Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1989/19.1T9VLG.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
Descritores: RECURSO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ABUSO DE CONFIANÇA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O pedido de indemnização cível, apresentado em processo penal, apenas pode ter por fundamento a responsabilidade civil extracontratual, derivada da prática de um facto ilícito;
II - São pressupostos dessa responsabilidade: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano;
III - Não tendo sido dado como provado que o arguido praticou um ato ilícito, não pode ser deferido o pedido de indemnização apresentado pelo recorrente.
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO


Acordam, em conferência, na ... secção do Supremo Tribunal de Justiça:


A - Relatório


A1. Através de sentença proferida pelo Juiz ... do Juízo Local Criminal de Valongo do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, AA foi condenado:

• pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo artigo 205º, n.ºs 1 e 4, b) do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;

• no pagamento ao Município de Valongo, a título de indemnização de danos patrimoniais, da quantia de 80.263,65€, acrescida de juros moratórios vencidos, à taxa legal.


A2. Não se conformando com essa decisão dela recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição parcial)1:


«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Juízo Criminal de Valongo (Tribunal Judicial da Comarca do Porto), neste processo, que condenou o Arguido, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. 205.º, n.º 1 e 4, al. b), por referência ao disposto no art. 202.º, al. b) do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, com execução suspensa por igual período, condenando ainda o Arguido no pedido de indemnização cível, no montante de 80.263,65, acrescido de juros vencidos no valor de .€2.652,90


2. Considera o Arguido que a sentença incorre em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, assim como viola a lei e a constituição, mormente o princípio do in dubio pro reo, o princípio do caso julgado, o princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança.


a) Incompetência Material do Tribunal a quo e Violação do Caso Julgado


3. Em primeiro lugar, verifica-se que o Tribunal a quo, em sede de fundamentação da sentença, toma posição sobre matéria inserida no âmbito da competência da jurisdição administrativa e fiscal, nomeadamente no que concerne à questão referente à reversão de bens da concessão identificada nos autos, e que tal se mostrou decisivo para a formação da convicção quanto à apropriação ilegítima de parte desses bens pela empresa administrada do Arguido.


4. Na realidade, o Tribunal a quo não apenas se imiscui em matéria que está arredada dos seus poderes de cognição, como ainda contraria o decidido através das decisões proferidas no processo cautelar n.º 426/19.6... e no processo principal n.º338/19.3... (ao qual está apenso o processo n.º 426/19.6...) – sentença que ora se junta se dá por integrada, e cuja junção superveniente se justifica à luz da descoberta da verdade material, e atento a desconsideração do Tribunal a quo pelo desfecho deste processo.


5. Concluindo-se, assim, que a sentença recorrida é ilegal e inconstitucional, porquanto viola frontalmente o disposto no artigo 1º, nº 1, do ETAF, e nos artigos 205.º, n.º 3 e 212º, nº 3, da CRP.


b) Erro de Julgamento sobre a Matéria de Facto dada por Provada sob os Pontos 5, 6, 7 e 9


6. Em sede de julgamento sobre a matéria de facto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que ficou demonstrada a factualidade constante dos pontos 5, 6, 7 e 9 da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, a qual se relaciona com a reversão dos bens da concessão e com o conhecimento dessa circunstância pelo Arguido.


7. Contudo, ao julgar que recai sobre a “P..., Lda” a obrigação da entrega de “todos” os bens afetos à concessão, o Tribunal efetua uma errada interpretação das normas e clausulas contratuais aplicáveis, como ainda contraria o entendimento sufragado pelos tribunais administrativos e fiscais que se debruçaram sobre os atos deliberativos que determinaram o resgate da concessão referenciada nos autos, os quais consideraram que estes atos não dispõem acerca da reversão dos bens afetos à concessão.


8. Acresce ainda que, em algum momento, o Município de Valongo concretizou os acessórios absorvidos pela reversão da concessão, limitando-se a exigir a reversão de todos esses elementos, quando, ao abrigo do n.º 7 do art. 422.º do CCP, uma tal questão deveria ser tratada por via contratual.


9. Neste enquadramento, e por outro lado, ficou demonstrado nos autos que a não entrega dos bens solicitados pelo Município de Valongo decorreu da convicção suscitada no Arguido de que tal atuação tinha suporte nas decisões proferidas pelos tribunais administrativos, nomeadamente no que concerne à falta de decisão sobre a reversão dos bens.


10. Assim, pelos motivos supra inculcados, deverão os pontos 5, 6 e 7 da decisão sobre a matéria de facto deverão ser dados como não provados, ao passo que, ao ponto 9 deverá ser conferida a seguinte redação:


«9. Não tendo as referidas Deliberações da CM e da AM disposto sobre a reversão de bens da concessão, o Arguido não procedeu à entrega dos originais e duplicados das chaves de cofre, chaves de porta de manutenção, meios de recolha de moedas e peças que pertençam a máquinas e que por algum motivo não estejam instaladas, assim como os equipamentos PD.”


11. Para o que relevam os seguintes elementos de prova constantes dos autos: Caderno de Encargos, junto aos autos em fase de inquérito; Sentença do TAF ... de 15/07/2019, proferida no processo n.º 426/19.6..., pág. 67, junta com o RAI, sob o Doc. 1; Acórdão do TCA Norte de 18/10/2019, proferido no processo n.º 426/19.6..., pág. 82, junta com o RAI, sob o Doc. 2; Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo de Contratos Públicos, no âmbito do processo n.º 338/19.3... e 426/19.6..., junta como Doc. n.º 1; Declarações do Arguido, prestadas na sessão de audiência de julgamento de 12/01/2023, entre as 16.00 horas e as 16.23 horas, concretamente entre o minuto 00:14:50 e o minuto 00:17:58, e Depoimento da Dr.ª BB, prestado na sessão de audiência de julgamento de 25/05/2023, entre as 15.24 horas e as 15.35 horas, e concretamente entre o minuto 00:04:05 e o minuto 00:06:10.


c) Erro de Julgamento sobre a Matéria de Facto dada por Provada sob os Pontos 10 e 11


12. Do mesmo modo, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que ficaram demonstrados os factos vertidos nos pontos 10 e 11 da decisão sobre a matéria de facto tida como provada.


13. Ao lado da formulação redutora dos factos referidos nesses pontos, mostra-se falacioso gizar um nexo de causa entre o putativo impedimento e o contrato celebrado entre a CM Valongo e a “S..., DA”, na medida em que há muito que aquele Município conhecia a posição da “P..., Lda” quanto à propriedade dos bens da concessão, pelo que bem poderia ter celebrado tal contrato em data anterior, e logo após a tomada da posse da concessão (em agosto/2019).


14. De facto, não se percebe a “duplicidade de critérios” usada pelo Tribunal a quo, quando considera que o facto de a “P..., Lda” deter as chaves constitui apropriação ilegítima, mas é o Município de Valongo que, ignorando o sentido das decisões dos processo cautelares e quando ainda se encontrava em litígio a legalidade da decisão de resgate da concessão (sendo que, mais tarde, em 2021, veio o TAF Porto dar razão à versão do Arguido), procede ao estroncamento dos parcómetros e apropria-se dos montantes nele depositados, sem qualquer prestação de contas com a empresa do Arguido.


15. Pelos motivos acima expendidos, deverá o decidido sob os pontos 10 e 11 da matéria dada como provada ser alterada, no sentido de se considerar não provada.


16. Para o efeito, relevam os seguintes elementos probatórios: Sentença do TAF ... de 15/07/2019, proferida no processo n.º 426/19.6..., pág. 67, junta com o RAI, sob o Doc. 1; Acórdão do TCA Norte de 18/10/2019, proferido no processo n.º 426/19.6..., pág. 82, junta com o RAI, sob o Doc. 2; Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo de Contratos Públicos, no âmbito do processo n.º 338/19.3... e 426/19.6..., junta como Doc. n.º 1; Contrato celebrado entre a Câmara Municipal de Valongo e a S..., DA de 25/06/2020, junto aos autos; e Declarações do Arguido, prestadas na sessão de audiência de julgamento de 12/01/2023, entre as 16.00 horas e as 16.23 horas, concretamente entre o minuto 00:26:00 e 00:27:00.


d) Erro de Julgamento sobre a Matéria de Facto dada por Provada sob o Ponto 13


17. Entende o Recorrente que o facto dado como provado sob o ponto 13 da decisão sobre a matéria de facto não permite uma correta apreensão dos factos demonstrados relevantes à decisão sobre a questão de fundo dos presentes autos.


