Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3994/20.STSVCT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: PEDIDO SUBSIDIÁRIO
CONHECIMENTO
CONTRA-ALEGAÇÕES
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PROVA PLENA
FORÇA PROBATÓRIA
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PROVA TESTEMUNHAL
DOCUMENTO PARTICULAR
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
NULIDADE DO CONTRATO
CONTRATOS SUCESSIVOS
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 11/14/2024
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Na circunstância em que o Tribunal da Relação julga procedente o pedido subsidiário, impugnado pelos Réus na contestação e objecto de resposta em contra-alegações, não ocorre decisão surpresa que justifique novo exercício do contraditório ao abrigo do disposto no artigo 665º, nº3, do CPC.

II. A prova plena do documento particular a que alude o artigo 376.º, n.º 1, do CC, reporta ao que foi declarado no documento em causa, ou seja, apenas abrange a prova de que as partes fizeram aquelas declarações, mas não se estende à coincidência dessas declarações com a realidade, podendo a parte fazer prova por testemunhas quanto à falta de coincidência da referida declaração com a realidade.

III. O contrato de intermediação financeira configura um "contrato-quadro", um "negócio de cobertura" ou, um contrato organizatório, que tem a função de previsão das diretrizes gerais do projeto a desenvolver no futuro e das relações negociais.

IV. A nulidade do contrato de intermediação financeira por violação do artigo 9º do RGCC, implica a nulidade dos contratos sucessivos ou de execução, como são os contratos de subscrição dos produtos financeiros.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

Da Causa

1. AA e mulher, BB, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra DEUTSCHE BANK AG, SUCURSAL EM PORTUGAL, e ABANCA CORPORACÍON BANCARIA S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL.1

Formularam os seus pedidos como se reproduz:

«EM VIA PRINCIPAL:

A. Declarar-se que o 1º R. incumpriu os seus deveres pré-contratuais para com os AA., violando com culpa grave e com dolo, por ação e omissão, o seu dever de informação e demais princípios associados, devendo os RR. serem condenados a indemnizar os AA. pelo dano negativo sofrido, a saber:

B. Condenar os RR. na indemnização do valor global de 108.484,40€ (cento e oito mil quatro centos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos) e de 7.083,75 USD (sete mil e oitenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos), correspondentes à capitais próprios perdidos nas aplicações financeiras subscritas;

C. Condenar os RR. na indemnização de todos os juros e encargos suportados com os contratos de mútuo coligados a esses produtos;

D. Condenar os RR., em relação a todas estas quantias, ao pagamento de juros de mora a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.

EM VIA SECUNDÁRIA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA E NÃO SE CONSIDERE A RESPONSABILIDADE PRÉCONTRATUAL DOS RR, COM AS DEMAIS CONSEQUENCIAS LEGAIS,

E. Declararem-se nulas ou anuladas todas as subscrições de produtos financeiros, bem como todos os documentos e contratos que com eles se relacionem, nomeadamente os contratos de financiamento associados, por força da violação dos artigos 294º-A, n.º 4, 294º-B, n.º 6, 304º nº 3, 314-A, n.º 3, 310º, 389, nº 1. Al. a) e 397º, nº 2, al. c), do CVM, e ainda dos artigos 1.º, 5.º e 6.º, 12º, 18º e 19º do DL 466/85 de 25 de Outubro e por força dos artigos 251º, 252º e 247º do CC.

F. Consequentemente, condenar os RR. a restituir aos AA. o valor de 108.484,40€ (cento e oito mil quatro centos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos) e de 7.083,75 USD (sete mil e oitenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos), correspondentes à capitais próprios investidos em aplicações financeiras

G. Condenar os RR. a restituir aos AA. todos os juros e encargos suportados com os contratos de mútuo coligados a esses produtos.

EM TODO O CASO, QUALQUER QUE SEJA A DECISÃO,

H. Condenar os RR. no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a 30.000,00€, nos termos do artigo 496º do CC.»

Em suma, alegaram que foram clientes do 1º Réu desde 2013, tendo subscrito, em 18.02.2013, o produto notes db Cabaz Global Fev. 2016, nele despendendo o valor de € 181.000,00, correspondente a 181 títulos com valor nominal de € 1.000,00 cada. Desse valor de € 181.000,00, o valor € 100.000,00 correspondeu a fundos próprios e € 81.000,00 a fundos que o próprio banco lhes emprestou para o efeito. Foram informados que o investimento era garantido na mesma medida de um depósito a prazo e que o capital estaria sempre seguro. Nunca lhes foi transmitido ou explicado a existência de riscos, ou a possibilidade de perdas de capital com a subscrição do indicado produto financeiro, bem como nunca lhes foi explicado que o investimento conjunto com o banco seria através de um contrato de mútuo, nos termos do qual o banco Réu lhes emprestaria dinheiro.

Em 04.06.2013 e 08.09.2013, a conselho do seu gestor CC, investiram € 2.000,00 nos produtos Notes db Cabaz Global Jun. 2016 e Notes db Cabaz Global Out. 2017, não lhes prestado informações ou explicações quanto ao conteúdo ou teor dos documentos que lhes dava para assinar, quer quanto à natureza dos produtos que estavam a subscrever, quer quanto aos riscos que lhes estavam associados.

Os produtos subscritos apresentaram perdas avultadas.

Foram então os Autores aconselhados pelo banco a resgatar a aplicação subscrita, sob pena, de perderem a totalidade do capital próprio subscrito, e que a única forma de, garantidamente, recuperarem o investimento passaria pela subscrição do produto notes db Recovery Axa, Facebook e Royal Dutch Shell.

Os Autores assim procederam em 22.04.2015, e pelo valor de € 125.800,00, integrando capitais próprios e, por empréstimo bancário, desconhecendo, contudo, as características deste produto, e até da existência de um empréstimo, porque tal lhes foi ocultado.

Em julho de 2016, os Autores receberam do 1º Réu a informação de que a aplicação subscrita não estava a alcançar os resultados pretendidos e que para evitar uma perda total do valor investido a única solução seria a venda da referida aplicação para a compra, desta vez de aplicações financeiras em moeda estrangeira. Assim, de forma, repentina e sem nada compreenderem, os Autores viram o banco solicitar-lhes assinaturas para a realização das seguintes transações: (i) em 27.07.2016, venda dos 185 títulos da Notes db Recovery Axa, Facebook e Royal Dutch Shell (adquiridos pelo valor de € 125.800,00) pelo preço de € 97.125,00; (ii) em 01.08.2016, amortização do empréstimo bancário nº ........29 pelo valor de € 81.212,70; (iii) em 29.07.2016, abertura da conta em Dólar Americano com o IBAN PT...................63 e compra pelo preço de 120.000,00 USD de 120 títulos do produto Notes db Rendimento USD Empresas Europeias Junho 2023, com valor nominal de 1.000,00 USD cada; (iv) em 29.07.2016, concessão de crédito bancário nº ........61, no valor de 102.000,00 USD, para financiamento parcial da aquisição anterior. Mais recentemente, em 08.04.2020, os Autores receberam do 2º Réu, abanca, uma comunicação, que os informava de que à data de 07.04.2020 o contrato de mútuo (associado ao produto Notes db Rendimento USD Empresas Europeias Junho 2023) se encontrava em “Margin Call”, sendo a relação de cobertura dos instrumentos financeiros de 110,58%. De seguida, o 2º Réu vendeu o aludido produto, por sua exclusiva iniciativa sem contacto prévio e sem qualquer autorização dos Autores, em 10.04.2020, pelo preço de 113.051,95 USD. No final, estas operações provocaram uma perda global de € 108.484,40 e USD 7.083,75 para os Autores, tendo ainda neles provocado ansiedade, preocupação, desespero e fragilizado o seu estado de saúde geral.


*


Os Réus contestaram separadamente, por exceção, invocando a prescrição do direito invocado pelos Autores e, por impugnação motivada.

O 1º Réu requereu a intervenção principal da seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal, como associada dos Réus, e a intervenção acessória de CC, intervenções que foram admitidas

A interveniente principal AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal contestou a acção, invocando a sua ilegitimidade processual e substantiva no âmbito de cobertura dos contratos de seguro celebrados com o 1ºRéu e, impugnou, por desconhecer, a factualidade alegada pelos Autores.

O interveniente acessório CC apresentou contestação, invocando a sua ilegitimidade processual e impugnou em parte a matéria da petição inicial.


*


Em audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, improcedendo as exceções de ilegitimidade passiva invocadas pelos Intervenientes, e definiu-se o objeto do litígio, bem como os temas da prova.

Os Autores requereram, entretanto, a ampliação do pedido, que foi admitida, tendo o peticionado em via secundária passado a ter a seguinte redação:

«E. Declararem-se nulos ou anulados todos os atos praticados até 23-11-2013, pelo Chamado CC, por falta de habilitações legais, em nome e em representação do 1º R, e assinados e rubricados por aquele e pelo promotor DD, nomeadamente os seguintes atos, contrato de intermediação financeira, ficha de abertura de conta, fichas de cliente, questionário: perfil de investidor, questionário de apuramento do perfil de investidor, bem como, a subscrição de todos os procutos financeiros;

F. Declararem-se nulas ou anuladas todas as subscrições de produtos financeiros, bem como todos os documentos e contratos que com eles se relacionem, nomeadamente os contratos de financiamento associados, por força da violação dos artigos 294º-A, n.º 4, 294º-B, n.º 6, 304º nº 3, 314-A, n.º 3, 310º, 389, nº 1. Al. a) e 397º, nº 2, al. c), do CVM, e ainda dos artigos 1.º, 5.º e 6.º, 12º, 18º e 19º do DL 466/85 de 25 de Outubro e por força dos artigos 251º, 252º e 247º do CC.

G. Consequentemente, condenar os RR. a restituir aos AA. o valor de 108.484,40€ (cento e oito mil quatro centos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos) e de 7.083,75 USD (sete mil e oitenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos), correspondentes à capitais próprios investidos em aplicações financeiras

H. Condenar os RR. a restituir aos AA. todos os juros e encargos suportados com os contratos de mútuo coligados a esses produtos. EM TODO O CASO, QUALQUER QUE SEJA A DECISÃO, Condenar os RR. no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a 30.000,00€, nos termos do artigo 496º do CC.»


*


1.1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, seguiu-se a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus e a Interveniente principal dos pedidos.

