Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
168/05.0TVVC-N.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: CASO JULGADO
INSTRUÇÃO DO PROCESSO
ERRO
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
DUPLICAÇÃO DE RECURSOS
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDER A REVISTA E REENVIAR OS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I - A noção de caso julgado pressupõe, de acordo com o disposto no artigo 580º, nº 1, do CPC, a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido já decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

II - O caso julgado visa, pois, obstar a decisões concretamente incompatíveis e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC.  

III – Existe violação do caso julgado quando o Tribunal da Relação, por erro na instrução do processo, decide, num recurso em separado, questão já decidida definitivamente no processo principal.

Decisão Texto Integral:
           

            Processo n.º 168/05.0TVVC-N.E1.S1

           

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

           

            I – Relatório

            1. Nos presentes autos de inabilitação, por anomalia psíquica, de AA, entretanto, falecido, em que é requerente BB, veio esta interpor recurso de revista do acórdão da Relação de Évora, de 14-07-2020, que confirmou a decisão singular de 23 de janeiro de 2020, proferida pelo mesmo tribunal.

            Ambas as decisões identificaram como objeto do recurso de apelação o despacho de 11 de julho de 2017, que, por sua vez, confirmou outro despacho (9 de junho de 2017), que notificava a autora, agora recorrente, para alegar e provar os requisitos da superveniência subjetiva para o efeito de decidir da admissibilidade de um articulado superveniente.

            Na decisão singular de 23-01-2020 afirma-se“Assim sendo os presentes autos de recurso tem como objecto apenas o referido despacho de 11 de julho de 2017”

            O Tribunal da Relação de Évora, no acórdão agora recorrido, por sua vez, entendeu o seguinte:

            «É, pois, inquestionável, no critério desta Relação, que a eventual procedência do recurso interposto do acima transcrito despacho de 11 de julho de 2017 - objeto dos presentes autos de recurso em separado -, não conduz à aceitação do articulado superveniente em causa, como pretende a recorrente BB.
    Esta sua pretensão deverá resultar, apenas, do mérito do recurso do despacho que rejeitou o articulado superveniente de 2017, admitido para subir nos próprios autos.
    Ignora-se se este recurso foi já decidido, por esta Relação - bem como da decisão final (fls. 285) -, o que compete à referenciada averiguar, requerendo, se for caso disso, em sede própria, o que entender pertinente.

     Ou seja: o conhecimento do mérito ou demérito do despacho que rejeitou o articulado superveniente de 2017, deverá ser objeto de decisão no âmbito do recurso interposto posteriormente ao dos presentes autos, pelo que não faz sentido aludir a violação de princípios constitucionais, quando, ao fim o ao cabo, se relegou o conhecimento da questão para o julgamento do recurso interposto, expressamente, da rejeição do articulado superveniente em causa.
     Pelo exposto, decidem os juízes que constituem o Tribunal Coletivo confirmar o despacho reclamado».

            2. Notificada deste acórdão, vem a recorrente, BB, interpor recurso de revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:

«1. O Artº 153.º nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção do Artº 15-A do Dec-Lei 20/2020 de 1/5, é Inconstitucional, porque permite que o Acórdão de 14-7-2020, não seja assinado pelo Tribunal Colectivo e permite ainda que não exista uma declaração formal de escrita do Exmo. Juiz Relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.

2. A alteração, súbita em 1 de Maio de 2020, do Artº 153.º nº 1 do C.P. Civil, por mero Decreto-Lei 20/2020, sem autorização legislativa da A.R. da Lei 41/2013, de 26 de junho gera a Inconstitucionalidade, por meras razões de saúde publica no âmbito das medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19, é alterado uma Lei por Dec-Lei e por isso existe INCONSTITUCIONALIDADE ORGANICA nos termos do Artº 165, nº 1, b) da C.R.Portuguesa.

3. As razões de saúde púbica invocadas no Dec-Lei 20/2020 não são compatíveis com o discurso de modernização da justiça e a existência de assinaturas electrónicas digitais, que podem ser apostas remotamente e sem necessidade de deslocação aos Tribunais superiores pelos Senhores Drs. Juízes Desembargadores, pelo que a justificação dada no Decreto-Lei, é também materialmente INCONSTITUCIONAL, pois enfraquece a garantia de decisão colegial prevista no Artº 652 nº 3 do C.P.Civil, violando portanto a garantia constitucional de uma decisão proferida pelo Juiz natural.

4.Resulta dos factos provados e aditados em A.g e A.h do Acórdão recorrido que os presentes autos deveriam constituir o último recurso que se encontra por julgar no autos nº 168/05.0TBVVC, mas foram remetidos para o Venerando Tribunal da Relação de Évora em 16-4-2019 em conjunto com o recurso da decisão final e instruídos com certidões erróneas passadas pela secção de processos que não contemplam,    nem    o    despacho    recorrido    que    é    uma    decisão    de    indeferimento    do articulado superveniente proferida em 29 de Janeiro de 2019, nem as alegações de recurso da Recorrente apresentadas em 18-2-2019 com a Refª citius nº 3159591 que sempre foram peças obrigatórias em qualquer recurso.