18. Com efeito, na sentença proferida pelo TAF do Porto nos autos principais relativos à impugnação das Deliberações do Município de Valongo e da Assembleia Municipal da CM de Valongo, processo n.º 338/19.3..., veio corroborar o entendimento perfilhado pelo TAF de ... e Tribunal Central Administrativo nos autos cautelares n.º 426/19.6..., ao assinalar que, de facto, a deliberação do Município e da Assembleia Municipal para o resgate da concessão nada dispôs a respeito da reversão de bens.


19. Motivo pelo qual, sempre deverá proceder-se à reformulação do referido ponto da decisão da matéria de facto dada como provada, aditando-se um novo facto, e nos seguintes termos:


«13. No âmbito da acção intentada pela “P..., Lda”, tendo em vista a declaração de nulidade / anulação das deliberações da CM de Valongo relacionadas com a direito de resgate das concessões supra identificadas, que correu termos no TAF do Porto com o n.º338/19.3..., por decisão proferida a 06/04/21 e transitada em 17/05/21, foi declarada:


a. Procedente a excepção de inimpugnabilidade da deliberação da CM de Valongo de 03/01/19 e, bem assim, do acto contido no ponto 2 da deliberação de 14/02/19 da CM de Valongo, absolvendo-se parcialmente a mesma da instância quanto aos pedidos de declaração de nulidade ou anulação formulados quanto a estes autos;


b. Improcedente a acção quanto aos pedidos de declaração de nulidade / anulação do acto contido no ponto 1 da deliberação de 14/02/19 da CM de Valongo que aprovou a decisão final de exercer o resgate das concessões de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada nas freguesias de ... e ... e da deliberação da AM de Valongo de 21/02/19 que autorizou o exercício do direito de resgate


13-B: Sem embargo, entendeu o TAF do Porto, através da referida sentença que a deliberação da CMdV de 14.2.2019 (como também o ato autorizativo da Assembleia Municipal de 21.2.2019) não dispõe quanto à reversão de bens, assim corroborando o sentido das decisões proferidas no processo cautelar 426/19.6..., todas transitadas em julgado».


20. Para o efeito, relevam os seguintes elementos probatórios: Sentença do TAF ... de 15/07/2019, proferida no processo n.º 426/19.6..., pág. 67, junta com o RAI, sob o Doc. 1; Acórdão do TCA Norte de 18/10/2019, proferido no processo n.º 426/19.6..., pág. 82, junta com o RAI, sob o Doc. 2; Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo de Contratos Públicos, no âmbito do processo n.º 338/19.3... e 426/19.6..., junta como Doc. n.º 1.


e) Erro de Julgamento sobre a Matéria de Facto dada por Provada sob os Pontos 16 e 17


21. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo através dos pontos 16 e 17 da decisão sobre a matéria de facto, ficou profusamente demonstrado que o Arguido, aqui Recorrente, nem sequer representou como possível a possibilidade de a sua conduta revestir antijuricidade, justamente pelo facto de a sua versão quanto à não entrega dos bens da concessão encontrar arrimo no sentido das decisões proferidas e transitadas em julgado nos processos 426/19.6... e 338/19.3..., já citados, o que igualmente encontra sustentação na carta remetida pela P..., Lda ao Presidente da Câmara de Valongo em 28/07/2020.


22. Atento o decidido através dos referidos pontos da matéria de facto dada como provada, e tendo em consideração o expendido em sede de motivação da sentença, apenas se pode concluir que o silogismo formulado pelo Tribunal a quo viola diretamente o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança no cidadão, o qual se encontra consagrado no art. 2.º da CRP, como ao mesmo tempo se sustenta num pré-juízo incriminatório do Arguido, descurando a confiança a expetativa e confiança legitimamente suscitadas no Arguido pelas decisões proferidas pelos tribunais administrativas, supra citadas.


23. Deverá, assim, a decisão sobre os pontos 10 e 11 da matéria de facto dada como provada ser alterada, no sentido de se considerar matéria não provada.


24. Para tanto, relevam os seguintes elementos probatórios: Sentença do TAF ... de 15/07/2019, proferida no processo n.º 426/19.6..., pág. 67, junta com o RAI, sob o Doc. 1; Acórdão do TCA Norte de 18/10/2019, proferido no processo n.º 426/19.6..., pág. 82, junta com o RAI, sob o Doc. 2; Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo de Contratos Públicos, no âmbito do processo n.º 338/19.3... e 426/19.6..., junta como Doc. n.º 1, e Carta remetida pela P..., Lda ao Presidente da Câmara de Valongo em 28/07/2020 (Cfr. Doc. n.º 3 junto com o RAI).


f) Erro de Julgamento sobre a Matéria de Facto dada por Provada sob os Pontos 18, 19 e 20


25. Atenta a prova produzida nos autos, queda sem arrimo a matéria dada como provada sob os pontos 18, 19 e 20.


26. Em primeiro lugar, em função do teor das decisões proferidas no processo cautelar (processo n.º 426/19.6...) e no processo principal (processo n.º 338/19.3...), supra melhor identificados, que foram no sentido da inexistência de uma decisão de reversão dos bens, é evidente que não era devido ao Arguido a entrega de quaisquer bens da concessão, assim como é objetivamente sustentável a convicção suscitada no Arguido de tal não lhe ser exigível.


27. Em segundo lugar, e atento que os parcómetros passaram a estar na posse do Município desde Agosto/2019, ficaria a dúvida razoável quanto aos valores efetivamente depositados no interior dos cofres.


28. Como também não ficou em algum momento provado o uso dos equipamentos pelo Arguido, e sendo que, no respeitante ao software PDA, ficou profusamente demonstrado que se trata de um ativo tangível da “P..., Lda”, para o funcionamento do qual paga uma mensalidade.


29. Assim, pelos motivos supra expendidos, deverá ser alterado o sentido decisório dos pontos 18, 19 e 20 da matéria de facto dada como provada, considerando-se os mesmos como não demonstrados.


30. Para tanto, relevam os seguintes elementos probatórios: Sentença do TAF ... de 15/07/2019, proferida no processo n.º 426/19.6..., pág. 67, junta com o RAI, sob o Doc. 1, Acórdão do TCA Norte de 18/10/2019, proferido no processo n.º 426/19.6..., pág. 82, junta com o RAI, sob o Doc. 2); Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo de Contratos Públicos, no âmbito do processo n.º 338/19.3... e 426/19.6..., junta como Doc. n.º 1; Contrato celebrado entre a Câmara Municipal de Valongo e a S..., DA, de 25/06/2020, e respetivas faturas, juntos aos autos; Depoimento da testemunha CC, prestado na sessão de audiência de julgamento de 12/01/2023, entre as 15.33 horas e o as 15.59 horas, concretamente entre o minuto 00:23:05 e o minuto 00:24:00; Depoimento da testemunha DD, prestado na sessão de audiência de julgamento de 12/01/2023, entre as 16.40 horas e as 17.00 horas, concretamente entre o minuto 00:19:30 e o minuto 00:20:00 e, também, entre o minuto 00:26:03 e o minuto 00:27:00; Depoimento da testemunha EE, prestado na sessão de audiência de julgamento de 12/01/2023, entre as 16.00 horas e as 16.23 horas, concretamente entre o minuto 00:19:00 e o minuto 00:20:00, e Depoimento da testemunha FF, prestado na sessão de audiência de julgamento de 12/01/2023, entre as 16.24 horas e as 16.32 horas, concretamente entre o minuto 00:04:59 e o minuto 00:05:05.


g) Erro de Julgamento sobre a Matéria de Direito – Não Verificação dos Elementos Constitutivos do Tipo de Ilícito Criminal do Abuso de Confiança In Casu


31. Atento o disposto no art. 205.º do CP, poderá afirmar-se que a estrutura típica objetiva do ilícito criminal do abuso de confiança é composta pelos seguintes elementos: i) a entrega da coisa tenha sido feita por título não translativo da propriedade; ii) que tal entrega seja legítima ou lícita e se desenvolva num contexto fiduciário, e iii) se verifique a inversão do título da posse ou detenção, de forma ilegítima.


32. A análise do preenchimento dos elementos referidos elementos transporta-nos para o campo do direito administrativo, nomeadamente para a questão controvertida da titularidade do direito de propriedade desses bens, e para o que é necessário aferir se o resgate operado pelo Município de Valongo teve o condão de reverter a sua propriedade para a entidade concedente; não detendo a fattispecie em discussão nos autos (pelo menos por ora) qualquer relevância jurídico-penal. A não entrega dos bens da concessão traduz na realidade uma questão sindicável em matéria de (in)cumprimento contratual, não reclamando tutela do direito penal, pois este constitui um direito ultima ratio.


