Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
81/23.9T8VPV.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO SOCIAL
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
RELEVÂNCIA JURÍDICA
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
DEVER DE OCUPAÇÃO EFETIVA
Data do Acordão: 11/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL
Sumário :
I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, nº 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.

II. O quadro factual do que se passou entre o dia 7/12/2022 e o dia 11/1/2022 dá-nos uma perspetiva substancialmente distinta da visão dos acontecimentos apresentada pelo Autor, com o seus inerentes reflexos ao nível da gravidade e da ilicitude da situação criada, assim como do juízo de censura a emitir sobre a concreta atuação da Ré.

III. Sem prejuízo da sua dimensão factual e do significado jurídico, em sede da economia do caso específico e particular em análise nos autos, tal temática da violação do dever de ocupação efetiva e da sua configuração como justa causa subjetiva que o recorrente pretende ver discutido por este Supremo Tribunal de Justiça, em sede deste recurso de revista excecional, não possui uma relevância de direito tal que justifique a pretendida análise e julgamento por este tribunal superior.

IV. Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação.

V. Os dados de facto e de direito que derivam deste processo, não configuram nem se reconduzem a quaisquer interesses de particular relevância social, conforme previstos na alínea b) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.

Decisão Texto Integral:
RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL N.º 81/23.9T8VPV.L1.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorrida: GLOBALEDA – TELECOMUNICAÇÕES E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, S.A.

(Processo n.º 81/23.9T8VPV – Tribunal Judicial da Comarca … – Juízo Misto de Família e Menores e do Trabalho da ...)

ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – RELATÓRIO

1. AA, com os sinais identificados nos autos, intentou, em 13/02/2023, ação declarativa com processo comum laboral contra GLOBALEDA – TELECOMUNICAÇÕES E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, S.A., igualmente identificada nestes autos, requerendo, a final, o seguinte:

Termos em que, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, declara a existência de justa causa para rescisão do contrato de trabalho e, por via do que, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de Euros 42.013,46, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação da Ré e bem assim nas custas”.


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2. A Ré, regularmente citada, apresentou contestação onde, para além de deduzir pedido reconvencional [indemnização por denúncia com violação do prazo de avoso prévio] pugna, a final, pela improcedência da ação.

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3. O Autor veio responder a tal pedido reconvencional dentro do prazo legal, sustentando também a sua improcedência.

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4. O tribunal da 1.ª instância fixou no Despacho Saneador de 20/4/2023 fixou o valor da causa em 43.837,48 €.

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5. Por Sentença de 21/10/2023 foi decidido o seguinte:

““Com os fundamentos fácticos e legais supra expostos, decido:

a) Não reconhecer a existência de justa causa na resolução do contrato promovida por AA;

b) Em consequência julgar improcedente o pedido de condenação da Ré, absolvendo-a do mesmo;

c) Julgar proceder o pedido reconvencional deduzido e, em consequência, condenar AA a pagar à Ré/reconvinte GLOBALEDA a quantia de 1.824,00 EUR.

Custas pelo Autor”.


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6. Por Acórdão de 24/04/2024, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu nos termos seguintes o recurso de Apelação interposto pelo Autor:

“Em face do exposto:

5.1. Julga-se parcialmente procedente a impugnação de facto deduzida e, em consequência:

5.1.1. Alteram se os pontos 21., 22. e 27. dos factos provados, nos termos sobreditos;

5.1.2. Elimina-se o ponto 28 dos factos provados;

5.1.3. Alteram se as alíneas f) e k) a o) dos factos “não provados”, aditando a matéria de facto provada os pontos 33. e 34., nos termos sobreditos;

5.2. Decide-se conceder parcial provimento à apelação e, em consequência, altera-se a decisão final da sentença da 1.ª instância, condenando a Ré ora recorrida a pagar ao Autor ora recorrente a indemnização de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal vencidos desde a presente data e vincendos até integral pagamento, no mais se mantendo a sentença.””.


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7. A Autora interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC/2013, aplicável por força do disposto no número 1 do artigo 87.º do CPT.