5. As certidões emitidas pela Secção, não cumpriram o despacho da 1ª Instância e, lançaram a desordem a incerteza e a confusão nos presentes autos de recurso, levando ao desfecho insólito da violação do caso julgado no Acórdão de 6 de Dezembro de 2018 e da decisão singular deste Tribunal da Relação de 22-5-2019 a fls. 285.

6. Os erros e omissões de actos praticados pela secretaria judicial não podem em qualquer caso prejudicar as partes, e no caso concreto o erro foi praticado pela Secção de Processos da 1º Instância, apesar das arguições de Nulidade da recorrente, levou à prolação do Acórdão recorrido que insiste que o objecto de recurso é um despacho de 11 de Julho de 2017, que já foi julgado em definitivo o que viola o Artº 620 do CPC.

7. O Acórdão recorrido viola o caso julgado, não obstante os sucessivos requerimentos e reclamações apresentados pela recorrente especialmente em 7-2-2020 e em 18-11-2019, que não foram impugnadas pela parte contrária, mas o Tribunal da Relação insista em decidir um recurso com base em 8 certidões caóticas e desordenadas, e com base em alegações antigas e já julgadas que levaram à violação do caso julgado

8. Nem se diga, que a recorrente é responsável pela violação do caso julgado, quando tentou, sem sucesso, à apensação do presente recurso aos autos de recurso principal, que subiram nos próprios autos e onde facilmente se poderia constatar que o presente recurso é o único que falta julgar após o recurso da decisão final de fls. 285.

9. O Acórdão de 14-7-2020, que analisa um recurso de uma decisão 11-7-2017 (já julgada em 6-12-2018 pelo Tribunal da Relação de Évora), viola as seguintes regras:

a) a regra da extinção do poder jurisdicional (Artº 613 do CPC) ao pretender

julgar novamente o despacho de 11-7-2017;

b) e     viola     o  caso  julgado  formado  no  Acórdão  de  6-12.2018  e  na  decisão singular de 22-5-2020 ,(Artºs 620º,621º, 625 do CPC);

c) viola   também   o   Artº   635   CPC   que   determina   que   são   as  alegações   das partes que delimitam o objecto do recurso;

10. Trata-se de violação de caso julgado, originado por emissão errónea da certidão judicial, decorrente de lapso na instrução da certidão para o recurso subir em separado, tais erros não podem prejudicar o recorrente, nem violar o caso julgado, conforme prescrevem os Artºs 157 nº 5 e 6   e    Artºs 613º, 620º,621º, 625 todos do CPC.

11. É com perplexidade que se lê no Acórdão de 14-7-2020 que a recorrente veio recorrer do despacho do despacho lavrado a 11 de julho de 2017- o que indeferiu o pedido de “cabal esclarecimento do despacho de 9-6-2017, pugnando, pela sua revogação e substituição por um outro que “admita o articulado superveniente, quando esse e o objecto do recurso referido em A.g e A. h. dos factos assentes.

12. As reclamações, arguições de nulidade de e pedidos de rectificação da certidão solicitação de tramitação conjunta do presente recurso com o recurso da decisão final, foram ignoradas pelo Tribunal da Relação de Évora que apreciou um recurso já julgado e proferiu Acórdão em violação do caso julgado formado em 6 de Dezembro de 2018 e da matéria de facto da decisão singular da mesma Relação de Évora de 22 de Maio de 2019, não tendo ordenado à 1ª instância que remetesse o recurso que realmente foi interposto, pois nem sequer menciona quais as alegações da recorrente que foram apreciadas.

13. O Acórdão recorrido, proferido em 14-7-2020, ao apreciar novamente o despacho   de   11   de   Julho   de   2017,   na   decisão   singular   e   no       exame   preliminar   do relator/recurso interposto como objecto do presente recurso viola o caso julgado formado no Tribunal da Relação de Évora proferido em 6 de Dezembro de 2018 cuja cópia já se juntou em no requerimento de 7 de Fevereiro de 2020 e viola também a decisão de fls. 285.

14. O Acórdão recorrido violou o objecto do recurso, pois a Recorrente fez constar que as certidões são ineptas para a tramitação do recurso, mas que estranhamente, tais requerimentos não impediram a marcha processual com o resultado que está à vista, a prolação de Acórdão de 14-7-2020 que viola caso julgado formado no Acórdão de 6-12-2018 e a matéria provada na decisão de fls. 285.

15. Com os factos provados em A.g e A.h., o Acórdão de 14-7-2020 é contraditório com os factos provados, e viola o artº 635 CPC, ao considerar que são três os recursos interpostos sem averiguar do transito em julgado.

16. O Acórdão impugnado entra em contradição com matéria provada em A.g. da pág. 3, ao considerar que o recurso a apreciar nestes autos é o recurso do despacho proferido a 11 de Julho de 2017, e que os presentes autos têm, apenas, como objecto o referido despacho de 11 de Julho de 2017, quando é flagrante que o despacho de 11-7-2017 já foi julgado e agora está pendente apenas o recurso de 18 de Fevereiro de 2019 com o mesmo objecto. (Cfr. fls 285).

17. O Acórdão de 14/7/2020 é ininteligível, pois os factos dados como provados estão em contradição com a decisão final e não pode haver dois despachos impugnados sobre o indeferimento do articulado superveniente de 19-4-2017, nem dois recursos com o mesmo objecto, pelo que o Tribunal da Relação deveria averiguado com pedido certidões ou mesmo pedido o processo na totalidade antes de proferir o Acórdão recorrido.