33. Acresce que, da prova produzida nos autos, não resultou demonstrada qualquer conduta do Arguido da qual se possa retirar que a sua atuação concretiza a inversão do título da posse ou detenção dos bens em apreço, de forma ilegítima – bem pelo contrário, tendo aquele formado a sua convicção quanto à não exigibilidade da entrega dos bens nas decisões que se pronunciaram sobre a legalidade dos atos deliberativos relativos ao resgate da concessão em apreço, e nas quais, de forma unívoca, se considera que tais atos não cuidaram de dispor sobre a reversão de bens da concessão.


34. De tal modo que, não se poderá afirmar que o Arguido a revelou a intenção se apropriar dos referidos, tratando-se de elemento essencial ao preenchimento do tipo de ilícito objetivo do crime de abuso de confiança.


35. Por outro lado, considera-se não ser sustentável a existência de dolo na conduta do arguido, ainda que eventual, porquanto, conforme demonstrado nos autos, em momento algum representou como possível a ilegalidade da sua atuação, fundando a sua convicção em decisões jurisprudenciais, das quais decorre inexistir qualquer ato administrativo relativo à reversão de bens da concessão referenciada nos autos.


36. Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo violou o princípio do in dubio pro reo, consagrado entre nós como decorrência ou corolário da garantia constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, Constituição).


Sem prescindir,


(…)


i) Do Pedido de Indemnização Cível – Falta de Fundamento Legal


40. Relativamente ao pedido de indemnização cível, e sem prejuízo do referido anteriormente quanto à não verificação da ilicitude da conduta, igualmente se conclui da prova produzida a não verificação dos pressupostos do dano e do nexo causal.


41. Em primeiro lugar, os encargos que sustentam o pedido cível formulado pelo Município aconteceriam sempre, independentemente de o arguido ter entregado ou não os equipamentos em agosto/2019. Eram gastos e encargos que sempre teriam de ser suportados pelo Município, por isso não existe qualquer correlação com a atuação de o arguido e prática do crime de abuso de confiança. A existir qualquer dano, o mesmo teria de ser reclamado à concessionária P..., Lda, no âmbito da jurisdição administrativa e nunca ao arguido a título individual.


42. Não se vislumbra qualquer nexo causal entre os factos imputados ao Arguido e o “recondicionamento” efetuado às máquinas, por decisão do Município que ficou evidenciada como sendo para alteração do “interior”.


43. No que respeita às chaves, na eventualidade de ter existido reversão, a respetiva substituição sempre se afiguraria como a adoção de um comportamento contido no âmbito da boa gestão do património, de forma a garantir a integridade e exclusividade do acesso ao Município, conforme supra se alegou.


44. Do mesmo modo, os autos não contêm sequer matéria que permita estabelecer qualquer conexão entre os artigos faturados no âmbito do contrato e os “acessórios” alegadamente não entregues pelo Arguido.


45. Além disso, inexiste nexo temporal entre a celebração do contrato entre o Município de Valongo e a S..., DA e a prática dos factos (alegadamente ilícitos), aquela ocorrida em 1/06/2020 e estes verificados em 2019.


46. Ainda sem prescindir, as faturas apresentadas nos autos da “S..., DA” não é esclarecedora quanto aos serviços e bens adquiridos, não sendo possível apurar o dano e tampou o nexo causal entre o facto (alegadamente ilícito) e o dano.


Assim,


47. E pelos motivos acima referenciados, conclui-se que a decisão recorrida é ilegal e inconstitucional, porquanto viola o disposto nos seguintes normativos:


a. Artigos 2.º, 32.º, n.º 2, 62.º e 205º, nº2 e 212º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa


b. Artigo 1º, nº 1 do ETAF


c. Artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do Código Penal;


d. Artigo 422.º do Código dos Contratos Públicos;


48. O que se deixa expressamente alegado para os devidos e legais efeitos.»


A.3. A esse recurso respondeu o Ministério Público e o Município de Valongo, transcrevendo-se apenas (e em parte) as conclusões deste último, dado que o Ministério Público apenas se reportou à matéria criminal:


“Em conclusão:

1. A douta sentença “a quo” apenas se pronuncia sobre o ilícito penal descrito e provado nos autos, não apreciando nem decidindo sobre qualquer matéria reservada à jurisdição administrativa;

2. A decisão sobre a matéria de facto julgada como provada não merece qualquer censura;

3. Estando assente que o Arguido, voluntariamente e contra a vontade e ordens do proprietário dos bens da concessão, se apropriou ilegitimamente desses bens, que bem sabia não lhe pertencerem, estão preenchidos todos os elementos típicos do crime de abuso de confiança por que foi condenado;

4. A sentença “a quo” não merece qualquer censura na determinação da medida concreta da pena aplicada, à luz do disposto no artº 71º


CP;

5. A sentença “a quo” não merece qualquer censura na condenação do pedido de indemnização cível, que corresponde aos danos suportados pelo Assistente em consequência do ilícito penal praticado pelo Arguido.”


A.4. Através de acórdão, proferido a 6 de dezembro de 2023 pelo Tribunal da Relação do Porto, tal recurso foi julgado procedente, tendo o arguido sido absolvido “da prática do crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, b) do Código Penal, por que vinha acusado, assim como, consequentemente, do pedido de indemnização civil contra ele formulado pelo Município de Valongo.”


A.5. Inconformado com essa decisão, dela veio o Município de Valongo recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):

“Conclusões:

1. Na apreciação e decisão do recurso interposto pelo Arguido, o douto acórdão recorrido não respeitou o princípio fundamental do contraditório, porquanto não apreciou nem se pronunciou sobre as alegações e conclusões das contra-alegações apresentadas pelo Município em sede de recurso.


2. Desta forma, é manifesto que foram omitidos os argumentos do ora Recorrente, alegados em sede de contraditório, não tendo o Acórdão recorrido conhecido das questões e fundamentos invocados pelo Recorrido na sua resposta, desconsiderando em absoluto o contraditório do Assistente.


3. O Acórdão recorrido, para além de dever explicitar, no seu relatório, os argumentos e as questões invocados nas contra-alegações inseridas na resposta, devia ter-se pronunciado sobre os mesmos em sede de fundamentação, refletindo essa pronúncia em sede de decisão, na parte dispositiva da decisão, o que não fez, violando os nºs 2, 3 e 4 do artº 608º do CPC, bem como os princípios da igualdade (artº 13º), do contraditório (artº 3º do CPC e artº 32º, nº 5, da CRP) e da tutela jurisdicional efetiva (artº 2º do CPC e artº 20º, nºs 1, 4 e 5).


4. O Acórdão recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artº 615º, nº 1, al. d) do CPC, ex vi do artº 666º, nº 1 do CPC; nulidade que desde já se invoca.


Sem prescindir,


5. O douto Acórdão decidiu erradamente a absolvição do Arguido AA da prática do crime de abuso de confiança previsto e punido pelo artº 205º, nºs 1 e 4, al. b), do Código Penal e, consequentemente, do pedido de indemnização civil, face à matéria de facto apurado nos autos e o Direito aplicável.


6. O crime de abuso de confiança consiste no descaminho ou dissipação de qualquer coisa móvel, que ao agente tenha sido entregue, de forma lícita e voluntária, por título e com um fim que o obrigaria a restituir essa coisa ou um valor equivalente.


7. O crime de abuso de confiança traduz-se na apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio.


8. Qualquer comportamento que se desvie do fim que lhe foi atribuído no acordo ou convenção entre o agente e o proprietário da coisa, já consubstancia uma conduta dolosa, bastando para tal que o agente tenha plena consciência de que atua contra a vontade do proprietário.


9. O dolo no crime de abuso de confiança na vontade do agente em inverter o título da posse, na sua vontade de passar de possuidor em nome alheio (“alieno domini”) a possuidor em nome próprio (“uti dominus”).


10. O arguido confessou nos autos que, após a ordem de entrega dos bens da concessão que lhe foi dirigida pelo Assistente, recusou cumprir essa ordem e não procedeu à entrega dos bens integrados nas concessões resgatadas.


11. O arguido confessou nos autos a sua vontade em se apropriar daqueles bens públicos, que sabia serem propriedade do Município de Valongo, tendo atuado com a consciência de que atuava contra a pretensão legítima do Município de Valongo.


12. O arguido tinha plena consciência da obrigação legal que impunha a entrega dos bens integrados na concessão.


13. O arguido tinha perfeito conhecimento das consequências legais do resgate da concessão, que tentou impugnar junto dos Tribunais Administrativos


14. O arguido tinha perfeito conhecimento das disposições legais que se aplicavam, bem como das estipulações contratuais no âmbito da concessão, as quais aceitou.


15. O arguido decidiu não entregar os equipamentos relacionados com a concessão, tendo a consciência e o conhecimento de que tais bens não lhe pertenciam, mas pertenciam ao Município de Valongo.


