Este mesmo prédio, desde 25 de Junho de 2014, encontra-se registado, de forma provisória, a favor dos 2º Réus DD e EE na Conservatória do Registo Predial de … pela inscrição Ap. dois mil setecentos e quarenta e um, com indicação de causa "Compra" (Cfr. Certidão da Conservatória do Registo Predial de fls. 69 e ss., cujo teor se dá por reproduzido). 6. O "Prédio do Autor" e o "Prédio dos Réus" são contíguos. 7. Desde 07/12/2006, o Autor tem-se servido da água do furo para rega do jardim, pátios interiores e piscina da sua moradia (o “Prédio do Autor”), pela água do furo localizado no "Prédio dos Réus". 8. No dia 08 de Janeiro de 2013, o Autor enviou aos 1os. Réus a mensagem de correio eletrónico de fls. 86, com o seguinte teor: “Bom dia, CC e BB. Conforme conversa de ontem, venho pedir o especial favor de me enviarem cópia dos vossos Bis e cartão de contribuinte, para a minha advogada poder organizar a escritura. A minha advogada JJ (a quem dou conhecimento deste e-mail através dos endereços eletrónicos dela supra, para que fiquem com o contacto dele e vice-versa), colega de escritório da minha irmã B… (a quem também dou conhecimento deste e-mail através do endereço eletrónico dela para os mesmos fins), que em princípio me representará na escritura durante a minha ausência). Conforme já referi, a notária não exige qualquer licença do poço para fazer a escritura. Solicitei que da escritura constasse o princípio de que todas as despesas, nomeadamente de reparação, manutenção e de energia, relativas ao poço que não possa apurar quem lhes deu causa, passam a ser repartidas pelas duas casas em partes iguais e que nos fosse enviada uma minuta da escritura para confirmação. Como já sou proprietário da casa desde 7 de Dezembro de 2006, mas essa estipulação só produzirá efeitos desde a data da escritura a realizar, se concordarem, faríamos como referimos ontem: eu pago todas as despesas relativas à escritura; a CC reúne os comprovativos que tiver a apurar os montantes gastos desde 7 de Dezembro de 2006, os quais são divididos por metade; à minha metade são deduzidos os custos da escritura e eu pago o remanescente; após a escritura, pedimos para instalar contadores elétricos para cada casa, a fim de que cada um pague a sua parte de eletricidade relativa ao poço; as restantes despesas continuarão a ser suportadas em partes iguais, para o que a CC ou o BB me apresentarão os respetivos comprovativos. Entretanto, aproveito para referir que serão provavelmente anexos à escritura uma planta normal com o local do poço assinalado e uma ou duas fotos do local que tirei com a CC há uns meses atrás. De qualquer modo, com os vossos dados (cópia BI e cartão NIF), a notária poderá preparar a minuta da escritura, que teremos todos oportunidade de ver antes da celebração da mesma. 9. No dia 04 de Outubro de 2013, o Autor enviou aos 1os. Réus a mensagem de correio eletrónico de fls. 88 , contendo uma minuta de Escritura Pública, recebida por estes, na parte que interessa com o seguinte teor: “Constituição de Servidão… Primeiro BB…e mulher CC… Segundo AA…Pelos primeiros outorgantes, foi dito: Que são donos e legítimos proprietários do seguinte bem imóvel: a) prédio urbano…sito na Rua …, n.º 202 e 210, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número mil cento e oitenta e dois…Pelo segundo outorgante foi dito: Que é dono e legítimo possuidor do seguinte bem imóvel: b) Prédio urbano…sito na Rua …, n.º 214 e 222, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória de Registo Predial de …, sob o número mil cento e oitenta e um…Declararam os outorgantes: Que, pelo preço de quinhentos euros, já recebidos, os primeiros outorgantes constituem, sobre o prédio descrito sob a alínea a), a favor do prédio identificado sob a alínea b), uma servidão de águas e aqueduto que consiste na captação e utilização da água do poço naquele existente, situado junto ao muro de meação dos prédios, no meio do jardim, o qual possui motor de captação de água e uma estrutura de distribuição da mesma água, composta por cabos subterrâneos, e que se destina a rega, piscina e outros gastos domésticos de ambos os prédios atrás descritos…Que…o dono do prédio dominante fica obrigado a reembolsar os donos do prédio serviente de metade das despesas de manutenção e reparação do poço e do motor de captação de água do mesmo…as despesas, nomeadamente de fornecimento de eletricidade, na parte relativa à utilização efetiva do referido motor… 10. No dia 13 de Novembro de 2013, o Autor enviou aos 1os. Réus a mensagem de correio eletrónico de fls. 92, com o seguinte teor: “…Já me foi confirmado que, pela notária, a escritura fica conforme a minuta que enviei com o anterior e-mail (abaixo). Pedi à minha irmã B… e à JJ (colega de escritório da b…) para vos contactarem para se poder agendar e assinar a escritura, onde a B… me representará…” 11. No dia 14 de Novembro de 2013, a colega da irmã do Autor enviou a este a mensagem de correio de fls. 93, recebida por estes, com o seguinte teor: “a B… já falou com tua vizinha e estamos à espera que nos digam os dias que tem disponíveis… 12. À interpelação a que se refere o e-mail anterior, os 1.ºs RR. responderam que iriam verificar as datas mais convenientes e que informariam posteriormente quais os dias disponíveis para a celebração da escritura pública. 13. No dia 02 de Maio de 2014, o Autor enviou aos 1º Réus a mensagem de correio eletrónico com o teor de fls. 114, com o seguinte teor: “Na sequência das nossas conversas, venho tentar fazer um ponto de situação, para nossa referência futura. 1. Conforme disse, gostaria de providenciar ao pagamento das despesas da minha responsabilidade com a manutenção e reparação do sistema de captação de água do furo para a minha casa e do consumo de energia respectivo desde Dezembro de 2006. Para tanto, só peço que me dêem cópia dos comprovativos e/ou estimativa vossa dos mesmos. 2. Conforme combinado (Sábado passado com o BB e 2ª. Feira passada com a CC), foi já providenciada por mim (na 3.ª feira) a instalação de um contador novo no anexo de vossa casa, junto aos outros quadros. O mesmo mede o consumo de eletricidade tido com a captação de água do furo (para ambas as casas) e começa a contar de zero, para que me possam cobrar e eu possa pagar metade ou o total do mesmo, consoante estejam ou não a utilizar a água do furo. Muito agradeço obviamente que, enquanto a obra abaixo referida não estiver concluída, mantenham a eletricidade ligada no que toca ao sistema de captação de água para a minha casa e comprometo-me novamente a pagar os custos inerentes a essa despesa, logo que me indiquem os valores. 