Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98A922
Nº Convencional: JSTJ00035340
Relator: MACHADO SOARES
Descritores: RECURSO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
CONFLITO DE DIREITOS
DECISÃO
REMISSÃO
SOLIDARIEDADE
Nº do Documento: SJ199812150009221
Data do Acordão: 12/15/1998
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2699/97
Data: 03/19/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: G CANOTILHO IN MANUAL PAG 125.
J MIRANDA IN MANUAL PAG 145.
Área Temática: DIR PROC CIV. DIR CONST.
DIR CIV - DIR RESP CIV / TEORIA GERAL.
DIR COM - SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 70 ARTIGO 483 ARTIGO 496 ARTIGO 497 ARTIGO 713 N5 N6.
CSC86 ARTIGO 79 ARTIGO 80.
CCIV66 ARTIGO 335 N2.
CONST97 ARTIGO 17 ARTIGO 18 N1 ARTIGO 66 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1995/04/27 IN CJSTJ TII PAG213.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/03/30 IN CJSTJ ANO1995 TII PAG98.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/04/27 IN CJSTJ ANO1995 TII PAG213.
Sumário : 1 - Se no Acórdão recorrido da Relação, se versou com toda a probidade as questões suscitadas, rematando-as com soluções jurídicas que merecem total concordância, na negação do provimento do recurso, o STJ, pode limitar-se a remeter para os fundamentos daquele Acórdão, de harmonia com o disposto no artigo 713 ns. 5 e 6, do C. Proc. Civil, se não foi levantada qualquer problemática que já não tivesse obtido, então, adequado tratamento e solução jurídica.
2 - Participando os Réus na produção do facto ilícito, a violação do direito ao repouso e sossego dos Autores, todos aqueles são solidariamente responsáveis pelos danos daí emergentes nos termos dos art. 70, 483, 496 e 497, do Cód. Civil, não importando, assim, a diferença de posicionamento que qualquer deles possa assumir - proprietários do estabelecimento uns, gerente o outro.
3 - Tal é a directiva, também, apontada nos artigos 79 e 80 do Código das Sociedades Comerciais, no apuramento da responsabilidade civil extra-contratual.
4 - O direito de oposição à emissão de ruídos subsiste, mesmo que a actividade donde resultam haja sido autorizada pela entidade administrativa competente, sempre que haja ofensa de qualquer direito de personalidade de um terceiro, no quadro dos artigos 66 n. 1, 17 e 18, n. 1 do CRP e, do C.Civil.
5 - O direito à integridade física, à saúde ao repouso e ao sono, gozando da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias, e de espécie e valor superior ao direito de propriedade, no exercício de uma actividade comercial e, por isso, prevalece sobre este, de índole apenas, económica, e no exercício de uma actividade meramente lucrativa de um estabelecimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A e mulher e B e mulher vieram propor, a presente acção, com processo ordinário, contra C e marido D e E, pedindo que estes sejam condenados a suspenderem, definitivamente, as actividades de bar, discoteca e realização de espectáculos de variedades, que desenvolvem no r/c do prédio em que os Autores habitam e em verem encerrado o estabelecimento "A M", onde suas actividades são desenvolvidas e a pagarem-lhes uma indemnização de 2000000 escudos pelos prejuízos que sofreram até 1991 (8 de Agosto deste ano).
Na contestação, os Réus para além de esgrimirem com as recepções da incompetência em razão da matéria. - por entenderem ser competente o Tribunal Administrativo - e de ilegitimidade passiva dos Réus - por a única proprietária do estabelecimento ser a Ré C - pugnam também pela total improcedência da acção.
Em reconvenção pedem a condenação dos Réus a pagarem-lhes a importância de 4080600 escudos, sendo 210600 escudos, de gastos em LNEC, 500000 escudos para cada um dos reconvintes por danos morais decorrentes de ofensa ao seu bom nome; 1000000 escudos, pelos danos morais causados ao estabelecimento e 1320000 escudos de lucros cessantes pelo tempo em que o estabelecimento esteve encerrado.
Os Autores replicaram, pronunciando-se pela improcedência da reconvenção.
Foi inadmitida a reconvenção, tendo os Réus agravado dessa decisão.
No saneador julgou-se improcedente a invocada excepção de incompetência em razão da matéria e relegou-se para a sentença final, o conhecimento das excepções de ilegitimidade.
Na sentença, julgou-se o Réu E parte ilegítima, sendo por isso absolvido da instância e a acção parcialmente procedente, condenando-se em consequência, os Réus C e D.
a) a suspenderem as actividades de bar, discoteca e de realização de espectáculos de variedades no referido estabelecimento "AM",
b) a pagarem solidariamente aos Autores, a título de indemnização por danos morais por estes sofridos até 8-8-91, o montante que se vier a apurar em liquidação de execução de sentença.
Ambas as partes apelaram para a Relação de Lisboa, onde através do Acórdão de 19-3-98, se,
- julgou deserto o recurso de agravo interposto pelos Réus.
- Julgou procedente a apelação dos Autores e improcedente a dos Réus.
- Alterando-se, em conformidade a sentença recorrida e, em consequência, condenaram-se os Réus C e D a suspender as actividades de bar, discoteca e realização de espectáculos de variedades no estabelecimento "AM", e os Réus C, D e E a pagarem solidariamente aos Autores, a título de indemnização por danos morais por estes sofridos, até 8-8-91, o montante que se liquidar em execução da sentença.
Inconformados, os Réus recorreram para este Supremo, tendo concluído as suas alegações, do seguinte modo:
1 - A matéria de facto, considerada provada não é suficiente para, no caso sub judice fazer prevalecer o direito ao sono e ao repouso dos Autores sobre o direito dos Réus no exercício da actividade comercial porque se encontram licenciados.
