Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | PLURALIDADE DE EMPREGADORES CADUCIDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : |
I- A caducidade do direito de impugnar judicialmente o despedimento interrompe-se com a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista nos artigos 98.º-B e seguintes do Código do Processo de Trabalho, através do formulário que exige a identificação do promotor do despedimento. II- Sendo o promotor do despedimento o empregador principal tal propositura interrompe a caducidade relativamente a todos os outros empregadores, como devedores solidários. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 24238/20.5T8LSB-D.L1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório Galp Gás Natural, S.A., Petrogal, S.A., Galp Energia, S.A, Transgás S.A. e Galp Bios S.A., (anteriormente designada Gdp – Gás de Portugal, S.A.), e Galp West Africa S.A. (anteriormente denominada Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.), Rés no presente processo na sequência da intervenção principal provocada pelo Autor, AA, interpuseram recurso de revista quanto ao segmento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.01.2024 que se pronunciou sobre a exceção de caducidade. AA apresentou o formulário a que alude o artigo. 98.º-C do C.P.T. contra Galp Gás Natural S.A. A Ré apresentou articulado motivador invocando a exceção de ilegitimidade passiva. O Autor apresentou contestação e deduziu reconvenção, requerendo a final o seguinte: “Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exa. muito doutamente suprirá, deve a presente ação de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento ser julgada totalmente procedente, por provada, e deve a reconvenção ser julgada, também, totalmente procedente, por provada, em consequência: a) Ser declarado ilícito o despedimento do Autor, nos termos do disposto nos artigos 381.º, alínea b) e 382.º, n.º 1, do Código do Trabalho; b) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor as retribuições que o mesmo deixar de auferir desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, considerando a retribuição base mensal de € 14.863,00, acrescida de um subsídio de refeição no valor diário de € 10,94, o valor mensal de €1.337,00 mensais (mil, trezentos e trinta e sete euros), correspondente ao uso pessoal da viatura atribuída pela Ré, devendo tais retribuições ser, também, integralmente consideradas para efeitos do Fundo de Pensões do Autor; c) Ser a Ré condenada a reintegrar o Autor no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, em alternativa, ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização, cabendo ao Tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do seu despedimento, devendo o Tribunal atender ao tempo decorrido desde o despedimento do Autor até ao trânsito em julgado da decisão judicial, e não podendo ser inferior ao valor correspondente a três meses de retribuição base e diuturnidades; d) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor o valor correspondente a uma hora de trabalho suplementar, prestado desde o dia 01 de Janeiro de 2008, de Segunda a Quinta, entre as 17.00 e as 18.00 horas, pago pelo valor da retribuição horária com o acréscimo de 50%, até ao dia 31 de Julho de 2012, e com o acréscimo de 25%, a partir do dia 01 de Agosto de 2012, a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal em vigor, desde as respetivas datas de vencimento e até integral pagamento; e) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor o valor correspondente a três dias úteis de férias retribuídas, desde o ano de 2008, inclusive, a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal em vigor, desde as respectivas datas de vencimento e até integral pagamento; f) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor o valor correspondente a dois dias ou quatro meios-dias de dispensa anuais, desde o ano de 2008, inclusive, a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal em vigor, desde as respetivas datas de vencimento e até integral pagamento.”. No articulado da Contestação requereu ainda ao seguinte: “Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 316.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o Autor requer, à cautela, a intervenção principal provocada das outras seis sociedades que se encontram identificadas no artigo 6.º, do articulado motivador do despedimento, a saber: • Petrogal, S.A., pessoa coletiva n.