3. Entretanto, relativamente à servidão, a CC colocou, como condição para assinarem a escritura de servidão, a realização por mim de obra que autonomize, dentro do possível, o sistema de captação de água do furo para minha casa ou, pelo menos, a alimentação e consumo de eletricidade relativamente ao mesmo, para que a situação cause o mínimo de incómodo aos proprietários da vossa casa. Na 4ª feira, o Sr. II, da KK…abriu as tampas…e, face à situação existente, concluiu que a única obra viável para aquele propósito era instalar mais uma nova bomba de água (com motor incluído) autónoma e mais fina no furo, ligar um cabo de alimentação de eletricidade entre a bomba e o meu sistema elétrico…e colocar um novo cano subterrâneo autónomo à saída do furo que leve água do poço diretamente para o meu cano do outro lado do muro, bloqueando o cano subterrâneo no vosso jardim que anteriormente desviava a água do furo do vosso sistema de captação para minha casa… 13-A) (aditado pela Relação) Em resposta ao mail de 02/05 mencionado em 13), a 1ª R. enviou ao A. o mail de 07/05/2014 junto a fls. 141 a 143 dos autos, cujo teor aqui na quase integra se reproduz: “Olá AA, Recebemos o teu mail que nos causa algumas perplexidades. 1. Desde logo dizes que é para referência futura. Não sabemos o que pretendes dizer exatamente com isso, tanto mais que há no teu email algumas referências inexatas que para referência futura seriam impróprias e por outro lado faltam, para que possa servir como tal, muitos outros elementos essenciais. Com efeito 2. Não é feita nenhuma referência ao facto de ter sido pela única razão da construção das casas se ter realizado em simultâneo e a propriedade de ambas ser de amigos que fizemos com o FF, anterior proprietário da tua casa, um acordo de cavalheiros em que o furo para captação de água foi pago a meias e os consumos e despesas associados também teriam de ser suportados a meias. Todavia, 3. Nunca, desde que fomos para lá morar em Maio de 1999, até que compraste a casa, em 2006, recebemos qualquer valor do FF a título de consumos e houve apenas uma das variadíssimas reparações da bomba que foi paga a meias pelo FF no referido período. Acresce que 4. Quando te vendeu a casa o FF não nos comunicou essa "transmissão" do acordo que com ele fizemos nem ao menos tentou esclarecer em que termos aceitaríamos para futuro este acordo – e muito menos se dispôs então a liquidar as despesas em que tínhamos incorrido e que ele deveria ter pago – situação que tu também não te preocupaste em esclarecer previamente. Mais, 5. Desde que compraste a casa e não ignorando as despesas que temos e de que várias vezes falamos, nada se alterou no que às despesas diz respeito, não tendo nós recebido nunca qualquer valor relativo a essas despesas durante mais de 7 anos entretanto decorridos; 6. Dirás que para isso contribuiu o facto de não te termos apresentado contas sendo certo que sabes que sem contador – já que o que referes que existiu foi um contador de obras que pouco tempo esteve a funcionar até porque causava problemas – teríamos de estimar os valores que sabes – porque te dissemos – que temos dificuldade em estimar. 7. E com toda a franqueza, tendo-se passado já quase 8 anos sem que tenhas nunca contribuído para as despesas com os consumos e reparações que soubeste que tivemos várias vezes com a bomba tudo nos levou a assumir, de facto, que nada existia realmente e que esse apoio não se fazia mais do que numa relação de boa vizinhança. De facto. 8. Até porque tiveste durante largos períodos a casa em obras teria sido fácil para ti teres pedido a um dos técnicos que usaste uma estimativa de consumos que nós, leigos na matéria, não sabemos estimar e teres colocado um contador, como aliás falaste várias vezes, como agora finalmente se fez em face do que agora pretendes. Na verdade, 9. Só muito recentemente começaste a falar em "legalizar" uma situação que foi feita como referido num acordo de cavalheiros realizado nos termos referidos mas que não só não foi cumprido minimamente por uma das partes. Acresce que 10. Esse acordo aparentemente foi "transmitido" sem acordo entre as partes e sem que, ao menos, tivesse havido a regularização dos valores das despesas. Porém, 11. A respectiva "legalização" implica um ónus sobre a nossa propriedade que nunca foi considerado e que temos de avaliar nos seus exactos contornos. 12. A nossa solicitação de que fosse feito um novo furo que contornaria esta situação (que a prática demonstrou não ter funcionado) no teu jardim alegadamente não é realizável e só parece poder ser minimamente contornada com a colocação de uma bomba como descreves. Não estando a ser posta em causa – como nunca foi – a fruição da água, não podemos deixar de te afirmar que a tua pretensão de onerar a nossa casa nos deixa bastante desconfortáveis porque não foi esse o espírito com que tudo foi feito nem a prática de 15 anos parece demonstrar a bondade da solução em termos de custos ou a necessidade prática da mesma para que dela possas fruir – e, a partir de agora, finalmente, e por insistência nossa, de forma completamente autónoma (…)» 14. No dia 05 de Maio de 2014, o Autor enviou aos1º Réus a mensagem de correio eletrónico com o teor de fls. 115, com o seguinte teor: “…Na sequência do e-mail abaixo, recebi e aprovei já o orçamento para a obra. Segundo o Sr. II, o mesmo iniciará a obra na próxima semana e informará adiantadamente o dia em que começa, para que vos possa dar conhecimento e, quando necessário, solicitar autorização para aceder ao furo. A nova bomba abaixo referida demorará mais do que o previsto a chegar (pelo menos duas semanas) mas a obra propriamente dita (instalação de novo cano para ligação direta do furo à minha canalização, instalação de novo cabo elétrico para ligação da nova bomba à minha rede de eletricidade e alteamento da tampa do furo e a sua pintura) será feita entretanto, para que se possa tapar o buraco no vosso jardim e, quando a bomba nova chegar, se possa colocar e ligar a mesma abrindo a tampa do furo e, assim, se necessidade de abrir novamente buraco no jardim.” 15. No dia 29 de Maio de 2014, o Autor enviou aos 1º Réus a mensagem de correio eletrónico de fls. 116 com o seguinte teor: “Na ausência de resposta ao e-mail abaixo e aos telefonemas e mensagens do LL, decidi facultar o acesso ao furo e zona envolvente através do meu jardim, mediante escadas, uma vez que se tratava de obra urgente e também no v/ interesse. Assim, nos dias 19 e 20 de Maio, a KK efetuou e concluiu a obra. Esta consistiu, essencialmente, em instalar mais uma nova bomba de água (com motor incluído) autónoma e mais fina no furo, ligar um cabo de alimentação de eletricidade autónomo entre a bomba e o meu sistema elétrico…,colocar um novo cano subterrâneo autónomo à saída do furo que passou a levar água do poço diretamente para a minha canalização do outro lado do muro, bloquear o cano subterrâneo no vosso jardim que anteriormente levava a água do furo do vosso sistema de captação para a minha casa…” 16. No dia 05 de Junho de 2014, o Autor enviou aos 1º Réus a mensagem de correio eletrónico de fls. 140 e ss. com o seguinte teor: “…No nosso telefonema de 28 de Abril passado já me havias comunicado este teu novo entendimento quanto à questão do furo, tendo eu então já comunicado que dele discordava