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8. Foi determinada a subida do presente recurso de revista excecional, que tendo chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de um despacho liminar onde foi entendido se mostrarem reunidos os pressupostos formais de cariz especial e geral que se mostram legalmente previstos para o Recurso de Revista Excecional e, por tal motivo se justificar o envio destes autos recursórios à formação prevista no número 3 do artigo 672.º do NCPC.

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9. O recorrente resume nas suas conclusões de recurso e nestes termos as diversas facetas do mesmo:

«a) No caso vertente, não se verificando dupla conforme, o presente recurso dever ser admitido como revista, sendo que, a considerar-se a dupla conforme quanto ao segmento em que o Acórdão recorrido confirmou a sentença de primeira instância, sempre se mostram, nos moldes supra expostos, verificados os condicionalismos da admissão do recurso como revista excecional;

b) O Acórdão recorrido constata e afirma a existência de uma violação culposa do direito de ocupação efetiva do trabalhador, considerando, no que se não concorda, que o facto de o recorrente ter estado 40 dias sem funções, sentado a uma secretaria sem nada á sua frente, com um computador na última semana, sem que ninguém com ele contactasse, não implica uma inexigibilidade de manutenção da relação laboral;

c) A situação vivida por alguém que fica afastado do normal desenrolar diário da sua entidade patronal, sem que lhe dirijam a palavra ou por qualquer forma o esclareçam sobre as suas intenções é particularmente grave e objetivamente lesiva dos direitos do recorrente, tendo um peso bastante para integrar a previsão do art.º 394.º, n.º 1, do Cód. Trabalho, contrariamente ao afirmado, em sede conclusiva, pelo Acórdão recorrido;

d) Mostrando-se, salvo melhor opinião, violada a norma supra apontada.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrida no segmento objeto do presente recurso, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!.»


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II. FACTOS

10. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados e não provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [TRL] de 24/04/2024 [após a procedência parcial da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que foi deduzida pelo Autor no seu recurso de Apelação]:

1. Por contrato de trabalho celebrado em 1 de Dezembro de 2006, a Ré contratou o Autor para exercer, sob as suas ordens, direção e subordinação hierárquica, as funções de gestor comercial.

2. Durante quase 3 anos o Autor apresentou certificados de incapacidade temporária para o trabalho, renovados mensalmente, sendo que o último certificado entregue por aquele à Ré apresentava um período de incapacidade com início em 28 de Novembro de 2022 e termo em 27 de Dezembro de 2022 e foi emitido pelo médico que o subscreveu em 29 de Novembro de 2022 .

3. No dia 2 de Dezembro de 2022, o Autor remeteu à Ré um Email com o seguinte teor:

Na sequência da minha baixa clínica, verifico, agora, estar em condições de retomar as minhas funções, o que irá acontecer a partir do dia 7 de Dezembro de 2022, data na qual irei apresentar-me, pelas 9,00 horas nas instalações sitas na ... (email de 15.1.2020), conforme indicação transmitida pelo Senhor Eng. BB - desde já agradecendo que, a não ser assim, me seja informado do contrário. Uma vez cessada a situação de baixa clínica, e dado o tempo em que a mesma se prolongou, natural se mostra ser necessária realização ação formativa de atualização por forma a possibilitar a cabal prestação do meu trabalho, o que desde já solicito seja assegurado. Por outro lado, agradeço que sejam as contas relativas aos proporcionais e créditos salariais já vencidos objeto de liquidação tendo em consideração a data do meu regresso.

4. No dia 6 de Dezembro de 2022, o diretor do Autor remeteu a este comunicação com o seguinte teor:

Confirmo que deverás apresentar-se na loja de ..., no dia em que regressas à GLOBALEDA após esta longa ausência. Dado o curto espaço de tempo da notificação do regresso e a concretização deste, ainda estamos a ultimar a disponibilização de um computador pessoal + telemóvel. Qualquer assunto que seja necessário tratar e agilizar deverá ser reportado ao CC Chefe de Serviço da DLSC na ... em CC.

