Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5021/21.7T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO
TRATOR AGRÍCOLA
DANOS PATRIMONIAIS
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
JUÍZO DE PROBABILIDADE
Data do Acordão: 07/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Se, apesar de provado o dano, não for previsível que se possa determinar o seu montante exacto com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


A. CARVALHO & J. CARVALHO – Soc. Agro-pecuária, Lda intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Fidelidade, Companhia de Seguros, SA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 51.116,17 €.

Para tanto, alegou, em suma: que no dia 11.03.2021 ocorreu um acidente de viação na rua ..., em ..., em que intervieram os veículos: conjunto tractor agrícola/cisterna ..-OR-../P-...32, propriedade da demandante e o veículo de matrícula ..-..-JA, ligeiro de passageiros, seguro na ré, e conduzido por AA, a quem imputa a responsabilidade exclusiva pela produção do acidente, já assumida pela ré seguradora; que, em consequência deste acidente, sofreu danos patrimoniais, já que o conjunto tractor agrícola/cisterna, sofreu danos cuja reparação ascende a 16.728,58 €, que a ré já pagou, sendo que para além destes existem danos no veículo no montante de € 2.398,17 €.que aquela não considerou: que seguia acoplada ao tractor agrícola ..-OR-.. a cisterna com a matrícula P-...32, também propriedade da demandante, e que sofreu vários danos cuja reparação custou a quantia de 16.960,00 € e, porque esse equipamento não estava em condições, após o acidente, de circular na via pública, a demandante teve de mandar proceder à sua remoção, através de serviço de reboque para a oficina reparadora, no que gastou a quantia de 1.230,00 €; que utiliza diariamente o tractor agrícola ..-OR-.. na sua exploração agro-pecuária e por causa do acidente esteve privada do uso daquele seu tractor agrícola durante 72 dias, durante os quais teve de recorrer ao aluguer de um tractor agrícola de características semelhantes, com manobrador, no que gastou a quantia de 30.528,00 €.

A ré contestou, aceitando, por um lado, a celebração e validade do contrato de seguro e a responsabilidade pela produção do sinistro, mas impugnando, por outro, os danos e valores alegados pela autora.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré Fidelidade Companhia de Seguros SA., a pagar à Autora:

- a quantia de € 30.158,17 (trinta mil cento e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a citação e até ao efectivo pagamento.

- a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação relativa ao transporte da cisterna do local do acidente para as instalações da oficina M..., Lda., sita na ....

No mais foi absolvida a ré.

Inconformadas com a decisão, dela recorreu a autora pedindo que a decisão seja revogada e, em sua substituição proferido acórdão que julgue a acção totalmente procedente no que tange ao custo suportado pela recorrente no aluguer do tractor agrícola ou, se assim se não entender, relegar para liquidação de sentença o apuramento do montante despendido pela recorrente no aluguer daquele tractor agrícola.

Também a ré recorreu, pedindo que se revogue a sentença ou, atendendo à factualidade constante a sentença recorrida, ainda que existisse uma indemnização a arbitrar à Autora pela alegada privação do uso do trator sinistrado, nunca essa indemnização, recorrendo à equidade, seja superior ao montante diário de 30,00€ , o que corresponderá ao valor global de 2.160,00€ .

Apreciando os recursos, a Relação decidiu como se segue:

“Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela autora e em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela ré, revogando a sentença na parte em que condenou a ré a pagar à autora a quantia de 10.800,00€, condenando-a agora a pagar à autora, a título de privação de uso, a quantia global de 8.640,00€, que acrescerá às quantias parcelares da indemnização fixada na sentença e que não foi objecto de apelação, num total indemnizatório a pagar pela ré à autora de 27.998,17€, acrescida dos juros de mora à taxa de juro legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

Custas da acção pela autora e pela ré, na proporção do decaimento.

Custas da apelação da autora a suportar pela autora e da apelação da ré na proporção do decaimento.”

Não se conformou a autora que do acórdão da Relação interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1ª -A recorrente não se pode conformar com o acórdão proferido pelo Tribunal a quo tanto mais que, entre outros, violou o disposto no nº 2 do artigo 609º do Cód. Proc. Civil.

2ª- o presente recurso não decorre de algum mau perder ou mau feitio da recorrente, pois que se impunha desde logo já desde a decisão de 1ª Instância que a parte decisória quanto à quantificação do custo do aluguer do tractor agrícola por banda da recorrente – e que por esta vai ter de ser suportado – tivesse sido relegada para liquidação de sentença (em face do que ali se disse, à semelhança do que sucede com o acórdão aqui em crise).

3ª- Afirmou, e mal, o Tribunal a quo que (...) É importante frisar que ainda que se demonstrasse que a autora pagou o valor diário de €400,00 pelo aluguer da viatura, o que não foi o caso como se viu, a ré não estaria sujeita ao pagamento desse valor. Esse montante foi acordado entre duas empresas que são parceiras de negócio e com base em critérios que só as mesmas conhecem. Legitimar uma situação dessas seria abrir a porta a abusos de direito e enriquecimentos sem causa à custa das seguradoras.

