Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
995/20.8T8PNF.P1.S2-A
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
IMPEDIMENTOS
COMPETÊNCIA
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO RELATOR
ACÓRDÃO RECORRIDO
TRÂNSITO EM JULGADO
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
O recurso para a uniformização de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recorrente: Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda.

Recorrido: AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB

I. — RELATÓRIO

1. AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, propôs contra Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que:

a) se declare que o prédio rústico descrito no artigo 6.º da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito de BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, FF e GG, em comum e sem determinação de parte ou direito;

b) se declare que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente ação, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ... do concelho de ..., que se situa nas coordenadas geográficas de latitude 41o 17' 59.15" N e de longitude 8º 14' 28.77" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que consta do artigo 68º da presente petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial;

c) se condene a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;

d) se condene a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6.º da presente petição inicial;

e) se condene a Ré a indemnizar a herança aberta por óbito de BB, aqui representada pelo Autor, que é Herdeiro e Cabeça de Casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou aos proprietários, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6.º da presente petição inicial, em quantia não inferior a 80 000 EUR.

2. A Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.

3. Em sentença, o Tribunal de 1.ª instância julgou totalmente procedente a acção, decidindo:

a) declarar que o prédio rústico descrito no artigo 6.º da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito de BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, FF e GG, em comum e sem determinação de parte ou direito;

b) declarar que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente ação, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ... do concelho de ..., que se situa nas coordenadas geográficas de latitude 41o 17' 59.15" N e de longitude 8º 14' 28.77" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que consta do artigo 68º da petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da petição inicial;

c) condenar a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;

d) condenar a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b), que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da petição inicial;

e) condenar a ré a indemnizar a herança aberta por óbito de BB, aqui representada pelo Autor, que é herdeiro e cabeça de casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou ao prédio, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b), que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da petição inicial, na quantia de € 80 000,00 € (oitenta mil euros);

f) absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má fé.

4. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação.

5. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

6. Em 30 de Junho de 2022, o Tribunal da Relação concedeu provimento ao recurso, julgado o Autor parte ilegítima.

7. Em 7 de Março de 2023, o Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 30 de Junho de 2022.

8. Em 4 de Maio de 2023, o Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso.

9. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, decide-se:

1). Condenar a Ré a pagar ao Autor e sua representada o valor, a apurar em incidente de liquidação, com o limite máximo de 30 000 EUR, correspondente às obras que sejam necessárias para:

- evitar que terras caiam do talude acima descrito, devendo o mesmo ser contido para evitar tal queda;

- tapar devidamente os poços que o não estejam;

- retirar a terra que tenha invadido os poços e que, por aí, tenha entrado e obstruído as galerias subterrâneas.

2) Manter a condenação da Ré no pedido em a), b) e c).

3) Absolver a Ré do pedido em d).

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorridos, na proporção definitiva de 6/10 para a recorrente e 2/10 para os recorridos e provisoriamente 1/10 para cada uma das partes quanto à condenação no pedido de pagamento com necessária liquidação, a fixar definitivamente no incidente de liquidação, consoante o vencimento das partes.

10. Inconformados, o Autor AA e a Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda. interpuseram recurso de revista.

11. A Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., respondeu ao recurso interposto pelo Autor.

12. O Autor não respondeu ao recurso interposto pela Ré.

13. Em 14 de Setembro de 2023, o Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da improcedência da arguição de nulidades do acórdão recorrido.

14. Em 12 de Dezembro de 2023, o Supremo Tribunal de Justiça revogou parcialmente o acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª instância.

15. O dispositivo do acórdão de 12 de Dezembro de 2023 é do seguinte teor:

Face ao exposto,

I. — concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor,

II. — revoga-se o acórdão recorrido na parte em que fixou o limite máximo de 30000 euros para o valor a apurar em incidente de liquidação;

II. — nega-se provimento ao recurso interposto pela Ré.

Em tudo o mais, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas do recurso interposto pelo Autor por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Custas do recurso interposto pela Ré pelas Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda.

16. Inconformada, a Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., reclamou para a conferência, “nos termos do artigo 666.º, aplicável ex vi do artigo 685.º do Código de Processo Civil”.

17. Em 8 de Fevereiro de 2024, a reclamação para a conferência foi indeferida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

18. Inconformada, a Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., vem interpor recurso de uniformização de jurisprudência.

19. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. — O reconhecimento do direito de propriedade à herança aceite, mas ainda indivisa é uma ação real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respetiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito, conforme resulta da previsão do artigo 1311.º do Código Civil “A acção de reivindicação ... é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor …”.