18. O Acórdão é NULO, porque o Tribunal está obrigado a proferir uma decisão nos termos do Art° 8º do Código Civil e não a recusar-se tomar conhecimento de um recurso ignorando que o mesmo já foi decidido e nem sequer manda subir os autos com o recurso que se encontra por julgar e desconhecer que só este pode ser o objecto dos presentes autos e porque está provado em a.h. dos factos provados na pág. 3, que é único o recurso que falta julgar.

19. Sem prejuízo dos vícios do Acórdão de 14-7-2020, já indicados, o mesmo ainda revela que a conjugação das normas dos Art° 588 n° 2, e 611, 613, 614, e 904° (do antigo CPC anterior à Lei 49/2018) com as normas dos Art° 652° n° 1, ai. h) e 655° n° 1 do CPC, são INCONSTITUCIONAIS, por violação do princípio constitucional da protecção da confiança e da segurança jurídica contidos no princípio do Estado de Direito Democrático (cfr. art. 2.° da CRP) a ainda do principio da igualdade e direito ao recurso e à realização e acesso à Justiça previstas nos Artº 2º, 13° e Art0 20 n° 4 da CR.Portuguesa.

20. Na decisão recorrida o Acórdão de 14-7-2020, utilizou a Lei antiga e violou todas as directrizes da Lei n° 49/2018 de 14 de Agosto, que criou o regime jurídico do maior acompanhado e eliminou os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 47 344, de 25 de Novembro de 1966 e ignorou a vigência da mesma e a sua aplicação imediata ao processo pendente, nomeadamente em matéria de celeridade.

VI - NORMAS VIOLADAS: Art. 588 n° 2, e 611, 613, 614, e 904° (do antigo CPC anterior à Lei 49/2018, Art. 3º, 153 n° 1, 157 n° 6, Art°s 613°,615 n° 3, 620°,621°, 625°,628°, 629° n° 2 a), 635°,652° n° 1 ai. d) e 3 todos do CPC.

Art°s 13°, 20°, 32° 165 n° 1 ai. b) da CR. Portuguesa;

Artº 8º 368º do Código Civil  e Artº 1º, 2º e 3º  da Lei  nº 49/2018 que se indica como Lei substantiva violada.

Termos em que deve ser revogado o Acórdão de 14-7-2020 e ser ordenado ao Tribunal da Relação que respeite o caso julgado e aprecie o único recurso que ainda se encontra pendente, e se for o caso, sendo ordenada a baixa do processo à primeira instancia para correcta instrução do recurso, ou então que seja ordenada a subida do recurso nos próprios autos, para que sejam respeitados as decisões já transitadas em julgado.»

     3. Sabido que o objeto do recurso se delimita, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:

1) Nulidade do acórdão por falta de assinaturas dos Adjuntos e inconstitucionalidade material e orgânica do artigo 153.º, n.º 1, do CPC, na redação introduzida pelo artigo 15.º-A do DL 20/20, de 1 de maio;

2)   Erro quanto ao objeto do recurso por ter incidido sobre um despacho de 11-07-2017 já julgado em definitivo (por erro na instrução do processo instruído, faltam no presente processo o despacho recorrido, de 29-01-2019, que rejeitou os articulados supervenientes, e as alegações da recorrente, de 18-02-2019);

3) Violação da regra da extinção do poder jurisdicional (artigo 613.º do CPC) ao pretender julgar novamente o despacho de 11-7-2017

4) Violação   do artigo   635.º  do CPC, que   determina   que   são   as  alegações  das partes que delimitam o objeto do recurso;

5) Violação do caso julgado constante do Acórdão de 6 de dezembro de 2018 e da decisão singular deste Tribunal da Relação de 22 de maio de 2019 a fls. 285;

6) Nulidade do acórdão por ininteligibilidade e contradição entre os factos provados e a decisão final;

7) Nulidade do acórdão por violação do artigo 8.º do Código Civil;

8) Inconstitucionalidade das normas dos artigos 588º, n° 2, 611º, 613º, 614º, e 904° (do antigo CPC anterior à Lei 49/2018) conjugadas com as normas dos artigos 652°, n.° 1, al. h) e 655.°, n° 1, do CPC, por violação do princípio constitucional da proteção da confiança e da segurança jurídica contidos no princípio do Estado de Direito Democrático (cfr. artigo 2.° da CRP) a ainda do princípio da igualdade e do direito ao recurso e à realização e acesso à Justiça previstas nos artigos 2º, 13° e 20, n° 4, da CRP.

9) Violação das diretrizes da Lei n° 49/2018, de 14 de agosto, que criou o regime jurídico do maior acompanhado e eliminou os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil, e dos princípios da aplicação imediata ao processo pendente, e  da celeridade.

 

4. Admite-se o recurso, por ter sido invocado a ofensa do caso julgado, um dos casos em que o recurso de revista, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, é sempre admissível.

Em princípio, o recurso de revista não seria admissível, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, pelo facto de a decisão recorrida ser uma decisão interlocutória que incide sobre a relação processual e não põe termo ao processo.