4ª-Ora, antes de mais ocorre perguntar se pelo simples facto de as empresas (a que cede o tractor agrícola e a que o utiliza – a recorrente) serem parceiras de negócio, se se deve desconsiderar aquilo que entre ambas foi acordado como o preço justo pela utilização por parte da recorrente desse equipamento?

A resposta parece-nos particularmente óbvia, com o devido respeito, e deveria ter sido diametralmente oposta à que foi dada pelo Tribunal a quo.

Quem melhor do que essas duas sociedades para perceber a utilização e a intensidade dessa mesma utilização desse equipamento e o desgaste que daí advirá?

Pois bem, quer para o Tribunal de 1ª Instância, quer para o Tribunal a quo o facto de serem parceiras de negócio faz com que deva desacreditar-se esse acordo...

5ª- Mas pior foi ter afirmado, temerariamente diremos nós, que se a recorrida fosse condenada no montante constante da factura que foi junta com a petição inicial isso legitimaria abrir portas a abusos de direito e enriquecimentos sem causa à custa das seguradoras.

Onde está a condenação da aqui recorrente por abuso de direito? Onde está o enriquecimento da recorrente à custa da recorrida?!!!!

O que colocou a recorrida, durante o período da reparação do tractor agrícola ..-OR-.. à disposição da recorrente para que a mesma não tivesse de recorrer aquele acordo e com aquelas condições?

Nada rigorosamente nada!!!

Pois bem, no acórdão aqui em crise nem o mais ténue sinal dessas realidades.

6ª- Já agora, em jeito de parêntesis, ocorre perguntar o seguinte: - e se ao invés da recorrente ter junto aos presentes autos a factura que juntou – e que assumidamente ainda não liquidou como acordou com a empresa que lhe cedeu esse tractor agrícola, mas que vai ter inquestionavelmente de pagar – tivesse junto essa factura e o competente recibo ou uma venda a dinheiro teria o Tribunal a quo tido o mesmo entendimento?!!!

Mais uma vez ficamos sem resposta, quer na leitura da decisão de 1ª Instância, quer na leitura do acórdão aqui em crise...

7ª- Terá, então, a recorrente de empobrecer à custa da recorrida?!

Não se olvide, a este propósito, como foi afirmado em sede de audiência de discussão e julgamento pelo representante da sociedade que cedeu aquele tractor agrícola à recorrente que aquela máquina tem um custo de aquisição superior a 200.000,00 € (duzentos mil euros).

8ª- Será que por serem parceiras de actividade – e não de negócios – a sociedade cedente daquela máquina, com aquele custo de aquisição, a teria cedido à recorrente a título gracioso? E o desgaste a que mesma foi sujeita durante longos 72 dias correria por sua conta e risco?

Pelo Tribunal a quo esta questão não foi, infelizmente, sequer aflorada, equacionada ou mesmo valorizada, pois que se o tivesse sido jamais a decisão teria sido aquela que consta do acórdão aqui em crise ou se teria colocado a questão – ainda que teoricamente – de um abuso de direito por parte da recorrente ou um enriquecimento sem causa da mesma à custa da recorrida.

9ª- Igualmente não pode deixar de se levar em linha de conta que não existem sociedades comerciais que se dediquem ao aluguer deste tipo de equipamentos.

A este propósito parece-nos, com o devido respeito, confrangedor o desconhecimento por parte quer do Tribunal de 1ª Instancia, quer do próprio Tribunal a quo de uma realidade tipicamente portuguesa e que se prende com o aluguer deste tipo de máquinas por alguns proprietários de terrenos rústicos para que os manobradores dessas máquinas, desses tractores agrícolas ali se desloquem para lavrar a terra, simplesmente porque esse proprietários não dispõem desse tipo de equipamento.

10ª- E este tipo de “aluguer” verifica-se, como é sabido, por algumas horas, as estritamente necessárias à realização do serviço, que é efectuado pelo próprio motorista/manobrador daquela máquina, daquele tractor agrícola.

Jamais o mesmo é cedido nos moldes em que o foi aquele que foi cedido à recorrente, até por que o serviço que era necessário realizar com o mesmo – e que até ao acidente dos autos era efectuado pelo tractor agrícola acidentado – não era de umas poucas horas.

Como resultou amplamente demonstrado nos autos com essa máquina a recorrente, entre outras actividades agrícolas, alimentava bidiariamente mais de 600 vacas leiteiras.

11ª- E do depoimento do representante da sociedade “cedente” desse tractor agrícola resultou de forma clara e inequívoca que se o aluguer tivesse incluído o motorista/manobrador acresceria a quantia diária de 50,00 €.

E, aí sim, só não foi cedido pela sociedade “cedente” à recorrente com manobrador atentas as boas relações pessoais existentes entre os representantes das duas sociedades.

Agora daí a afirmar-se que por esse facto aquele documento – a factura – não deve ser considerada é de mais...!

12ª- Para além desse documento ter sido, diremos nós, obviamente impugnado pela recorrida, foi-lhe apontado algum vício? Deu-se como provado que se tratava de um documento falso? Deu-se como provado que se tratava de um documento de favor?

Pois bem, mais uma vez, nem o mais ténue vestígio de alguma dessas qualificações àquele documento constam de todo o acórdão aqui em crise.