*


2. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, que foi julgado parcialmente procedente por acórdão da Relação de Guimarães que culmina no seguinte dispositivo:

«Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decide-se:

3.1. Declarar a nulidade dos contratos celebrados entre Autores e 1º Réu, isto é, os dois contratos de intermediação financeira e os demais contratos mencionados em f), g), k), p), u), w), aa) e bb) da matéria de facto;

3.2. Condenar os Réus a restituir aos Autores todos os valores por estes satisfeitos em execução dos apontados contratos, ou seja, as quantias de € 148.800,00 (cento e quarenta e oito mil e oitocentos euros) e de USD 18.000,00 (dezoito mil dólares);

3.3. Condenar os Autores a restituir aos Réus os valores que destes receberam em execução dos ditos contratos, isto é, as quantias de € 66.715,36 (sessenta e seis mil, setecentos e quinze euros e trinta e seis cêntimos) e de USD 28.572,19 (vinte e oito mil, quinhentos e setenta e dois euros e dezanove cêntimos).

Custas a suportar por Réus e Autores na proporção do decaimento

Inconformados, agora, os Réu Deutsche Bank Ag, Sucursal em Portugal, e Abanca Corporacíon Bancaria S.A., Sucursal em Portugal, arguiram a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia quanto à posição da Interveniente Principal AIG ..., e bem assim a ausência da notificação prévia das partes por força do disposto no artigo 665º, nº3, do CPC.

O Tribunal da Relação em acórdão tirado em conferência, indeferiu as suscitadas omissões de pronúncia previsão do artigo 666º, nº2, do CPC.

Concomitantemente, interpuseram recurso de revista.

A sua motivação da revista finaliza com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães a fls__ dos autos da acção declarativa de processo comum intentada por AA e BB, e que correu termos junto do douto Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível, Juiz 3, o qual, decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Autores e, consequentemente, declarou a nulidade dos contratos de intermediação financeira e os demais contratos mencionados em f), g), k), p), u), w) aa) e bb) da matéria de facto ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro.

B. Consequentemente, condenou os Réus a restituir aos Autores todos os valores por estes satisfeitos em execução dos apontados contratos, ou seja, as quantias de € 148.800,00 (cento e quarenta e oito mil e oitocentos euros) e de USD 18.000,00 (dezoito mil dólares); e condenou os Autores a restituir aos Réus os valores que destes receberam em execução dos ditos contratos, isto é, as quantias de € 66.715,36 (sessenta e seis mil, setecentos e quinze euros e trinta e seis cêntimos) e de USD 28.572,19 (vinte e oito mil, quinhentos e setenta e dois euros e dezanove cêntimos).

C. Efectivamente, tendo o Tribunal da Relação mantido a decisão de improcedência do pedido principal formulado pelos Autores, e porque a questão foi suscitada no recurso apresentado pelos Autores, debruçou-se sobre os pedidos subsidiários, que pese embora tenham sido objecto de apreciação na douta sentença recorrida, foram trazidos à reapreciação do tribunal superior.

D. Após reapreciação da matéria de facto, o Tribunal da Relação veio aditar quatro factos novos à matéria dada como provada, os constantes nas alíneas xx), yy) zz e aaa).

E. Os Recorrentes entendem que,

i) a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia por se entender que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre questão que devia apreciar e que fora suscitada pelos Réus, mas não apreciada em 1ª instância por ter ficado prejudicada face à sentença proferida (responsabilidade da Interveniente Principal) – artigo 615.º, n.º 1 al. d) do CPC;

ii) a decisão em causa consubstancia uma violação da lei substantiva, padecendo de erro de interpretação e aplicação da norma aplicável ao aplicar ao caso sub judice, mais concretamente por aplicação aos contratos / subscrições de produtos financeiros complexos, com disciplina e regime próprio, o regime das cláusulas contratuais gerais - artigo 674.º n.º 1 al. a) do CPC;

iii) a decisão em causa padece de erro na fixação dos factos materiais da causa no que respeita em concreto ao facto provado aaa) aditado, considerando os Recorrentes que o Tribunal da Relação não teve em consideração o valor probatório dos documentos assinados, e não impugnados, pelos Autores inerentes à subscrição dos produtos financeiros complexos em causa nos autos - artigo 674.º n.º 3 do CPC.

F.A decisão proferida pelo Tribunal da Relação é nula por omissão de pronúncia quanto à posição da Interveniente Principal AIG ... – artigo 674.º, n.º 1, al. d) do CPC, artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC.

G. Aquando da apresentação do seu articulado de defesa, o Réu Deutsche Bank requereu a Intervenção Principal Provocada da Seguradora AIG Portugal, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 316.º do CPC, tendo em vista acautelar a transferência do risco de eventual condenação nos pedidos formulados nos autos pelos Autores, por via das apólices de seguro PA......44 e C......04 celebradas com a referida Seguradora, AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal.

H. Conforme explicitou o Recorrente Deutsche Bank em sede de contestação, fundando os Autores a sua pretensão na responsabilidade civil do Réu Banco emergente dos actos praticados pelos seus promotores, no âmbito da atividade de intermediação financeira, encontrando-se o risco da sua eventual responsabilidade civil transferido para a Seguradora AIG Portugal, por via dos identificados contratos de seguro, estando o presumível sinistro sub judice abrangido pelo objecto das apólices de seguro PA......44 (a qual sendo de base de reclamação – “claims made” – cobrirá temporalmente os factos em discussão nos presentes autos) e C......04.

I. Em sede de despacho saneador, entendeu o douto Tribunal de Primeira Instância delimitar o objecto do litígio, e foram fixados os temas de prova.

K. Da sentença proferida nos autos ficou a constar dos pontos uu), vv) e ww) do acervo de factos provados a confirmação da celebração dos contratos de seguro celebrados entre o Reu Deutsche Bank e a Interveniente Principal AIG.

L. No seguimento da devida instrução da causa e de toda a prova produzida nos autos, entendeu o douto Tribunal de Primeira Instância, julgar “… a acção proposta por AA, e mulher, BB contra Deutsche Bank Aktiengesellschaft – Sucursal em Portugal, Abanca Corporación Bancária, S.A., Sucursal em Portugal e AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal (na qualidade de Interveniente Principal, associada dos Réus),improcedente, por não provada, e, consequentemente,[absolver] absolvo os Réus e a Interveniente principal dos pedidos formulados.”

M. Não tendo, contudo, o douto Tribunal a quo conhecido da matéria respeitante à transferência da responsabilidade para a Interveniente AIG Portugal por via dos citados contratos de seguro, pelo facto da referida questão ter ficado prejudicada em virtude da decisão absolutória aí proferida.

N. O Venerando Tribunal da Relação de Guimarães veio revogar aquela douta sentença proferida nos autos, declarando a nulidade dos contratos celebrados entre Autores e Réus, ordenando a restituição de tudo quanto havia sido prestado, porém, não se pronunciou, como se entende que devia ter feito, relativamente à posição processual da Interveniente AIG Portugal, cuja apreciação havia resultado prejudicada em 1ª Instância.

O. Ora, antevendo a Veneranda Relação a possibilidade de vir a alterar o segmento decisório que determinou, in casu, a condenação do Recorrente Deutsche Bank nos pedidos formulados pelos Autores, deveria o Relator (salvo o devido e mais elevado respeito) ter ordenado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, a notificação das partes para se pronunciarem/exercerem o seu direito ao contraditório relativamente às questões cujo conhecimento resultou prejudicado face à solução dada ao litígio.

P. A citada norma processual, já antecedida pela disposição legal prevista no antigo 715.º [da versão introduzida pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto] do CPC, vem estatuir que os poderes de cognição do Tribunal da Relação incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio.

Q. De facto, por via do cumprimento desse poder-dever (actualmente) previsto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, a Relação garante que o exercício do contraditório seja assegurado por todas as partes, prevenindo o risco de serem proferidas decisões-surpresa, resolvendo, assim, todas as questões que tenham sido submetidas à apreciação do Tribunal.

R.Tratando-se de um poder-dever, e na medida em que a preterição de tal formalidade legalmente prevista afecte directamente a posição processual (e material) de alguma das partes, podendo influir no exame e decisão da causa, implicará tal omissão a verificação de uma nulidade incorrida pelo Tribunal da Relação a qual, devendo ser arguida pelo interessado, o deverá ser, em caso de interposição de recurso, nesse momento processual – cf. artigo 615.º, n.º 4 do CPC.

S. Considera o ora Recorrente Deutsche Bank, e isso mesmo invoca desde já para todos os efeitos legais, que face à decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação, haveria igualmente que aferir a responsabilidade da Seguradora AIG, interveniente principal nos autos, matéria que não foi apreciada em 1ª instância por ter ficado prejudicada face à sentença absolutória proferida.

T. No entanto, tendo agora o douto Tribunal da Relação alterado a decisão proferida, não podia deixar de apreciar também se tal decisão se estende ou não à Seguradora AIG face à posição processual que ocupa nos autos, e da sua eventual condenação solidária com o Réu Deutsche Bank.

U. Ora, a Interveniente Principal AIG tem uma posição jurídica nos autos semelhante à dos Réus, e por esse motivo terá de existir também uma decisão de mérito que defina a sua responsabilidade à luz dos contratos identificados nos factos vv) e ww) dados como provados na 1ª Instância e estabilizados na decisão do Tribunal da Relação.

V.A este propósito enunciam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça por proferido em 12.10.2004 ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 03.05.2011 que entendeu (ainda ao abrigo do anterior diploma legal, mas com idêntica redação, correspondente ao actual artigo 665.º do CPC) que: “O art. 715.º do CPC estabelece a regra da plena substituição do Tribunal da Relação ao tribunal recorrido: se o Tribunal da Relação deve conhecer das questões prejudicadas, caso tenha os elementos para tal, em caso de procedência da apelação, apesar do tribunal recorrido não as ter discutido e decidido, nem o respectivo conhecimento ter sido pedido nas alegações de recurso, é porque o seu poder para delas conhecer não depende do seu conhecimento prévio pelo tribunal recorrido, nem do pedido das partes.”

W. Ou seja, há que apurar se a factualidade que determinou a condenação dos Réus e está na origem da invalidade dos contratos ora declarada pelo Tribunal da Relação, decorre da actuação do promotor, e caso a resposta seja afirmativa, deve aferir-se porque não está determinada a responsabilidade da seguradora.

X. Tendo a sentença proferida na 1ª instância dado como provada factualidade inerente à celebração dos contratos de seguro celebrados entre o Réu Deutsche Bank e a Interveniente Principal AIG, factos esses que se mantiveram estáveis na factualidade fixada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, não poderia deixar de ser apreciada naquela instância, a par da responsabilidade do Réu Deutsche Bank, a responsabilidade a Interveniente Principal, chamada a responder pelos eventuais danos causados pelo promotor, o Interveniente Acessório CC.