º .......70, com sede na Rua ...; • Galp Energia, S.A., pessoa coletiva n.º .......15, com sede na Rua ...; • Galp Power, S.A., pessoa coletiva n.º .......56, com sede na Rua ...; • Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A., pessoa coletiva n.º .......06, com sede na Av. ...; • Transgás, S.A., pessoa coletiva n.º .......89, com sede na Rua ...; e • Gdp - Gás de Portugal, S.A., pessoa coletiva n.º .......20, com sede na Rua ....”. Foi apresentada réplica, na qual se invocou a exceção de caducidade do direito de ação como fundamento para a inadmissibilidade da intervenção principal passiva provocada suscitada pelo Autor. Por despacho de 17.05.2021 foi decidido o seguinte: “ III. Face ao exposto, decido que: - a falta dos demais co-empregadores do A., que decidiram o seu despedimento, é causa de ilegitimidade da R., por preterição de litisconsórcio necessário passivo; - a exceção de ilegitimidade plural passiva é suprível mediante o chamamento das demais co-empregadoras à ação; - o incidente de intervenção principal provocada dá azo ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual da instância incidental, pelo que, não tendo o A., requerente do incidente, autoliquidado a taxa de justiça devida, deve a secção proceder à sua notificação nos termos do disposto no art. 570.º, n.º 3, do CPC.” Por despacho de 29.07.2021 foi decidido: “Por tudo o exposto, improcede a arguida caducidade do direito de ação quanto aos demais empregadores e a consequente inutilidade do seu chamamento à presente ação. Face ao exposto, julgando a procedência do presente incidente, admito a intervenção principal provocada das sociedades PETROGAL, S.A. (NIPC .......70); GALP ENERGIA, S.A. (NIPC .......15); GALP POWER, S.A. (NIPC .......56); GALP EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO PETROLÍFERA, S.A. (NIPC .......06); TRANSGÁS,S.A. (NIPC .......89) e GDP – GÁS DE PORTUGAL, S.A., anteriormente denominada GDP SERVIÇOS, S.A. (NIPC .......20), como Rés na presente ação, ao lado da primitiva R. GALP GÁS NATURAL, S.A.”. Foi interposto recurso de apelação do despacho de 29.07.2021, o qual subiu em separado como apenso A. No apenso A. foi proferido Acórdão em 23.02.2022 com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão de 1ª instância de admitir o incidente de intervenção provocada das sociedades Petrogal, S.A. Galp Energia , S.A, Galp Power, S.A., Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A., Transgás S.A. e Gdp – Gás de Portugal, S.A. “. Neste Acórdão, o Tribunal considerou ainda que: (i) a exceção de caducidade foi invocada por quem não tem legitimidade (por considerar que a legitimidade cabe às entidades que vão ser chamadas a intervir nos autos), (ii) não é de conhecimento oficioso, (iii) não estavam verificadas as condições processuais necessários para o conhecimento desta exceção, (iv) a decisão proferida não tem condições para vincular as intervenientes e as mesmas podem nem vir a invocá-la. Concluiu, assim, que “em suma, a questão da caducidade do direito de ação do trabalhador quanto às partes agora chamadas à lide – questão que a R. não tinha legitimidade para invocar e cuja decisão, nesta sede, nunca vincularia as chamadas, não é suscetível de condicionar a decisão quanto à admissibilidade do incidente, a qual depende apenas da verificação dos requisitos formais previstos no artigo 316º e 318º do Código Processo Civil. Se a exceção da caducidade não foi arguida por qualquer das intervenientes, se a decisão proferida neste sede sobre a caducidade não as vincula e se se desconhece se as mesmas sequer a irão arguir quando tiverem oportunidade de se defender na ação (não estando excluído que tal exceção não seja sequer deduzida), de forma alguma pode dizer-se que a decisão quanto à admissibilidade do incidente é inútil, por via da caducidade do direito de ação contra as sociedades chamadas. (…) Nestas circunstâncias, é de considerar que a apreciação da suscitada questão da caducidade – que o despacho apreciou para decidir da admissibilidade do chamamento – se mostra, em boa verdade, prejudicada, em nada condicionando a utilidade da decisão sobre o incidente e a admissibilidade deste, pelo que não deverá sobre ela emitir decisão o tribunal ad quem, por força do disposto no artigo 608º, nº2 do Código de Processo Civil aplicável por remissão do artigo 663.º, n.