Apenas a ténue e tímida referência ao facto de as sociedades serem parceiras de negócio...!

13ª- Daí que não se consiga alcançar o sentido da expressão utilizada pelo Tribunal a quo quando escreveu o seguinte: (...) Decorre, outrossim, do que vem exposto, que o valor pugnado pela autora/apelante, de 400,00 €/dia se mostra, sem qualquer sustentáculo fáctico que permita justificá-lo ou permita considerar a sua adequação e equilíbrio na situação dos autos (prova que se impunha à autora e que esta não logrou efectuar), o que conduz, nos termos expostos, à total improcedência do recurso da autora.

14ª Então e o documento já supra referido?!!!

Alicerçou, ou não, a recorrente esse seu pedido nesse documento que juntou aos autos com a petição inicial?

Ao ler-se, com o devido respeito, o acórdão aqui em crise mais parece que a recorrente peticionou a quantia de 30.528,00 € a título de aluguer de um tractor agrícola, quando podia ter peticionado uma outra qualquer, pois que, como ali se lê não tinha a mesma qualquer sustentáculo fáctico.

15ª- Aqui chegados, e se existia toda esta dificuldade na fixação de uma quantia diária para o custo do aluguer desse tractor agrícola – pois que não foi valorado, e mal, o documento que foi a esse propósito junto aos autos para fundamentar esse pedido – jamais deveria ter sido determinado esse prejuízo com recurso a um juízo de equidade.

16ª- Conforme já se deixou supra referido, foi apurado nos presentes autos que não existem empresas no mercado que se dediquem ao aluguer desse tipo de tractores agrícolas – diferente do que sucede com veículos ligeiros em que abundam no mercador rent-a-cars – assim como não existem decisões dos nossos Tribunais Superiores onde se pudesse “beber” informação ou critério para determinar esse prejuízo de acordo com um juízo de equidade.

17ª- Ora, como é sabido, para que possa existir um juízo de equidade necessário se torna que, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 566º do Cód. Civil, se não poder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Que limites teve o Tribunal a quo por provados?

Pois bem, do que resulta da decisão aqui em crise, apenas se percebe que fez questão de referir que lhe faltavam os elementos constantes da conclusão 16ª, ou seja, que era desconhecida a existência de sociedades que tivessem como escopo o aluguer desse tipo de veículos agrícolas, bem como a existência de decisões dos nossos Tribunais Superiores onde pudesse buscar um critério indemnizatório.

18ª- Mas ainda assim, à falta desses relevantíssimos elementos, achou-se capaz de – à semelhança do Tribunal de 1ª Instância – emitir um juízo ancorado na equidade.

Por isso, tudo aquilo que foi vertido nas págs. 32 a 36 do acórdão aqui em crise nenhum interesse ou relevo tem para a presente lide, tanto mais que diz respeito a veículos que nada têm que ver com o que está em causa nestes autos, não servindo, por isso, e com o devido respeito por opinião diversa, de termo de comparação ou de “bitola” para se determinar o prejuízo diário sofrido pela recorrente.

Ter em consideração o que ali vai descrito é uma violação grosseira do mais elementar entendimento do que é equidade, pois que jamais se pode ou deve comparar o incomparável.

19ª- E voltou, com o devido respeito, a confundir critérios utilizados noutro tipo de aluguer de outro tipo de veículos para afirmar que o documento junto pela recorrente – a factura – não deveria ser considerada em virtude de ali não constarem elementos identificadores daquele tractor agrícola.

Mais uma vez serviu-se o Tribunal a quo de critérios próprios do contrato de aluguer de veículos ligeiros de passageiros – ou da falta deles –, sem saber se os mesmos são utilizados neste tipo de aluguer deste tipo de máquinas agrícolas para, extrapolando, afirmar que a falta destes elementos – identificativos da máquina em causa – ajudavam a criar uma dúvida razoável quanto ao critério para fixar aquele valor diário de 400,00 €.

20ª- Com o devido respeito por opinião diversa não estamos perante um juízo de equidade – pois que escasseiam elementos para que o mesmo possa ser emitido – mas sim perante o mais chocante e confrangedor livre arbítrio, pois que se trata de um juízo que se fundou em critérios que nada têm que ver com aquilo que está em discussão nos presentes autos.

21ª- O mesmo é dizer que jamais se deveria ter socorrido o Tribunal a quo do disposto no artigo 566º nº 3 do Cód. Civil, uma vez que, como o mesmo assumiu, desconhecia-se a existência de sociedades que se dedicassem a esse tipo de alugueres, assim como se desconhecia a existência de decisões judiciais dos nossos Tribunais Superiores que se tivessem já debruçado sobre este concreto tema.

22ª- Não nega a recorrente que se trata de um valor elevado para o aluguer daquele tractor agrícola. Mas ocorre perguntar se, no que tange ao aluguer de veículos ligeiros de passageiros, o aluguer de um veículo cujo custo de aquisição rondou os 20.000,00 €, 30.000,00 € ou 40.000,00 € - como vai sendo o usual nesse tipo de veículos - será o mesmo daquele veículo que teve um custo de aquisição de 150.000,00 € ou 200.000,00 € (como sucedeu com o tractor agrícola alugado à recorrente)?