2 - Não se verificam todos os pressupostos de responsabilidade civil por factos ilícitos quanto a todos os Réus, nomeadamente ao Réu E.
3 - Não existindo o dever de indemnizar por parte dos Réus, nomeadamente o Réu E.
4 - O douto Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 70, 335, n. 2, 483 do Cód. Civil e art. 58. n.1, 61.1 e 62 da Constituição da República.
5 - Assim, deve ser revogado tal Acórdão e substituído por outro que absolva todos os Réus de todos os pedidos
6 - ou, pelo menos, que absolva o Réu E, de todos seus pedidos.
Em contra-alegação, os Autores opinam pela manutenção do Acórdão em crise.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A matéria de facto a considerar é tão só a fixada pelas instâncias, tanto mais que os recorrentes não deduziram qualquer impugnação a este respeito, perante o Supremo.
Acresce que o Acórdão recorrido já versou com toda a probidade as questões suscitadas, rematando com soluções jurídicas que pelo seu rigor, merecem a nossa total concordância. E não foi levantada, no presente recurso, qualquer problemática, que já não tivesse obtido, antes, adequado tratamento e solução jurídicas, no Acórdão em crise.
É caso, pois, para - negando provimento ao recurso - nos limitarmos a remeter para os fundamentos daquela decisão, de harmonia com o disposto no art. 713 n. 5 e 6 do Cód. Processo Civil.
Não deixaremos, no entanto, de esclarecer ou aprofundar, um ou outro ponto, para que não subsistam dúvidas quanto à justiça, das soluções adoptadas.
Assim, interrogam-se as recorrentes por que razão terá o Réu E sido abrangido pelo elo de responsabilidade civil que envolve os outros Réus, proprietários do estabelecimento em causa se ele exercia apenas as funções de gerente.
A razão é simples:
Efectivamente, como inequivocamente resulta dar respostas aos quesitos 6 e 7, há que considerar, em pé de igualdade, todos os Réus como co-autores do facto violador do direito dos Autores ao repouso e ao sossego e por isso, todos, são solidariamente responsáveis pelos danos daí resultantes, nos termos dos arts. 70, 483, 496 e 497 do Código Civil.
Quanto a este tema, não importa a diferença de posicionamento que qualquer deles possa assumir, perante o estabelecimento em apreço.
O que interessa é que todos eles, participaram na produção do facto ilícito sob consideração, como se assinalou.
De resto, é esta também a directiva apontada pelos arts. 79 e 80 do Código das Sociedades Comerciais, cuja lição deve ser aplicável, a casos, como o sub judice de apuramento da responsabilidade civil extracontratual (cfr. Ac. do STJ de 30-3-95, Col, An. 2., STJ 1995, II, 98).
Outro ponto:
Também não se pode pôr em dúvida que o facto da actividade exercida no estabelecimento em apreço se encontrar devidamente licenciada, não pode, de modo algum, prejudicar o sentido da decisão tomada no Acórdão recorrido.
É que, conforme firme orientação jurisprudencial deste Supremo Tribunal, deve entender-se face à mesma Lei, que o direito de oposição à emissão de ruídos subsiste mesmo que actividade donde elas resultam haja sido autorizada pela entidade administrativa competente sempre que haja ofensa de qualquer direito de personalidade de um terceiro.
Ora, é juridicamente superior e mais importante o direito ao repouso e ao sossego, dos Autores do que o direito de índole económica, dos Réus ao exercício da sua actividade lucrativa decorrente do funcionamento do estabelecimento em apreço.
É a solução que deflui linearmente os arts. 66 n. 1, 17 e 18 n. 1 da Constituição e do art. 335 n. 2 do Código Civil.
Nos casos de conflito dos direitos em que seja necessário dar prevalência a um deles, a Constituição concede maior protecção aos direitos liberdades e garantias de que aos direitos económicos, sociais e culturais e há uma ordem decrescente de consistência de protecção jurídica, de densidade subjectiva, daqueles para estes (de G. Canotilho, RLJ, 125, pág. 293 e seg.).
No caso em apreço, temos de um lado um direito à integridade física, à saúde, ao repouso, ao sono, e do outro lado um direito de propriedade ou, melhor dizendo, o direito ao exercício de uma actividade comercial.
Ora não há dúvida que aquele primeiro direito gozando da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias é de espécie e valor superior aos segundos e, por isso deve prevalecer sobre estes (Rf Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, pág. 145 seg. e Ac. do STJ de 6-5-98, Col. Jurisp., Ac. STJ, 1998, Tomo II, pág. 76 e seg.; Ac. 2 STJ de 27-4-95, Col. Jurisp., Ac. 2 STJ, 1995, II, pág. 213 e seg.)
É inteiramente descabida a afirmação de que não se prova que a perturbação do sono e sossego dos Autores resulte dos ruídos emitidos pelo estabelecimento em causa.
Efectivamente, das respostas aos quesitos 22 e 21 que se reportam a ruídos também ocorridos naquele estabelecimento, resulta precisamente o contrário.
E para que haja violação do direito ao sono e ao repouso, não é necessário introduzir elementos de ordem patológica na ponderação das funções dos lesados, pois basta que tenha havido perturbação desses factores, em resultado da emissão de ruído pelo estabelecimento em apreço.
E essa perturbação atingiu um grau tal que obrigou os Autores a, por vezes terem de sair das suas casas para poderem descansar, em casas de amigos e familiares.
Tudo isto faz parte do acervo factual apurado.

Nestes termos nega-se a revista, condenando-se os recorrentes nas custas.
Lisboa, 15 de Dezembro de 1991.
Machado Soares,
Tomé de Carvalho,
Silva Paixão.