e qual era a minha profunda convicção, Não vejo motivo para neste momento insistirmos em posições e argumentos discordantes que em nada relevam para a solução amigável do problema que ambos preconizamos. Por isso mesmo, nos meus e-mails de 2 e 5 de Maio passado…evitei mencionar aquilo em que discordamos e (além de me prontificar mais uma vez a pagar as despesas da minha responsabilidade) limitei-me a referir o que havíamos combinado quanto ao contador e à obra, a reportar e descrever a evolução destes assuntos e fornecer-vos os contactos das pessoas envolvidas, o que me pareceu de mínimo bom senso para evitar mal entendidos e para prosseguir com a solução amigável preconizada…No mesmo telefonema de 28 de Abril passado, garantiste-me, pelo menos duas vezes, que assinariam a escritura da servidão caso eu realizasse a obra a que se referem os meus e-mails abaixo (e os que entretanto enviei) mas que não o fariam antes porque querias garantias de que a obra é concluída com brevidade dado que queriam vender a casa logo que possível e não queriam que o jardim se mantivesse esburacado por muito tempo. Estava assim encontrada a solução amigável que tenho vindo a referir, acreditei eu, pelo que tudo fiz para a prossecução da mesma. Em 3 dias, providenciei pelas escavações necessárias no v/ jardim casa e levantamento da situação por empresa especializada, informei-te das conclusões desse levantamento e dos termos da obra, obtive o teu acordo para avançar nesses termos, obtive orçamento para a obra e aprovei-o de imediato …para que a mesma começasse com a brevidade possível. Em 20 de Maio, ou seja, decorridas 3 semanas sobre o referido telefonema, a obra ficou concluída e em 29 de Maio (5.ª feira passada) foram plantadas sementes….Entretanto, no teu e-mail a que respondo, de 7 de Maio, falas da servidão como um ónus que nunca foi considerado e que têm de ser avaliado nos seus exatos contornos…” Este ponto 16. passou a ter o seguinte conteúdo, alterado pela Relação: 16) No dia 05 de Junho de 2014, o Autor enviou aos 1º Réus a mensagem de correio eletrónico de fls. 140 e ss. com o seguinte teor: “…No nosso telefonema de 28 de Abril passado já me havias comunicado este teu novo entendimento quanto à questão do furo, tendo eu então já comunicado que dele discordava e qual era a minha profunda convicção. Não vejo motivo para neste momento insistirmos em posições e argumentos discordantes que em nada relevam para a solução amigável do problema que ambos preconizamos. Por isso mesmo, nos meus e-mails de 2 e 5 de Maio passado (ver abaixo) evitei mencionar aquilo em que discordamos e (além de me prontificar mais uma vez a pagar as despesas da minha responsabilidade) limitei-me a referir o que havíamos combinado quanto ao contador e à obra, a reportar e descrever a evolução destes assuntos e fornecer-vos os contactos das pessoas envolvidas, o que me pareceu de mínimo bom senso para evitar mal entendidos e para prosseguir com a solução amigável preconizada. Ainda assim temo que não tenha sido bem sucedido. No mesmo telefonema de 28 de Abril passado, garantiste-me, pelo menos duas vezes, que assinariam a escritura da servidão caso eu realizasse a obra a que se referem os meus e-mails abaixo (e os que entretanto enviei) mas que não o fariam antes porque querias garantias de que a obra é concluída com brevidade dado que queriam vender a casa logo que possível e não queriam que o jardim se mantivesse esburacado por muito tempo. Estava assim encontrada a solução amigável que tenho vindo a referir, acreditei eu, pelo que tudo fiz para a prossecução da mesma. Em 3 dias, providenciei pelas escavações necessárias no v/ jardim casa e levantamento da situação por empresa especializada, informei-te das conclusões desse levantamento e dos termos da obra, obtive o teu acordo para avançar nesses termos, obtive orçamento para a obra e aprovei-o de imediato (apesar de não ser nada barata) para que a mesma começasse com a brevidade possível. Em 20 de Maio, ou seja, decorridas 3 semanas sobre o referido telefonema, a obra ficou concluída e em 29 de Maio (5.ª feira passada) foram plantadas sementes (…) Entretanto, no teu e-mail a que respondo, de 7 de Maio, falas da servidão como um ónus que nunca foi considerado e que têm de ser avaliado nos seus exatos contornos”. Como já referi anteriormente, não pretendo nem posso abdicar da servidão – e do direito à mesma que, face ao historial do furo, estou convicto que tenho – uma vez que mesmo após a realização da obra, a água continua a ser captada do furo que se situa junto ao muro de meação do lado da v/ casa. De resto, essa captação é indispensável pois só a mesma permite obter a pressão necessária para a rega automática do meu jardim. Assim, muito agradeço que, nos próximos 10 dias me comuniquem a v/ decisão final, ou seja, se pretendem ou não celebrar a escritura de servidão agora que a obra está concluída. Anexo novamente minuta da servidão para, caso decidam celebrá-la, poderem pronunciar-se simultaneamente sobre os respetivos termos. Todas e quaisquer despesas inerentes e decorrentes da celebração da escritura serão por minha conta. Como devem compreender, e como já referi, gostaria de evitar ter de recorrer à via judicial para resolver este problema, dada a relação cordial que sempre mantivemos e o respeito e consideração que sempre tive por vocês, mas a opção é, neste momento, vossa, uma vez que, caso não seja celebrada agora a escritura de servidão, não me restará outra alternativa" 17. O "Prédio do Autor" e o "Prédio dos Réus" insere-se num conjunto de 09 moradias idênticas adjacentes e em banda, desenhadas pelo arquiteto MM, cuja construção ficou concluída em finais de 1998/início de 1999. 18. Aquando da construção das nove moradias, os ante proprietários do prédio do Autor acordaram verbalmente com os 1º Réus realizar um único furo para a captação de água no jardim da moradia dos 1ºs. Réus, com o inerente sistema de captação de água que passaria a servir para captação de água para a rega do jardim e pátios interiores, piscina de ambas as respetivas moradias adjacentes – o “Prédio dos Réus” e o “Prédio dos Autores”, e cujos custos de construção, instalação, manutenção e utilização seriam divididos pelos donos de ambos os prédios. 19. Conforme acordado, os ante proprietários do prédio do Autor e os 1º Réus, em data não posterior a 1999, efetuaram um furo e instalaram o respectivo sistema de captação de água (bomba e inerente motor) no jardim da moradia dos segundos, junto ao muro de meação com o jardim da moradia do primeiro. 20. Para, tal como acordado, passar a servir, daí em diante, para captação de água para a rega do jardim e pátios interiores, piscina e lavandaria de ambas as respetivas moradias adjacentes – o “Prédio dos Réus” e o “Prédio do Autor” –, através de canalizações próprias nos dois prédios instaladas para esses fins. 21. Conforme igualmente acordado, os donos de ambas as moradias dividiram, em partes iguais, os custos inerentes à construção e instalação do sistema de captação de água (bomba e inerente motor), instalados no jardim do “Prédio dos Réus. 22. E dividiriam, daí em diante, em partes iguais, os custos inerentes à sua manutenção e reparação. 