Y. Nessa medida, e ressalvando o devido respeito (que é muito), tendo a Veneranda Relação de Guimarães preterido da formalidade (essencial) prevista no artigo 665.º,n.º 3 do CPC, sendo certo que a falta de conhecimento da referida e supra identificada matéria influi directamente na apreciação e decisão do mérito da causa, não implicando o seu conhecimento a invocação pelo Recorrido, atendendo ao facto de o seu conhecimento ter ficado prejudicado face à solução dada ao litígio pelo douto Tribunal de Primeira Instância.

Z. Determinando, ainda, tal preterição uma violação do princípio e do direito ao contraditório garantido pela referida norma legal constante do artigo 665.º, n.º 3 do CPC.

AA. Configurará tal omissão uma nulidade processual do Acórdão recorrido, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4 do CPC, o que expressamente se alega para os devidos e legais efeitos, e que deverá determinar, in casu, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para a devida apreciação e decisão quanto à matéria em apreço (transferência da responsabilidade do Recorrente Deutsche Bank para a Interveniente AIG Portugal), o que, muito respeitosamente, se requer.

BB. Os Recorrentes entendem ainda que o Tribunal da Relação ao decidir como decidiu no douto Acórdão ora em crise, fez uma errada aplicação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais ao caso sub judice.

CC. Consideram os Recorrentes que a decisão em causa consubstancia uma violação da lei substantiva, padecendo de erro de interpretação e aplicação da norma aplicável, ao abrigo do disposto no artigo674.º,1, al. a) do CPC, ao aplicar ao caso sub judice, no qual estão em causa subscrições de produtos financeiros complexos, com disciplina e regime próprio, o regime das cláusulas contratuais gerais.

DD. Conforme decorre do douto Acórdão do Tribunal da Relação, pese embora tenha concluído face à reapreciação da matéria de facto que os Réus, mais concretamente o Réu Deutsche Bank, violou os deveres de informação a que estava vinculado na qualidade de intermediário financeiro, conclui pela improcedência do pedido principal dos Autores, por não estarem preenchidos todos os requisitos responsabilidade civil, nomeadamente por ausência de prova do nexo de causalidade cujo ónus recaía sobre os Autores, afastando por esta via (no nosso entender a única que poderia ser apreciada e considerada no caso sub judice) o direito dos Autores a serem indemnizados pelos Réus nos termos peticionados.

EE. Ademais, todas as nulidades e anulabilidades invocadas pelos Autores improcederam, tal como sucedeu na 1ª instância, com excepção da declaração de nulidade por força do regime das cláusulas contratuais gerais e que determinou a decisão de que ora se recorre.

FF. Na sentença proferida na 1ªInstância,o tribunal afastou a nulidade dos contratos nos termos invocados pelos Autores, referindo que: “Em face da prova produzida também não vislumbramos qualquer facto ou circunstância que se reconduza à falta ou vício de um elemento interno ou formativo dos contratos de intermediação financeira, das ordens de subscrição ou dos negócios celebrados e que a lei comine com a nulidade.”;Se os Autores apuseram as sua assinaturas e rubricas na documentação referente às aberturas de conta e a cada um dos produtos subscritos, nos quais é expressa e explícita a advertência quanto às características dos produtos em causa, ao longo de três (3) anos, em diferentes ocasiões, em textos explicativos e informativos, e se receberam os extractos bancários na sua residência tendo-lhes permitido acompanhar a evolução da cotação do produto e se mostraram desenvoltura na gestão dos seus interesses, designadamente, dando ordens de venda dos produtos subscritos por telefone, podemos afirmar, em consciência, que o primeiro Réu banco cumpriu o dever de esclarecer e informar em face da abundante documentação explicativa que os Autores subscreveram – cfr. alíneas d), e), f), k), p), u), z) e aa), do ponto II.1. -, não tendo os Autores logrado infirmar o que decorre dessa assunção. Pelo que, por esta via (artigo 9º, nº 2, do RJCCG) e em face do exposto, consideramos inexistir a nulidade cuja declaração é peticionada.

GG. Ora, a este propósito, sempre seria de realçar, que é nosso entendimento, e assim também vem sendo entendido pelo próprio Tribunal da Relação de Guimarães noutros casos similares, no que respeita ao pedido subsidiário em apreço, alicerçado na violação pelos Réus dos deveres de informação e demais deveres conexos dos mesmos para com os Autores, perante o enquadramento jurídico feito pela 1ª Instância na sentença - em que, considerou que no caso dos autos, não resultou provado que tenha havido violação dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro – ficaria automaticamente prejudicado o conhecimento desse pedido subsidiário e dos pedidos subsidiários com ele conexos.

HH. No entanto, tendo o tribunal de 1ª Instância apreciado tal pedido, concluindo nos moldes supra descritos, vieram os Autores em sede de recurso suscitar novamente a questão dizer o seguinte: “No âmbito do recurso, os Recorrentes sustentam que «[o] argumento da auto-responsabilidade não pode esvaziar a aplicabilidade prática daquelas normas, devendo atender-se a outros princípios, às circunstâncias de facto e às partes envolvidas». Concluem (IIII)que «[p]rovou-seque nem todas as cláusulas foram comunicadas, algumas até foram ocultadas (risco) pelo que também por esse motivo devem todos os contratos celebrados entre os AA. e as RR. serem declarados nulos, por violarem os artigos 1º, 5º, 6º e 8º do DL 466/85 de 25 de outubro.”

II. No Acórdão ora em crise, veio o Tribunal da Relação reapreciar a nulidade suscitada pelos Autores, concluindo que “No caso dos autos, foram celebrados entre as partes dois contratos de intermediação financeira e os demais contratos referidos em f), g), k), p), u), w), aa) e bb) dos factos provados, ou seja, vários contratos de subscrição de produtos financeiros estruturados e ainda contratos de mútuo para o financiamento da realização dessas operações”; Todos esses contratos inserem cláusulas pré-elaboradas, em que os Autores não tiveram qualquer participação na sua preparação e elaboração, cujo teor não puderam influenciar. Saliente-se que nenhum facto provado permite concluir que sobre as cláusulas dos contratos dos autos incidiu efetiva negociação dos contraentes. Por conseguinte, não foi feita prova de que sobre as cláusulas incidiu efetiva negociação. Por isso, os contratos em litígio têm de considerar-se como contratos de adesão, sujeitos ao regime legal do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, e, desde logo, aos deveres de comunicação e informação aí previstos. Cabendo-lhes o ónus da prova, os Réus não demonstraram o cumprimento do dever de comunicação e informação, vigente no domínio das cláusulas contratuais gerais.

JJ. Os Recorrentes não se conformam com o entendimento do Venerando Tribunal da Relação considerando que o regime das cláusulas contratuais gerais não tem aplicação aos investimentos realizados pelos Autores.

KK. Desde logo porque, o Tribunal da Relação na apreciação que faz parte de premissas erradas, nomeadamente i) que as cláusulas inseridas nos contratos de subscrição dos produtos financeiros complexos em causa nos autos foram pré-elaboradas e inseridas nos documentos inerentes à subscrição – nomeadamente nas Informações Fundamentais ao Investidor – pelos Réus; ii) que o artigo 321.º do CVM determine, para além do próprio contrato de intermediação financeira (o chamado contrato de cobertura) que o regime das cláusulas contratuais gerais se aplique também aos contratos de execução, autorizados por esse mesmo contrato de intermediação, no caso às subscrições de produtos financeiros complexos efectuadas pelos Autores; iii) que foram omitidas cláusulas fulcrais para os negócios em causa.

LL. Não obstante a douta descrição e apreciação que o Tribunal da Relação faz do regime jurídico aplicável à actividade de intermediação financeira ao abrigo do Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM), e muito bem sintetizada no sumário do Acórdão (pontos 1 a 11), não se compreende como acaba por seguir uma linha de argumentação que culmina com uma decisão de invalidade de todos os contratos realizados pelos Autores assente no regime das cláusulas contratuais gerais.

MM. No caso do recebimento, transmissão e execução das ordens dadas pelos investidores, o intermediário financeiro está a proceder a operações por conta alheia: o intermediário financeiro actua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera jurídica destes que se repercutem as consequências - positivas e negativas - das operações de subscrição ou transacção de valores mobiliários.

NN. Esta actuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente, designado normalmente como negócio de cobertura, que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura.

OO. Os negócios de cobertura, que no CVM aparecem designados como contratos de intermediação, têm a sua regulamentação nos artigos 321º e seguintes deste diploma, entre eles se contando as ordens, cuja disciplina surge nos artigos 325º e seguintes.

PP. Nos presentes autos, estava em causa, e assim foi apreciada, a responsabilidade dos Réus resultante da violação do dever de informação do intermediário financeiro perante os clientes, os Autores, na fase pré-contratual (cfr. artigos 314º, 304º-A e 312º, do Código dos Valores Mobiliários).

QQ. Na função de intermediação financeira, impendem sobre os Réus deveres específicos de informação em relação a investidores não qualificados, nomeadamente pessoas singulares, ou colectivas, a quem a lei concede uma maior protecção, dada a sua menor experiência e conhecimentos ao actuarem fora da sua área profissional.

RR. Efectivamente, os intermediários financeiros estão obrigados a agir com lealdade e boa-fé e a disponibilizar aos investidores não qualificados todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes à natureza e riscos dos instrumentos financeiros, nos termos do disposto nos artigos 304º/2 e 312º do Código dos Valores Mobiliários (na redacção emergente do disposto no Decreto-Leinº486/99,de 13de Novembro),sob pena de incorrerem em responsabilidade civil nos termos do artigo 304º- A desse mesmo diploma legal.

SS. O Código dos Valores Mobiliários, determina como deve ser realizado e concretizado pelo intermediário financeiro o dever de informação que sobre si recai – artigo 312.º do CVM, não existindo qualquer necessidade de recorrer ao regime das cláusulas contratuais gerais para esse efeito.

TT. Sendo o Código dos Valores Mobiliários lei especial reguladora das relações estabelecidas entre os intermediários financeiros e os investidores, e que determina a consequência da violação dos deveres de informação com a indemnização do lesado, nos termos do artigo 314.º do CVM, não se compreende que para uma mesma situação venha aplicar-se uma outra solução jurídica, que embora trazida à colação pelos Autores, salvo melhor entendimento, não pode valer.