II. — No acórdão ora sob recurso, o Autor por si e na qualidade de cabeça de casal da herança, pediu (i) se declare que o prédio rústico descrito no artigo 6.º da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito…, em comum e sem determinação de parte ou direito, (ii) se declare que o terreno (…), , faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial, (iii) se condene a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido.

III. — Em consequência do recurso interposto pela Ré, Tribunal da Relação do Porto conclui que o Autor é parte ilegítima na ação, absolvendo a Ré da instância (artigos 33.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, d), do C. P. C.) – Cfr. Acórdão de 30 de junho de 2022 - porquanto, “nos autos se discute se a parcela em causa pertence ou não à herança (conforme objeto do litígio), o que mais adensa a conclusão de que está em causa um julgamento que pode afetar o direito de todos os herdeiros”.

IV. — Isto porque, ficou provado que o gerente da sociedade unipessoal M...,Lda (também herdeiro do identificado prédio) celebrou um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso a meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz” naquela “parte do terreno está incluída na parcela que foi comodatada à dita empresa” (Cfr., nos presentes autos, Acórdão do TRP de 04.05.2023, página 43),

V. — e que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respectiva factura para pagamento do preço”.

VI. — O TRP, na sua primitiva decisão (no que tange à ilegitimidade do Autor), pela sua similitude, socorreu-se da fundamentação vertida no Ac. da R. P. de 22/03/2011.

VII. — Porém, o STJ decide revogar a decisão recorrida, julgando a revista procedente e, nessa medida, entender “ser o Autor da acção parte legítima na mesma”, ordenando “a baixa dos autos à Relação, para o conhecimento, se possível pelos mesmos Exm.ºs Juízes Desembargadores, das questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao pleito”.

VIII. — Sucede que, o acórdão fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 158/1999/S1, em 06.10.2009, decidiu que (i) “Reportando-se os autos a uma acção de reivindicação, intentada pelo cabeça-de-casal de uma herança aberta por óbito de alguém, desacompanhada dos demais herdeiros, carece ele de legitimidade para tal, dado estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário (artigos 28º, nº 1, do CPC e 2091º, nº 1, do Código Civil).”, conquanto (ii) “o disposto no artigo 2078º do Código Civil não tem aqui aplicação e, como resulta do preceituado no nº 2 deste artigo e do nº 1 do artigo 2088º do mesmo diploma, o cabeça-de-casal só tem legitimidade para pedir a entrega de bens e para usar de acções possessórias.”

IX. — Neste acórdão fundamento, a Autora, como cabeça de casal desacompanhada dos demais herdeiros, peticionou (além da indemnização), no essencial, que (i) seja declarado que os prédios fazem parte da herança e (ii) sejam os Réus a reconhecerem esse direito.

X. Desta feita, as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico são idênticos em ambas as decisões e, inelutavelmente, em ambos os processos judiciais foram as soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito.

Nestes termos e nos mais que doutamente serão supridos, verificada a existência da contradição jurisprudencial, deve o acórdão recorrido ser revogado no sentido que se indica: “numa ação em que o cabeça de casal, desacompanhado dos demais herdeiros, pede que se declare que o prédio faz parte da herança, pertencendo em propriedade plena aos herdeiros e se condene a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade, carece de legitimidade para tal, dado estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário”, como é de DIREITO E JUSTIÇA.

20. O Autor, agora Recorrido, não contra-alegou.

21. Em 18 de Junho de 2024 foi proferido despacho liminar no sentido da não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.

22. Inconformada, a Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., veio reclamar para a conferência.

22. Finalizou a sua reclamação com as seguintes conclusões:

i. Não obstante apresentada no segundo dia útil, nos do n.º 5 do art.º 139.º do CPC, a reclamação é tempestiva;

ii. Por decisão singular não foi admitido recurso para Uniformização de Jurisprudência (Cível), porquanto estava esgotado o prazo para recorrer do acórdão intercalar proferido em 7 de Março de 2023;

iii. Na melhor hermenêutica jurídica o direito substantivo deve prevalecer sobre o direito adjetivo e, nesse sentido, relevar o apuramento da efetiva realidade;

iv. Isto é, aferir da contradição entre o acórdão de 7 de Março de 2023 (proferido no processo n.º 995/20.8T8PNF) e o acórdão de 6 de Outubro de 2009 e,

nesse caso, em nome da segurança jurídica, pôr termo à divergência sobre a mesma questão de direito;

v. É consabido que o prazo para interposição de recurso para uniformização de jurisprudência é contado após o trânsito da decisão final proferida no respetivo processo;