23. Os respetivos custos de consumo de eletricidade foram inicialmente suportados pelos 1os. Réus pela circunstância de o sistema de captação ser alimentado pela eletricidade fornecida à sua moradia. 24. E que seriam, posteriormente, reembolsados aos 1.ºs RR. pelos anteriores proprietários do prédio do A. na respetiva proporção. 25. Em fins de Maio de 1999, após a conclusão da sua construção, os primitivos proprietários do prédio do Autor passaram a habitar na respetiva moradia. 26. Desde que passaram a habitar nesta moradia, até à venda da mesma ao Autor, os antecessores do Autor sempre se serviram da água do furo para rega do jardim e pátios interiores e piscina da sua moradia. 27. Convencidos que assim podiam atuar por serem donos do imóvel acima indicado. 28. À vista de toda a gente. 29. Sem violência ou oposição de outrem. 30. De forma continuada. 31. Os ante proprietários do prédio do Autor informaram este, enquanto potencial interessado na moradia, que a casa beneficiava das águas provenientes do furo localizado no Prédio dos Réus. 32. À data de 07/12/06, o "Prédio do Autor" foi-lhe entregue e tinha as canalizações de água, o sistema de rega e o equipamento da piscina em normal funcionamento. 33. Desde esta data, o Autor continuou sempre a servir-se da água do furo localizado no "Prédio dos Réus", para rega do jardim e pátios interiores e piscina da sua moradia, através do sistema de captação construído de comum acordo naquele prédio. 34. Sem violência. 35. À vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, família, amigos, auxiliares, responsáveis pela manutenção da moradia, do jardim e da piscina e empreiteiros que realizaram obras no local. 36. E até Janeiro de 2014 sem oposição dos 1.ºs RR. 37. Convencido, até esta data que assim podia atuar por ser dono do imóvel acima indicado. 38. Na segunda quinzena de Dezembro de 2006, os 1º RR. reiteraram ao Autor que continuariam a respeitar perante ele, na qualidade de dono da moradia, o que haviam acordado com os seus antecessores quanto ao furo para captação de água. 39. Em data não anterior a 2006, o Autor realizou várias obras de reparação no seu prédio, incluindo a remodelação do jardim, dos dois pátios interiores e do sistema de rega automática (quer por sprinklers, quer por gota-a-gota), sempre com o aproveitamento da água do referido furo. 40. O Autor realizou trabalhos de manutenção das canalizações que, no jardim do seu prédio, trazem a água do furo até à casa das máquinas, de onde a mesma sai, depois, para a rega e piscina. 41. Desde Dezembro de 2006 até finais de 2012, o Autor foi repetidamente pedindo aos1º RR. para lhe apresentarem as contas dos montantes a pagar relativamente à reparação e manutenção do furo e do sistema de captação de água e aos consumos de eletricidade. 42. Em finais de 2012, o A. comentou com a 1.ª R. mulher a questão do furo e do sistema de captação de água. 43. E transmitiu-lhe que o único meio de formalizar devidamente o acordado quanto ao furo e ao sistema de captação de água seria através da constituição de uma servidão de águas. 44. Para o que seria necessário celebrar uma escritura pública. 45. Os 1ºs Réus sempre disseram ao Autor que mais tarde lhe pediriam as quantias devidas a esse título e lhe entregariam os comprovativos das despesas. 46. No início de Janeiro de 2013, o Autor voltou a falar com os 1ºs. Réus sobre o assunto da formalização do acordo quanto ao furo e ao sistema de captação de água. 47. Nessa conversa, foi abordada, entre Autor e 1ºs. Réus, a possibilidade de instalar um contador autónomo para medir o consumo de eletricidade relativo à captação de água do furo. 48. Em 10/01/2013, os 1ºs Réus responderam à mensagem de correio eletrónico de fls. 86 supra mencionada em 8), pela forma constante de fls. 87 nos seguintes termos: “Conforme solicitado, junto anexo os bis e nif necessários à escritura”. 49. A escritura pública esteve marcada para o dia 29 de Novembro de 2013, mas foi desmarcada devido a uma alegada impossibilidade do 1.º R. marido. 50. Após esta data, os 1.ºs RR. não mais contactaram, por sua iniciativa, o Autor ou a sua irmã, como ficara combinado e passaram a evitar as tentativas de contacto do Autor, fosse por não devolverem as chamadas, fosse por dizerem não poderem comprometer-se com uma nova data para a celebração da escritura. 51. Em Janeiro de 2014, a 1.ª R. transmitiu ao A. que a constituição de uma servidão era um ónus “muito grande e que ela e o marido não sabiam se poderiam celebrar a escritura”. 52. O A. replicou que a constituição da servidão mediante a celebração de escritura pública era a única forma de ficar formalizado o acordado quanto ao furo e ao sistema de captação de água. 53. No dia 28 de Abril, a 1ª Ré comunicou ao Autor que autorizava a instalação de um contador, a título provisório. 54. No dia 29 de Abril de 2014, a pedido do Autor, o eletricista instalou um contador autónomo no anexo localizado no “Prédio dos Réus” que passou a medir a eletricidade consumida com a captação de água do furo por ambas as casas. 55. No dia 30 de Abril de 2014, a empresa "KK", contratada pelo Autor, deslocou-se ao jardim do “Prédio dos Réus”, tendo aí escavado um buraco no local aproximado do furo e das canalizações que do mesmo saíam. 56. Após a "KK" ter analisado a situação existente nos jardins de ambas as casas, informou o Autor de que: a) A realização de um novo furo ou de um poço no jardim do Autor era inviável e que; b) A única obra viável para os fins pretendidos era instalar uma nova e adicional bomba de água (com motor incluído), autónoma e mais fina, no furo existente, ligar um cabo de alimentação de eletricidade entre esta bomba e o sistema elétrico do Autor e colocar um novo cano subterrâneo, autónomo, à saída do furo que levasse a água diretamente para o cano do outro lado do muro, bloqueando, ao mesmo tempo, o outro cano existente no jardim dos 1ºs. Réus e que, até então, desviava a água do furo do sistema (e canalizações) de captação de água no jardim do “Prédio dos Réus” para o “Prédio do Autor”. 57. Ainda nesse dia, depois de o Autor lhe dar conhecimento das conclusões e solução apresentadas pela "KK", a 1ª R. autorizou o Autor a avançar com a realização da obra nos moldes atrás anunciados. 58. Tendo, ainda, ficado combinado entre ambos que a obra a efetuar, a expensas do Autor, incluiria, igualmente, altear a tampa de acesso ao furo, de modo a que esta ficasse à cota do jardim dos Réus e facilitasse o acesso ao furo no futuro. «58-A) (aditado pela Relação) No dia 15-05-2014, o autor enviou à 1ª R. com conhecimento entre o mais ao 1º R. uma mensagem de correio eletrónico dirigida à R. CC na qual informa “O Sr. II da KK, agendou obra para começar 2ª feira pelas 9 hs.. Pedi-te assim o favor de facultar o acesso ao teu jardim, através de escada do meu jardim, opção que te incomodaria menos, ou providenciando abrir a porta. Diz-me o que preferes, para se avançar. A obra deve demorar cerca de 2 ou 3 dias. Obrigado. AA. Mail este rececionado pelos seus destinatários (fls. 116).» 