UU. Se no regime especial, estão consagradas regras que determinam que o ónus da prova da violação do direito de informação recai sobre o investidor, não vingando o instituto da responsabilidade civil por ausência dos seus pressupostos – de verificação cumulativa – então, não se compreende em que medida pode derrogar-se tal regime para acolher um outro que, embora seja complemento do primeiro, não o substitui.

VV. É que não estamos apenas e só a falar dos contratos de intermediação financeira, pois esses foram celebrados à data da abertura de conta e na sequência dos mesmos podiam ou não ter sido subscritos os produtos financeiros em crise nos autos.

WW. Faz-se ainda notar que, a alegação dos Autores e aquilo que foi requerido em sede de pedido subsidiário, não se prende efectivamente com os contratos de intermediação financeira propriamente ditos, sendo que, por norma, o seu clausulado consta das condições gerais de abertura de conta.

XX. Os Autores pretendem com a soluções jurídicas diferentes obter o mesmo resultado, o que não se figura minimamente aceitável porquanto os limites da condenação sempre teriam de se pautar, salvo melhor entendimento, pelo regime consagrado no Código dos Valores Mobiliários.

YY. O que releva, e foi sempre a preocupação dos Autores, não são as condições gerais de quaisquer contratos de abertura de conta, nem o clausulado do contrato de intermediação financeira, mas sim as subscrições dos produtos financeiros complexos realizadas posteriormente e onde os Autores perderam capitais, mas também ganharam muito dinheiro.

ZZ. Caso contrário, teriam os Autores ab initio requerido a nulidade dos contratos de intermediação e não é isso que sucede.

AAA. Acresce que, o pedido principal formulado pelos Autores foi devidamente apreciado, quer na 1ª Instância, quer pelo douto Tribunal da Relação, donde não resultou qualquer responsabilização dos Réus, embora com motivações e fundamentação diferente.

BBB. A acrescer ao exposto, e talvez o mais importante para esta questão, é que os contratos que se traduzem nas subscrições dos produtos financeiros complexos efectuadas pelos Autores, não são contratos de adesão nos termos definidos no regime das cláusulas contratuais gerais e sempre estarão excluídos da aplicação deste regime por via do disposto no artigo 3.º, al.a) – Decreto Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro - uma vez que a sua concepção e elaboração decorre não da vontade ou imposição do intermediário financeiro, mas de normativos legais e regulamentares, sujeitos ao crivo das entidades supervisoras como são a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o Banco de Portugal.

CCC. A remissão do artigo 321.º do CVM para o regime das cláusulas contratuais gerais só terá aplicação para os contratos de intermediação financeira e não aos contratos conexos, que têm disciplina imposta pelo próprio legislador e tal comporta uma excepção à aplicação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais ao abrigo do disposto no artigo 3.º al. a) - Decreto Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro “Artigo 3.º Excepções: o presente diploma não se aplica: a) A cláusulas típicas aprovadas pelo legislador”

DDD. Faz-se notar que o clausulado constante nas Informações Fundamentais ao Investidor – a chamada IFI – inerente à subscrição de produtos financeiros complexos, tem regulamentação definida e imposta por legislação constante de Directivas Comunitárias – DMIF – transpostas para o nosso ordenamento jurídico e ainda sustentada em regulamentos emanados pelas entidades supervisoras como o Regulamento 2/2012 da CMVM, de 26.11.2012 sobre produtos financeiros complexos.

EEE. O regime das cláusulas contratuais gerais não pode surgir como um regime supletivo de aferição de consequências pela violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro relativamente aos Instrumentos /produtos financeiros subscritos pelos clientes, quando existe um regime próprio previsto no CVM, mas que uma vez analisados o pressuposto da sua aplicação verifica-se que os mesmos não estão reunidos.

FFF. Eventualmente por via de todo e qualquer regime jurídico que possa avocar-se para uma situação de incumprimento, erro ou nulidade/anulabilidade, existindo sempre caminho, por uma via ou outra, para reverter um negócio que não correu como o esperado, não obstante os riscos próprios subjacentes ao mesmo.

GGG. Ora é precisamente face ao vertido no artigo 304.º A do CVM e por aplicação do artigo 3.º al. a) do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais que concluímos que este último não tem, nem poderia ter aplicação no caso sub judice.

HHH. A violação dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro tem um regime próprio, especial face ao estabelecido no regime das cláusulas contratuais gerais, que, como acima já se referiu, nem tem aplicação no caso dos investimentos subscritos pelos Autores por não poderem ser entendidos como contratos de adesão pré-elaborados pelos Réus.

III. Toda a documentação contratual subjacente à subscrição dos produtos financeiros complexos subscritos pelos Autores foi imposta pelo legislador, quer por via de legislação interna – CVM e Regulamento CMVM n.º 2/2012 – bem como por via de directivas comunitárias (DMIF) obedecendo a critérios rigorosos e padronizados de elaboração desses mesmos documentos, mas que não foram determinados ou pré-elaborados pelos Réus.

JJJ. Ademais veja-se toda a argumentação jurídica expendida pelo Tribunal da Relação quer no que toca à reapreciação do direito no que tange à violação dos deveres de informação, concluindo improceder por falta dos pressupostos, aferidos de acordo com o instituto da responsabilidade civil quer no que respeita à análise sobre as consequências decorrentes do não o apuramento do perfil de investidor dos Autores em conformidade com o estabelecido no artigo 314.º do CVM, concluindo e bem que tal facto não é gerador de nulidade porquanto o legislador determinou uma consequência jurídica que não a nulidade.

KKK. Fazemos notar que só ficou provado que os Autores não foram informados e esclarecidos sobre as características do produto financeiro que estavam a subscrever quanto aos riscos e possibilidade de perda de capital no que respeita ao produto Notes db Cabaz Global Fev. 2016 (facto provado aaa) aditado pelo Tribunal da Relação).

LLL. Assim, e nos termos do disposto no artigo 674.º,n.º 1 al.a)do CPC, entendem os Recorrentes que a decisão do Venerando Tribunal da Relação consubstancia uma violação da lei substantiva, padecendo de erro de interpretação e aplicação da norma aplicável ao aplicara o caso sub judice, mais concretamente aos contratos / subscrições de produtos financeiros complexos, com disciplina e regime próprio, o regime das cláusulas contratuais gerais, violando o disposto nos artigos 304.º A, 312.º, 321.º, 324.º-A do CVM e artigo 3.º al. a) e 9.º, n.º 2 do Decreto Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro – LCCG. MMM. Por último, consideram os Recorrentes que a decisão em causa padece de erro na fixação dos factos materiais da causa no que respeita em concreto ao facto provado aaa) aditado, considerando os Recorrentes que o Tribunal da Relação não teve em consideração o valor probatório dos documentos assinados, e não impugnados, pelos Autores inerentes à subscrição dos produtos financeiros complexos em causa nos autos, não impugnados pelos Autores - artigo 674.º n.º 3 do CPC.

NNN. Analisada a matéria de facto considerada provada nos autos, e estabilizada pelo Tribunal da Relação, constata-se que não se extrai de nenhum dos factos provados que os Réus, mais concretamente o Réu Deutsche Bank, não tenha transmitido e explicado aos Autores a natureza e características dos produtos financeiros que subscreviam e que os não estavam cientes do tipo de produtos que subscreviam, a não ser no que respeita ao primeiro produto, conforme facto aaa) ora aditado pelo Tribunal da Relação.

OOO. Acresce que, relativamente ao facto provado aaa) ora aditado, consideram os Réus que está preenchido o fundamento de revista ao abrigo do disposto no artigo 674.º n.º 3 do CPC.

PPP. Efectivamente, tendo ficado provado nos factos f), g), k), n), p), s), u), w), x), aa), bb), que os Autores assinaram todas as subscrições e documentação contratual, não os impugnando, vale como confissão extrajudicial, algo que o Tribunal da Relação desconsiderou e que de qualquer forma não seria afastado pela aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais.

QQQ. Os documentos em análise configuram documentos particulares (arts. 362º, 363º, nºs 1 e 3 do CC), que se encontram assinados e rubricados pelos Autores (art. 373º, n.º 1 do CC).

RRR. Não tendo os Autores impugnado as assinaturas e as rúbricas que constam de tais documentos, nem suscitado a falsidade desses documentos, nos termos dos arts.374º e 376º, n.ºs 1 e 2 do CC, aqueles documentos fazem prova plena das declarações neles firmadas pelos Autores, considerando-se os factos compreendidos na declaração desta provados, na medida em que forem contrários aos seus interesses, mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.

SSS. Destarte, os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas na documentação inerente à subscrição de todos os produtos declarando e manuscrevendo pelo seu próprio punho, logo após as “Advertências Específicas ao Investidor”, “Tomei conhecimento das Advertências”, apondo a sua assinatura após a referida declaração, bem como ter recebido um exemplar do documento previamente à aquisição.

TTT. O que, salvo melhor entendimento, não podia deixar de ter sido valorado pelo Tribunal da Relação como confissão extrajudicial do conhecimento e da informação prestada pelos Réus aos Autores sobre a natureza e características dos investimentos que subscreveram.

UUU. A força probatória plena dos factos acabados de referir, por força do disposto no art.º.347º do CC, nos termos do qual: “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”, não pode ser contrariado por outro meio de prova, nomeadamente, a prova testemunhal. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/01/2023.

VVV. Quanto a esta matéria acolhe-se a jurisprudência do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 01.04.2024,no âmbito do Proc. 3611/20.4T8VCT.G1 num caso em tudo similar ao dos presentes autos, em que os aqui Recorrentes também figuram como parte, e tal como consta no respectivo sumário: 2- Encontrando-se nas “Informações Fundamentais ao Investidor”, apostas uma série de advertências, em termos bem destacados, visíveis e legíveis, nomeadamente, que existe o risco de perda total do capital investido, e manuscrevendo o cliente declaração, a seguir a essas advertências, com o seguinte teor: “Tomei conhecimento das advertências”; seguida de data e hora (estas parcialmente manuscritas) e da assinatura, e, bem assim, no final desse documento, declaração, também por ele manuscrita, em que se lê: “Recebi um exemplar deste documento antes da subscrição”, seguida de data e hora (parcialmente manuscritas) e de assinatura, não tendo sido invocada a falsidade do mencionado documento, nem impugnada a letra, nem a assinatura, tais declarações têm-se como plenamente provadas, por confissão (art.º 376º do CC). 3- A falsidade de documento particular e a impugnação da letra ou da assinatura dele constantes têm de ser feitas no prazo de dez dias, contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário, sendo juridicamente irrelevante qualquer impugnação antecipada (v.g., na petição inicial, a autora alega que nunca lhe foi feita qualquer questionário destinado a apurar o perfil de investidor, e que: “A existir, o que a Autora desconhece, esse questionário não foi certamente preenchido pelo seu punho, nem sob o seu ditado”).