 Contudo, apesar da verificação destes condicionalismos que inviabilizariam a admissão do recurso de revista, in casu deve ser admitido, mas  apenas quanto à questão da violação do caso julgado, por força do disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. a) e 671.º, nº 2 al. a), do CPC, dispondo aquele que, “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso”, “com fundamento… na ofensa do caso julgado” e dispondo este que, “Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias  que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: - Nos casos em que o recurso é sempre admissível”.

Apenas quanto a esta questão – caso julgado – excluindo-se as restantes, pois, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal, “Sendo o recurso de admitir ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC – nomeadamente com fundamento na ofensa de caso julgado –, o seu objeto fica limitado à apreciação da impugnação que esteve na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões” (cf. Acórdão de 22-11-2018, Revista n.º 408/16.0T8CTB.C1.S1, 2.ª Secção; Acórdão de 29-01-2019, Revista n.º 215/16.0T8VPA.G1.S2 - 1.ª Secção; Acórdão de 30-06-2020, Proc. n.º 8063/07.1TBCSC-E.L1.S1 – 1.ª Secção).    

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação de facto

  

O Tribunal da Relação de Évora fixou a seguinte factualidade acerca da tramitação destes autos:

«A- Os factos

A.a - Nos presentes autos de inabilitação, por anomalia psíquica de AA, entretanto, falecido, em que é requerente BB, apresentou esta, em 19 de abril de 2017, um "articulado superveniente com meios de prova", requerendo, a final, "que seja admitido o presente articulado superveniente nos termos dos Art° 588 e 611 do NCPC e notificada a contraparte e aberta vista ao Ministério Público, dado o interesse público do instituto da interdição e para exercerem o contraditório" e, "admitido o prosseguimento da ação, nos termos do Art° 904 do NCPC, para averiguação dos factos alegados no presente articulado" e, ainda, "ordenadas as diligências de prova, extremamente importantes e impostas pelo princípio da atualidade e o disposto no Art° 611 do NCPC. para a descoberta da verdade material dado o manifesto interesse público do processo, por se tratar de interdição nos termos do Art° 904 do NCPC." (fls. 146 a 163 dos presentes autos);

A.b - Após ter sido ordenada, em 21 de abril de 2017, a notificação "da contraparte e do Ministério Público para responderem" (fls. 165 e 166 dos presentes autos) proferiu o Tribunal recorrido, em 9 de junho de 2017, o seguinte despacho:

"De acordo com o disposto no art. 588°., n° 2 in fine do Código de Processo Civil, quando é alegada superveniência subjetiva deve produzir-se prova dessa superveniência.

Assim, e antes do mais, notifique a Autora para, no prazo de 10 dias, vir requerer e/ou informar do que tiver por conveniente, designadamente, se do requerimento probatório que efetuou no final do articulado em causa, faz parte algum meio de prova que tenha esse escopo.

Notifique." (fls. 174 dos presentes autos)

A.c - Notificada a requerente BB do despacho antes mencionado, veio requerer, em 22 de junho de 2017, "nos termos dos Art° 588° n° 1 a 3 ai. b do N.C.P. Civil, e Art° 611 n° 1 a 3 e Art° 613 e 614 todos do N.C.P. Civil" o "cabal esclarecimento do despacho de 9-6-2017, nomeadamente a fundamentação legal do mesmo e ainda: a) que seja admitido o presente articulado superveniente nos termos dos Art° 588 e 611 do NCPC e notificada a contraparte e aberta vista ao Ministério Público, dado o interesse público do instituto da interdição e para exercerem o contraditório; b) que seja admitido o prosseguimento da ação, nos termos do Art° 904 do NPC, para averiguação dos factos alegados no presente articulado"; c) que sejam ordenadas as diligências de prova, extremamente importantes e impostas pelo princípio da atualidade e o disposto no Art° 611 do NCPC. para a descoberta da verdade material dado o manifesto interesse público do processo, por se tratar de interdição nos termos do Art° 904 do NCPC; d) Reiteram-se as testemunhas arroladas e restantes meios de prova." (fls. 176 a 180 dos presentes autos)

A.d - O Tribunal recorrido, em 11 de julho de 2017, indeferiu o pedido de "cabal esclarecimento do despacho de 9-6-2017", com fundamento "em falta de fundamento legal", mantendo "o despacho em causa" (fls. 181 e 182 dos presentes autos).

A.e - Inconformada com este último despacho, recorreu, em 15 de setembro de 2017, a requerente BB, pugnando pela revogação do "despacho recorrido de 11-7-2017, notificado às partes em 13-7-2017", sendo "substituído por outro que admita o articulado superveniente." (fls. 185 a 191 dos presentes autos)

A.f - Este recurso foi admitido por despacho proferido a 9 de novembro de 2017, como o seguinte teor:

"Fls. 2269-2284

BB, aqui recorrente, veio intentar recurso do despacho proferido nestes autos, datado de 11.07.2017 (ref 26862416).

Por estar em tempo, ter legitimidade, e a decisão ser suscetível de recurso - arts. 629°., n° 1, 631°., n° 1, e 638°. n° 1, todos do CPC - admite-se o recurso de apelação interposto, que sobe em separado, e com subida diferida para momento de (eventual) interposição de recurso que venha a ser interposto da decisão final - art. 644°., n°. 3 e 645°., n° 2, ambos do CPC.