59. Entre os dias 16 e 19 de Maio de 2014, o representante do Autor em Portugal (LL) tentou, por várias vezes, contactar a 1ª. Ré mulher (via telefone e mensagens de texto SMS) com vista a, face à data prevista para o início da obra, assegurar o acesso ao jardim da moradia dos Réus. 60. Em face do silêncio dos 1ºs. Réus, o Autor deu instruções à “KK” para avançar com a obra, acedendo ao jardim da moradia dos 1.ºs RR. através do seu, mediante a colocação de escadas. 61. Após a realização da obra pela “KK”, nos dias 19 de 20 de Maio de 2014, o furo ficou com duas bombas autónomas alimentadas eletricamente pela respetiva moradia que utilize cada uma delas, do furo saindo diretamente dois canos autónomos: o que já existia, que passou a servir só a moradia dos 1ºs. RR., e o novo, que atravessa o muro no subsolo e liga diretamente à canalização do Autor, que passou a servir só o seu prédio. 62. O Autor custeou, sozinho, a obra realizada. 63. Posteriormente, por solicitação do Autor, a empresa “NN”, que trata da manutenção do jardim do Autor, plantou, em 29 de Maio de 2014, as sementes necessárias para repor a vegetação nos locais que haviam sido escavados no jardim dos 1.ºs RR. e confirmou que o terreno estava devidamente regularizado. 64. A obra de construção do furo e do sistema de canalização envolvente para permitir a captação da água subterrânea para o “Prédio do Autor” a partir do “Prédio dos Réus”, embora seja em parte subterrânea, tem, à superfície, parte da canalização que do mesmo sai para ligação à casa das máquinas existente no “Prédio do Autor” e, nesta, aos sistemas de canalizações da piscina e rega e de outros usos domésticos e a própria tampa de acesso ao furo. 65. Além disso, são visíveis no subsolo, por baixo de várias tampas ou a alguns centímetros de profundidade, o furo, os cabos de alimentação das bombas, a canalização que do mesmo sai para ligação à casa das máquinas existente, por um lado, no “Prédio do Autor” e, por outro, no “Prédio dos Réus” e as respetivas bifurcações e ligações. 66. Pelo menos em de Janeiro de 2014, os 1.ºs RR. manifestaram ao A. a sua oposição à constituição do direito de servidão de que este se arrogava e, desde então, o seu consentimento ao uso por este, para rega do jardim e pátios interiores e piscina do prédio do mesmo, da água proveniente do furo do seu prédio (daqueles) tem sido prestado de molde a manter um clima de cordialidade nas relações recíprocas. *** Deu ainda o tribunal a quo como não provada a seguinte factualidade: “Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que: os antecessores do A. se tenham servido da água do furo para outros usos domésticos da sua moradia; na segunda quinzena de Dezembro de 2006 os 1.ºs RR. se tenham prontificado a colaborar com o Autor, no que fosse necessário, se e quando este pretendesse, na formalização do acordado quanto à utilização da água captada através do furo localizado no seu jardim; o A. se tenha vindo a servir da água do furo para outros fins domésticos da sua moradia; no início de 2013 tenha ficado acordado entre o A. e os 1.ºs RR. os termos relevantes da escritura pública de constituição de servidão e do pagamento das despesas por parte do A. relativas à manutenção e reparação do furo e equipamento e ao consumo de eletricidade respectivo; nesta altura tenha ficado acordado a instalação de um contador autónomo para medir o consumo de eletricidade relativo à captação de água do furo; a 28 de Abril de 2014, a 1.ª R. tenha garantido que, caso o A. realizasse uma obra que autonomizasse os sistemas de captação ou pelo menos o consumo de eletricidade, ambos os 1.ºs RR. assinavam a escritura de servidão; a partir de Janeiro de 2014 o A. continuasse a utilizar a água do furo localizado no prédio dos 1.º s RR. convencido que assim podia atuar por ser dono do imóvel supra id. em 2).” 4. Tendo em conta as conclusões das alegações dos recorrentes, que delimitam o objecto do recurso, estão em causa as seguintes questões: – qualificação como posse correspondente a um direito de servidão da utilização, pelo autor, da água captada através de um furo existente no prédio dos réus; – admitindo que assim deve ser qualificada essa utilização, verificação dos requisitos necessários para a aquisição por usucapião do correspondente direito de servidão sobre o prédio dos réus. Diga-se desde já, que, a verificarem-se os demais requisitos necessários para a aquisição do direito de servidão por usucapião, a circunstância de a utilização das águas se fazer através de canalizações subterrâneas não impediria a usucapião, por haver à superfície “sinais visíveis e permanentes” dessa utilização (nº 2 do artigo 1548º do Código Civil – cfr. pontos 64 e 65 dos factos provados); – caso assim se não deva entender, apreciação da questão subsidiariamente colocada nas contra-alegações de, a não se considerar que o autor é titular de um direito real de servidão, concluir-se, pelo menos, que tem um direito de natureza obrigacional à utilização da água; – proibição legal da existência de “duas bombas autónomas alimentadas electricamente por cada um das moradias e com um cano para cada uma delas”, por violação do Regulamento de Segurança de Instalações Eléctricas e de Utilização de Energia Eléctrica; – Abuso de direito suscitado pelo autor nas contra-alegações, quanto à ”pretensão dos Recorrentes de ver retirada a instalação colocada no seu prédio e proibida a utilização da água pelo prédio do Recorrido, atendendo à sua actuação ao longo de mais de 15 anos e ao facto de a obra realizada em Maio de 2014 ter sido executada a pedido, por insistência e com autorização dos Recorrentes”. 