WWW. Assim, e na senda do referido Acórdão, inexistem dúvidas de que, a confissão extrajudicial em documento particular considera-se provada e, sendo feita à parte contrária, tem força probatória plena.

XXX. Ora, a verdade é que, no caso vertente, os Autores admitiram na petição inicial, e em declarações de parte, que assinaram diversos documentos e confirmaram as suas assinaturas, não as tendo impugnado.

YYY. O Tribunal da Relação ao desconsiderar as confissões judiciais e extrajudiciais (que têm força probatória plena) que permitiram ao Tribunal de Primeira Instância, dar como provados os factos constantes das alíneas f), g), k), n), p), s), u), w), x), aa), bb), não dando como provado que os Réus cumpriram com os deveres de informação a que se encontram vinculados, violou o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 357.º n.º 1, 358.º, e 360.º, 374.º e 376.º do Código Civil e do disposto no artigo 444.º do CPC.

ZZZ. Desta forma, e salvo o devido respeito, impõe-se a revogação da decisão também neste ponto, nomeadamente retirando dos factos provados o facto aaa) aditado.

AAAA. Na verdade, e não fosse a desconsideração destes meios de prova pelo Tribunal da Relação, e não seria dada como provada a violação dos deveres de informação por parte dos Réus, nem tão pouco, a par da argumentação que acima se expôs sobre a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, poderia ter sido proferida uma decisão a declarar a nulidade dos contratos / subscrições realizadas pelos Autores.

BBBB. O Supremo Tribunal de Justiça não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes de reapreciação dos meios de prova, nos casos como presente, em que está em causa averiguar se houve violação de disposição que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, bem como dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório.

CCCC. Cabe, assim, ao Supremo Tribunal de Justiça, na vertente adjetiva, o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, ou seja, averiguar se o tribunal recorrido, ao alterar a decisão da matéria transitada da 1.ª instância, violou, ou não, a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova.

DDDD. E, na vertente substantiva, cabe-lhe ainda, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais relevantes sindicar se o Tribunal da Relação violou alguma regra de direito probatório material, designadamente disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto em causa ou que fixe a força de determinado meio de prova que seja aplicável, como aqui sucede.

EEEE. Assim, entendem os Recorrentes que a decisão do Venerando Tribunal da Relação consubstancia uma violação da lei substantiva, e que padece de erro na fixação dos factos materiais da causa no que respeita em concreto ao facto provado aaa) aditado e no que concerne aos factos nos quais fez assentar a prova da violação dos deveres de informação, considerando os Recorrentes que o Tribunal da Relação não teve em consideração o valor probatório dos documentos assinados, e não impugnados, pelos Autores inerentes à subscrição dos produtos financeiros complexos em causa nos autos, existindo assim clara violação do disposto nos artigos violou o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 357.º n.º 1, 358.º, e 360.º, 374.º e 376.º do Código Civil e do disposto no artigo 444.º do CPC.

FFFF. Face ao exposto, verifica-se que a decisão recorrida violou na sua globalidade o preceituado nos artigos 312.º, 316.º, 608.º n.º 2 e 665.º, n. sº 2 e 3 do CPC, artigos 304.º A, 312.º, 321.º, 324.º do CVM e artigo 3.º al. a) e 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro – LCCG - e artigos 352.º, 356.º, 357.º n.º 1, 358.º, e 360.º, 374.º e 376.º do Código Civil e do disposto no artigo 444.º do CPC.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., mui doutamente, suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, e determinando-se a sua substituição por outro que repristine a douta sentença proferida nos autos pelo Tribunal de Primeira Instância, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Caso assim não se entenda, deverão os presentes autos baixar ao Tribunal a quo para apreciação e suprimento da nulidade de omissão de pronúncia invocada e verificada na decisão recorrida.»


*


Na resposta, os Autores refutam amplamente cada um dos fundamentos do recurso interposto pelos Réus, e pugnam assim pela sua improcedência e confirmação do julgado do Tribunal da Relação.

II. Objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC).

Percorridas as conclusões dos recorrentes, em interface com o acórdão recorrido, importa apreciar e decidir sobre os seguintes tópicos recursivos:

- O acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia, não apreciando a responsabilidade da Interveniente Seguradora AGI Portugal?

- O Tribunal da Relação devia notificar previamente as partes para o exercício do contraditório?

- A alteração da matéria de facto sob o ponto “aaa” desconsiderou o valor probatório dos documentos assinados pelos Autores e não impugnados?

- O regime de nulidade do contrato de intermediação financeira do RGCC não é aplicável aos contratos / subscrições de produtos financeiros complexos (contratos de execução)?

III. Fundamentação

A. Os Factos

Vem assente das instâncias:

a) Os Autores têm de escolaridade o nível de ensino primário;

b) Sempre exerceram a actividade profissional em ...: ele, ..., ela, ...;

c) O banco Deutsche Bank Aktiengesellschaft opera em Portugal através da sucursal, aqui primeiro Réu, Deutsche Bank Aktiengesellschaft – Sucursal em Portugal;

d) No exercício da sua actividade comercial, o primeiro Réu celebrou com os Autores em 01.02.2013, um acordo de abertura de conta de depósito à ordem n.º ......................15, conta solidária, em que figurava como 1º titular o Autor, AA, e como 2.ª titular a Autora, BB, conforme se alcança da cópia do referido acordo, composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, junta aos autos de fls. 127v a 141v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

e) Na mesma data, foram entregues aos Autores cartas, nas quais estes apuseram as suas assinaturas, intituladas “Welcome Pack”, com documentos informativos sobre: (i) Advertência sobre Investimentos; (ii) Advertência sobre Recepção e Transmissão Ordens; (iii) Advertência sobre Prevenção ao Branqueamento de Vantagens de Proveniência Ilícita e Financiamento ao Terrorismo; e (iv) Advertência sobre Directiva de Mercados e Instrumentos Financeiros e Política de Gestão de Conflito de Interesses, conforme cópias que se encontram juntas aos autos a fls. 233 e 233v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

f) No dia 1 de Fevereiro de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, Notes db Cabaz Global Fev. 2016, associada à conta de depósito à ordem nº ......................15, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ......32 (documento nº 16 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;

g) O valor da operação foi de € 181.000,00, sendo € 100.000,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Deutsche Bank – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – Notes db Cabaz Global Fev. 2016 – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em 18.02.2013 (documento nº 17 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

h) Os Autores receberam na vigência deste produto a título de juros brutos, o montante total de € 25.340,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 23.05.2013 – € 3.620,00 a título de juros; b) 22.08.2013 – € 3.620,00 a título de juros; c) 21.11.2013 – € 3.620,00 a título de juros; d) 21.02.2014 – € 3.620,00 a título de juros; e) 22.05.2014 - € 3.620,00 a título de juros; f) 21.08.2014 - € 3.620,00 a título de juros; g) 21.11.2014 - € 3.620,00 a título de juros;

i) Na sequência da desvalorização financeira do produto, o Autor deu ordem de venda do mesmo, em 10.04.2015, apondo a sua assinatura nas ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº 18 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

j) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 103.170,00, creditada na supramencionada conta de depósito à ordem nº ......................15, e com data-valor de 15.04.2015, foi amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento – Contrato de Mútuo n.º .......16 - no montante de € 81.372,70;

k) No dia 4 de Junho de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, Notes db Cabaz Global Jun. 2016, associada à conta de depósito à ordem nº ......................15, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ......32 (documento nº 19 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;

l) O valor da operação foi de € 2.000,00, sendo proveniente de capitais próprios;

m) Durante a vigência deste produto, os Autores receberam juros brutos no montante total de € 210,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 03.10.2013 – € 35,00 a título de juros; b) 03.01.2014 – € 35,00 a título de juros; c) 02.04.2014 – € 35,00 a título de juros; d) 03.07.2014 – € 35,00 a título de juros; e) 02.10.2014 – € 35,00 a título de juros; f) 02.01.2015 – € 35,00 a título de juros;

n) A Autora deu ordem de venda do mesmo, em 16.03.2015, apondo a sua assinatura nas ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº 20 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

o) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 1.404,00, devidamente creditada na supramencionada conta de depósitos à ordem n.º ......................15;

p) No dia 9 de Setembro de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, Notes db Cabaz Global Out. 2017, associada à conta de depósito à ordem nº ......................15, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº 38653132 (documento nº 21 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;

q) O valor da operação foi de € 2.000,00, sendo proveniente de capitais próprios;

r) Durante a vigência deste produto, os Autores receberam, a título de juros brutos, o montante total de € 175,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 03.01.2014 – € 35,00 a título de juros; b) 03.04.2014 – € 35,00 a título de juros; c) 03.07.2014 – € 35,00 a título de juros; d) 03.10.2014 – € 35,00 a título de juros; e) 05.01.2015 – € 35,00 a título de juros;

s) A Autora deu ordem de venda do mesmo, em 16.03.2015, apondo a sua assinatura nas ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº 22 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

t) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 1.220,00, creditada na supramencionada conta de depósitos à ordem nº ......................15;

u) No dia 9 de Abril de 2015, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas no boletim de subscrição (boletim de subscrição, informações fundamentais ao investidor e condições finais) do produto financeiro complexo, Notes db Recovery Axa, Facebook & Royal Dutch Shell, associada à conta de depósito à ordem nº ......................15, cujas cópias foram juntas aos autos como documento nº 23 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

v) O valor da subscrição foi de € 185.000,00, tendo os Autores despendido apenas a quantia de € 125.800,00 porque cada note foi adquirida por 68% do seu valor nominal;

w) Sendo € 44.800,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Deutsche Bank – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – Notes db Recovery Axa, Facebook & Royal Dutch Shell – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em 20.04.2015 (documento nº 24 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

x) O Autor deu ordem de venda do produto supramencionado, com data-valor de 27.07.2016, apondo a sua assinatura nas ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº 25 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

y) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 97.772,50, creditada na supramencionada conta de depósitos à ordem n.º ......................15, e, com a mesma data-valor, foi amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento – Contrato de Mútuo n.º .......29 - no montante de € 81.203,44;