Terá, sem qualquer desmerecimento e por mera necessidade de raciocínio, um Fiat 500 o mesmo custo diário de aluguer do que um Porsche, um Ferrari ou um Bentley?

A resposta parece-nos particularmente óbvia, mas igualmente parece ter escapado ao “crivo” do Tribunal a quo.

23ª- Se assim não fosse – e é – jamais o Tribunal a quo teria escrito o seguinte: (…) O que, diremos, se julga consentâneo às regras da normalidade e experiência comum, porquanto, exercendo ambos a mesma actividade (agro-pecuária) existe um espirito de entreajuda, designadamente como era o caso, tratando-se de pessoas que têm boas relações de amizade, mas que, considerando o valor elevado das máquinas em questão, sua rápida depreciação e desgaste e número elevado de dias de cedência, não prescindem de que mesma tenha um custo acordado entre as partes, situação que se mostra perfeitamente consonante com a normalidade das coisas e da vida, considerando que o fim das ditas explorações é o lucro.

24ª- Impõe-se, tal como já se fez no corpo das presentes alegações, chamar aqui à colação, com a devida vénia, aquilo que os nossos Tribunais Superiores entendem por equidade e os elementos de que depende a sua aplicação.

25ª- Desde logo, e como se refere no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 16.12.2015, no Proc. nº 18/13.3..., é necessário que esse juízo de equidade não destoe significativamente da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais e que não comprometa a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa (o sublinhado e destacado é nosso).

26ª- Ora, como confessadamente se apurou nos presentes autos e foi afirmado pelo Tribunal a quo não dispunha o mesmo de elementos suficientes para que não colocasse – como colocou – em causa esse juízo de equidade, pois que lhe faltou o conhecimento desse tipo de valores assim praticados por sociedades que tivessem esse escopo e, bem assim, de outras decisões judiciais que sobre questão similar já se tivessem debruçado, para que num e noutro pudesse ancorar esse seu juízo de equidade.

27ª- Com esse seu “juízo” de equidade acabou por colocar em causa, pelo menos, a mais elementar e básica segurança na aplicação do direito assim como o princípio constitucional da igualdade relativa, motivo por que deve o acórdão aqui em crise merecer a censura deste Venerando Tribunal.

28ª-Por isso, mal se percebe que tendo o recurso de Apelação interposto pela aqui recorrente versado sobre a questão de dever ter sido a liquidação desse prejuízo relegada para execução de sentença, que o Tribunal a quo tenha escrito o seguinte:

(…)

De facto, não tendo a autora logrado a prova de que o valor mencionado na factura que juntou aos autos corresponde ao valor de mercado de aluguer de um tractor idêntico ao sinistrado mas tão só do valor que consideraram “justo”, nos termos que acima ficaram expostos, torna-se inútil a abertura do incidente de liquidação (já que não se vislumbra que o valor da factura possa ser novamente discutido naquele incidente, sob pena de violação da autoridade do caso julgado), onde, em ultima instância, nos termos do disposto no artigo 566º nº3 do CC., seria fixado um valor determinado de acordo com um juízo de equidade, cujos parâmetros já se encontram verificados nesta sede, permitindo por isso que o juízo em questão fosse desde logo efectuado, como o fez e bem, o Sr. Juiz a quo. (mais uma vez o sublinhado e destacado é nosso).

29ª- Mas a decisão mais avisada que deveria ter sido proferia – mesmo em sede de 1ª Instância – seria a de relegar para liquidação de sentença esse prejuízo, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 609º do Cód. Proc. Civil, pois que, como se demonstrou, não dispunha dos elementos essenciais e básicos para se socorrer de um juízo de equidade.

30ª- Ora, se bem se percebe aquilo que refere esse preceito legal, à falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o Tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida.

31ª- E, como é sabido, a inexistência desses elementos pode mesmo resultar da falta da sua prova, sem que com isso se coloque em causa a obrigação de indemnizar que estava já verificada e, até, assumida pela recorrida.

O relegar-se para liquidação de sentença diz apenas respeito, como a Lei assim o entende, ao objecto ou à quantidade e nunca à própria obrigação, como vem sendo entendido – e bem – pelos nossos Tribunais Superiores.

32ª- E ainda que o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal a quo tenham dado como não provado o valor inserto no documento junto pela recorrente na petição inicial – a famigerada factura – ainda assim não estavam impedidos de relegar a determinação desse prejuízo para liquidação de sentença, devendo mesmo impor como “tecto” dessa liquidação o valor que foi, a esse propósito, peticionado pela recorrente na sua petição inicial.

33ª- Não teria o Tribunal a quo percebido que aquele documento – a factura que foi junta aos autos pela recorrente com a petição inicial – terá consequências fiscais? Não terá percebido que ali está inserto um imposto (IVA) que vai ter de ser liquidado à Fazenda Pública? Não terá percebido que o recebimento da quantia ali inserta irá obrigar a sociedade que emitiu aquela factura ao pagamento do competente IRC?