vi. Isto porque somente a parte que ficou vencida tem legitimidade para recorrer;

vii. Ora, só com a decisão final proferida no respetivo processo fica conhecida a parte que ficou vencida;

viii. Existindo contradição (como aliás admite o Colendo Juiz Relator), deve “baixar a bandeira” da incompatibilidade formal vertida na decisão sumária, singularmente proferida, e, consequentemente, a Conferência admitir o recurso para uniformização de jurisprudência e, nesse sentido, ordenar que o processo vá a distribuição;

ix. Sob pena de estar em inegável contradição com o disposto no n.º 4, in fine, do art.º 20.º da CRP e, assim, mortalmente ferido de inconstitucionalidade.

NESTES TERMOS E NOS MAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS, DEVE A DECISÃO SINGULAR SER REVOGADA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER ORDENADO QUE O PROCESSO VÁ A DISTRIBUIÇÃO, COMO É DE DIREITO, FAZENDO BOA JUSTIÇA

23. O Autor, agora Recorrido, não respondeu à reclamação.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

24. O artigo 688.º do Código de Processo Civil determina que

1. — As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

2. — Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.

3. — O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

25. A Ré, agora Recorrente, Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., sustenta no seu requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência que pretende impugnar o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2024.

26. Alega que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2024 está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2009 — processo n.º 158/1999.S1 — e que a questão fundamental de direito sobre a qual recai a contradição é a questão da legitimidade do cabeça de casal, desacompanhado dos demais herdeiros, para propor uma acção de reivindicação sobre um dos prédios da herança.

27. O problema está em que a questão da legitimidade do Autor, agora Recorrido, não foi apreciada.

— nem no acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2023;

— nem no acórdão de conferência proferido em 8 de Fevereiro de 2024, em que se julgou improcedente a arguição de nulidades do acórdão de 12 de Dezembro de 2023.

28. Em consequência, não pode haver nenhuma contradição relevante para efeitos do artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil entre o acórdão de 8 de Fevereiro de 2024 — designado como acórdão recorrido — e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2009 — processo n.º 158/1999.S1 —, deduzido como acórdão-fundamento.

29. Embora sustente no seu requerimento de interposição de recurso que pretende impugnar o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 8 de Fevereiro de 2024, a Ré, agora Recorrente, Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., sugere nas suas alegações que pretende na realidade impugnar o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça cerca de um ano antes — em 7 de Março de 2023.

30. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto referido nas conclusões III e VI do presente recurso para uniformização de jurisprudência é o acórdão proferido em 30 de Junho de 2022 — em consequência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido na conclusão VII do presente recurso para uniformização de jurisprudência é (só pode ser) o acórdão proferido em 7 de Março de 2023.

31. O problema está em que o recurso para a uniformização de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido 1.

32. Ora, no momento em que o presente recurso para uniformização de jurisprudência foi interposto — Abril de 2024 —, o prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão de 7 de Março de 2023 estava há muito esgotado.

33. Logo, ainda que alguma contradição entre o acórdão de 7 de Março de 2023 e o acórdão de 6 de Outubro de 2009 — processo n.º 158/1999.S1 — pudesse porventura existir, nunca deveria ser admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência.

34. A Ré, agora Recorrente, Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., sustenta na sua reclamação da decisão singular de não admissão de recurso que os juízes que intervieram no julgamento do recurso de revista devem considerar-se impedidos de intervir na apreciação liminar do recurso para uniformização.

35. Fá-lo nos seguintes termos:

20. […] tendo a Ré direito a um processo equitativo, a intervenção dos Juízes presentes no acórdão recorrido poderá estar em inegável contradição com o disposto no n.º 4, in fine, do art.º 20.º da CRP e, assim, mortalmente ferido de inconstitucionalidade.

21. Com efeito, a Ré/Recorrente, aqui ora reclamante, pretende obter a revogação da decisão final (vertida no acórdão final que absorveu todas as decisões intercalares entretanto proferidas) que sacrificou o seu interesse, quando outra decisão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, em contradição com ela, lhe teria dado ganho de causa.

22. Em síntese, ser admitido (em tese) um recurso para, de seguida, o sujeitar ao voto (ler decisão) do mesmo Juiz que acabou de julgar o caso contra a ora reclamante, inelutavelmente afetará a sua imparcialidade quanto ao julgamento ulterior.

23. Na verdade, embora o Juiz deva manter equidistância das partes, mantendo ao longo do processo um estatuto de igualdade substancial das partes, não é espectável que mude de opinião de um recurso para o outro (aliás, sequer lhe pode ser exigível).