5. Com data de 11 de Janeiro de 2023, o Autor remeteu à Ré a comunicação com o assunto «cessação de contrato de trabalho com justa causa de despedimento – art.º 394.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e f) do Cód. Trabalho», cuja cópia foi junta com a Petição Inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, da qual consta designadamente:

“Venho pela presente resolver com justa causa o contrato de trabalho que celebrei com V. Ex.ªs, com data de 1 de Dezembro de 2006, com efeitos imediatos, nos termos do comando geral acima mencionado, porquanto:

1 - Fui contratado em 1 de Dezembro de 2006 por essa empresa, para exercer as funções de gestor comercial.

2 - Na sequência de um lamentável incidente, que culminou com uma agressão de que fui alvo nas instalações da empresa onde trabalhava, iniciei um período de baixa clínica, o qual teve o seu termo em 7 de Dezembro de 2022.

3 - Nessa data, conforme indicação que me foi transmitida, retomei o meu trabalho, tendo ficado adstrito às instalações dessa empresa sitas na Rua ..., contrariamente ao que acontecia até ao momento em que estive em situação, em que o meu local de trabalho foi na ..., onde se encontra centralizada a parte comercial, de que eu fazia parte integrante.

4 - Contudo, desde a data em que retomei o meu trabalho, não me foi atribuída qualquer tarefa ou trabalho concretos.

5 - De facto, determinaram que me sentasse numa secretária, a qual não tinha qualquer elemento de trabalho, estando a mesma completamente vazia, sem qualquer documento de consulta ou material de trabalho, como sejam um computador, um agrafador, um papel - ali não estava nada.

6 - Ao ponto de, quando fizeram vídeo chamada para a Vodafone para verificação do layout da loja, me foi pedido que me levantasse da secretária, por não ser suposto estar alguém ali sentado e por eu não poder ali permanecer sem estar com a camisola da empresa - que nunca me foi dada.

7 - Não atendia ninguém, nenhum colega ou superior me definiram o âmbito do meu trabalho.

8 - Não me foi dada formação profissional, ainda que, tendo estado ausente em situação de baixa durante quase 3 anos, os procedimentos e elementos de trabalho fossem completamente diferentes, sendo que, durante aquele período de tempo, natural é que, para além das atualizações do sistema que constitui a ferramenta de trabalho da empresa (fornecedora de serviços de telecomunicações) entretanto ocorridas, necessário era, igualmente, que me fossem dadas informações concretas sobre os procedimentos entretanto adotados.

9 - Permaneci sentado na secretária que me foi adstrita, sem qualquer trabalho concreto ou funções para exercer, de forma continuada e ininterrupta, até ao dia 6 de Janeiro de 2023, data na qual foi instalado um computador na minha secretária.

10 - Não estando o mesmo computador dotado dos elementos informáticos mínimos que me permitissem proceder a qualquer ato inerente à minha função laboral, pois que o mesmo nem sequer listagem de clientes tinha ou viabilizava o meu acesso ao sistema interno da empresa, apenas permitindo o acesso à minha conta de e-mail da empresa.

11 - Quando, no âmbito da minha função de gestor comercial, o meu trabalho envolvia contactos com clientes e angariação de novos clientes, nomeadamente por contacto direto.

12 - Tendo, nessa data, percebido que não existia intenção mínima de que eu tivesse uma ocupação efetiva compatível com a minha categoria profissional, tendo sido mesmo sugerido que eu poderia fazer carregamentos (carregar o telemóvel), algo que nunca fez parte das minhas funções e a que, mesmo assim, não tinha acesso.

13 - Não me foram dadas credenciais próprias de acesso às plataformas.

14 - Tal descrito comportamento da vossa parte foi apto a criar-me um significativo sofrimento moral, angústia, perda de autoestima, ferindo a minha dignidade profissional e pessoal.

14 - Senti-me completamente vulgarizado e absolutamente dispensável, não tendo visto da parte dessa empresa um interesse mínimo em integrar-me na equipa de trabalhadores da empresa, antes de me isolar até me cansar.

15 - Algo que foi efetivamente conseguido, ao ponto de me ter dirigido à Inspeção Regional do Trabalho, tendo relatado na mesma o ocorrido.