16. O arguido optou por se apropriar desses bens, bem sabendo que agia contra a vontade do proprietário dos mesmos e, mais sabendo, que os bens em causa eram bens essenciais ao funcionamento e gestão dos parquímetros objeto da concessão resgatada.


17. O elemento legal típico do crime de abuso de confiança é a recusa do agente em cumprir a vontade do proprietário dos bens que os pretende reaver.


18. O elemento integrador fundamental para a verificação do tipo do crime de abuso de confiança é que o agente tenha tido a intenção de se apropriar dos bens no momento em que não procedeu à restituição requerida pelo proprietário, o que se verificou neste caso.


19. A sentença de primeira instância decidiu acertadamente, ao considerar que o arguido agiu com dolo eventual, uma vez que previu o resultado como consequência possível da sua conduta, levando, apesar disso, a cabo tal conduta, conformando-se com o seu resultado.


20. O arguido representou como possível que o exercício do direito de resgate da concessão por parte do Município tivesse como como consequência a reversão de todo o equipamento afeto às concessões para a posse daquele, implicando a restituição de todos os equipamentos que faziam parte do âmbito da concessão e que o Município pretendeu ver restituídos.


21. Apesar disso, não entregou os equipamentos, não permitindo sequer o pleno acesso aos parquímetros por parte do Município de Valongo.


22. O arguido, conformado com o possível resultado referido, agiu como descrito, de forma livre, voluntária e consciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.


23. O arguido sabia que a sua conduta causava um prejuízo económico ao município, suscetível de ser indemnizado.


24. O arguido deve assim ser condenado pela prática do crime de abuso de confiança e, consequentemente, no pedido de indemnização civil apresentado pelo Recorrente.


25. Ao assim não entender ao acórdão “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do art.º 205º CP..


Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, requer:

a. Deve o Acórdão recorrido ser declarado nulo, por omissão de pronúncia; ou, assim não se puder entender,


b) Deve o Acórdão recorrido ser revogado, e consequentemente, manter-se a decisão condenatória de primeira instância em todos os seus segmentos.


E assim V. Exas. farão a acostumada JUSTIÇA!”


A.6. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto instância apresentou resposta, na qual, em apertada síntese, defende:

• a rejeição liminar do recurso, invocando para o efeito o disposto nos artigos 399º, 400º, nº 1 al. d) e 432º, nº 1, todos do Código de Processo Penal;

• em qualquer caso, face à alteração da matéria de facto determinada pelo acórdão, sempre o recurso teria de improceder.


A.7. Também o arguido e demandado apresentou resposta, na qual defende (transcrição parcial, quanto à parte que se reporta ao pedido de indemnização cível):


“II – DO RECURSO DA DECISÃO QUE ABSOLVEU O ARGUIDO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL FORMULADO PELO ASSISTENTE.


De igual modo, deve improceder o recurso do Acórdão que absolveu o arguido do pedido de indemnização cível formulado.


Na realidade, não se compreende se o Recorrente omite apenas ou esquece totalmente que o douto Acórdão Recorrido decidiu serem:


“considerados não provados os factos descritos no elenco dos factos provados da sentença recorrida sob os números 5, 7 e 16 a 21, assim como a segunda parte do número 6 («(…) sabendo o arguido impender sobre a mencionada sociedade a obrigação de entrega de todo o equipamento afecto às concessões, o qual passaria a ser detido pelo Município de Valongo»).”


A matéria de facto dada como assente nos autos não foi objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


Ora, toda a alegação em que o Recorrente sustenta o seu recurso assenta em factos que o tribunal a quo julgou como não provados, ou seja:


Ponto 5 – Tendo aquele exercício do direito de resgate determinado, nos termos do Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões e do disposto no nº7 do art. 422º do Código dos Contratos Públicos, aplicável por força do nº2 da Cláusula 1º dos Aditamentos aos Contratos de Concessão, celebrados em 22/12/17, a reversão de todo o equipamento de que a “P..., Lda” dispusesse afecto às concessões para a posse do Município de Valongo;


Ponto 6 (segunda parte) - sabendo o arguido impender sobre a mencionada sociedade a obrigação de entrega de todo o equipamento afecto às concessões, o qual passaria a ser detido pelo Município de Valongo;


Ponto 7 – No seu âmbito se incluindo os originais e duplicados das chaves de cofre, chaves de porta de manutenção, meios de recolha de moedas e peças que pertençam a máquinas e que por algum motivo não estejam instaladas, assim como os equipamentos PDA, utilizados para verificar se os utentes das zonas de estacionamento de duração limitada pagaram a respectiva taxa através de plataformas digitais;


Ponto 16 – Representou como possível que o exercício desse direito de resgate tivesse como consequência a reversão de todo equipamento afecto às concessões para a posse do Município de Valongo, nesse âmbito se incluindo os originais e duplicados das chaves do cofre, chaves de porta de manutenção, meios de recolha de moedas, peças pertencentes a máquinas e que por algum motivo não estivessem instaladas e os equipamentos PDA;


Ponto 17 – Não obstante o que não procedeu à entrega de tais bens que tinha na posse e que, por virtude da concretização do direito resgate das concessões, passaria a ser detido pelo Município;


Ponto 18 – Antes os mantendo na sua disponibilidade uso e integrados no seu património, ciente que com essa actuação, causava um prejuízo económico ao Município de Valongo pelo menos equivalente ao valor de € 39.926,15 (trinta e nove mil, novecentos e vinte e seis euros e quinze cêntimos), que veio a ser recolhido do interior dos parcómetros;


Ponto 19 – Valor que admitiu como possível encontrar-se depositado naqueles;


Ponto 20 – Com o que se conformou e aceitou, não deixando de actuar como actuou, agindo livre, voluntária e conscientemente;


Ponto 21 – ciente de tal conduta ser proibida e punida por lei.


Deste modo, o recurso interposto está votado ao insucesso, uma vez que assenta em factos que foram julgados como não provados.


Acresce que, o pedido cível formulado em processo penal, tem sempre que ser fundamentado na prática de um crime. Se o arguido, aqui recorrido foi absolvido da prática de um crime, o pedido cível formulado também tem que sucumbir, uma vez inexistir qualquer responsabilidade decorrente de um ilícito civil ou decorrente do risco que caiba aqui ser apreciada.


De resto, o Recorrente nem sequer invoca a existência de qualquer ilícito civil ou de responsabilidade decorrente do risco, sendo certo e óbvia a impossibilidade de se invocar, neste âmbito, qualquer responsabilidade criminal, na medida em que o pedido de indemnização cível apenas pode ter por base a responsabilidade extracontratual. Cfr. Assento, hoje com força de acórdão uniformizador de jurisprudência, n.º 7/99, em DR Série I-A, de 03.08.1999 e ainda “a acção civil que adere ao processo penal, ficando nele enxertada, é apenas a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos emergentes do facto que constitua crime. (...) Realmente, a responsabilidade civil de que se conhece no âmbito do processo penal não é a responsabilidade contratual decorrente do simples incumprimento de vínculos contratuais, mas sim a responsabilidade extracontratual com base em facto ilícito, consistindo este na prática de um crime que foi causa de danos indemnizáveis” [Ac. STJ de 28.05.2015, Proc.º n.º 2647/06.2TAGMR.G1.S1, relatora Helena Moniz, em www.dgsi.pt].


III – QUANTO À NULIDADE INVOCADA, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA


Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de o douto Acórdão Recorrido não se ter pronunciado sobre as conclusões das suas contra-alegações apresentadas em sede de recurso, o que violaria os princípio da igualdade, do contraditório e da tutela jurisdicional efectiva, padecendo de nulidade, por omissão de pronúncia (Cfr. conclusões 1 a 5 do Recurso a que se responde).


Ora, salvo devido respeito, o douto acórdão recorrido não padece de qualquer


nulidade, muito menos a de omissão de pronúncia.


Como é evidente e pacífico, são as conclusões das alegações do Recorrente que definem o objecto do recurso e não as contra-alegações do recorrido !!!


São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar e não o que o recorrido apresenta em sede de resposta ao recurso.


Não tendo sido ampliado o objecto do recurso, nem apresentado recurso subordinado por parte do aqui Recorrente, o douto acórdão recorrido não tinha que atender, em concreto, às contra-alegações deste, uma vez que apenas tinha como obrigação responder às questões objecto do recurso, inexistindo, obviamente, qualquer omissão de pronúncia.


TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL E MANTIDA A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO QUE NÃO INCORRE IGUALMENTE EM QUALQUER NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.”


A.6. Entretanto, por despacho proferido a 19 de janeiro de 2014 no Tribunal da Relação do Porto, aquele recurso foi admitido, mas apenas “na parte relativa ao pedido de indemnização”.