24. Considerando a experiência processual da mandatária aqui subscritora, não se revela fácil encontrar quem “dê a mão à palmatória”, porquanto “são sempre os outros que estão errados”.

36. O artigo 692.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe apreciação liminar, é do seguinte teor:

1. — Recebidas as contra-alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, é o processo concluso ao relator para exame preliminar, sendo o recurso rejeitado, além dos casos previstos no n.º 2 do artigo 641.º, sempre que o recorrente não haja cumprido os ónus estabelecidos no artigo 690.º, não exista a oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no n.o 3 do artigo 688.º.

2. — Da decisão do relator pode o recorrente reclamar para a conferência.

3. — Findo o prazo de resposta do recorrido, a conferência decide da verificação dos pressupostos do recurso, incluindo a contradição invocada como seu fundamento.

4. — O acórdão da conferência previsto no número anterior é irrecorrível, sem prejuízo de o pleno das secções cíveis, ao julgar o recurso, poder decidir em sentido contrário.

5. — Admitido o recurso, o relator envia o processo à distribuição.

37 A questão do impedimento do relator e, por extensão, da conferência em circunstâncias em tudo semelhantes foi apreciada, designadamente, pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Fevereiro de 2016 — processo n.º 218/11.0TCGMR.G1.S1-A — e de 19 de Dezembro de 2018 — processo n.º 10864/15.8T8LSB.L1.S1-A —e pelos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 162/2018, de 5 de Abril de 2018, e n.º 389/2019, de 26 de Junho de 2019.

38. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2018 — processo n.º 10864/15.8T8LSB.L1.S1-A — diz, explicitamente, que

I. — Compete ao primitivo relator, a quem o recurso para uniformização de Jurisprudência é distribuído para exame liminar, e, em caso de rejeição e reclamação, à conferência, analisar os pressupostos de admissibilidade do recurso, incluindo a invocada oposição jurisprudencial - art. 692.º, n.os. 1 e 2, do Código de Processo Civil.

II. — Sendo a própria lei que determina a competência do Relator e da Conferência para os efeitos referidos em I, é destituído de sentido invocar o impedimento previsto no art. 115.º, n.º 1, al. e), do CPC.

39. O acórdão em causa foi comentado por Miguel Teixeira de Sousa, nos seguintes termos:

“A invocação do impedimento do relator não deixa de revelar alguma imaginação, mas está, naturalmente, condenada ao fracasso. A seguir-se a perspectiva do reclamante, nenhuma reclamação seria admissível em nenhum processo. A reclamação é a impugnação da decisão perante o próprio órgão que a proferiu, o que, naturalmente, pressupõe que o juiz decidente não está impedido de apreciar a reclamação.

Se o juiz que proferiu a decisão impugnada estivesse impedido de conhecer da reclamação, então a única forma de impugnação das decisões que restaria seria o recurso, que é a impugnação da decisão perante um órgão distinto daquele que proferiu a decisão impugnada” 2.

40. A Ré, agora Recorrente, alegam que a interpretação em causa do artigo 692.º do Código de Processo Civil viola o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

41. Ora, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 389/2019, de 26 de Junho de 2019 reafirma “o princípio — que deverá constituir o ponto de partida da apreciação normativa em casos semelhantes — de que a participação em momento anterior do processo não contamina necessariamente a imparcialidade objectiva do julgador”, para concluir que

“Desse princípio [só] deverá o Tribunal afastar-se perante circunstâncias — também elas objectivas — que justifiquem tratamento diverso, o que, pelo que se expôs, não é o caso sobre que se debruçou o presente processo, pelo que se impõe […] uma decisão de não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 692.º, n.ºs 1 a 4, do Código de Processo Civil, interpretados no sentido em que se determina que a rejeição do recurso para uniformização de jurisprudência, após exame preliminar, incumbe ao relator do processo em que foi proferido o acórdão impugnado, sendo o acórdão que confirme tal rejeição — proferido em conferência constituída pelo mesmo relator e por dois adjuntos, que, em regra, coincidirão com os subscritores do acórdão recorrido —, definitivo nas instâncias”.

42. Em consequência, não há nenhuma razão para que os juízes que intervieram no julgamento do recurso de revista devam considerar-se impedidos de intervir na apreciação liminar do recurso para uniformização de jurisprudência.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se o despacho reclamado.

Custas pela Recorrente Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 3 de Outubro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Maria de Fátima Gomes

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1. Cf. artigo 689.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

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