16 - Sendo ignorado o meu direito de ocupação efetiva, que constitui um dever do empregador, em face do disposto no art.º 127.º, n.º 1, als. a) e c) do Cód. do Trabalho.

17 - Sem que existisse qualquer obstáculo a que as minhas funções fossem efetivamente exercidas, estando na vossa disponibilidade a execução das tarefas subjacentes à minha categoria profissional.

18 - Pelo exposto, e por existirem dados reveladores do comprometimento definitivo da manutenção da relação laboral, venho, em face do disposto no art.º 394.º, n.º 1 e 2, als. b) e f) do Cód. do Trabalho, resolver o contrato de trabalho celebrado com V. Ex.ªs com efeitos imediatos.

19 - Em face da mesma resolução, solicito o envio da documentação inerente (declaração de situação de desemprego e certificado de trabalho) e a liquidação dos meus créditos laborais.

6. A Ré respondeu ao Autor através de comunicação datada de 19 de Janeiro de 2023, recebida por este, cuja cópia se mostra junta com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido, e da qual consta designadamente que:

“(…) 3 – O período de baixa médica apresentado por V. Exa., desde 2 de Janeiro de 2020, teria o seu termo em 27 de Dezembro de 2022;

4 – Não obstante, em 2 de Dezembro de 2022 V. Exa. informou a GLOBALEDA de que regressaria ao exercício das vossas funções laborais no dia 7 de Dezembro, após quase 3 anos de ausência.

5 - Como é do vosso conhecimento, tornou-se necessário readaptar o estabelecimento com todas as condições de trabalho adequadas, designadamente o local onde permaneceria (o mesmo que havia sido sugerido pelo vosso mandatário), secretária, computador, acesso à rede interna do Grupo EDA, acesso à internet e telemóvel.

6 – O computador portátil, como é do vosso conhecimento, foi enviado de … e rececionado em ... em 13 de Dezembro;

7 – Em 14 de Dezembro tal computador foi enviado para a equipa informática com o objetivo de proceder à sua formatação que, após o ataque informático sofrido pelo GRUPO EDA durante o ano de 2022 (do conhecimento público), obedece a critérios rigorosos de segurança;

8 - Tal formatação, como é do vosso conhecimento, apenas ficou concluída em 6 de Janeiro, considerando o volume de trabalho da equipa informática e o período de festas de Natal de fim de ano;

9 - Para o feito, e num muito curto espaço de tempo, uma vez que o vosso regresso apenas ocorreria em 28 de Dezembro de 2022, foram solicitadas as respetivas credenciais junto da VODAFONE (cuja criação é relativamente morosa) e que seriam essenciais para que V. Exa. pudesse readaptar-se à existência dos novos produtos e serviços VODAFONE, empresariais e particulares;

10 – Durante todo este período, a empresa permaneceu em contacto com V. Exa., informando os procedimentos que estavam a ser adotados e disponibilizando-se para a resolução de qualquer questão que entendesse necessária.

11 – É, pois, com total surpresa que se constata o teor da vossa comunicação que, salvo o devido respeito, não pode deixar de ser interpretada como um ato de manifesta má-fé, invocando factos que bem sabe não correspondem à verdade.

7. No dia 7 de Dezembro de 2022, conforme indicação transmitida ao Autor, este retomou o seu trabalho, tendo ficado adstrito às instalações da Ré sitas na Rua ..., contrariamente ao que acontecia até ao momento em que esteve em situação de baixa, em que o seu local de trabalho foi na ..., onde se encontra centralizada a parte comercial, de que o Autor fazia parte integrante.

8. Em 2018 foi celebrado um acordo de empresa entre a Ré e os sindicatos representativos dos seus trabalhadores, corporizado como Convenção Coletiva de Trabalho n.º 40/2018, de 13 de Dezembro, publicada nessa data no Jornal Oficial II.