º2 do mesmo diploma legal e ambos ex vi artigo 1º, nº2 alínea a) do Código do Processo do Trabalho.” Concretizado o chamamento das sociedades Petrogal, S.A., Galp Energia, S.A, Galp Power, S.A., Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A., Transgás S.A. e Gdp – Gás de Portugal, S.A., estas vierem invocar a exceção de caducidade do direito de ação do Autor. Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu, entre outras questões, o seguinte: “As intervenientes principais deduzem exceção de caducidade do direito do autor. Tal questão foi já decidida no despacho de 19 de julho de 2021, conformado em sede de recurso, a propósito da admissibilidade da intervenção requerida. O que se consignou então é, mutatis mutandis, aplicável agora, em face da exceção que as intervenientes deduzem. Nessa medida, remete-se para o que então o Tribunal entendeu, concluindo-se pela improcedência da exceção deduzida.”. Inconformadas, Galp Gas Natural, S.A., Petrogal, S.A., Galp Energia, S.A, Transgás S.A. e Gdp – Gás de Portugal, S.A., Galp Power, S.A. e Galp West Africa S.A. (anteriormente denominada Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.) interpuseram recurso de apelação. Foi dado conhecimento aos autos de que a Ré Galp Power S.A. foi incorporada por fusão na Ré Petrogal, S.A. O Recurso subiu em separado como apenso D. Em 16.11.2023 foi proferida Decisão Singular pela Sra. Desembargadora Relatora considerando improcedente o recurso da reclamação. Foi apresentada reclamação desta Decisão, tendo a Conferência decidido manter a decisão sumária por Acórdão de 24.01.2024, mas tal Acórdão tem um voto de vencido quanto à questão da caducidade. Novamente inconformadas, Galp Gás Natural, S.A., Petrogal, S.A., Galp Energia, S.A, Transgás S.A. e Galp Bios S.A., (anteriormente designada Gdp – Gás de Portugal, S.A.), e Galp West Africa S.A. (anteriormente denominada Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.), vieram interpor recurso de revista. Reitera-se que como é expressamente referido no recurso de revista o objeto do mesmo é exclusivamente o segmento decisório do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.01.2024 que, por maioria, confirmou “a decisão sumária e singular proferida pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora Relatora, mantendo, assim, a decisão da 1.ª Instância que determinou a improcedência da exceção de caducidade do direito de ação quanto às Intervenientes Principais, e, por conseguinte, não determinou a procedência da exceção de inutilidade superveniente da lide, exceções essas arguidas pelas Recorrentes” (Cfr. Conclusão 1). No seu recurso, afirmam que não confundem prescrição e caducidade, como foi referido na decisão singular (Conclusão 6; cfr. também Conclusão 13), que o prazo de 60 dias para o trabalhador se opor ao despedimento mediante a apresentação de formulário próprio é um prazo de caducidade, que não se suspende nem interrompe, e que apenas a instauração da ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, mediante a apresentação de formulário próprio em que se identifiquem o autor ou autores da decisão de despedimento) dentro do prazo legal interrompe o prazo de caducidade (Conclusões 7 e 8). Afirmam, igualmente, que a intervenção principal provocada das demais Empregadoras foi requerida, pelo Recorrido, mais de 60 dias depois da data em que o despedimento foi comunicado ao mesmo e, por conseguinte, o Autor decidiu “mover a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento – também – contra as Intervenientes Principais e não apenas contra a Empregadora GALP GÁS NATURAL, S.A” (Conclusão 11; negrito no original), e, por conseguinte, quando já havia decorrido o prazo de caducidade. Invocam, pois, que “a instauração da ação de impugnação da regularidade de licitude do despedimento contra apenas um dos empregadores não consubstancia um ato interruptivo da caducidade quanto aos demais empregadores” (Conclusão 15; sublinhado no original) e que outro entendimento “permitiria subverter, por completo, o regime da impugnação do despedimento pelo trabalhador” e premiria a falta de diligência e de rigor na condução dos processos (Conclusão 18). Insurgem-se, também, contra o que consideram ser uma interpretação extensiva dos artigos 332.º, n.º 1 e 327.º, n.