Pena foi que todos estes aspectos – que não são despiciendos, nem do desconhecimento geral – tenham passado despercebidos a coberto da “ideia” de que as sociedades são parceiras de negócio…!

34ª- Tudo impunha ao Tribunal de 1ª Instância, assim como ao Tribunal a quo – sob o qual recaia, com o devido respeito maior responsabilidade a esse propósito – que fosse relegada para liquidação de sentença a determinação da quantidade devida à recorrente a propósito da despesa com o aluguer daquela máquina agrícola e não, com decorre da decisão aqui em crise, pura e simplesmente desconsiderar essa solução – que reputou até de inútil – por não vislumbrar que o valor da factura pudesse ser novamente discutido nesse incidente…!!!

35ª- Obviamente, diremos nós, que o valor que teria de ser fixado como “tecto” para esse incidente, para essa liquidação, era, precisamente, aquele que foi alegado em sede própria pela recorrente, o que, com o devido respeito, não configurava nenhuma anormalidade processual…!

36ª- Assim, e por estarem reunidos todos os requisitos de que depende o incidente de liquidação de sentença, o acórdão aqui em causa violou, entre outros, o disposto no artigo 566º, nº 2 do Cód. Civil e artigo 609º, nº 3 do Cód. Proc. Civil.

Pelo exposto, deve o acórdão aqui em crise ser revogado e, em sua substituição, ser proferido douto acórdão que admita e determine a liquidação em execução de sentença do valor devido à recorrente por força do aluguer do tractor agrícola pelo período de 72 dias, com um tecto máximo de 30.528,00 € tal como peticionado no artigo 45º da petição inicial (…) “

A ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

Os factos provados são os seguintes:

“1. Cerca das 14h19 do dia 11.03.2021 ocorreu um acidente de viação na rua ..., em ..., em que intervieram os veículos: 1.– conjunto tractor agrícola/cisterna ..-OR-../P-...32, propriedade da demandante e conduzido por BB e 2.– ..-..-JA, ligeiro de passageiros, propriedade de CC e conduzido por AA e que se deu do seguinte modo:

2. O conjunto tractor agrícola/cisterna ..-OR-../P-...32 circulava pela referida rua, no sentido M... - L..., pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido

3. e com velocidade moderada, não excedente 40 Kms por hora,

4. encontrando-se a descrever uma curva para a sua esquerda.

5. Por seu lado, o veículo ..-..-JA circulava em sentido contrário, ou seja, L... - M....

6. A sua condutora fazia-o completamente distraída, isto é, sem atenção à sua condução, ao traçado da via naquele local, ao estado do tempo – chuva – e do piso – escorregadio – e ao restante trânsito,

7. com uma velocidade muito superior a 50 Kms por hora, manifestamente excessiva quer por se tratar de uma localidade – ... –, quer pelo traçado da via naquele local se desenhar em curva para a sua direita

8. Não obstante ter a sua metade direita da faixa de rodagem completamente livre e desimpedida, porque seguia completamente alheada da condução, nem tampouco se apercebeu da presença do veículo da demandante a circular em sentido contrário.

9. E quando se apercebeu dessa presença, não obstante ter, repete-se, a sua faixa de rodagem completamente livre e desimpedida, assustou-se e travou a fundo, permitindo que o veículo que conduzia invadisse a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.

10. O condutor do conjunto tractor agrícola/cisterna da demandante guinou para a sua direita ao ponto de derrubar um pequeno muro existente do seu lado direito

11. Fruto dessa manobra de recurso realizada pelo condutor do conjunto tractor agrícola/cisterna da demandante o veículo ..-..-JA acabou por embater com a parte da frente do lado esquerdo na roda da frente do lado esquerdo do tractor agrícola ..-OR-..,

12. embate que ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido M... - L....

13. Após o embate o conjunto tractor agrícola/cisterna ..-OR-../P-...32 ficou completamente descontrolado,

14. despistou-se para a sua direita, depois de ter derrubado o muro ali existente,

15. invadindo um terreno agrícola contíguo pelo lado direito daquela rua, considerando o sentido M... - L...,

16. onde acabou por se imobilizar,

17. ao passo que o veículo ..-..-JA se imobilizou ligeiramente atravessado na rua ..., com a frente voltada para a berma do seu lado esquerdo e a traseira voltada para a berma do seu lado direito.

18. A ré comunicou à autora que assumia a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro pela ocorrência do acidente de viação em causa nos autos.

19. Em consequência do acidente supra descrito o conjunto tractor agrícola/cisterna ..-OR-../P-...32 ficou danificado.

20. Quanto ao tractor agrícola ..-OR-.., a sua reparação foi orçada na quantia de 16.728,58 €.

21. que a demandada já liquidou directamente à oficina reparadora.

22. Como consequência directa e necessária do acidente em causa nos autos, o tractor sofreu danos no capot, num terminal e num retrovisor exterior esquerdo.

23. A autora pagou a reparação desses danos tendo despendido a quantia de 2.398,17 €.

24. Seguia acoplada ao tractor agrícola ..-OR-.. a cisterna com a matrícula P-...32, também propriedade da demandante, e que sofreu vários danos.