Inconformado com esse despacho, o Município de Valongo dele veio reclamar, ao abrigo e nos termos do estabelecido no artigo 405º do Código de Processo Penal, por entender que este Supremo Tribunal devia conhecer da invocada nulidade do acórdão 6 de dezembro de 2023, na parte penal, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal.


Contudo, por decisão do Vice-Presidente deste Alto Tribunal, de 26 de fevereiro de 2024, essa reclamação foi indeferida, porquanto, em apertada síntese, não sendo admissível o recurso em matéria penal, não era possível conhecer da nulidade invocada.


A.7. Finalmente, chegado o recurso a este Alto Tribunal, o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, depois de fazer um sintético relato do iter processual, não emitiu parecer sobre o recurso relativo à matéria cível (único que nos cabe apreciar), por entender carecer de interesse processual, dado não representar nem o demandante nem o demandado.


* * *


Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


B - Fundamentação


B.1. âmbito do recurso


Nos termos anteriormente expostos, o recurso encontra-se circunscrito à apreciação da decisão de absolvição do arguido do pedido de indemnização cível, apresentado pelo Município de Valongo a fls. 520 e sgs. dos presentes autos.


Com efeito, no que tange à alegada omissão de pronúncia, a decisão sobre a reclamação deixou consignado que:


“Cumpre salientar que o conhecimento de eventuais nulidades do acórdão da Relação não constitui pressuposto de admissibilidade de recurso para p Supremo Tribunal de Justiça.


Não se podendo entender que a simples invocação de nulidade de um acórdão que a lei considera irrecorrível, transforme esse mesmo acórdão em decisão recorrível para este Supremo tribunal de justiça.


Com efeito, as nulidades do artigo 379º, nº 1, alíneas a) b) e c) do CPP, ou qualquer outra violação de norma procedimental da qual decorra nulidade da decisão, só podem ser conhecidas oficiosamente pelo STJ, se tiver de julgar recurso de acórdão da Reação que seja recorrível nos termos do disposto nos artigos 432º, nº 1 alínea b) e 400, nº 1 do CPP.”2


B.2. A decisão recorrida


Da decisão recorrida começaremos por transcrever a matéria de facto dada como provada na primeira instância, colocando a negrito a que foi pelo Tribunal da Relação considerada como não provada e deixando de fora a que se reporta à medida da pena:


1. O arguido é o único gerente da sociedade comercial “P..., Lda” (doravante, “P..., Lda”), com sede na Rua..., sendo o único responsável pela respectiva gestão e administração.


2. Em 02/03/04 e em 28/08/03, a Câmara Municipal (doravante, CM) de Valongo celebrou com a sociedade comercial “P..., Lda” contratos de concessão de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada nas freguesias, respectivamente, de ... e ....


3. Em 14/02/19 e em 21/02/19, respectivamente, a CM de Valongo e a Assembleia Municipal (doravante, AM) de Valongo deliberaram, respectivamente, aprovar e autorizar, a decisão de exercer o direito de resgate referente às referidas concessões referidas, o qual foi concretizado em 28/08/19 pelo decurso do prazo legalmente estabelecido para o efeito.


4. Desde essa data, passou a incumbir ao Município de Valongo a responsabilidade pela gestão das concessões de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada nas freguesias de ... e de ... e, entre o mais, a fiscalização do cumprimento das normas regulamentares estabelecidas para esse estacionamento.


5. Tendo aquele exercício do direito de resgate determinado, nos termos do Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões e do disposto no n.º 7 do art. 422.º do Código dos Contratos Públicos, aplicável por força do n.º 2 da Cláusula 1.º dos Aditamentos aos Contratos de Concessão, celebrados em 22/12/17, a reversão de todo o equipamento de que a “P..., Lda” dispusesse afecto às concessões para a posse do Município de Valongo.


6. A CM de Valongo comunicou ao arguido, enquanto legal representante da “P..., Lda”, entre o mais, a data dessa reversão, sabendo o arguido impender sobre a mencionada sociedade a obrigação de entrega de todo o equipamento afecto às concessões, o qual passaria a ser detido pelo Município de Valongo.


7. No seu âmbito se incluindo os originais e duplicados das chaves de cofre, chaves de porta de manutenção, meios de recolha de moedas e peças que pertençam a máquinas e que por algum motivo não estejam instaladas, assim como os equipamentos PDA, utilizados para verificar se os utentes das zonas de estacionamento de duração limitada pagaram a respectiva taxa através de plataformas informáticas.


8. Em 06/08/19 e em 26/08/19, por via postal, a CM de Valongo notificou o arguido, enquanto legal representante da “P..., Lda”, para proceder à entrega de tais bens e equipamentos.


9. O que o mesmo não fez até à presente data.


10. No período compreendido entre o mês de Agosto de 2019 e o mês de Setembro de 2020, o Município de Valongo viu-se impedido de proceder à recolha das taxas depositadas pelos utentes das zonas de estacionamento de duração limitada nos parcómetros para o respectivo pagamento.


11. Na decorrência do que, em 25/06/20, a CM de Valongo celebrou um contrato de prestação de serviços com a sociedade comercial “S..., DA” para colocação dos parcómetros instalados nas freguesias de ... e de ... em funcionamento.


12. No seu interior se vindo a encontrar depositado um total de € 39.926,15 (trinta e nove mil, novecentos e vinte de seis euros e quinze cêntimos), o qual foi entregue, em data não concretamente apurada, mas que se sabe ocorrida no mês de Setembro de 2020, ao Município de Valongo.


13. No âmbito da acção intentada pela “P..., Lda”, tendo em vista a declaração de nulidade / anulação das deliberações da CM de Valongo relacionadas com a direito de resgate das concessões supra identificadas, que correu termos no TAF do Porto com o n.º 338/19.3..., por decisão proferida a 06/04/21 e transitada em 17/05/21, foi declarada:


a. Procedente a excepção de inimpugnabilidade da deliberação da CM de Valongo de 03/01/19 e, bem assim, do acto contido no ponto 2 da deliberação de 14/02/19 da CM de Valongo, absolvendo-se parcialmente a mesma da instância quanto aos pedidos de declaração de nulidade ou anulação formulados quanto a estes autos;


b. Improcedente a acção quanto aos pedidos de declaração de nulidade / anulação do acto contido no ponto 1 da deliberação de 14/02/19 da CM de Valongo que aprovou a decisão final de exercer o resgate das concessões de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada nas freguesias de ... e ... e da deliberação da AM de Valongo de 21/02/19 que autorizou o exercício do direito de resgate.


14. Sabia o arguido que, enquanto legal representante da “P..., Lda”, que esta havia celebrado com a CM de Valongo contratos de concessão de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada nas freguesias de ... e de ....


15. Assim como que, por deliberações da CM de Valongo e da AM de Valongo, respectivamente, de 14/02/19 e de 21/02/19, foi determinado o resgaste dessas concessões, as mesmas lhe tendo sido regularmente notificadas enquanto legal representante da “P..., Lda”.


16. Representou como possível que o exercício desse direito de resgate tivesse como consequência a reversão de todo o equipamento afecto às concessões para a posse do Município de Valongo, nesse âmbito se incluindo os originais e duplicados das chaves de cofre, chaves de porta de manutenção, meios de recolha de moedas, peças pertencentes a máquinas e que por algum motivo não estivessem instaladas e os equipamentos PDA.


17. Não obstante o que não procedeu à entrega de tais bens que tinha na posse e que, por virtude da concretização do exercício do direito de resgate das concessões, passariam a ser detido pelo Município de Valongo.


18. Antes os mantendo na sua disponibilidade uso e integrados no seu património, ciente que com essa sua actuação, causava um prejuízo económico ao Município de Valongo pelo menos equivalente ao valor de € 39.926,15 (trinta e nove mil, novecentos e vinte e seis euros e quinze cêntimos), que veio a ser recolhido do interior dos cofres dos parcómetros.


19. Valor que admitiu como possível encontrar-se depositado naqueles.


20. Com o que se conformou e aceitou, não deixando de actuar como actuou, agindo livre, voluntária e conscientemente.


21. Ciente de tal conduta ser proibida e punida por lei.


(…)


Com relevo para a descoberta da verdade material, mais se demonstrou:


30. Dos cadernos de encargos subjacentes aos contratos de concessão de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada nas freguesias de ... e ... constava, entre o mais, que:


a. “O prazo da concessão de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada (…) será de vinte anos (...)” [ponto 2.1];


b. “Findo o prazo da concessão todo o equipamento instalado reverte para a propriedade da CM de Valongo, sem que o concessionário tenha direito a qualquer indemnização” [ponto 11];


c. “A CM de Valongo reserva-se o direito de resgatar a concessão antes do seu termo (…), a partir de metade do prazo de concessão” [ponto 14.1].