º 3, do Código Civil (Conclusões 19 e seguintes). Sublinhe-se, ainda, que no seu recurso as Recorrentes afirmam o seguinte: 27. Em terceiro lugar, cumpre realçar que, desde o início do procedimento 28. Aliás, o Recorrido sabia, nem poderia desconhecer, que todas as 7 sociedades eram suas Empregadoras, porquanto assinou o contrato de trabalho com as mesmas. 29. O facto de a 1.ª Recorrente assumir a qualidade de “Empregadora-Titular”, não significa que o tenha feito em preterição dos direitos que assistem às demais Empregadoras, atuou em representação das mesmas, o que significa que a sua atuação se reportava, em simultâneo, não só na sua própria esfera jurídica como na das demais Empregadoras, pelo que, contrariamente ao que consta da Decisão Singular e Sumária, a “Empregadora-Titular” não foi a “primeira” a atuar disciplinarmente sobre o Recorrido.” Referem, ainda, que os poderes de representação da Galp Gás Natural S.A. se restringiam ao exercício do poder disciplinar, não se estendendo à representação das demais empregadoras em juízo (Conclusões 30-31). E depois de reiterarem a natureza da exceção de caducidade como uma exceção dilatória inominada “de conhecimento oficioso, que importa a absolvição de todas as Recorrentes da instância, nos termos dos artigos 571.º, n.º 2, 2.ª parte, 576.º, n.º 2 e 578.º, ambos do CPC” (Conclusão 37), pedem que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra “que julgue procedente a exceção de caducidade do direito de ação contra as Intervenientes Principais e a consequente procedência da exceção de inutilidade superveniente da lide quanto a todas as Recorrentes, mais dando sem efeito todo o processado subsequente”. O Autor contra-alegou, pedindo que fosse “julgado totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida do Tribunal a quo que julgou improcedente a exceção de caducidade”. Ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo de Trabalho, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista. No referido Parecer afirma-se, designadamente, o seguinte: “Ora, constata-se dos autos que o autor impugnou o despedimento, ocorrido em 05.11.2020, através de ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento interposta através do respetivo formulário em 13.11.2020, sendo que em contestação à posição da 1.ª ré que entendeu existir uma situação de litisconsórcio necessário, requereu a intervenção principal das restantes rés em 12.01.2021. Não existe qualquer dúvida que com o formulário o autor conseguiu interromper a caducidade da ação em relação à 1.ª ré, a qual ainda não voltou a correr. Mas verifica-se a caducidade da ação em relação às rés intervenientes principais? A decisão de 1.ª instância, a decisão singular e sumária e o acórdão recorrido entenderam em sentido positivo, alicerçando-se, essencialmente, em quatro argumentos, a saber: – Na caducidade não é com o conhecimento pelo réu de que foi instaurada contra si um procedimento judicial que determina a sua interrupção, mas sim a prática objetiva do ato, ou seja, a introdução em juízo do pleito. – Pelo que no caso de pluralidade de empregadores, com a intervenção principal provocada dos demais empregadores, a interrupção da caducidade aproveita ao exercício do direito de ação em relação àqueles contra quem não foi inicialmente demandado. – Mesmo nas situações em que houve absolvição da instância, o que não aconteceu no presente caso, por motivo não imputável ao titular do direito, este pode aproveitar do prazo de caducidade, desde que a ação tenha primeiramente sido proposta em tempo, conforme o disposto nos artigos 332.º, n.º 1 e 327.º, n.º 3, do CC; – Não pode ser imputada ao autor, como culposa, a demanda individual da 1.ª ré, porquanto, aquela sociedade é a empregadora-titular, tendo nessa qualidade sempre agido durante o procedimento disciplinar, em representação das restantes empregadoras, pelo que até o princípio da boa-fé o impediria. Ora parece-nos que tal interpretação encontra-se correta, sendo que os primeiros três argumentos encontram sustentação na jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente na mais recente, com a aplicação dos mesmos fundamentos ainda que em situações diversas, conforme se pode constatar dos seguintes acórdãos: do STJ de 14-03-2024, proc. n.º 249/19.2T8FTR.E1.S1, do STJ de 20-12-2017, proc. n.º 660/14.5TTBCL-Q.S2, do TRP de 18-11-2019, proc. n.º 217/19.4T8PFR.P1, e do TRG de 29-02-2024, proc. n.