9. No AE em causa não está prevista a categoria de gestor comercial, mas sim a de técnico comercial, que é definida nos seguintes termos: profissional que assegura com elevado grau de autonomia e conhecimento a coordenação da atividade comercial e gestão de clientes. Desempenha tarefas relacionadas com a venda e pós-venda de produtos e/ou serviços, de acordo com procedimentos estabelecidos, garantindo a satisfação dos Clientes, com vista à sua fidelização. Assegura o cumprimento dos processos relativos aos Sistemas de Gestão da Qualidade, Ambiente e Segurança, no âmbito das suas atividades.

10. O Autor auferia, quando ficou de baixa médica, o vencimento base de 855 EUR e ainda 17,10 EUR de prémio de assiduidade, 133,33 EUR de prémio de vendas e 250 EUR de prémio de desempenho, num total mensal de 1.255,43 EUR.

11. Desde a data em que o Autor retomou o trabalho, e pelo menos até lhe ser entregue computador, não lhe foi atribuída qualquer tarefa ou trabalho concretos.

12. A Ré determinou que o Autor se sentasse numa secretária, na qual não tinha qualquer elemento de trabalho, estando a mesma completamente vazia, sem qualquer documento de consulta ou material de trabalho, como sejam um computador, um agrafador, um teclado.

13. Quando fizeram vídeo chamada com a VODAFONE para verificação do layout da loja, foi pedido ao Autor que se levantasse da secretária.

14. O Autor não atendia ninguém.

15. Após o regresso não lhe foi dada qualquer formação profissional, ainda que os procedimentos e elementos de trabalho fossem diferentes, tendo ocorrido atualizações do sistema que constitui a ferramenta de trabalho da empresa (fornecedora de serviços de telecomunicações), sendo necessário que lhe fossem dadas informações concretas sobre os procedimentos entretanto adotados.

16. No dia 6 de Janeiro de 2023 foi instalado um computador na secretária do Autor.

17. O computador permitia o acesso à conta de Email da empresa, mas não tinha listagem de clientes e não viabilizava o acesso ao sistema interno da empresa.

18. O exercício das funções do Autor envolvia contactos com clientes e angariação de novos clientes, nomeadamente por contacto direto.

19. A empresa sugeriu-lhe que, no entretanto, poderia fazer carregamentos de telemóveis.

20. Não lhe foram fornecidas credenciais próprias de acesso às plataformas.

21. Perante o regresso do Autor, a Ré readaptou o estabelecimento comercial de ..., que seria o local de trabalho daquele por acordo e sugestão do seu mandatário.

22. A Ré diligenciou por obter uma secretária, computador, acesso à rede do GRUPO EDA, internet e um telemóvel de serviço para uso do Autor.

23. Dada a inexistência de um computador nas lojas da Ré na ..., esta solicitou o envio de um novo através da ilha de São Miguel, onde se localiza a sede social.

24. O computador portátil foi rececionado em ... no dia 13 de Dezembro de 2022.

25. Uma vez que o computador em causa necessitava de ser devidamente formatado, o mesmo foi enviado para a equipa de informática do GRUPO EDA, dado que a formatação em causa obedece a rigorosos padrões de segurança, na sequência de um ataque informático sofrido por parte daquele Grupo em Maio de 2022.

26. Considerada a complexidade da formatação, dos vários pedidos com a mesma natureza por parte de outras empresas do GRUPO EDA, do decurso das festividades de Natal e de fim de ano (com gozo de férias por parte dos técnicos e tolerâncias de ponto), a formatação do computador que seria adstrito ao autor ficou concluída no dia 6 de Janeiro de 2023.

27. Com a formatação concluída, tornou-se necessário solicitar junto da empresa VODAFONE a criação de novas credenciais de acesso à rede VODAFONE, cujos procedimentos de verificação dos critérios de segurança podem demorar até cerca de uma semana

28. Eliminado

29. A videochamada da VODAFONE, que acontece regularmente como é do conhecimento do Autor, destina-se à verificação e validação das infraestruturas de cada loja e, por essa razão, durante essa videochamada, nenhum trabalhador deve surgir nessa imagem, até para garantir a reserva e intimidade de cada colaborador de acordo com a política de proteção de dados pessoais daquela empresa.

30. Durante o período em que o trabalhador esteve em funções após o seu regresso, nunca comunicou, verbalmente ou por escrito, qualquer descontentamento ou incómodo em relação à Ré.