31. O contrato de concessão de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada na freguesia de ... celebrado em 02/03/04 entre a CM de Valongo e a “P..., Lda” passou a integrar um primeiro aditamento datado de 20/11/07.


32. O contrato de concessão de fornecimento, instalação e exploração de parcómetros colectivos nas zonas de estacionamento de duração limitada na freguesia de ... celebrado em 28/08/03 entre a CM de Valongo e a “P..., Lda” passou a integrar um segundo e um terceiro aditamentos datados, respectivamente, de 02/03/04 e de 20/11/07.


33. No âmbito do primeiro aditamento respeitante à freguesia de ... e do quarto aditamento respeitante à freguesia de ..., ambos datados de 20/11/07, acordaram o Município de Valongo e a “P..., Lda”, entre o mais, que:


a. “Desde a assinatura do primeiro aditamento ao contrato de concessão entrou em vigor o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL n.º 18/2008 de 29/01, que veio estabelecer uma nova disciplina para a contratação pública e ao regime substantivo dos contratos administrativos, como sucede com o contrato de concessão de serviços públicos” [ponto IV];


b. “Os outorgantes estão de acordo em adaptar o contrato de concessão à nova legislação em vigor e às novas necessidades de gestão e exploração de concessão” [ponto VI].


34. E que “a concessionária [se obriga] a entregar ao concedente a título de participação sete por cento das receitas brutas da exploração da concessão” [ponto 1 de ambas as cláusulas 2.ª].


35. Em 16/01/20, corriam termos no TAF de ..., entre outros, os seguintes processos que opunham o Município de Valongo e a “P..., Lda”:


a. O processo n.º 426/19.6...: providência cautelar de suspensão da eficácia dos actos administrativos consubstanciados nas deliberações da CM e da AM de Valongo datadas, respectivamente, de 14/02/19 e de 21/02/19;


b. O processo n.º 426/19.6...: acção de impugnação dos actos administrativos consubstanciados nas deliberações da CM e da AM de Valongo datadas, respectivamente, de 14/02/19 e de 21/02/19, que veio a ser apensado ao processo n.º 338/19.3...;


c. O processo n.º 338/19.3...: acção de impugnação dos actos administrativos consubstanciados nas deliberações da CM datadas, de 03/01/19 e de 14/02/19.


36. Em 06/08/19, foi endereçado ao arguido, enquanto legal representante da “P..., Lda”, o ofício n.º ......RH, entre o mais, com o seguinte teor: “na sequência do nosso ofício ....AP de 25/02/19, recebido pela vossa empresa a 27/02/19, notifica-se V. Exa. que o prazo de seis meses a que se refere o n.º 2 do art. 422.º do Código dos Contratos Públicos termina a 27/08/19”; “conforme já referido no ofício supra mencionado, o Município assumirá automaticamente no dia 28/08/19, os direitos e obrigações da «P..., Lda» nas concessões resgatadas”; “assim, e de forma a concretizar a transferência efectiva do objecto das concessões resgatadas, deverá V. Exa. até às 08:30 horas do dia 29/08/19, proceder à entrega junto da D... (…) dos originais e duplicados das chaves de cofre, chaves de porta de manutenção, meios de recolha de moedas e peças que pertençam a máquinas e que por algum motivo não estejam instaladas, devidamente identificados e etiquetados”.


37. Em 26/08/19, foi endereçado ao arguido, enquanto legal representante da “P..., Lda”, o ofício n.º .........19, entre o mais, com o seguinte teor: “nos termos do Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões e do disposto no n.º 7 do art. 422.º do Código dos Contratos Públicos, aplicável por força da cláusula 1.ª, n.º 2, dos contratos de concessão, o resgate determina a reversão de todo o equipamento afecto à concessão para a posse e propriedade do Município, bem como a obrigação de nos entregarem todos os bens abrangidos”; “esta reversão é uma consequência directa e automática do resgate das concessões, conforme consta das deliberações da CM e da AM que o decidiram”.


38. No âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado em 25/06/20 entre a CM de Valongo e a sociedade comercial “S..., DA”, a primeira liquidou à segunda, num valor total de € 80.263,65 (oitenta mil, duzentos e sessenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos):


a. Em 30/12/20, a factura emitida em 30/09/20, na quantia global de € 71.739,75 (setenta e um mil, setecentos e trinta e nove euros e setenta e cinco cêntimos), referente ao fornecimento de chaves de porta de cofre, chaves de porta de manutenção e cassetes de recolha “stelio”;


b. Em 12/02/21, a factura emitida em 24/11/20, na quantia global de € 8.523,90 (oito mil, quinhentos e vinte e três euros e noventa cêntimos), referente ao recondicionamento, colocação em funcionamento “stelio” e instalação na via pública de oitenta e sete parcómetros dotados de bocas de cofre, placas elevatórias de cofre, parafusos do pé, fechaduras de porta de manutenção, gravação de eprom e produção de etiquetas de tarifa.”


No que concerne à apreciação destes factos a seguir se transcreve, integralmente, a decisão - e respetiva fundamentação – do acórdão recorrido:


“IV 1. – Cumpre decidir.


Vem o arguido e recorrente alegar que se verifica a incompetência material do Tribunal a quo, por a sentença recorrida se imiscuir em matéria inserida no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, assim como violação do caso julgado relativo a decisões proferidas nesse âmbito. Alude, desse modo, à questão referente à reversão de bens da concessão identificada nos autos, questão que se revelou decisiva para a formação da convicção quanto à apropriação ilegítima de parte desses bens. Alega que o Tribunal a quo não apenas se imiscuiu nessa matéria, que está arredada dos seus poderes de cognição, como ainda contrariou o decidido a esse respeito no processo cautelar n.º 426/19.6... e no processo principal n.º 338/19.3... (ao qual está apenso esse processo n.º 426/19.6...).


Vejamos.


Não assiste razão ao arguido e recorrente quanto a estes aspetos.


A sentença recorrida não analisa as questões decididas nos referidos processos da jurisdição administrativa, analisa as consequências penais que possam decorrer dessas questões. A análise dessas consequências penais não é, obviamente, matéria a decidir no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, é matéria a decidir no âmbito da jurisdição criminal.


Ao analisar essas consequências penais, haverá certamente que considerar o teor das decisões invocadas pelo arguido e recorrente, como fez a sentença recorrida. Mas não está em causa reapreciá-la. Está em causa saber em que medida esse teor pode, ou não, conduzir à imputação ao arguido e recorrente da prática do crime de abuso de confiança por que vinha acusado.


Deve, assim, ser negado provimento ao recurso quanto a estes aspetos.


IV 2.


Vem o arguido e recorrente alegar que a prova produzida impõe, também â luz do princípio in dubio pro reo, decisão diferente da que foi proferida na sentença recorrida, devendo ele ser absolvido da prática do crime de abuso de confiança por que foi condenado, assim como, em consequência, ser também absolvido do pedido de indemnização civil contra si formulado pelo Município de Valongo.


Alega o arguido e recorrente, fundamentalmente, que a não entrega dos bens solicitados pelo Município de Valongo decorreu da convicção nele suscitada de que tal atuação tinha suporte nas decisões proferidas pelos tribunais administrativos (no processo cautelar n.º 426/19.6... e no processo principal n.º 338/19.3..., ao qual está apenso esse processo n.º 426/19.6...) no que concerne à falta de decisão sobre a reversão dos bens. Essas decisões judiciais, que se debruçaram sobre os atos deliberativos que determinaram o resgate da concessão referenciada nos autos, consideraram que estes atos não dispõem acerca da reversão dos bens afetos à concessão. Por esse motivo, em momento algum representou como possível a ilegalidade da sua atuação, fundando a sua convicção em decisões jurisprudenciais das quais decorre inexistir qualquer ato administrativo relativo à reversão de bens relativos à referida concessão.


Alega, por outro lado, que o Município de Valongo nunca concretizou os acessórios absorvidos pela reversão da concessão, limitando-se a exigir a reversão de todos esses elementos, quando, ao abrigo do n.º 7 do artigo 422.º do Código dos Contratos Públicos, uma tal questão deveria ser tratada por via contratual.


Alega que a sentença recorrida viola os princípios da segurança jurídica e da confiança do cidadão, consignados no artigo 2.º da Constituição.


Vejamos.


Há que apurar, antes de mais, em que termos e em que contexto abordam as decisões judiciais invocadas pelo arguido e recorrente a questão da obrigação de reversão dos bem relativos à concessão em causa, obrigação que é, na verdade, pressuposto da verificação dos elementos do tipo de crime de abuso de confiança por que ele foi condenado. Há que considerar, a este respeito, o seguinte.