Notifique." (fls. 192 verso dos presentes autos)

Na sequência do despacho desta Relação de 30 de outubro de 2019 e dos documentos, juntos com o requerimento da recorrente/requerente BB, a rotulá-lo de nulo, é possível aditar aos factos antes mencionados mais os seguintes:

A.g - Por despacho de 29 de janeiro de 2019, o Tribunal recorrido não admitiu o articulado superveniente apresentado em 19 de abril de 2017 (fls. 264 a 266 dos presentes autos)

A.h - Em 18 de fevereiro de 2019, a dita recorrente/requerente recorreu do despacho antes referido, que foi admitido, por despacho de 4 de abril de 2019, com o seguinte teor: "Por estar em tempo, ter legitimidade, e o despacho de fls. 2573-2575 ser suscetível de recurso - arte. 629°., n ° 1, 631°., n° 1, e 638°.,n° 1, todos do CPC - admite-se o recurso interposto a fls. 2609- 2620 (do despacho que não admitiu o articulado superveniente), que é de apelação, sobe nos próprios autos e tem efeito devolutivo -art. 644°., n° 1, al. a) e 647°, n° 1, todos do CPC." (fls. 284 dos presentes autos)

A.i - Em 4 de abril de 2019, foi, também, proferido um outro despacho a admitir um recurso, com o seguinte conteúdo:

"Por estar em tempo, ter legitimidade, e a decisão final proferida nestes autos ser suscetível de recurso - arte. 629°., n ° 1, 631°., n° 1, e 638°, n°1, todos do CPC - admite-se o recurso interposto (acompanhado nos recursos retidos nestes autos), que é de apelação, sobe nos próprios autos e tem efeito devolutivo - arts. 644°., n° 1, ai. a) e 647°., n° 1, todos do CPC. Oportunamente subam os autos ao (...) Tribunal da Relação de Évora para apreciação do recurso interposto. Notifique." (fls. 285 dos presentes autos)».

 

III– Fundamentação de direito

1. Nos presentes autos – um recurso de apelação em separado – o processo foi instruído, em 09-04-2019, conforme declaração do tribunal de 1.ª instância, com a sentença, despacho recorrido, alegações de recurso, despacho que admite o recurso e cópia de todo o processado de 1-07-2014 a 06-09-2017.

Alega a recorrente que os presentes autos foram remetidos para o Tribunal da Relação de Évora em 16-4-2019, em conjunto com o recurso da decisão final, e instruídos com certidões erróneas passadas pela secção de processos que não contemplam, nem o despacho recorrido, que é uma decisão de indeferimento do articulado superveniente, datada de 29-01-2019, nem as alegações de recurso da Recorrente apresentadas em 18-2-2019 com a Refª citius nº 3159591 (documento n.º 4 junto ao processo por requerimento apresentado pela recorrente).

No documento n.º 4, que corresponde às citadas alegações de 18-02-2019, a apelante impugna o despacho de 29-01-2019, que lhe negou a apresentação do articulado superveniente, terminando assim as suas conclusões:

«Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita o articulado superveniente e designe data para julgamento dos meios de prova testemunhal arrolados no mesmo e se for o caso, para prova da superveniência dos factos. Mais requer a subida nos próprios autos com o recurso da decisão final».

Os citados despachos e decisões foram proferidos numa ação de inabilitação, que dura há 14 anos, tendo o requerido falecido na pendência da causa e pretendendo a recorrente, que alega ser a sua única herdeira, prosseguir com a ação depois do falecimento do marido.

Por decisão sumária do Tribunal da Relação de Évora, já transitada em julgado, de 22 de maio de 2019, que a autora/recorrente juntou a estes autos, foi revogada a decisão do Tribunal de Vila Viçosa, de 11-02-2019, que decidiu “Declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos das disposições conjugadas dos arts 1º e 26º, nº 1 nº 2 da Lei nº 49/2018 de 14/08, e dos arts 904º n.º 1e 277º, al. e), ambos do CPC”, e ordenou-se o prosseguimento do processo. Nesta decisão dá-se por provado que:

«22. (…)a requerente apresentou reclamação do despacho de 26 de Abril de 2018, que, entre outras questões, suscitou a questão da omissão de despacho sobre a admissão de articulado superveniente por si intentado a 19 de Abril de 2017;

23. Por decisão sumária do Tribunal da Relação de Évora de 6 de Dezembro de 2018, foi ordenado a apreciação do articulado superveniente intentado pela requerente, por considerar que sobre o mesmo não havia recaído qualquer decisão judicial;

24. O referido articulado superveniente foi indeferido por despacho datado de 29 de Janeiro de 2019».

Neste quadro, a agora recorrente e autora da ação de inabilitação, vem alegar que tem urgência em que seja admitido o articulado superveniente, pois, como a ação vai prosseguir, quer que fique definido o objeto do processo e que as novas testemunhas arroladas nesse articulado sejam ouvidas no julgamento.