º 1506/21.3T8GMR.G1.” E o Parecer concluía, afirmando: “[E]ntendemos que a aplicação do instituto da caducidade, atendendo particularmente ao seu objetivo, implica que com a propositura da ação se interrompa a caducidade, interrupção que tem efeitos mesmo em relação a posteriores chamados por incidente de intervenção principal, uma vez que o início da relação jurídico-processual ocorreu naquele momento, gerando o incidente apenas a modificação subjetiva da instância”. As Rés e Recorrentes responderam ao Parecer do Ministério Público. 2. Fundamentação De Facto Além do que consta do Relatório foram dados como provados os seguintes factos: 1. Os Conselhos de Administração das sociedades Petrogal, SA, Galp Energia, SA, Galp Exploração e Produção Petrolífera, SA, Galp Power, Sa, Transgás, SA E GDP-Gás de Portugal, SA, em 29-07-2020, “tomando conhecimento do relatório e conclusões do inquérito determinado pela Galp, Gás Natural, SA, na qualidade de Empregadora titular, ratificando todos os actos praticados no inquérito,”, deliberou “a instauração de procedimento disciplinar com intenção de despedimento ao colaborador AA … e conferindo à Galp Gás Natural, SA, na referida qualidade, os poderes de representação desta sociedade, nomeadamente para remessa da nota de culpa, apreciação dos factos que vierem a ser dados como assentes, aplicação e comunicação de sanções disciplinares adequadas, podendo ser a sanção de despedimento com justa causa.” 2. Resulta do Relatório final do procedimento disciplinar que “Nos autos de procedimento disciplinar que a Galp Gás Natural, SA (adiante abreviadamente designada por “Galp Gás”), em nome próprio e em representação da Petrogal, SA, Galp Energia, SA, Galp Power, SA, Galp Exploração e Produção Petrolífera, SA, Transgás, SA, e GDP, Gás de Portugal, SA (todas adiante designadas em conjunto por “Entidades empregadoras” ou “Empregadoras”) move contra o trabalhador ao seu serviço AA (adiante designado abreviadamente por “trabalhador-arguido”) é proferido o seguinte relatório final (…)”. 3. O relatório termina com “À consideração do Exmo Conselho de Administração da Galp Gás.”. 4. A comunicação ao Autor da decisão final foi feita nos seguintes termos, em papel timbrado da sociedade Galp Gás Natural, SA: “ (…) O Conselho de Administração em nome próprio e em representação das demais co-Empregadoras (Petrogal, SA, Galp Energia, SA, Galp Power, SA, Galp Exploração e Produção Petrolífera, SA, Transgás, SA e GDP-Gás de Portugal, SA), entendeu, por deliberação de 30-10-2020, aplicar-lhe a sanção de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação, pelos fundamentos de facto e de direito constantes do Relatório do instrutor (…)”. De Direito O artigo 101.º do Código do Trabalho prevê a possibilidade de celebração de um contrato de trabalho com uma pluralidade de empregadores, sendo que tal contrato deve conter, entre outras menções, “a identificação do empregador que representa os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho” (alínea c) do n.º 2 do artigo 101.º). Acresce que o artigo 101.º n.º 3 estabelece que “[o]s empregadores são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, cujo credor seja o trabalhador ou terceiro”. Prevê-se assim um caso de solidariedade passiva legal. Trata-se, assim, de um caso em que “cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera” (artigo 512.º n.º 1 do Código Civil), devendo ter-se presente que a solidariedade passiva constitui, nas palavras de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA1, uma faculdade concedida ao credor que pode optar entre exigir judicialmente o que lhe é devido a todos ou apenas a algum ou alguns dos devedores, como resulta do artigo 519.º n.º 1 do Código Civil: “[o] credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação”. O credor pode, destarte, agir contra apenas um dos devedores e “basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade” (artigo 32.º n.º 2 do Código de Processo Civil, doravante designado por CPC), como pode propor a ação contra todos os interessados surgindo uma situação surgindo um litisconsórcio voluntário (artigo 32.º n.º 1 do CPC), prevendo a lei também a possibilidade de intervenção provocada pelo próprio autor (artigo 316.º n.º 2 do CPC) ou pelo réu (artigo 316.º n.º 3 do CPC). A única questão que se coloca neste recurso diz respeito à questão de saber se os direitos do Autor potencialmente emergentes de um eventual despedimento ilícito de que tenha sido vítima terão caducado, porque o formulário que apresentou, dentro do prazo de 60 dias previsto no artigo 387.