z) Também no exercício da sua actividade comercial, o primeiro Réu celebrou com os Autores em 11.05.2016, um acordo de abertura de conta de depósito à ordem em moeda estrangeira (USD) n.º ......................63, conforme se alcança da cópia do referido acordo, junta aos autos de fls. 239v a 241v (documento nº 14 junto com a contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

aa) No dia 26 de Julho de 2016, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas no boletim de subscrição (boletim de subscrição, informações fundamentais ao investidor e condições finais) do produto financeiro complexo, Notes db Rendimento USD Empresas Europeias Jun. 2023, associada à conta de depósito à ordem nº ......................63 (USD), cujas cópias foram juntas aos autos como documento nº 26 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

bb) O valor da operação foi de $ 181.000,00, sendo $ 18.000,00 provenientes de capitais próprios e $ 102.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Deutsche Bank – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – Notes db Rendimento USD Empresas Europeias Jun. 2023 – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em 29.07.2016 (documento nº 27 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

cc) Os Autores receberam entre Setembro/2016 e Março/2019, a título de juros brutos o montante total de $ 12.670,02, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 22.09.2016 – $ 702,29 a título de juros; b) 22.12.2016 – $ 1.307,13 a título de juros; c) 22.03.2017 – $ 1.349,20 a título de juros; d) 22.06.2017 – $ 1.395,53 a título de juros; e) 22.09.2017 – $ 1.432,07 a título de juros; f) 22.12.2017 - $ 1.447,50 a título de juros; g) 22.03.2018 - $ 1.537,64 a título de juros; h) 24.09.2018 - $ 1.747,41 a título de juros; i) 24.12.2018 - $ 1.751,25 a título de juros; j) 22.03.2019 - $ 1.887,60 a título de juros;

dd) O 1º e o 2º Réu acordaram em trespassar, do primeiro para o segundo, o negócio em Portugal do primeiro Réu do ramo de actividade denominado Private and Commercial Clients, englobando a transmissão para o segundo Réu do conjunto de activos, passivos e relações contratuais encabeçadas pelo primeiro Réu, nos termos que melhor surgem descritos na cópia da escritura pública junta aos autos de fls. 424 a 435 (documentos nºs. 28 e 29 da contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

ee) Os Autores receberam, ainda e por foça da subscrição referida em aa), entre Junho/2019 e Abril/2020, a título de juros brutos o montante total de USD 4.985,92, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 20.06.2019 – $ 1.324,64 a título de juros; b) 24.09.2019 – $ 1.271,50 a título de juros; c) 24.12.2019 - $ 1.221,66 a título de juros; d) 24.03.2020 - $ 1.168,12 a título de juros;

ff) O 2º Réu enviou aos Autores as missivas datadas de 20.03.2020, 27.03.2020 e 08.04.2020, cujas cópias constam de fls. 508 a 509 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;

gg) No dia 08.04.2020, o Autor AA deu instruções, oral e telefonicamente, ao segundo Réu para proceder à venda das Notes db Rendimento USD Empresas Europeias Jun. 2023;

hh) Da venda resultou o montante de USD 113.051,95, que foi devidamente creditado na conta de depósito à ordem PT.. .... .... .... .... .... 5 (que sucedeu, após o mencionado trespasse, à conta nº ......................63 do primeiro Réu), e com o qual foi amortizado o Crédito ao Investimento ...............-0 (USD) no montante de USD 102.135,70, ficando o remanescente (USD 10.916,25) creditado na conta dos Autores;

ii) Em Agosto de 2020, os Autores procederam ao encerramento de ambas as contas de depósito à ordem tituladas junto do 2.º Réu, transferindo o respectivo saldo para outra conta (MB-Transf....................24);

jj) Os produtos subscritos e mencionados em f), k), p) e aa) são produtos financeiros complexos e podem implicar a perda parcial ou total do capital investido;

kk) Os Autores, em 01.02.2013, apuseram as suas assinaturas nos formulários/questionários, cujas cópias dos autos de fls. 234 e 235 dos presentes autos (documentos nºs. 9 e 10 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos, sem que os mesmos estivessem preenchidos e sem que os Autores fossem questionados com as perguntas que nos mesmos se encontram enunciadas;

ll) O Autor, em 04.06.2013, apôs a sua assinatura e rubricas no formulário/questionário, cuja cópia consta dos autos de fls. 238 a 239 dos presentes autos (documentos nº 13 da contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sem que o mesmo estivesse preenchido e sem que o Autor fosse questionado com as perguntas que no mesmo se encontram enunciadas;

mm) O Interveniente CC foi trabalhador da sociedade J..., Lda de 10.03.2012 a 09.10.2013;

nn) O Interveniente CC passou a sócio-gerente da sociedade J..., Lda em 09.10.2013, conforme se extrai da certidão de matrícula da supra referida sociedade, junta aos autos a fls. 689v e 690 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

oo) O Interveniente CC e o 1º Réu celebraram, em 25.11.2013, o acordo, por eles apelidado de Contrato de Promotor Deutsche Bank, cuja cópia se encontra de fls. 691 a 706 (documento nº 6 da contestação do 1º Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

pp) Por acordo das partes outorgantes, o acordo supra referido foi revogado em 25.08.2017, conforme se retira da cópia do escrito junta aos autos de fls. 708 a 709 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

qq) Todos os contactos e reuniões relativos às contas abertas no 1º Réu e aos produtos subscritos, que os Autores realizaram com o 1º Réu, fizeram-no pessoalmente e até 25.08.2017, com e através do Interveniente CC, com excepção da subscrição do produto mencionado em aa);

rr) Até 25.11.2013, a actividade do interveniente CC era, na ligação ao 1º Réu, formalizada e superintendida pelo promotor deste, DD;

ss) O produto mencionado em aa) foi apresentado aos Autores pelo funcionário do 1º Réu, EE;

tt) Os Autores receberam, na sua residência, os extractos bancários relativos às contas bancárias supra mencionadas desde a sua abertura até ao seu encerramento, tendo acompanhado a cotação dos produtos que subscreveram;

uu) A partir de 1 de Dezembro de 2018, por efeitos da cisão da AIG Britânica (AEL), a parte seguradora nos acordos infra descritos passou a ser a sucursal em Portugal da AIG Europe SA (AESA), Companhia de Seguros, tendo assumido a denominação de AIG Europe, S.A. – Sucursal em Portugal, conforme se retira da cópia das certidões juntas aos autos de fls. 549 a 557 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

vv) O 1º Réu e a Interveniente AIG celebraram, por escrito e em 15 de Dezembro de 2016 (posteriormente renovado), o acordo, pelas partes apelidado de seguro de responsabilidade civil geral (130100), titulado pela apólice nº C......04, nos termos das condições gerais, condições particulares e das condições especiais, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 558v a 575 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

ww) Entre o 1º Réu e a Interveniente AIG foi celebrado, por escrito e em 23 de Outubro de 2017 (posteriormente renovado), o acordo, apelidado pelas partes de Corporate Guard 2015 Civil Liability Insurance, titulado, pela apólice nº PA......44, cujo respectivo clausulado se encontra reproduzido nos autos de fls. 576 a 618, dando-se o mesmo aqui por integralmente reproduzido.

xx) O 1º Réu apresentou e sugeriu aos Autores aplicações financeiras, sem analisar previamente os seus perfis de investidores.2

yy) O 1º Réu não cuidou de saber qual o nível de formação dos Autores, nem qual a sua experiência no mercado financeiro.

zz) Os Autores nunca responderam a qualquer questionário de análise de perfil de investidor, tanto de forma escrita como oral.

aaa) Previamente ao referido em f), o Autor não foi integralmente informado e esclarecido pelo 1º Réu sobre a natureza do produto financeiro que estava a subscrever, nem sobre os riscos que a operação envolvia, nomeadamente quanto à possibilidade de perda do capital.

B. O Direito

1. Breve enquadramento

O Tribunal de primeiro grau julgou a acção improcedente e absolveu os Réus dos pedidos formulados.

Os Autores apelaram em toda a extensão do peticionado, vindo o Tribunal da Relação a julgar parcialmente procedente o recurso, no acolhimento dos pedidos formulados a título subsidiário.3

Para o que considerou em síntese - “No caso dos autos, foram celebrados entre as partes dois contratos de intermediação financeira e os demais contratos referidos em f), g), k), p), u), w), aa) e bb) dos factos provados, ou seja, vários contratos de subscrição de produtos financeiros estruturados e ainda contratos de mútuo para o financiamento da realização dessas operações. Todos esses contratos inserem cláusulas pré-elaboradas, em que os Autores não tiveram qualquer participação na sua preparação e elaboração, cujo teor não puderam influenciar. Saliente-se que nenhum facto provado permite concluir que sobre as cláusulas dos contratos dos autos incidiu efetiva negociação dos contraentes. Por conseguinte, não foi feita prova de que sobre as cláusulas incidiu efetiva negociação.

Por isso, os contratos em litígio têm de considerar-se como contratos de adesão, sujeitos ao regime legal do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, e, desde logo, aos deveres de comunicação e informação aí previstos.»

O acórdão recorrido declarou, pois, a nulidade de todos os instrumentos contratuais celebrados entre os Autores e o 1º R., incluindo os contratos de execução aos dois contratos de intermediação (com a consequente obrigação de restituição do prestado), por inserirem cláusulas de adesão em violação do regime decorrente dos 1.º, 5.º, 6.º e 8º do DL 466/85 de 25 de Outubro que aprovou o regime das cláusulas contratuais gerais - (RGCC).

2. Do mérito

O pedido de revista dos Réus suporta-se nos seguintes fundamentos: nulidade por omissão de pronúncia no que respeita à responsabilidade da Interveniente Seguradora AG, bem como na ausência do cumprimento do disposto no artigo 665º, nº3, do CPC.; erro na fixação dos factos materiais da causa (alínea aaa)) dos factos provados; erro na aplicação e interpretação do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais aos contratos de execução dos contratos de intermediação financeira celebrados com os Autores.

2.1. Nulidade - omissão de pronúncia

Sustentam os Recorrentes, em primeiro lugar, que o acórdão impugnado não se pronunciou quanto à responsabilidade da Interveniente AIG, para a qual haviam transferido a sua responsabilidade, e mais argumentam que deveria a Relação proceder à exigida notificação para o exercício do contraditório, no pressuposto da alteração do sentido decisório da sentença, que lhes veio a ser desfavorável.

Apreciemos.

As questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal - artigo 608º, n.º 2, do CPC - e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer - independentemente de alegações e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

A omissão traduz-se, assim, como resulta da tradução normativa da figura, na falta de tratamento e decisão (pronúncia) quando o tribunal deixa de conhecer de questões que deveria apreciar ou conheça de questões de que não poderia conhecer - art. 615º, n.º 1, al. d), do CPC.