Contudo, a recorrente alega que a questão decidida pelo acórdão recorrido não foi a questão efetivamente suscitada pela apelante, nas suas alegações de recurso de 18-02-2019, que, por lapso da secção que instruiu o processo, não constavam nestes autos, mas outra que já havia sido decidida definitivamente pelo acórdão da Relação de Évora, de 06-12-2018. Afirma que, por erro na instrução do processo, também não foi nele incluído o despacho recorrido, de 29-01-2019, que indeferiu a apresentação de articulado superveniente, conforme excerto do mesmo, que se transcreve:

«Ora, não tendo feito prova do conhecimento superveniente dos novos factos por si alegados, mesmo após ter sido convidada para o efeito, constata-se ser o referido articulado inadmissível à luz dos preceitos legais supra citados, na medida em que se reporta a factos anteriores aos articulados que instruem os presentes autos, sem que a requerente tenha logrado demonstrar a respectiva superveniência subjectiva.---

Em face do exposto, decide-se indeferir o articulado superveniente intentado pela requerente a 26.04.17.---

Notifique»

2. A questão agora decidida pelo acórdão recorrido, datado de 14-07-2020, incidiu sobre o despacho de 11-07-2017. Este despacho indeferiu o pedido de esclarecimento formulado pela autora, por falta de fundamento legal, considerando que o tribunal não tinha poder para decidir qualquer aclaração, figura não prevista na lei, mas apenas para retificar erros ou lapsos materiais e manifestos, sem que tivesse sido proferida qualquer pronúncia sobre a questão da admissibilidade dos articulados supervenientes (facto A.d).

Ora, sobre o referido despacho de 11-07-2018, como demonstra a autora nas peças que junta a estes autos, já incidiu uma pronúncia proferida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-12-2018, transitado em julgado (doc. n.º 2).

Este acórdão surgiu na sequência de um recurso de um despacho de 27-04-2018, mas também tratou, entre outras, da questão agora decidida pelo acórdão recorrido de saber se, no despacho de 11-07-2017, foi ou não proferida decisão a rejeitar o articulado superveniente, questão que também foi objeto da decisão do acórdão agora recorrido.

Foi a seguinte a tramitação processual analisada, pelo acórdão de 06-12-2018 e pelo acórdão recorrido, que foi também elencada na factualidade provada da decisão sumária de 22-05-2019 (factos provados 22 a 24):

Por despacho de 09-06-2017, o tribunal de 1.ª instância, perante um pedido da autora de apresentar articulados supervenientes, notificou-a para que esta alegasse factos que fundamentassem a superveniência subjetiva. Perante este despacho, a autora apresentou um pedido de esclarecimento, que o tribunal de 1.ª instância indeferiu, através do citado despacho, de 11-07-2017, por não estar prevista na lei a aclaração, mas apenas a retificação de erros materiais ou de lapsos manifestos. Neste despacho, o tribunal não retirou qualquer consequência do facto de a autora nada ter informado sobre o que lhe foi solicitado, nem proferiu pronúncia a admitir ou a rejeitar o articulado superveniente.

Foi o seguinte o teor do despacho de 11-07-2017:

«Vem a Autora “requerer que lhe seja esclarecido o despacho de 9-6-2017”, aguardando, “em sede dos esclarecimentos requeridos, o fundamento legal do referido despacho, para o preenchimento cabal do pressuposto legal de admissibilidade de recurso de (in)constitucionalidade, porque a questão foi “suscitada durante o processo” (citada al. b) do n.º 1 do artigo 70.º), ou seja, foi colocada “de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82 na redacção Lei n.º 13-A/98 de 26 de Fevereiro).

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artº 613.º, nº 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil que: “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. 2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos seguintes. 3. O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.

Nos termos do artº 614º, nº 1, do CPC “Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”. 

Como resulta claro das disposições legais citadas que, ao juiz apenas é permitido rectificar erros ou lapsos que sejam manifestos, por resultar do próprio contexto da sentença que se pretendia dizer uma coisa e escreveu-se outra.

Ou seja, no atual Código de Processo Civil, ao contrário do anterior, não está prevista a possibilidade do juiz esclarecer dúvidas existentes na sentença ou no despacho.

Face ao teor do requerimento em análise, não é alegado pela Requerente que o despacho proferido nos autos contenha quaisquer erros materiais, nos termos supra mencionados.

Não estamos pois perante um pedido de rectificação de erro material do despacho e muito menos manifesto.

Pode também, o Juiz suprir nulidades. Resulta do artº 615º, nº 1 “que é nula a sentença quando:a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Ora, o pedido da Requerente não se enquadra, também, em nenhuma das situações previstas nesta disposição legal.

Assim, e não sendo o caso para rectificar algum erro ou lapso material e manifesto, que aliás não foi alegado, encontra-se esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal, quanto à matéria em causa, nada mais havendo a conhecer e/ou a determinar.

Sem prejuízo de todo o exposto, sempre se dirá que o fundamento legal que levou à prolação do aludido despacho, encontra-se plasmado no artº 588, nº 2, in fine do Código de Processo Civil, conofmre consta do mesmo, segundo o qual, quando os factos alegados forem anteriores ao termo do prazo dos articulados regulares da causa, ao encerramento da audiência prévia e ao termo do prazo de 10 dias após a notificação para a realização da audiência de julgamento, deve ser produzida prova da superveniência, o que é o caso, pois  todos os factos agora alegados neste articulado, ocorreram em 2005 e 2006, ou seja, antes do articulado superveniente de 2007, motivo pelo qual o I. Mandatário do falecido requerido refere na sua resposta que este articulado é, mais “uma nova e pretensa p.i., quiçá aperfeiçoada”, tendo um dos factos ocorrido em 2010, não sendo, pois, verdade o que a Autora alega no artº 6º deste articulado, de que se trata de “factos ocorridos em data muito posterior aos articulados”, “durante 10 anos de processo que culminaram na morte do requerido ocorrida em 2012”, e que o Tribunal pretende “fechar” numa “capsula do tempo” tais factos, pois eles (os que ocorreram durante 10 anos de processo” não existem.