º n.º 2 do Código do Trabalho apenas fazia menção do empregador principal, a 1.ª Recorrente, e já depois de passados os referidos 60 dias é que o trabalhador manifestou vontade de exigir judicialmente os seus direitos contra os restantes empregadores. Antes de mais, diga-se que nunca se poderia falar em caducidade relativamente ao empregador principal e primeiro Recorrente que foi identificado no formulário, tanto mais que, como já foi referido, a solidariedade passiva é uma garantia para o credor que bem podia optar por exigir judicialmente tudo o que seja eventualmente devido a apenas um dos devedores solidários. Mas e em relação aos restantes? Como é sabido, o n.º 1 do artigo 331.º do Código Civil prevê que “[s]ó impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo”. O ato com efeito impeditivo é aqui a propositura da ação. E sublinhe-se, desde já, que relevante é o momento da propositura da ação, e não o da citação ou notificação, já que é com a própria propositura da ação que se impede a caducidade. Trata-se de uma diferença assinalável relativamente à prescrição já que nesta importará, ao invés, e como decorre do artigo 323.º n.º 1 do Código Civil, não a data da interposição da ação, mas a data da citação. Não se trata de confundir prescrição e caducidade, mas sim de sublinhar a diferença de perspetiva: como se refere nos Acórdão proferidos neste Supremo Tribunal, a 10-07-2012, processo n.º 5245/07.0TVLSB.L1.S1 – “Para impedir a caducidade não importa a data da citação do réu/chamado; o que releva é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-a com a propositura da ação, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte” – e a 12-12-2013, processo n.º 6013/07.4TBMTS.P1.S1 – “Para efeitos de apreciação da caducidade não importa a data em que foi feita a citação da ré (com relevância apenas para a prescrição), mas em que foi interposta a ação.” O ato impeditivo da caducidade consiste aqui na propositura da ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista nos artigos 98.º-B e seguintes do Código do Processo de Trabalho. Importa atender a vários aspetos desse regime: em primeiro lugar, sublinhe-se que “só é obrigatória a constituição de advogado após a audiência de partes, com a apresentação dos articulados” (artigo 98.º-B). Em segundo lugar, em regra (não cuidaremos aqui da situação prevista no n.º 2 do artigo 98.º-C), e como resulta do n.º 1 do artigo 98.º-C, a ação inicia-se “com a entrega pelo trabalhador ou mandatário judicial por este constituído de um requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento”, segundo um modelo aprovado por portaria (artigo 98.º-D, n.º 2). Trata-se, como é sabido, do modelo aprovado pela Portaria n.º 1460-C/2009 de 31 de dezembro. E segundo esse modelo o trabalhador deve declarar que se opõe “ao despedimento promovido por…”. Da perspetiva de um declaratário normal, o qual, nesta fase, nem sequer tem que ter constituído um advogado, o que o formulário requer não é, em rigor a identificação de todos os empregadores, numa situação como a presente de pluralidade de empregadores, mas sim do promotor do despedimento. Ora, o empregador principal foi o promotor do despedimento, o seu autor material. Sem dúvida que, como as Recorrentes reconhecem, o ato praticado pelo empregador principal tem consequências na esfera jurídica destas, mas não deixa de ter sido promovido pelo empregador principal que era quem exercia, ainda que também em representação dos demais empregadores, o poder disciplinar. O trabalhador no formulário exerceu o seu direito, identificando o promotor do despedimento e tanto basta para que se tenha que entender que o seu direito não caducou. E também à luz do artigo 9.º n.º 3 do Código Civil deve entender-se que o legislador não pretendeu, por um lado, permitir que o formulário seja preenchido sem necessidade nesse momento de constituição de um advogado, para depois exigir-se ao leigo que conheça toda a extrema complexidade, substantiva e processual, das obrigações solidárias… 3. Decisão: Negada a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes Lisboa, 5 de junho de 2024 Júlio Gomes (Relator) Domingos José de Morais José Eduardo Sapateiro
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1. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e atualizada, Coimbra Editora, 2011, p. 533.↩︎ |