No processo n.º 338/19.3... (processo principal, de onde consta a decisão definitiva, junta aos autos, e a que está apenso o processo cautelar n.º 426/19.6...) foi julgada improcedente a ação quanto aos pedidos de declaração de nulidade/anulação da deliberação da Câmara Municipal de Valongo de 14 de fevereiro de 2019, que aprovou a decisão final de exercer o resgate da concessão em causa, e da deliberação da Assembleia Municipal de Valongo de 21 de fevereiro de 2019, que autorizou o exercício desse direito de resgate.


Na fundamentação dessa sentença, são julgadas improcedentes todas as questões suscitadas pela Autora (a sociedade “P..., Lda”, de que o arguido e recorrente é único gerente) como causas da alegada ilegalidade dessas deliberações. Entre essas causas contava-se o erro nos pressupostos quanto à decisão de reversão. A ação foi considerada improcedente quanto a este aspeto porque a decisão de reversão não consta das deliberações em apreço (ver fls. 85 a 89 dessa sentença, onde se reproduz o que, a este respeito, já constava da decisão tomada no processo cautelar n.º 426/19.6...).


No entanto, pode considerar-se, como considerou o Município de Valongo, que da circunstância da deliberação em causa não constar a decisão quanto à reversão não pode retirar-se a conclusão de que não existe tal obrigação de reversão. Essa obrigação de reversão não tinha de constar dessa deliberação, pois ela será consequência automática do resgate, como decorre do Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões (junto aos autos e referido na sentença recorrida) e do disposto no n.º 7 do artigo 422.º do Código dos Contratos Públicos, aplicável por força do n.º 2 da Cláusula 1.º dos Aditamentos aos Contratos de Concessão, celebrados em 22 de dezembro de 2017 (também juntos aos autos e referidos na sentença recorrida),


Do referido Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões consta o seguinte: «Findo o prazo da concessão todo o equipamento instalado reverte para a propriedade da CM de Valongo, sem que o concessionário tenha direito a qualquer indemnização». E do ponto 14.1: «A CM de Valongo reserva-se o direito de resgatar a concessão antes do seu termo (…), a partir de metade do prazo de concessão».


Alega o arguido e recorrente que a reversão de todo o equipamento se compreende quando a concessão chegou ao termo do seu prazo de vinte anos (como decorre explicitamente do citado Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões) e quando será previsível que esteja já amortizado todo o investimento realizado, mas já não quando se dá o resgate antes do termo desse prazo (situação que não está, por isso, comtemplada nesse Caderno de Encargos), numa altura em que, previsivelmente, esse investimento não estará totalmente amortizado.


Alega o arguido e recorrente que do n.º 7 do artigo 422.º do Código dos Contratos Públicos decorre que a reversão não é consequência automática do resgate e que ela supõe uma definição, por via contratual, dos bens a reverter.


Estatui este preceito: «O resgate determina a reversão dos bens do concedente afetos à concessão, bem como a obrigação de o concessionário entregar àquele o bem abrangido, nos termos do contrato, por cláusula de transferência».


Tem algum sentido considerar que deste preceito resulta que a decisão do resgate tem de ser acompanhada de uma explícita decisão de reversão dos bens afetos à concessão (que poderão, ou não, ser todos).


Também tem algum sentido considerar que se justifica uma diferença entre as consequências da cessação da concessão no final do seu prazo e essas consequências quando se verifica o resgate, antes do final desse prazo, quer no que se refere à indemnização (justificar-se-á a sua inexistência na primeira dessas situações, já não necessariamente na segunda dessas situações), quer no que se refere à reversão dos bens afetos à concessão (justificar-se-á que sejam todos na primeira dessas situações, já não necessariamente na segunda dessas situações).


A interpretação do arguido e recorrente destes preceitos, ou seja, que a deliberação do resgate deverá definir os bens a reverter, sendo que, no caso em apreço, do Caderno de Encargos das Concessões não resulta necessariamente que sejam todos os afetos à concessão quando esta termina antes do prazo, tem algum fundamento.


Independentemente da questão de saber qual das duas interpretações em confronto é a mais correta, e mesmo que se considere (ao contrário do que alega o arguido e recorrente) que não é para tal decisivo o teor das decisões judiciais que este invoca (pois elas não abordam diretamente a questão), parece razoável considerar que o arguido atuou convencido (com toda a probabilidade baseado em assessoria jurídica) de que a sua conduta de recusa da entrega dos equipamentos em questão era lícita.


Considerando também o princípio in dubio pro reo, impõe.se concluir que não se provou que o arguido tenha atuado com a consciência da ilicitude da sua conduta, ou mesmo que se tenha conformado com a possibilidade de se verificar essa ilicitude. Não se provou, pois, que, ao contrário do que consta da sentença recorrida, o arguido e recorrente tenha atuado com dolo eventual.


Devem, assim, ser considerados não provados os factos descritos no elenco dos factos provados da sentença recorrida sob os números 5, 7 e 16 a 21, assim como na segunda parte do número 6 («(…) sabendo o arguido impender sobre a mencionada sociedade a obrigação de entrega de todo o equipamento afecto às concessões, o qual passaria a ser detido pelo Município de Valongo»).


Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso quanto a este aspeto, devendo o arguido e recorrente ser absolvido da prática do crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, b) do Código Penal, por que vinha acusado, assim como, consequentemente, do pedido de indemnização civil contra ele formulado pelo Município de Valongo.


Fica prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas pelo arguido e recorrente.”


B.4. O Direito


B.4.1. Introdução


O cometimento de um crime, para além de ofender bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal, pode causar lesão em direitos civis, patrimoniais e não patrimoniais, que merecem a tutela do ordenamento jurídico.


Perante esta realidade e como refere Germano Marques da Silva3 , vários são os sistemas jurídicos admissíveis para fazer valer a responsabilidade civil “variando entre um sistema de identidade, em que não há qualquer discriminação processual, um sistema de absoluta independência, em que, para qualquer de ambos os tipos de responsabilidade, se seguem processos autónomos, ou um sistema de interdependência. É este último o sistema seguido na nossa lei.”


Com efeito, o artigo 71º do Código de Processo Penal consagra o princípio da adesão, nos seguintes termos “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”


Como se refere Henrique Gaspar4 “(e)m favor do princípio da adesão apontam-se razões práticas de economia processual radicadas logo na própria natureza consequencialmente complexa do facto material que dá origem a ambas as ações: o princípio de economia processual exigirá que o mesmo tribunal e no mesmo processo decida sobre os danos originados pelo mesmo facto, ainda que em eventualmente ocorra a decisão absolutória sobre os efeitos penais.


Também, de outro modo, a adesão constitui um mecanismo processual apto a promover o resultado de uniformização de julgados, adequar-se-á à ideia de maior rapidez de decisão sobre a reparação devida pelo crime quando em confronto com as puras regras próprias do processo civil, e ainda com as vantagens que possam resultar da própria cooperação dada, em função ou por força de interesses privados, ao processo penal”


Nuno Alexandre Pires Salpico5 vai mais longe ao escrever o seguinte: “A inclusão da reparação dos danos no âmbito do processo penal traz consigo um conjunto de vantagens: em geral, facilita a obtenção da reparação dos danos sofridos pela vítima: a possibilidade de diminuição da pena em consequência da reparação do dano confere incentivos ao autor do facto para realizá-la; sobretudo propicia ao delinquente a via mais ajustada para a sua reintegração através da reparação do “mal” cometido, aproximando-o do Direito, atingindo os fins da pena; e, finalmente, facilita a aproximação de uma maior eficiência na administração da justiça. Se o agente do delito, com a reparação dos danos que provocou, percorre parte importante do caminho desejado pela pena, a cominação desta, implicaria uma dosimetria menor e mais adequada.


Conforme refere Jorge Ribeiro de Faria6 é isto mesmo que faz da indemnização uma pena, é que, no seu cumprimento, vai contido um sinal inequívoco de respeito pelo ordenamento normativo como um todo, e, nessa medida, satisfeita a prevenção geral positiva, como por outro lado, se dá conta assim, ou desse modo, da ressocialização que esse cumprimento indicia e, por isso, da desnecessidade de poder vir a contar ou ter de empregar um outro castigo para o cumpridor da indenização”. A reparação dos danos satisfaz componentes das finalidades tanto preventivas como integrativas do direito penal (…) com a reparação dos danos operada no quadro penal, mais do que um reforço da eficácia das normas jurídicas, restaura-se a confiança das vítimas e da comunidade nos tribunais, enquanto verdadeiras instâncias de remédios (como acreditavam os romanos) e autênticos templos da realização do bom e do justo. (…) O cumprimento da reparação de danos pelo agente está sujeito a um olhar ou percepção da comunidade muito mais favorável do que o cumprimento das sanções tipicamente penais, assim diminuindo a eficácia de estereótipos negativos sobre o agente. Nesta medida a reparação promove a ressocialização do agente e permite a concertação entre a vítima e o autor.”