Sabido, também, que a omissão de pronúncia só se verifica quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que foram submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes na defesa das teses em presença, e bem assim, não tem que se pronunciar sobre questões que ficam prejudicadas pela solução que deu a outra questão que apreciou.

Nos autos.

Resulta do relatório que os Autores formularam diversos pedidos, uns a título principal, outros, a título subsidiário (ou secundário de acordo com a P.I.) para o caso de aqueles não procederem.

Em primeira nota, sublinhamos que o Tribunal de 1ª instância julgou improcedentes todos os pedidos formulados, sejam eles principais ou subsidiários, embora sem apreciar alguns dos fundamentos invocados alegados pelos Autores, tal como se retira do dispositivo da sentença - «julgo a acção (…) improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo os Réus e a Interveniente principal dos pedidos formulados.»

Por seu turno, o Tribunal da Relação debruçou-se sobre cada um dos pedidos, com excepção, justamente, da pretensão alicerçada na responsabilidade civil, referente à indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 30.000,00, por ter sido excluída pelos Autores nas suas alegações. 4

Sobre todas as questões suscitadas no recurso pelos Autores foi dada aos Réus a oportunidade do exercício de resposta nas contra-alegações na linha da estratégia escolhida na defesa da sua posição na demanda.

Acompanhando o sistematizado iter decisório do acórdão em sindicância, evidencia-se que a Relação apreciou, ainda, todos os fundamentos e questões que não foram objeto de apreciação na sentença, em resultado da arguição pelos recorrentes de diversas nulidades e invocação de vários fundamentos.

Vindo o Tribunal da Relação a concluir pela exclusiva procedência do pedido subsidiário que concerne à aplicação do regime legal das cláusulas contratuais gerais (RCCG) aos contratos celebrados entre as partes, e cuja nulidade declarou com a consequente restituição do prestado, como efeito previsto no artigo 289º, nº 1, do CC.

Numa segunda nota, a génese do pedido que procedeu, em nada intercepta o regime da responsabilidade civil e, o efeito da nulidade dos contratos em apreço - a obrigação de restituição do prestado- revela-se independente de função compensatória, estando circunscrita à esfera jurídica dos Réus; trata-se, portanto, de obrigação alheia à Interveniente Seguradora, à margem da relação contratual que assumiu perante os Réus através da cobertura de risco.5

Donde, não tendo sido julgado procedente qualquer pedido com fundamento em responsabilidade civil, ou resultado a condenação dos Réus a ressarcir danos dos Autores, não cabia ao tribunal a quo pronunciar-se sobre a posição da Interveniente AG.

Improcede a nulidade.

Também nesta parte, não assiste razão aos recorrentes.

2.2.O exercício do contraditório

Noutra vertente da arguição da nulidade do acórdão, alegam os Réus que o Tribunal da Relação, ao conjeturar a procedência do recurso das Autoras, deveria ter ordenado a prévia notificação das partes para o exercício do contraditório sobre as questões não decididas na primeira instância.

Apontam a violação do disposto no artigo 665º, nº3, do CPC.

In casu, é manifesto que tal não se verifica.

É bom de ver, que a circunstância prevenida no citado normativo- evitar decisão surpresa – não tem qualquer respaldo na situação sub judice.

Sempre se dirá, de todo o modo, que, a sentença, embora afaste a aplicação do regime da nulidade dos contratos à luz do RGCC, como solução do litígio, apreciou este pedido, como espelha o seguinte ponto que se reproduz - « Entendemos que, num primeiro momento e no cruzamento do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro) com os deveres de informação que resultam do CVM, incumbe ao intermediário financeiro alegar e provar que procedeu a uma comunicação adequada e efectiva dos termos do negócio. O não cumprimento desse dever pode conduzir à nulidade do contrato – de todo ele – nos termos do artigo 9º, nº 2, do RJCCG. (…) Pelo que, por esta via (artigo 9º, nº 2, do RJCCG) e em face do exposto, consideramos inexistir a nulidade cuja declaração é peticionada.

Improcede, consequentemente, o pedido de declaração de nulidade dos contratos celebrados e das ordens de subscrição.»

Nesse pressuposto, a Relação não apreciou o pedido em primeira mão.

O acórdão recorrido apreciou e julgou procedente, sem inovação ou surpresa - este pedido formulado na alínea H do petitório/ampliação, que foi objecto do contraditório pelos Réus na contestação e nas contra-alegações da apelação, enfatizando que os Autores, como atrás dito, apenas excluíram da sua pretensão recursiva o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Os Réus, e ora recorrentes, dispuseram de ampla oportunidade de pronúncia acerca deste concreto pedido de declaração de nulidade dos contratos celebrados entre as partes em aplicação do RGCC, submetido à apreciação da Relação pelos Autores no seu recurso.6

Por outras palavras, a Relação usou dos poderes de cognição do pedido subsidiário em causa, como lhe competia, dentro do objecto do recurso e nos limites anteriormente discutidos pelas partes nos articulados e nas peças recursivas.

O acórdão recorrido conheceu do pedido subsidiário e das implicações do mesmo, tendo sido inteiramente cumprido o direito ao contraditório.

Conclui-se pela não verificação da apontada nulidade processual por violação do princípio do contraditório.

2.3. Erro na fixação da matéria de facto

As Rés recorrentes invocam erro na alteração da matéria de facto levada a cabo pela Relação com o amparo do disposto no artigo 674º, n.º 3, do CPC.

No seu entender, o aditamento dos factos provados introduzido- “aaa) Previamente ao referido em f), o Autor não foi integralmente informado e esclarecido pelo 1º Réu sobre a natureza do produto financeiro que estava a subscrever, nem sobre os riscos que a operação envolvia, nomeadamente quanto à possibilidade de perda do capital.” preteriu o valor probatório dos documentos contratuais juntos aos autos que contêm a assinatura dos Autores (a qual não foi impugnada, nem invocada a falsidade dos documentos) ao lado da menção “Tomei conhecimento das advertências”, constituindo prova plena de que o dever de informação foi cumprido, em consonância com o disposto no artigo 374º do CC.

Na motivação do aditamento da referida matéria de facto provada, a Relação ajuizou :“ Agora, em face daqueles meios de prova invocados pelos Recorrentes, é inequívoco que, na fase inicial, relativamente ao produto Notes db Cabaz Global, Fev. 2016, os Autores (a Autora acompanhou sempre o Autor quando este ia às instalações do 1º Réu – v. depoimento de CC [01:05:45], sendo que foi o Autor que subscreveu o produto) acreditavam estar a subscrever um produto financeiro semelhante a um depósito a prazo, com garantia de capital e juros acima da média; o juro mais elevado foi precisamente o elemento que os levou ao 1º Réu, depois de terem conversado com a testemunha FF, primo da Autora mulher, a qual bem definiu que foram pela «gulosice». É patente que desconheciam a natureza do produto financeiro que estavam a subscrever e os riscos do mesmo, em especial quanto à possibilidade de perda do capital. Mais, o seu interlocutor nestas matérias – CC – afirmou durante o seu depoimento [00:24:25] que lhes explicou […] Quer isto dizer, desde logo, que o funcionário dos promotores, que nem sequer tinha formação de promotor [00:25:29], deu uma explicação genérica antes da subscrição da primeira aplicação e depois o promotor DD (DD) iria ter uma reunião com os Autores para lhes dar uma explicação mais cabal, mais adequada. Sucede que esta reunião nunca teve lugar. É possível concluir isso por a testemunha DD não conhecer os Autores [00:01:16 e 00:02:31] e ter admitido que não se reuniu com eles [00:04:29]. O próprio CC refere que tal reunião não terá ocorrido [00:24:58]. Portanto, a explicação completa, cabal e adequada, prestada por quem conhecia o produto e tinha formação, habilitações e competência para o efeito, nunca foi prestada aos Autores.

Repare-se quais eram as instruções de CC, dadas pelo promotor DD, de quem dependia(..)Só que CC não tinha manifestamente conhecimentos e habilitações para dar informações completas sobre o produto, pois a sua formação [00:46:13] «é relações internacionais» e não tinha formação específica(..)Isto demonstra, sem sombra de dúvida, que não foram prestadas todas as necessárias informações e esclarecimentos. E não estavam em causa pessoas com elevadas habilitações (com cursos superiores ou pós-graduações, como falsamente se fez constar do respetivo perfil de investidor), mas sim apenas com o ensino primário e que segundo o próprio CC [00:53:16] «tinham muito pouca informação e cultura financeira».

Finalmente, quanto ao grau de informação e de esclarecimento em que se encontravam os Autores, foi perguntado ao Interveniente CC [00:49:30] «se face ao risco do produto, se foi tudo transmitido por si aos clientes?» e a resposta é elucidativa [00:49:34]: [.].

Mais uma vez se demonstra a falta de informação sobre a natureza do produto e os riscos associados, tal como bem referiram os Autores durante as suas declarações. É verdade que o Interveniente afirma ter informado os Autores da possibilidade de “perda de capital”, mas nessa parte as declarações dos Autores são suficientemente elucidativas sobre a falta de prestação dessa informação, sobretudo se tivermos em conta o depoimento da testemunha FF, que constatou a surpresa dos Autores. O que retiramos daqui é que CC informou os Autores que os produtos eram complexos, que havia o sobe desce dos mercados e que,” [..]”. Como é óbvio, se o banco a qualquer momento poderia salvaguardar os seus interesses, “sem prejuízo para os clientes”, um ... e uma ..., com instrução primária (4ª classe), como pessoas simples que são e que logo na adolescência se viram obrigadas a emigrar para ... e começar a trabalhar (a Autora mulher, antes de alcançar a profissão de ..., teve de trabalhar nas ...), o que concluem é que o investimento não é problemático, que não vão ficar sem o dinheiro (é essa a terminologia por si predominantemente usada), pois a ideia dos promotores e do banco era transmitir-lhes segurança.”

Em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto é residual e destina-se exclusivamente a sindicar a aplicação do direito material probatório, i.e, com fundamento em ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - 674º, nº3, e 682º, nº2, do CPC. 7

A amplitude da investigação probatória da Relação no âmbito da reapreciação da matéria de facto não está circunscrita aos meios de prova invocados pelo recorrente, nem aos indicados pelo tribunal recorrido.