25. Em consequência do acidente supra descrito também esse equipamento sofreu danos, cuja reparação custou a quantia de 16.960,00 €.

26. E porque esse equipamento não estava em condições, após o acidente, de circular na via pública, a demandante teve de mandar proceder à sua remoção, através de serviço de reboque – com grua –, do local do acidente para uma oficina. (impugnado no recurso da ré)

27. A cisterna foi transportada para a oficina “M..., Lda.” onde foi inspecionada pelos serviços da ré. Dessa oficina, por ordem da autora, a cisterna foi transportada para a oficina “V...” onde veio a ser reparada – facto que resulta da instrução da causa.

28. A ré não pagou à autora qualquer quantia pelo serviço de transporte da cisterna para a oficina – facto que resulta da instrução da causa.

29. A autora suportou o custo relacionado com o transporte da cisterna– facto que resulta da instrução da causa. (impugnado no recurso da ré)

30. A demandante tem como actividade a exploração agro-pecuária, tendo nas suas instalações cerca de 600 vacas leiteiras, as quais produzem em média, por mês, 250.000 litros de leite.

31. Por força dessa sua actividade a demandante utiliza diariamente o tractor agrícola ..-OR-.. para transportar alimento para as referidas vacas leiteiras, à razão de duas vezes por dia, assim como para os mais diversos serviços que o exercício da sua actividade agro-pecuária lhe exige.

32. Por causa do acidente a demandante esteve privada do uso daquele seu tractor agrícola durante 72 dias,

33. que foi o tempo que a demandada levou a fazer a vistoria, a oficina reparadora a proceder à reparação e a, sobretudo, as peças necessárias à reparação ficarem disponíveis.

34. Nesse período teve de recorrer ao aluguer de um tractor agrícola de características semelhantes às daquele seu tractor agrícola. (impugnado no recurso da ré)

35. Trata-se de equipamento que custa, novo, cerca de 200.000,00 €.

36. Após o acidente descrito na petição, o trator com a matrícula ..-OR-.. foi submetido a uma peritagem a pedido da Ré.

37. Tendo o perito concluído que o custo da reparação dos danos sofridos pelo trator em consequência do referido acidente se cifrava no montante de €16.728,58.

38. Como consequência directa e necessária do acidente estradal em causa nos autos ficaram destruídos diversos componentes da Cisterna, nomeadamente, a bomba de vácuo, o eixo, o cardan homocinético, cuja reparação foi estimada pela ré em €22.386,00.

39. A referida cisterna é da marca Saab, modelo NS, do ano de 2008,

40. Pelo que, à data do acidente, tinha já 13 anos de uso.

41. Após o acidente, o salvado ou o que restava do veículo do Autor foi avaliado no montante de € 7.800,00.

42. O valor comercial da cisterna em causa nos autos era, à data dos factos, de cerca de € 25.000,00.

Foram dados como não provados os seguintes factos:

“1. Não se provou que a autora tivesse gasto o valor de 1.230,00 € com o reboque para a cisterna.

2. Não se provou que a autora tivesse gasto a quantia de 30.528,00 € com o aluguer. (impugnado no recurso da autora)

3. No que respeita aos alegados danos no capô, no painel touch (terminal) e no espelho retrovisor esquerdo concluiu-se que os mesmos não tinham qualquer relação com esse acidente,

4. Tendo necessariamente origem noutro evento.

5. Podendo este valor aumentar após a desmontagem, mais concretamente no que respeita a eventuais danos na suspensão traseira.

6. Assim, o seu valor comercial, na altura do acidente, era de cerca de €20.000,00.

7. Para reparar o trator da Autora interveniente no acidente descrito nos autos eram necessários 9 dias.”

O Direito.

A autora alegou, na petição, que : “ 41. Por causa do acidente a demandante esteve privada do uso daquele seu tractor agrícola durante 72 dias (… ); 43. Nesse período teve de recorrer ao aluguer de um tractor agrícola de características semelhantes às daquele seu tractor agrícola, com manobrador; 44. tanto mais que se trata de equipamento que custa, novo, cerca de 200.000,00 €, 45. no que gastou a quantia de 30.528,00 € (doc. 7).”

Porém, provou-se apenas que “nesse período teve de recorrer ao aluguer de um tractor agrícola de características semelhantes às daquele seu tractor agrícola, com manobrador”(34); não se tendo provado “que a autora tivesse gasto a quantia de € 30.528,00 com o aluguer” (2 dos factos não provados).