Termos em que indefiro o requerido, por falta de fundamento legal e mantenho o despacho em causa.»

Após fazer uma descrição factual da evolução do presente processo e dos recursos pendentes, que subiram em separado, o acórdão recorrido define assim o seu objeto:

«Os factos antes elencados permitem, com segurança, concluir que são três os recursos interpostos, um deles a subir em separado - o respeitante ao despacho proferido a 11 de julho de 2017 - e outros dois nos próprios autos - o que não admitiu o articulado superveniente, apresentado em 19 de abril de 2017, e o da decisão final.

Assim sendo, os presentes autos de recurso têm, apenas, como objeto o referido despacho de 11 de julho de 2017, não só por terem subido em separado, como também pelo facto de as peças processuais que o materializaram, apontarem, inequivocamente, nesse sentido. (sublinhado nosso)

A recorrente BB - que litiga com apoio judiciário - pugna, através do presente recurso, pela revogação do despacho antes citado e sua substituição por um outro que "admita o articulado superveniente".

Sucede, porém, que compete apenas a esta Relação "controlar a correção da decisão proferida pelo tribunal recorrido", em 11 de julho de 2017. Ou seja: verificar, apenas, se é ou não de subscrever a declarada inexistência de fundamento para o "cabal esclarecimento". (sublinhado nosso)

Como tal, a questão de admissão ou não do articulado superveniente em causa não pode ser contemplada no acórdão a proferir, eventualmente, por esta Relação, uma vez que este Tribunal não julga "como se fosse pela primeira vez".

Acresce que, na sequência da observância do princípio do contraditório, é pacífico que a rejeição do articulado superveniente, foi objeto de um outro recurso, que subiu nos próprios autos.

Assim sendo, o objetivo da dita recorrente - admissão do dito articulado superveniente - é inatingível, através do presente recurso.

De acrescentar, ainda, que, padecendo o despacho de 9 de junho de 2017, no critério da recorrente BB, de "vício substancial ou de erro de julgamento", devia a mesma tê-lo impugnado, através de recurso, e não fazer uso da figura do requerimento/reclamação - mecanismo destinado a "expurgar (...) vícios formais (...)"4 -, circunstância que, em princípio, conduz ao seu trânsito em julgado.

Pelo exposto, não toma esta Relação conhecimento do recurso, veiculado através dos presentes autos, por o mesmo carecer, manifestamente, de interesse prático para a recorrente BB.

Se, porventura, o recurso referente ao despacho que rejeitou o mencionado articulado superveniente não foi conhecido, compete à dita recorrente, reagir, em sede própria e não nestes autos de recurso.

Notifique (artigo 652°., n° 1, h) do Código de Processo Civil)».

Constata-se, portanto, que o acórdão recorrido incidiu precisamente sobre a questão que a recorrente alega ter sido já definitivamente decidida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-12-2018, proferido no processo principal.

Vejamos o conteúdo deste acórdão:

«Da inexistência de pronúncia sobre a admissibilidade/rejeição do articulado supervenientede 19.04.2017

A propósito desta questão, entendeu a decisão recorrida que o articulado superveniente em causa havia sido expressamente indeferido pelo despacho de 11-07-2017 – acima transcrito no ponto 5 da factualidade provada -, despacho esse, aliás, do qual a autora interpôs recurso, o qual foi admitido a subir em separado com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final.

A verdade, porém, é que o referido despacho de 11.07.2017, não rejeitou o articulado superveniente, tendo-se limitado a manter despacho proferido 09.06.2017 – transcrito supra no ponto 3 da matéria de facto provada - , no qual se havia determinado a notificação da autora para, no prazo de 10 dias, vir requerer e/ou informar do que tivesse por conveniente, designadamente, se do requerimento probatório que efetuou no final do articulado em causa, fazia parte algum meio de prova que tivesse como fim provar a superveniência subjetiva desse articulado.

É certo que na respetiva fundamentação, depois de se afirmar que se encontrava esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa e que nada mais havia a conhecer e/ou determinar, sempre foi dizendo «que o fundamento legal que levou à prolação o fundamento legal que levou à prolação do aludido despacho, encontra-se plasmado no artº 588, nº 2, in fine do Código de Processo Civil, conforme consta do mesmo, segundo o qual, quando os factos alegados forem anteriores ao termo do prazo dos articulados regulares da causa, ao encerramento da audiência prévia e ao termo do prazo de 10 dias após a notificação para a realização da audiência de julgamento, deve ser produzida prova da superveniência, o que é o caso, pois  todos os factos agora alegados neste articulado, ocorreram em 2005 e 2006”.

Porém, a decisão proferida foi a de indeferir o pedido de aclaração formulado pela autora «por falta de fundamento legal» e manter «o despacho em causa», sem que o Tribunal a quo tivesse retirado alguma consequência do facto de a autora nada ter informado sobre o que lhe foi solicitado, procedendo, nomeadamente, a título oficioso à inquirição das testemunhas arroladas no articulado superveniente tendo em vista a prova da superveniência objetiva do mesmo (art. 411º do CPC), ou proferindo decisão a indeferir esse articulado, por se entender que o silêncio da autora devia ter essa consequência.