31. No período em causa o Autor comunicou um número não concretamente apurado de justificações de faltas que deu.

32. O Autor auferia mensalmente uma retribuição base no valor de 912 EUR.

33. No regresso ao serviço o Autor pretendia voltar a trabalhar e ter uma perspetiva de carreira.

34. Pelo facto de estar sem tarefas atribuídas durante cerca de um mês depois de regressar ao serviço, sentado a uma secretária sem elementos de trabalho, e sem que lhe fosse dada formação profissional, agravaram-se os sentimentos de mal-estar, sofrimento moral e tristeza que o Autora vivenciava no âmbito do seu estado depressivo.

III - QUESTÕES SUSCITADAS AO ABRIGO DAS ALÍNEAS A) e B) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC [1]

11. Nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:

– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).

– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).

– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).

– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).

– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).

– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).


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12. A nossa jurisprudência, quanto aos invocados interesses de particular relevância social que são enunciados na alínea b) do número 2 do artigo 672.º, fala-nos em “aspetos fulcrais para a vida em sociedade” (Ac. do STJ de 13.04.2021, P. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S2), assuntos suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação (Acs. do STJ de 14.10.2010, P. 3959/09.9TBOER.L1.S1, e de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1), ou que “exista um interesse comunitário significativo que transcenda a dimensão inter partes” (Ac. do STJ de 29.09.2021, P. n.º 686/18.0T8PTG-A.E1.S2), sendo certo que nesta matéria “não basta o mero interesse subjetivo do recorrente” (Ac. do STJ de 11.05.2021, P. 3690/19.7T8VNG.P1.S2).

12. Debrucemo-nos, assim, sobre a única questão que é suscitada pelo trabalhador recorrente e que o mesmo resume nas seguintes três conclusões deste seu recurso de revista excecional:

b) O Acórdão recorrido constata e afirma a existência de uma violação culposa do direito de ocupação efetiva do trabalhador, considerando, no que se não concorda, que o facto de o recorrente ter estado 40 dias sem funções, sentado a uma secretaria sem nada á sua frente, com um computador na última semana, sem que ninguém com ele contactasse, não implica uma inexigibilidade de manutenção da relação laboral;

c) A situação vivida por alguém que fica afastado do normal desenrolar diário da sua entidade patronal, sem que lhe dirijam a palavra ou por qualquer forma o esclareçam sobre as suas intenções é particularmente grave e objetivamente lesiva dos direitos do recorrente, tendo um peso bastante para integrar a previsão do art.º 394.º, n.º 1, do Cód. Trabalho, contrariamente ao afirmado, em sede conclusiva, pelo Acórdão recorrido;

d) Mostrando-se, salvo melhor opinião, violada a norma supra apontada.»

Deparamo-nos aqui com uma situação de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com invocação de uma justa causa culposa, nos termos dos artigos 394.º a 396.º do Código do Trabalho de 2009, que não foi reconhecida por qualquer uma das instâncias e que tem por fundamento a violação culposa do direito de ocupação efetiva por parte da empregadora por um período de 40 dias.

A violação do direito do trabalhador à sua ocupação efetiva por um período de 40 dias, conforme alegado pelo recorrente, podia revelar-se, em si e em termos de questão de direito, uma matéria suscetível de integrar a alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.

Importa, contudo, atentar na substância do litígio dos autos para constatar que, estando o Autor de baixa por doença há 3 anos e tendo o derradeiro certificado temporário de incapacidade sido emitido pelo médico que acompanhava o trabalhador, no dia 29/11/2022 e com uma abrangência temporal de 30 dias, que mediava entre o dia 28/11/2022 e o dia 27/12/2022, verifica-se que o recorrente decidiu antecipar o seu regresso ao trabalho, por email de 2/12/2022, para o dia 7/12/2022 [ou seja, 20 dias antes de terminar o último período de baixa].

Tudo indica que tal antecipação apanhou de surpresa a Ré que, no entanto e no dia 6/12/2022, lhe respondeu afirmativamente, tendo-o colocado nos escritórios de ..., que teve de readaptar e equipar, dado que o Antes, antes da baixa, trabalhava nas instalações da cidade da ....