Entretanto e face ao exposto, o pedido de indemnização que pode ser apreciado no âmbito de um processo penal é o que se funda, exclusivamente, em responsabilidade extracontratual por facto ilícito e, já não, a que, designadamente, decorrer de responsabilidade contratual.


Com efeito, este tem sido, desde longa data, o entendimento pacífico na nossa doutrina e jurisprudência que, em Acórdão de fixação de jurisprudência,7 decidiu o seguinte:


“Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377º, nº 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil, se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.”


Mais recentemente este mesmo Alto Tribunal decidiu que:


“Por força desta norma legal (artigo 71º do CPP) e da que se lhe segue, a causa de pedir na ação cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual (pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual) e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual o enriquecimento sem causa.”8


Finalmente, importa referir que, como se sabe, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. 9


Com efeito dispõe o artigo 483º do Código Civil que:


Artigo 483.º


(Princípio geral)


“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.


2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”


B.4.2. O caso concreto


No caso em apreço, o facto ilícito apontado ao arguido consiste na alegada violação do direito do recorrente a receber, do arguido, todo o equipamento de que a “P..., Lda” (da qual o arguido era o único sócio gerente) dispusesse, afeto às concessões que o Município tinha contratualizado com aquele, em 2 de fevereiro de 2004 e em 28 de agosto de 2003, para fornecimento , instalação e exploração de parcómetros coletivos nas zonas de estacionamento de duração limitada nas freguesias de ... e de ... e pelo prazo de 20 anos.


E esse direito decorreria do facto de, respetivamente em 14 de fevereiro e em 21 de fevereiro de 2019, a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal de Valongo terem deliberado, respetivamente, aprovar e autorizar a decisão de exercer o direito de resgate referente às aludidas concessões, o qual foi exercido em 28 de agosto de 2019.


Defendendo o recorrente que o aludido resgate implicou a reversão de todo o equipamento, de que a “P..., Lda” dispunha afeto às concessões, para a posse do Município de Valongo.


Aliás, o crime de abuso de confiança - pelo qual o arguido foi acusado, julgado e condenado em primeira instância e, subsequentemente, absolvido pelo acórdão recorrido - também se fundava na violação desse dever de devolução do aludido equipamento.


Contudo, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto deu como não provados os factos que consubstanciavam a violação desse dever.


Com efeito, foram dados como não provados os seguintes factos:


“5. Tendo aquele exercício do direito de resgate determinado, nos termos do Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões e do disposto no n.º 7 do art. 422.º do Código dos Contratos Públicos, aplicável por força do n.º 2 da Cláusula 1.º dos Aditamentos aos Contratos de Concessão, celebrados em 22/12/17, a reversão de todo o equipamento de que a “P..., Lda” dispusesse afecto às concessões para a posse do Município de Valongo.


6. (…) sabendo o arguido impender sobre a mencionada sociedade a obrigação de entrega de todo o equipamento afecto às concessões, o qual passaria a ser detido pelo Município de Valongo.


7. No seu âmbito se incluindo os originais e duplicados das chaves de cofre, chaves de porta de manutenção, meios de recolha de moedas e peças que pertençam a máquinas e que por algum motivo não estejam instaladas, assim como os equipamentos PDA, utilizados para verificar se os utentes das zonas de estacionamento de duração limitada pagaram a respectiva taxa através de plataformas informáticas.”


E, para justificar essa alteração relativa á matéria de facto, o Tribunal da Relação do Porto consignou o seguinte:


“Do referido Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões consta o seguinte: «Findo o prazo da concessão todo o equipamento instalado reverte para a propriedade da CM de Valongo, sem que o concessionário tenha direito a qualquer indemnização». E do ponto 14.1: «A CM de Valongo reserva-se o direito de resgatar a concessão antes do seu termo (…), a partir de metade do prazo de concessão».


Alega o arguido e recorrente que a reversão de todo o equipamento se compreende quando a concessão chegou ao termo do seu prazo de vinte anos (como decorre explicitamente do citado Ponto 11 do Caderno de Encargos das Concessões) e quando será previsível que esteja já amortizado todo o investimento realizado, mas já não quando se dá o resgate antes do termo desse prazo (situação que não está, por isso, comtemplada nesse Caderno de Encargos), numa altura em que, previsivelmente, esse investimento não estará totalmente amortizado.


Alega o arguido e recorrente que do n.º 7 do artigo 422.º do Código dos Contratos Públicos decorre que a reversão não é consequência automática do resgate e que ela supõe uma definição, por via contratual, dos bens a reverter.


Estatui este preceito: «O resgate determina a reversão dos bens do concedente afetos à concessão, bem como a obrigação de o concessionário entregar àquele o bem abrangido, nos termos do contrato, por cláusula de transferência».


Tem algum sentido considerar que deste preceito resulta que a decisão do resgate tem de ser acompanhada de uma explícita decisão de reversão dos bens afetos à concessão (que poderão, ou não, ser todos).


Também tem algum sentido considerar que se justifica uma diferença entre as consequências da cessação da concessão no final do seu prazo e essas consequências quando se verifica o resgate, antes do final desse prazo, quer no que se refere à indemnização (justificar-se-á a sua inexistência na primeira dessas situações, já não necessariamente na segunda dessas situações), quer no que se refere à reversão dos bens afetos à concessão (justificar-se-á que sejam todos na primeira dessas situações, já não necessariamente na segunda dessas situações).


A interpretação do arguido e recorrente destes preceitos, ou seja, que a deliberação do resgate deverá definir os bens a reverter, sendo que, no caso em apreço, do Caderno de Encargos das Concessões não resulta necessariamente que sejam todos os afetos à concessão quando esta termina antes do prazo, tem algum fundamento.”


Ou seja, desde logo não foi dado como provado que, do resgate efetuado pelo Município de Valongo, decorria a reversão dos bens que o recorrente entende que o arguido tinha a obrigação de entregar.


Expondo a mesma realidade de outra forma, não ficou provado que o Município de Valongo tinha direito à aludida entrega. Ora, não tendo sido dado como provado a existência de tal direito, não é possível afirmar que, através da não entrega, o arguido violou ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.


Face a todo o exposto, conclui-se não ter sido dada como provada matéria de facto que permita concluir que o arguido praticou um ato ilícito, sendo que a existência deste é um pressuposto imprescindível para que se possa considerar existir responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.


Assim, não cabendo a este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a matéria de facto dada como provada e sem necessidade de outras considerações, perde fundamento o pedido de indemnização cível apresentado pelo Recorrente.


Uma última nota para consignar que, pelas razões acima expostas e, também, por nos encontrarmos no âmbito de um contrato de concessão entre um ente público e um particular, não cabe a este Alto Tribunal emitir posição em sede de responsabilidade contratual, para a qual, aliás, se entende serem competentes os Tribunais Administrativos.


Termos em que se considera não merecer censura o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, julgando-se o recurso improcedente.

C – Decisão

Por todo o exposto, decide-se não conceder provimento ao recurso interposto pelo Município de Valongo.


Vai ainda o recorrente condenado em custas, nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil – aplicável ex vi artigo 523 do Código de Processo Penal -, com taxa de justiça a fixar nos termos do artigo 6º, nº 2 do Regulamento das Custas Judiciais e em função da total sucumbência.


Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada


(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)


Celso Manata (Relator)


Vasques Osório (1º Adjunto)


Jorge Bravo (2º Adjunto)


________________________________________

1. Não se transcrevem as conclusões sobre a medida da pena, dado que o presente recurso apenas foi aceite no que tange à vertente cível↩︎

2. Aliás, a esse propósito, decidiu o Ac. do STJ de 25 de fevereiro de 2009 – Proc 390/09 (in www.dgsi.pt) que: “O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal segue as regras do processo penal, atento o princípio da adesão (cfr. arts. 71º e ss. do CPP), embora a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime seja regulada pela lei civil – art. 129º do CP – quantitativamente e nos seus pressupostos.”↩︎

3. Curso de Processo Penal I, pág. 79↩︎

4. Código de Processo Penal Comentado” de Henriques Gaspar e outros, pág. 255.↩︎

5. Indemnização “Própria” e “Imprópria” em Processo Penal” págs.22 e ss.↩︎

6. “Ainda a indemnização do lesado por crime”, in Separata de Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 410.↩︎

7. Ac. do STJ de 17 de junho de 1999 – Proc. 98P993 in D. R. I Série-A de 3 de agosto de 1999, pág. 5016.↩︎

8. Ac. do STJ de 12 de novembro de 2009 – proc. 448/06.7TCLSB.S1 IN www.dgsi.pt↩︎

9. Almeida Costa, “Obrigações”, 4º edição, pág. 364↩︎