Assiste assim razão à recorrente quando afirma que «os sucessivos despachos foram apenas dando indícios de indeferimento, sem nunca concretizar uma decisão clara de indeferimento (conclusão 4ª), mas já não tem razão quando diz que «apenas no despacho de 26-4-2018 foi claramente indeferido, e mandado desentranhar» (mesma conclusão 4ª).

Em primeiro lugar, o despacho recorrido não indeferiu o articulado superveniente apresentado pela autora/recorrente em 19.04.2017, aqui em causa, limitando-se a dizer que o mesmo já tinha sido indeferido, quando assim não foi, como vimos.

Em segundo lugar, o facto de ter sido mandado desentranhar o “articulado superveniente” junto com o requerimento de 22.02.2018, ficou a dever-se ao facto desse articulado ser “uma reprodução integral do articulado superveniente apresentado a  19.04.2017”, e não por se ter decidido rejeitar este último articulado (…)

Aliás, a junção de tal articulado constitui a prática de um ato inútil e, como tal, proibido por lei, nos termos do artº 130º do CPC, que consagra o princípio da limitação dos atos, pelo que andou bem o Mmº Juiz a quo ao mandar desentranhar uma pura cópia do articulado anteriormente apresentado nos autos.

Assente, pois, que não houve qualquer decisão a admitir ou a rejeitar o articulado superveniente a que vimos aludindo, tal função – até pelas razões atrás expostas – compete ao tribunal recorrido, uma vez que esta Relação não se pode substituir na tomada de posição sobre questão que não foi decidida, mas apenas revogar a decisão recorrida, nesta parte, determinando a baixa dos autos para que seja proferida essa decisão.»  

Este acórdão, de 06-12-2018, apresenta o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que considerou ter havido decisão sobre a admissibilidade do articulado superveniente apresentado pela autora, devendo ser proferida decisão a admitir ou a rejeitar esse articulado, mantendo-se no mais aquela decisão.”

Na sequência do que foi ordenado por este acórdão, foi proferido o despacho de 29-01-2019, que indeferiu o pedido de junção de articulados supervenientes (facto A.g. do acórdão recorrido), e contra o qual a recorrente apresentou as alegações de 18-02-2019, recurso admitido em 4 de abril de 2019 (facto A.h.).  

3. Da análise das peças, cuja junção ao presente processo a recorrente solicitou, resulta confirmada a tese por si invocada nas alegações do recurso de revista, segundo a qual a questão objeto do acórdão agora recorrido, que incidiu sobre o despacho de 11-07-2019, já foi julgada em definitivo pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-12-2018

 Estamos assim, perante uma violação do caso julgado.

Com o caso julgado visa-se assegurar a certeza do direito e a segurança jurídica indispensáveis à vida em sociedade. Daí a vinculação ao que foi decidido, bem como a insuscetibilidade de o tribunal voltar a pronunciar-se sobre o objeto de uma decisão anteriormente proferida.

A noção de caso julgado pressupõe, de acordo com o disposto no artigo 580º, nº 1, do CPC, a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido já decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, ou seja, transitada em julgado. O caso julgado visa, pois, obstar a decisões concretamente incompatíveis e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC. Caracteriza-se, portanto, por conferir força e total eficácia à definição já antes dada à relação controvertida, impondo a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação o dever de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista à realização do direito objetivo ou à atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes.

Como esta repetição de julgados se ficou a dever a um erro na instrução do processo, importa ainda que a recorrente obtenha a decisão do recurso de apelação interposto contra o despacho de 29-01-2019, que lhe negou a apresentação do articulado superveniente de 26-04-2017, a fls. 1955. É que o objeto do presente recurso de apelação, a decidir pelo Tribunal da Relação de Évora, consiste precisamente neste despacho de 29-01-2019, que foi impugnado pela recorrente através de recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, admitido a 4 de abril de 2019.

Sendo assim, por ter havido erro quanto ao objeto de recurso, que incidiu sobre questão já transitada em julgado, em vez de incidir sobre as questões efetivamente suscitadas pela apelante, nas alegações do recurso de 18-02-2019, que não foram, por erro, integradas no recurso que subiu em separado, decreta-se a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC.

Em consequência, deve o processo baixar para que o Tribunal da Relação de Évora julgue o recurso de apelação interposto pela recorrente (autora da ação de inabilitação e apelante nos termos das alegações de 18-02-2019) contra o despacho de 29-01-2019, que indeferiu os articulados supervenientes apresentados pela autora.

Decidida a revista no sentido favorável à recorrente, que obtém resposta à sua pretensão, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas nas suas conclusões de revista, por tal ser inútil.

III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e decretando o reenvio do processo para o Tribunal da Relação de Évora a fim de serem conhecidas as questões suscitadas pela apelante, nos termos do recurso de apelação interposto em 18-02-2019.

 Nos termos do artigo 15.º-A do DL 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade do Juiz Conselheiro Alexandre Reis (1.º Adjunto) e do Juiz Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto).

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de outubro de 2020

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

1.º Adjunto: Alexandre Reis

2.º Adjunto: Pedro de Lima Gonçalves