No acórdão recorrido a Relação escreveu:“ (…) Subscrevemos a posição da jurisprudência que entende que quando a privação do uso recaia sobre um veículo danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar direta e concretamente prejuízos efetivos, sendo que no caso concreto, face aos pontos 31., 32., e 34., mostram-se provados os factos suficientes para concluir pela existência do dano/ prejuízo da privação de uso, designadamente a privação do tractor agrícola da autora danificado em consequência do acidente, por um período de 72 dias, o uso habitual/diário deste e sua necessidade no âmbito da actividade de exploração agro-pecuária exercida pela autora, bem como, por último, o aluguer que a autora necessitou de efectuar de um tractor agrícola idêntico para suprir a privação daquele, o que só por si denota suficientemente, em termos de normalidade e razoabilidade, a necessidade de utilização regular desse veículo e o propósito de efectivamente o utilizar. Apenas não se provou o custo deste aluguer, que a autora havia peticionado na acção com suporte na factura que juntou aos autos, ou seja, não se logrou provar o concreto valor do dano decorrente daquela privação. Ou seja, a privação do uso do veículo, traduzindo a perda da sua utilidade, traduz um dano autónomo, com valor pecuniário, a calcular ou com base nas despesas feitas pela ocorrência da dita privação, p. ex. despesas com aluguer de uma viatura de substituição, ou, não se provando aquelas como sucede in casu, pelo dano decorrente pela mera perda da disponibilidade do veículo. Nessa medida, a determinação do valor do dano haverá de corresponder às despesas realizadas pelo lesado em consequência da privação do veículo sinistrado, se elas existiram e se se apurou o seu montante, ou através do recurso à equidade, caso não se apurem quaisquer despesas ou a sua quantificação. Por outras palavras, a falta de prova sobre o valor do concreto prejuízo causado, como sucede in casu, conduzirá a que a indemnização pela privação do uso deva ser calculada com recurso à equidade, dentro dos limites do que está provado, nos termos do art.º 566º, n.º 3 do CC. De facto, não tendo a autora logrado a prova de que o valor mencionado na factura que juntou aos autos corresponde ao valor de mercado de aluguer de um tractor idêntico ao sinistrado mas tão só do valor que consideraram “justo”, nos termos que acima ficaram expostos, torna-se inútil a abertura de um incidente de liquidação (já que não se vislumbra que o valor da factura possa ser novamente discutido naquele incidente, sob pena de violação da autoridade do caso julgado), onde, em última instância, nos termos do disposto pelo artigo 566º n.3 do C.C., seria fixado um valor determinado de acordo com um juízo de equidade, cujos parâmetros já se encontram verificados nesta sede, permitindo por isso que o juízo em questão fosse desde logo efectuado, como o fez e bem, o Sr. Juiz a quo.”

Mais adiante: “ (…) Há, assim, pelos princípios que enformam o julgamento equitativo e bem assim atendendo à cláusula geral da boa-fé que impera no nosso sistema jurídico, que encontrar um valor equitativo considerando as particularidades do caso concreto, como seja, a natureza, o valor ou a utilidade do veículo (uso particular ou para o exercício de actividade profissional) e ao período de privação concreta, pelo que resultando que não existem parâmetros referenciais para aferir do valor de aluguer de um veículo similar, tractor agrícola, na falta de outros elementos, é admissível recorrer também aos parâmetros que a jurisprudência tem considerado em situações algo semelhantes, pois a ponderação prudencial inerente à equidade também é sensível ao estabelecimento de critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade”.

Pretende a recorrente que se determine a liquidação em execução de sentença do valor devido à recorrente por força do aluguer do tractor agrícola pelo período de 72 dias, com um tecto máximo de €30.528, tal como peticionado no art. 45 da petição.

Em primeiro lugar, cumpre precisar o dano em causa.

A autora alegou que, por causa do acidente, e da privação do uso do seu tractor agrícola, teve de alugar outro tractor, pelo qual pagou €30.528.

Porém, não fez prova dessa despesa, nem do ajuste do aluguer, com o locador do tractor, por aquele concreto valor.

E, por isso, a Relação, não se tendo provado que o valor mencionado na factura que juntou aos autos correspondia ao valor de mercado de aluguer de um tractor idêntico, entendeu que o valor do dano devia ser determinado em equidade, em função das particularidades do caso concreto, como sejam, a natureza, o valor ou a utilidade do veículo (uso particular ou para o exercício de actividade profissional), o período de privação concreta e os parâmetros que a jurisprudência tem considerados em casos algo semelhantes” .

O dano de privação do uso não se reconduziu, portanto, nem às despesas efectivas (pagamento do valor da factura), que não se provaram, nem ao valor ajustado, que também não se provou,

Entende a recorrente que o dano de privação de uso deve corresponder ao valor que lhe é “devido” por força do aluguer do tractor agrícola pelo período de 72 dias, com o tecto máximo de €30.528.

Se o objectivo da recorrente é voltar a discutir o pagamento diremos que tal não é possível pois, como é entendimento pacífico, a liquidação de sentença não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não o dano.

Se o objectivo é discutir de novo o valor do aluguer ajustado entre as partes, que consta da factura, diremos então que, ainda que tal seja possível, não deverá ser, previsivelmente, provado em sede de liquidação.

É possível porque para que se remeta para liquidação basta que não existam elementos de facto para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, independentemente de os factos alegados que permitiam fixar a quantidade da obrigação terem sido dados como não provados (v. Lebre de Freitas, CPC anotado, Vol. 2º, 2ª ed., pág. 682, Ac. STJ de 3.2.2009, proc. 08A 3942 e Ac. STJ de 22.9.2016, proc. nº 681/14.8TVLSB.L1.S1).

Não será previsivelmente provado uma vez que, como resulta da motivação de facto, ao ajuste do valor entre a locador e locatário ninguém. Como assim, não é previsível que, em relação ao valor, o tribunal possa vir a confiar, posteriormente, no depoimento de testemunha (locador), no qual inicialmente não confiou.