5. O acórdão recorrido julgou procedente o pedido do autor de reconhecimento da constituição por usucapião de uma “servidão de utilização de água captada através do furo existente no prédio dos RR. situado a meio do jardim destes e junto ao muro de meação dos prédios para rega do jardim e piscina do prédio ora pertencente ao autor”. Julgou ainda que a “captação” da água em causa seria “executada através de sistema de captação de água autónomo, composto por bomba com motor e ligação de cabo de alimentação energética e de cano subterrâneo de distribuição de água. Sem prejuízo do outro sistema de captação de água autónomo que serve o prédio dos RR.” Deixa-se agora de lado a condenação dos réus a reconhecer que têm direito a ser reembolsados de metade das despesas de manutenção e reparação do furo, mediante a apresentação do respectivo comprovativo”, condenação, aliás, favorável aos réus, mas que não está verdadeiramente em discussão; pelo menos, com autonomia. Para além de ter considerado completado o prazo necessário para a aquisição por usucapião, contando-o de forma diferente da 1ª Instância, a Relação (tal como a 1ª Instância) qualificou como posse a utilização de água feita pelo autor e pelos anteriores proprietários do seu prédio; mais concretamente, como posse correspondente ao direito de servidão de águas, com o conteúdo acabado de descrever. Desatendeu assim a defesa dos réus, reiterada nas alegações de revista, que fundamentalmente se baseia na inexistência de posse, antes qualificando a utilização da água proveniente do furo instalado no seu prédio como resultante de um consentimento assente em relações de amizade com os anteriores proprietários do prédio do autor e de boa vizinhança, com o autor, sem qualquer intenção de reconhecimento de uma situação de posse ou de servidão; na realidade, ter-se-ia constituído uma situação de mera detenção – no sentido de utilização da água do furo não por direito próprio, mas em consequência da tolerância dos primeiros réus – e não de posse, faltando-lhe o animus de titular do direito de servidão; tratar-se-ia assim de uma hipótese de descaracterização da posse: utilizando a água, o autor e os anteriores proprietários do seu prédio tinham o corpus correspondente à servidão de águas; fazendo-o por mera tolerância dos primeiros réus, assente num consentimento expresso, não actuavam como titulares do direito de servidão e na convicção de serem titulares desse direito, faltando-lhes assim o animus necessário à qualificação da utilização da água como posse correspondente ao exercício do direito de servidão. Dizem ainda os réus, como se viu, que nunca houve inversão do título da posse, transformando perante eles em posse essa mera detenção. Decisivo para o sentido da decisão há-de naturalmente ser a interpretação e enquadramento jurídico da matéria de facto que vem provada. 6. Antes de mais, seguindo aqui de perto o que se escreveu no acórdão de 2 de Fevereiro de 2017, www.dgsi.pt, proc. nº 85/11.4TBSRT.C1.S1 «(…) este Supremo Tribunal tem repetidamente recordado – cfr. apenas a título de exemplo, o acórdão de 8 de Maio de 2013 –, [que]“Como se sabe e o artigo 1543º do Código Civil define, as servidões prediais consistem num encargo imposto a um prédio em benefício de outro prédio, pertencente a dono diferente. Têm natureza real e oneram todo o prédio serviente, e não apenas a parte concretamente afectada (artigo 1546º do Código Civil). Possibilitam o aproveitamento de determinadas utilidades do prédio serviente, variáveis consoante o respectivo conteúdo, e implicam as correspondentes restrições para o (qualquer) titular do prédio dominante, que fica impedido de praticar actos que prejudiquem aquele aproveitamento (nº 1 do artigo 1568º do Código Civil; cfr. acórdão de 2 Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 08B3995)”. O âmbito da servidão – ou seja, deste benefício em favor do prédio dominante e correspondente oneração do prédio serviente – define-se pelo respectivo conteúdo, que é variável consoante as “utilidades” assim possibilitadas (artigo 1544º do Código Civil); sendo certo que, tratando-se de uma servidão constituída por usucapião, como as instâncias entenderam (…), cumpre determinar, em cada caso, qual é o âmbito concreto de cada servidão em função das utilidades de que o prédio dominante beneficiou à custa do prédio serviente, relativamente às quais se verificam os requisitos de aquisição do direito de servidão predial por usucapião.» A transcrição deste extracto justifica-se particularmente no caso presente, desde logo por duas razões: chamar a atenção para a atipicidade do conteúdo das servidões prediais, e para que, e por isso mesmo, a aquisição por usucapião de uma servidão predial implica que a posse que a fundamenta cumpra os requisitos necessários quanto ao conteúdo da servidão que se pode considerar constituída por este meio (neste caso releva, por exemplo, a utilização da água para outros fins domésticos, além dos reconhecidos, que não ficou provada, bem como a captação por um sistema autónomo, que a prova mostra ter sido instalado apenas em 19 e 20 de Maio de 2014); e também para a diferença relevantíssima entre a titularidade de um direito real de servidão (como entendeu a Relação), exercitável por quem for proprietário do prédio dominante e oponível a qualquer proprietário do prédio serviente e de um direito de crédito, (como julgou a 1ª instância), vinculativo apenas entre quem por ele se obrigou (originaria ou posteriormente). Quanto a este último ponto, e apesar de o acórdão recorrido ter julgado nula a sentença, por ter excedido os limites definidos pelo pedido e pela causa de pedir, entende-se que não se formou caso julgado impeditivo de se concluir (hipoteticamente) que o direito invocado pelo autor terá natureza obrigacional e não real. Na verdade, a questão é colocada pelo recorrido, embora subsidiariamente, como se disse; e, ainda que não fosse, sempre estaria em aberto, por respeitar à questão central do litígio, saber como qualificar juridicamente o direito do autor, se algum direito se tiver constituído. A questão é independente da concordância ou discordância com o veredicto da nulidade – e, portanto, e sobretudo, com a noção de pedido ali adoptada. Como já escreviam Pires de Lima e Antunes Varela, (Código Civil Anotado, III. 2ª ed revista e actualizada, Coimbra, 1984, em anotação ao artigo 1306º, pág. 99, transcrita na sentença), referindo-se à conversão legal prevista no respectivo nº 1, “O estabelecimento legal da conversão tem a sua razão de ser: a necessidade de tornar certo o direito onde a prova das intenções é difícil e equívoca. Acresce que o conteúdo do direito, como real ou obrigacional, é praticamente o mesmo, sendo apenas atingidos, por uma ou outra qualificação, os efeitos secundários ou exteriores”. E, referindo-se a este e a outros preceitos, observam estes autores que “estes artigos mostram que não repugna ao legislador (…) impor em certos casos a conversão de um direito real num direito de crédito”. Ou como escreve Carvalho Fernandes, (Lições de Direitos Reais, 6º ed, Lisboa, 2009, pág. 85), distinguindo a “conversão comum” da que vem prevista no nº 1 do artigo 1306º do Código Civil: “A qualificação da conversão como legal significa que ela se verifica aqui sem necessidade de se preencherem os requisitos de que depende a conversão comum, prescritos, no artº 293º”. Sempre se diz, todavia, que a sentença concluiu pela existência de um direito de natureza obrigacional como resultado de uma conversão de um negócio nulo por falta de forma – o “acordo originariamente celebrado pelos 1ºs RR, a constituição duma servidão sobre as águas de um determinado prédio em benefício do outro” – aplicando o disposto no artigo 293º do Código Civil; a referência ao disposto no nº 1 do artigo 1306º do mesmo Código Civil aparece com o objectivo de esclarecer que pode ter natureza obrigacional “o direito de explorar águas subterrâneas”. Esta construção – e é certo e seguro que não é de conhecimento oficioso a afirmação da conversão prevista naquele artigo 293º, diferentemente da conversão legal imposta pelo nº 1 do artigo 1306º – pressupõe ter-se concluído que o referido acordo originário teve como conteúdo a constituição de uma servidão predial, questão cuja análise não contende com a anulação da sentença. 