Ora, sem prejuízo dos procedimentos e dificuldades compreensíveis e aceitáveis, face aos motivos concretos invocados pela Ré, que se mostram descritas na factualidade dada como Provada e que atravessaram todo este processo de preparação dos escritórios de ... e de instalação profissional do Autor nos mesmos, seguro é que se interpuseram pelo meio a temporada das festas usuais nesta época [Natal e Ano Novo] e respetivos feriados de dezembro e janeiro, que certamente não facilitaram a tarefa aos serviços da Ré.

Tal quadro factual do que se passou entre o dia 7/12/2022 e o dia 11/1/2022 dá-nos uma perspetiva substancialmente distinta da visão dos acontecimentos apresentada pelo Autor, com o seus inerentes reflexos ao nível da gravidade e da ilicitude da situação criada, assim como do juízo de censura a emitir sobre a concreta atuação da Ré.

Numa outra dimensão e sem prejuízo da dimensão factual e significado jurídico do caso específico e particular em análise nos autos, que antes se deixaram sumariamente analisados e relativizados, seguro é que tal temática da violação do dever de ocupação efetiva e da sua configuração como justa causa subjetiva que o recorrente pretende ver discutido por este Supremo Tribunal de Justiça, em sede deste recurso de revista excecional, não possui uma relevância de direito tal que justifique a pretendida análise e julgamento por este tribunal superior.

Não se pode afirmar, a partir dos elementos de facto e de direito que ressaltam dos autos, que nos encontramos face à existência de questões que têm, objetiva e inequivocamente, repercussão e impacto em termos de uma mais segura e rigorosa aplicação das normais legais pertinentes e da compreensão dos mencionados institutos envolvidos.

Importa, a este respeito, realçar que, sem prejuízo da doutrina nacional já publicada acerca dessas figuras – sendo a do dever da ocupação efetiva e seu inerente incumprimento uma criação essencialmente dos nossos tribunais de trabalho -, é conhecida uma profícua e constante jurisprudência portuguesa que tem abordado as referidas matérias, em moldes mais ou menos uniformes e unívocos, o que, também nesta perspetiva mais geral, desconsidera qualquer necessidade de este STJ apreciar e decidir tais problemáticas.

Interessa igualmente frisar que os dados de facto e de direito que derivam deste processo, não configuram nem se reconduzem - sem nenhuma margem para dúvidas – a interesses de particular relevância social, conforme previstos na alínea b) do número 1 do artigo 672.º do NCPC e segundo os desenvolvimentos e esclarecimentos jurídicos que deixámos antes expostos quanto a tal conceito legal.

Não vemos como as temáticas da resolução com invocação de justa causa do contrato de trabalho, que foi baseada em violação do direito do Autor a ocupação efetiva durante os 40 dias após o seu regresso ao serviço normal, após baixa prolongada por doença, com efeitos jurídicos circunscritos essencialmente ao nível da esfera privada das partes, possam ser encaradas como potencialmente geradoras de perturbação ou inquietação sociais, de desagrado e discórdia coletivas ou, numa outra perspetiva, devam ser reconduzidas a um interesse comunitário relevante.

Logo, não se nos afigura que se mostrem minimamente verificados os requisitos das alíneas a) e b) do número 1 do artigo 672.º do NCPC quanto a esta matéria alegada pelo Autor.

IV – DECISÃO

13. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alíneas a) e b) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em não admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pelo Autor AA quanto às questões pelo mesmo suscitadas e abordadas na fundamentação do presente Aresto.

Custas do presente recurso a cargo do recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de novembro de 2024

José Eduardo Sapateiro - relator

Júlio Gomes - 1.º Adjunto

Mário Belo Morgado – 2.º Adjunto

SUMÁRIO

DESCRITORES

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1. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como os dois pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, dos dois Acórdãos de 11/9/2024 e de 12.04.2024, proferidos, respetivamente, no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e no Processo n.º Processo n.º 3487/22.7T8VIS.C1.S1 (revista excecional), ambos relatados pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