Acresce, por outro lado, que o dano que se pretende ressarcir não é, exactamente, o valor do aluguer ajustado entre as partes, mas o valor do dano que se considera justo.

Ora, a autora não alegou quaisquer outros factos tendentes a demonstrar que o valor ajustado pelo locador e pelo lesado era ajustado e equitativo.

Como se escreve em CPC anotado, por Abrantes Geraldes, no volume I, 2018, a pág. 729 “a opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade. Por isso, se for previsível que o valor exacto do dano será apurado com prova complementar, deverá preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não for previsível que possa determinar-se o seu montante exato com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade (….).”

Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, pelas razões já invocadas, não é previsível que, mesmo com recurso a prova complementar, se venham a obter em liquidação elementos relevantes que permitam apurar, com maior exactidão ou, se se quiser, de forma mais equitativa, o valor da perda da disponibilidade do veiculo.

Perante o quadro acabado de traçar, crê-se, por isso, que se revela mais adequado recorrer, desde já, à equidade para reparação do dano da privação do uso, dentro dos limites provados, de entre os quais avultam os já referidos valor ou a utilidade do veículo e o período de privação concreta. Na formulação do juízo equitativo terá, naturalmente, o tribunal de se socorrer também de parâmetros que a jurisprudência observa para casos semelhantes ou próximos. Só assim se observarão as exigências dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, se assegurará a uniformização de critérios promovida pelo art. 8º, nº 3 do CC e se eliminará a ideia de arbitrariedade (cfr. Ac. STJ de 28.10.2010, proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1, Ac. STJ. de 4.6.2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, Ac. STJ de 14.12.2017, proc. 589/13.4TBFLG.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt). E, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões, não traduzindo a aplicação de puros juízos de equidade, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, não compete a este Tribunal a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar mas apenas a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo (Ac. STJ de 4.6.2015). nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado (Ac. STJ de 14.12.2017).

Ora, revertendo ao caso concreto, verifica-se que, na procura de um valor equitativo, a Relação ponderou que: “Neste conspecto importa referir que enquanto para veículos ligeiros a maioria da jurisprudência situa num valor entre 10/15€ dia a indemnização pelo dano da privação do uso, já para um veículo pesado de transporte de mercadorias (transportes nacionais e internacionais) encontramos no Ac. R.C. de 6.02.2018, in www.dgsi.pt, a fixação em termos de equidade do valor diário de 100,00€/dia; também no Ac. desta Relação de Guimarães de 27.02.2020, in www.dgsi.pt, foi fixado o valor diário de 100,00€ para um veículo pesado de mercadorias o que também sucedeu no Ac. R.C. de 23.11.2021, in www.dgsi.pt. Destarte e não se tendo encontrado decisões na jurisprudência referentes à privação de uso de tractores agrícolas e inexistindo, outrossim, informação sobre o custo do aluguer de um tractor idêntico ao do autor (cujo modelo e características não constam sequer dos autos), haverá, na ponderação dos elementos que decorrem dos autos, como seja, a utilização que a autora deste fazia diariamente para transportar alimentos, duas vezes por dia, para as cerca de 600 vacas leiteiras que tem na sua actividade de exploração agro-pecuária; a privação do uso do tractor por 72 dias; a necessidade de, para o aludido efeito, recorrer ao aluguer de um tractor agrícola com idênticas características, cujos custos de manutenção em função das horas de trabalho, é sabido, não são despiciendos e, considerando também, o valor de um tractor novo idêntico àquele, que custa cerca de 200.000,00€, afigura-se-nos que atenta a natureza do bem e da actividade desenvolvida por este, bem como intensidade desta (veja-se que a sua utilização era feita pelo menos 2 vezes dia para alimentar um número muito considerável de animais, embora se desconheça o número de horas de utilização) que, numa ponderação do que se acabou de expressar a propósito e num julgamento de equidade, se mostra ajustado e equilibrado fixar o valor de tal dano no montante de 120,00€/dia (em vez dos 150.00€ diários, fixados pelo tribunal a quo, os quais, salvo o devido respeito, se nos afigura que, no caso, pecam por excesso) na comparação, designadamente, com os valores fixados quanto a veículos pesados de transporte de mercadorias a que aludimos supra, considerando, também, que as decisões em questão se reportam a acidentes ocorridos em 2015 e 2018 e portanto, em data anterior ao destes autos, o qual se deu em Março de 2021.”

Ora, verifica-se que a decisão da Relação, construída a partir de casos aproximados (aluguer veículos pesados). observa, inequivocamente, os princípios da proporcionalidade e da igualdade, não havendo, por isso, objecções relevantes à razoabilidade do valor encontrado, que não é de forma alguma arbitrário, em função dos parâmetros de facto e jurisprudenciais que o tribunal tinha ao dispor.

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

“Se, apesar de provado o dano, não for previsível que se possa determinar o seu montante exacto com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade”,

Pelo exposto acordam os Juízes desta Secção Cível em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


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Lisboa, 2 de Julho de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Manuel Aguiar Pereira