7. Como se viu, o autor invoca a aquisição do direito de servidão por usucapião e, subsidiariamente, pede que se declare a sua posse desde 7 de Dezembro de 2006 (data na qual começou a usar a água captada através do furo situado no prédio dos réus, cfr. ponto 7 dos factos provados). Em qualquer dos casos, a procedência do pedido implica que seja possível caracterizar como posse correspondente ao direito de servidão de águas o poder exercido pelo autor, poder esse que se manifesta pela utilização da água extraída do furo situado no prédio vizinho (prédio esse de propriedade dos primeiros réus, e entretanto vendido aos segundos, sendo que a aquisição respectiva apenas se encontra provisoriamente registada, segundo consta dos factos provados), tal como sucedia com os anteriores proprietários do prédio do autor. Ora, vem provado que a utilização da água foi acordada ou permitida (como adiante se tentará esclarecer) com ou pelos anteriores proprietários do prédio do autor, e novamente acordada ou permitida com ou pelos primeiros réus. Em abstracto, a utilização lícita e consentida de água captada num terreno vizinho, numa situação como a dos autos, tanto pode corresponder ao exercício de um direito de servidão de águas (de natureza real, portanto), como ao exercício de um direito obrigacional (vinculativo apenas entre os contratantes) ou, ainda, ao aproveitamento da mera tolerância do proprietário do prédio onde se situa o furo. Resultando de um acordo entre os primitivos proprietários dos prédios, a qualificação dependerá da interpretação desse acordo e da sua reiteração ou continuação relativamente ao autor (artigos 18 a 26 e 38 dos factos provados). Concluindo-se, no caso, que as partes originárias quiseram constituir um direito de servidão predial, a favor, portanto, do prédio do autor e onerando o prédio dos réus, o correspondente contrato seria nulo por falta de forma (artigo 220º do Código Civil). Como sabemos, até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de Julho, o nº 1 do artigo 80º do Código do Notariado exigia escritura pública; desde então, passou a ser também possível a constituição por documento particular autenticado (nº 1 do respectivo artigo 22º). Como vem provado, o autor tentou formalizar o acordo, sem êxito. A verdade, porém, é que a falta de forma de um eventual acordo não impede, nem a posse (não titulada), nem a usucapião, se for caso disso; impedirá (ou não) a acessão na posse, questão cuja apreciação só será necessária se ocorrerem todos os demais requisitos para a aquisição por usucapião do direito de servidão, com excepção do prazo na posse do autor, tornando-se então necessário somá-la à posse dos anteriores proprietários do seu prédio (artigo 1256º do Código Civil). Os factos provados não sustentam a tese dos réus, que no fundo significa que a utilização da água pelos proprietários do prédio do autor resultaria de um acto unilateral não juridicamente vinculativo – a mera tolerância –, fundado apenas em relações de amizade com os primitivos proprietários do prédio do autor e de boa vizinhança com estes e, posteriormente, com o autor. A divisão das despesas de construção e a combinação quanto ao pagamento dos custos futuros não são congruentes com um mero favor, sem tutela jurídica; e, sobretudo, não se compreenderia que se concebesse ab initio um funcionamento da piscina e da rega do jardim dependente de um mero favor do vizinho, susceptível de ser retirado unilateralmente a qualquer momento, num projecto global de construção como foi o dos autos. A circunstância de não ter sido reduzido a escrito não obsta, evidentemente, a que tenha existido um acordo vinculativo quanto à construção do furo e do sistema (eléctrico e de canalização) que veio a permitir a utilização, pelo autor e pelos anteriores proprietários do seu prédio, da água captada no terreno dos réus. Vem abundantemente provado tal acordo, contemporâneo da construção das nove moradias que constituem o conjunto onde se integram as que pertencem a ambas as partes (cfr. pontos 17., 18, 19, 20) e que compreendia a divisão de custos de construção e de utilização (ponto 21 e seguintes). Esta prova afasta a possibilidade de se concluir pela tese dos réus, no sentido de os proprietários do prédio do autor apenas beneficiarem da mera tolerância dos réus, que a nada se teriam vinculado. Mas também não é congruente com a interpretação de que as partes quiseram criar uma servidão de águas sobre o prédio dos réus e em benefício do prédio dos autores, como parece resultar das mensagens nas quais o autor dizia ser necessária uma escritura pública para formalizar a servidão. A inobservância da forma que para tanto seria exigida é um argumento de pouca valia, para concluir pela incongruência; mas a inexistência de qualquer acordo quanto à compensação dos proprietários do prédio que ficaria onerado com a servidão e de qualquer elemento que permita concluir que estes proprietários aceitaram essa oneração gratuitamente, doando aos proprietários do prédio do autor uma servidão, com as implicações inerentes – para além da utilização da água, pagando embora a necessária electricidade, desvalorização relevante do seu prédio, resultante não só da limitação física do terreno, mas também do regime jurídico de protecção do prédio dominante, do acesso ao furo e às canalizações – teria de resultar da prova, e não resulta. Recorde-se, por exemplo, que os proprietários de um prédio onerado por uma servidão predial, para além de naturalmente não poderem perturbar o exercício dos poderes correspondentes ao direito de servidão (1568º, nº 1 do Código Civil), têm de permitir a realização de obras (artigo 1566º do Código Civil), sofrem limites ao poder de mudança do local onerado (artigo 1568º do Código Civil), têm de acatar regras quanto à extinção da servidão (artigo 1569º e segs. do Código Civil). Cfr., a título de exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Março de 2011, www.dgsi.pt., proc. nº 263/1999.P1.S1). Resta a hipótese de ter havido um acordo não escrito através do qual os primitivos proprietários dos prédios do autor e dos réus combinaram construir um sistema de captação de águas no prédio dos réus, que servisse também a piscina, a rega do prédio do autor e a sua lavandaria, com repartição de despesas de construção, de manutenção e de utilização. É o que resulta literal e objectivamente dos factos provados, sem que o Supremo Tribunal de Justiça esteja a exceder a competência que lhe cabe no que respeita à interpretação de contratos, uma vez que se limita a qualificar juridicamente um acordo cujo conteúdo as instâncias dão como (factualmente) assente; sendo que a execução do contrato corresponde a este conteúdo, ponto também relevante quando se procura, a posteriori, determinar o sentido do mesmo. E recorde-se que vem igualmente provado que o cumprimento deste acordo foi afirmado ao autor pelos primeiros réus (ponto 38 dos factos provados). A utilização da água, provada apenas para a rega do jardim e para a piscina, corresponde, pois, a essa execução, não tendo cabimento aplicar a presunção de posse constante do nº 2 do artigo 1252º do Código Civil, como pretende o recorrido: não há dúvida que caiba ultrapassar por presunção. Em nada altera esta conclusão a circunstância de o ou os proprietários do prédio do autor não terem pago todas as despesas que deveriam ter satisfeito. Conclui-se, deste modo, que a utilização da água não pode ser enquadrada no exercício da posse correspondente ao direito de servidão de águas, mas sim no contexto de um acordo entre os primitivos proprietários de ambos os prédios, cujo conteúdo está intrinsecamente ligado à forma como foram efectuadas as diversas construções e comodidades nos respectivos terrenos: um único furo, com canalizações para ambos os prédios, os dois com piscina e jardim a necessitar de água e cuja violação poderia ser causa de danos e de consequente obrigação de indemnizar. O princípio da tipicidade dos direitos reais impede que se considere existir aqui uma obrigação real, imediata e directamente oponível a todos e quaisquer proprietários do prédio dos réus (nº 1 do artigo 1306º do Código Civil e Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coimbra, 1990, págs. 282 e segs., 456 e segs,); de igual forma o impediria a falta de forma legalmente exigida para as modificações ao conteúdo do direito de propriedade (citado artigo 22º do Decreto-Lei nº 116/2008). Mas não impede que se se retire da inserção do acordo dos proprietários iniciais na ligação física entre ambos os prédios, assim concebida no conjunto de moradias projectadas, a obrigação instrumental de assegurar, em caso de venda do prédio onde o furo se situa, que os respectivos adquirentes se vinculam a possibilitar a utilização da água. O que não é equivalente a reconhecer ao autor a posse do direito de servidão: o regime não lhe é aplicável. Trata-se, todavia, de questão que se não coloca na presente acção. 8. Os recorrentes pretendem ainda a procedência dos pedidos reconvencionais, atrás transcritos: – “a) reconhecer [o autor] que não é titular de qualquer servidão de águas para captação e utilização da água do furo existente no prédio dos 1ºs RR., nem tem qualquer posse juridicamente atendível que lhe permita servir-se dessa água nos termos em que vem fazendo; b) Remover em consequência toda a canalização existente de recolha de água que instalou no prédio dos 1ºs RR. para condução da água nascida no prédio destes primeiros RR. e de que o autor se vem aproveitando; c) Jamais utilizar essa água para quaisquer fins, designadamente para os referidos na petição e para recolha e aproveitamento da água pertencente aos primeiros réus, como vem fazendo.” Resulta do que atrás se disse que o pedido a), que nem é rigorosamente um pedido autónomo da defesa, nem pode ter total procedência. Por um lado, porque se conclui que o autor não é titular de um direito de servidão, nem tem a posse correspondente; mas, por outro, que tem o direito de se servir da água para a piscina, para a rega do jardim e para a lavandaria, nos termos acordados entre os primeiros réus e os primitivos proprietários do prédio do autor, termos esses que os primeiros réus se comprometeram a respeitar, assim reiterando o acordo primitivo. Quanto ao pedido b) – note-se que apenas é pedida a remoção da “canalização existente de recolha de água que [o autor] instalou no prédio dos 1ºs RR”, e não da que anteriormente existia – interessa recordar que vem provado que a 1ª ré “autorizou o Autor a avançar com a realização da obra nos moldes atrás anunciados” (ponto 56 e 57 dos factos provados). O recorrido afirma que constitui abuso de direito pretender esta remoção, sustentando que “a obra realizada em Maio de 2014 [foi] executada a pedido, por insistência e com autorização dos Recorrentes”(conclusão JJ das contra-alegações); mas apenas ficou provada a autorização da 1ª ré. Na realidade, este pedido b) significa apenas a retirada da autorização para manter as novas instalações no seu prédio, instalações que, encontrando-se no subsolo, se incorporaram na propriedade dos réus, uma vez que, nestes casos, não pode haver sobreposição de propriedades, ou seja, direito de superfície (nº 2 do artigo 1525º do Código Civil) Não se encontra no Regulamento de Segurança de Instalações Eléctricas de Utilização de Energia Eléctrica nem nas Regras Técnicas das Instalações Eléctricas de Baixa Tensão indicadas nas alegações a proibição que os recorrentes apontam à manutenção da instalação efectuada em 2014. No entanto, concluindo-se que o autor tem direito à utilização da água, nos termos do acordo inicial, reiterado pelos 1ºs réus (o que implica a improcedência do pedido c)), aceita-se que é abusivo exigir a retirada das novas instalações, quer porque aquela utilização sempre poderia continuar através do sistema inicial, quer porque em nada prejudicam os réus, antes permitem uma contagem separada dos gastos de electricidade, em seu benefício. Como a Relação realça, os gastos com a electricidade cabem aos proprietários do prédio a que respeitam. Recorde-se que não procede o pedido de reconhecimento do direito de servidão. O pedido c) improcede, pelas razões já apontadas. 9. Nestes termos, decide-se: a) Revogar o ponto 2) do acórdão recorrido e alterar parcialmente os pontos 3) e 4), nos termos que seguem; b) Julgar improcedente o pedido de declaração de que se encontra constituída sobre o prédio dos réus, a favor do prédio de que é proprietário o autor, AA, uma servidão de águas para captação e utilização da água do furo existente no prédio dos réus; c) Julgar improcedente o pedido subsidiariamente deduzido pelo autor, de reconhecimento da sua posse, correspondente àquele direito de servidão; d) Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional a), condenando os primeiros réus a reconhecer que o autor tem o direito de utilizar a água captada no furo situado no prédio dos réus, para a piscina, a rega e a lavandaria, nos termos do acordo celebrado com os anteriores proprietários do prédio do autor e confirmado entre os primeiros réus e o autor, e absolvendo os segundos réus desse reconhecimento; e) Julgar improcedentes os pedidos reconvencionais b) e c); f) Confirmar a condenação do autor no reembolso de metade das despesas de manutenção e reparação do furo, mediante a apresentação do respectivo comprovativo. Custas da acção pelo autor e, quanto à reconvenção, pelo autor (em ¾) e pelos primeiros réus (em ¼). Lisboa, 25 de Outubro de 2018 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora) Olindo Geraldes Maria do Rosário Morgado |