Resulta da convicção acima expressa que na alteração da decisão de facto em questão, o Tribunal da Relação teve em linha de conta os depoimentos identificados, temperados com as regras da experiência, e os demais factos provados (cfr. as habilitações literárias e profissão dos Autores).

Importa então apreciar do invocado obstáculo legal à formação da convicção positiva da referida factualidade (os Autores não foram previamente informados pelo 1ºRéu da natureza e risco dos produtos financeiros subscritos) se alicerce em prova sujeita à livre apreciação do julgador, alegadamente por contrariar a prova de sentido oposto, que decorre dos instrumentos contratuais escritos, subscritos pelo punho dos Autores.

Atento o disposto no artigo 376º do Código Civil, o documento particular cuja autoria seja reconhecida e salvo a arguição e a prova da sua falsidade, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (nº1); quanto aos factos contidos na declaração, consideram-se provados na medida em que se apresentem contrários aos interesses do declarante; a declaração é, contudo, indivisível, em termos aplicáveis à confissão (nº2).

A lei opera assim a distinção entre a dimensão extrínseca ou vertente formal dos documentos particulares (com assinatura verdadeira) de valor probatório pleno quanto à sua origem, apenas passível de ser contraditada pelos meios previstos no artigo 347º do CC; e, a sua dimensão intrínseca, por referência ao seu conteúdo material, cujo valor probatório da veracidade assenta numa presunção legal ilidível, mediante prova em contrário, vigorando o princípio da livre apreciação da prova (artigo 350º do CC). 8

O valor probatório dos documentos particulares, no que respeita à força probatória atribuída pelo artigo 376.º, n.º 1, do CC, dirige-se à materialidade das declarações documentadas, e não já à sua veracidade ou exactidão; coisa diferente, será apurar se o conteúdo que está documentado ocorreu, de facto, matéria que que não se encontra abrangida pela força probatória do documento em causa, que, nessa parte, pode ser livremente apreciado pelo juiz, de acordo com a regra estabelecida no artigo 396.º do CC.

Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que, daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.

A eficácia - força probatória - de um documento particular diz apenas respeito à materialidade ou realidade das declarações no mesmo exaradas, que não à exatidão ou à verosimilhança das mesmas, e apenas o vinculam se forem verdadeiras

Ilustram, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão do Supremo Tribunal de 9.12.2008:

«A força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa.» 9

O Acórdão do Supremo Tribunal de 28-05-2009 salienta, de igual modo, que:

«(..)IV - A força ou eficácia probatória plena atribuída às declarações documentadas pelo n.° 1 do art. 376. ° do CC limita-se à materialidade, à existência, dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas.

V - Ou seja, ainda que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reportar-se-á tão-somente às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondem à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não sendo excluída a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova.»10

Parece então pacífico que a prova plena do documento particular a que alude o artigo 376.º, n.º 1, do CC, reporta ao que foi declarado no documento em causa, ou seja, apenas abrange a prova de que as partes fizeram aquelas declarações, mas não se estende à coincidência dessas declarações com a realidade, podendo a parte fazer prova por testemunhas da falta de coincidência da referida declaração com a realidade.11

Foi o que sucedeu in casu em sede da reapreciação da matéria de facto, fundada na análise crítica da prova testemunhal, declarações dos Autores e demais factos provados, a propósito da ausência de informação prévia sobre a natureza e risco dos produtos financeiros subscritos, determinante na formação da vontade negocial dos Autores, v.g., não correspondendo à verdade a menção constante dos documentos “Tomei conhecimento das advertências”.

Observe-se, ainda que, dos factos provados sob os pontos kk) e ee), relativa às circunstâncias em quem o investimento teve lugar, decorria já, ipso verbis, que os Autores apuseram a sua assinatura nos documentos -formulários e questionários – que se encontravam -em branco e não precedido de qualquer pergunta- ( com referência às características dos produtos financeiros e perfil de investidores) cujo preenchimento de ulterior da responsabilidade do Réu, não poderiam aqueles, por definição, “tomar conhecimento”.12

Ademais, no que reporta aos documentos contratuais, dispõe-se no art. 21.º, al. e), do RGCC: “Cláusulas absolutamente proibidas”

São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:

e) Atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais”.


*


Improcedem as conclusões dos recorrentes neste segmento.

2.4. Os contratos celebrados - a nulidade à luz do RGCC

O Tribunal da Relação decidiu neste âmbito - «No caso dos autos, foram celebrados entre as partes dois contratos de intermediação financeira e os demais contratos referidos em f), g), k), p), u), w), aa) e bb) dos factos provados, ou seja, vários contratos de subscrição de produtos financeiros estruturados e ainda contratos de mútuo para o financiamento da realização dessas operações. (..) autos incidiu efetiva negociação dos contraentes. Por conseguinte, não foi feita prova de que sobre as cláusulas incidiu efetiva negociação.

Por isso, os contratos em litígio têm de considerar-se como contratos de adesão, sujeitos ao regime legal do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, e, desde logo, aos deveres de comunicação e informação aí previstos. Todos esses contratos inserem cláusulas pré-elaboradas, em que os Autores não tiveram qualquer participação na sua preparação e elaboração, cujo teor não puderam influenciar. (..)»

Em adverso, defendem os recorrentes, que concedendo que o RCCG seja aplicável aos contratos de intermediação financeira, atento o disposto no artigo 321º, n.º 3 do CVM, o mesmo não se verifica quanto aos contratos de execução derivados daquela intermediação, nomeadamente, aos contratos de subscrição dos produtos financeiros, com regime legal especial no CVM, pelo que deve ser mantida a plena validade e eficácia dos mesmos.

Nos autos, não oferece discussão que os Autores e o 1º Réu celebraram dois contratos de abertura de conta, uma em euros e a outra em dólares, no âmbito dos quais foram, por sua vez, concluídos dois contratos de intermediação financeira, tem por objecto a subscrição dos produtos financeiros, antecedidos ainda da celebração de dois contatos de mútuo relativa a parte dos fundos investidos.

Apreciemos.

Parece incontroverso que de acordo com o artigo 321º, nº 3, do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores”, sendo o pedido dos Autores compaginável com o regime legal das Cláusulas Gerais (RGCC) que comina, entre o demais, a sua nulidade (artigo 1º e 12º).

Os contratos de intermediação financeira integram uma categoria contratual autónoma e aberta, uma vez que podem envolver diversos contratos necessários à execução do investimento financeiro que assumem diversidade na prática bancária.

A natureza da relação entre o contrato de intermediação financeira e os contratos(s) de execução mereceu já amplo debate na doutrina e jurisprudência.

O enquadramento da questão, em síntese, confirma a decisão do acórdão recorrido ao estender a declaração nulidade dos contratos de intermediação financeira a todo o quadro negocial havido entre as partes, sendo os contratos de execução funcionais relativamente ao contrato quadro.

Prosseguindo o entendimento que sufragamos, segundo o qual o negócio jurídico de intermediação financeira caracteriza-se por um "contrato-quadro", um "negócio de cobertura”, e nessa medida a nulidade do contrato de intermediação financeira determinada em aplicação do disposto no artigo 321.º, n.º 3 do CVM, gera a nulidade dos contratos de execução associados ao negócio.

Destacamos na jurisprudência do Supremo Tribunal o Acórdão de 23-03-2021, no qual se procedeu ao exaustivo tratamento da matéria com suporte na doutrina e que manifesta incidência directa na solução preconizada no acórdão recorrido.

Transcrevemos a preclara síntese vertida no sumário:

«II – O negócio jurídico de intermediação financeira deve considerar-se como um "contrato-quadro", um "negócio de cobertura" ou um contrato organizatório, que tem a função de previsão das diretrizes gerais do projeto a desenvolver no futuro e das relações negociais, devendo ser reduzido a forma escrita (artigo 321.º, n.º 1, do CVM) e observar um conteúdo mínimo imposto por lei, funcionando assim como um instrumento de informação e de transparência contratual (artigo 321.º-A, do CVM).

III – A tese do recorrente, segundo a qual os negócios de execução são autónomos e permanecem válidos, porque se referem a ordens de compra assinadas pelo cliente, que o banco executou em nome deste, ao abrigo de um mandato com representação, não tem qualquer sustentação nos factos provados nem na lei.

IV - Tendo sido declarado nulo o contrato de intermediação financeira, por falta de forma, nulos serão também os negócios sucessivos, que se consideram negócios de execução do contrato de cobertura.

V - Não se trata apenas do resultado de uma aplicação lógica do princípio da retroatividade, que concebe a invalidade negocial como uma invalidade derivada ou em cadeia, que destrói os negócios jurídicos subsequentes, celebrados com base no programa contido no negócio nulo, mas também de um regime imposto pela proteção dos interesses da parte mais fraca, que correspondem, não só a interesses privados dos investidores não qualificados, mas também a interesses de ordem pública e de segurança do mercado para os cidadãos.

VI - O âmbito da declaração de nulidade e as suas consequências jurídicas devem ser determinados pela finalidade da espécie de invalidade negocial em causa e pelo seu concreto regime jurídico.

VII - Estas novas formas de nulidade designadas por nulidades de proteção ou nulidades axiológicas visam suprir a desigualdade informativa entre as partes e proteger os sujeitos mais vulneráveis.

VIII – O regime da nulidade (só é invocável pelo cliente) e a sua finalidade impõem, assim, na determinação das consequências da nulidade, um resultado que proteja a parte mais fraca e não beneficie a parte responsável pela inobservância da forma legal e do conteúdo mínimo obrigatório do contrato de intermediação financeira.

IX - Os negócios celebrados com base no contrato de intermediação financeira não são autónomos ou independentes em relação a este, mas negócios funcionalmente ligados ao contrato de cobertura, na medida em que correspondem à execução deste, e pressupõe-no necessariamente, sob pena de a autonomização dos negócios de aquisição de valores mobiliários, em relação ao contrato quadro, frustrar a proteção que a lei pretende garantir aos investidores.

X -A nulidade do contrato de intermediação financeira retira ao Banco a legitimidade para atuar em nome do investidor. O negócio de compra de obrigações foi, assim, celebrado pelo Banco, sem poderes de representação, o que provoca a ineficácia do negócio de aquisição de valores mobiliários, em relação ao representado (artigo 268.º, n.º 1, do Cód. Civil), assistindo, pois, a este, como depositante bancário da quantia entregue para o efeito da dita aquisição, direito a pedir à entidade bancária a respetiva restituição.

XI - A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira importa para o intermediário financeiro, por força do princípio da restituição integral de tudo o que tiver sido prestado (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), a obrigação de restituir ao cliente a quantia que recebeu dele e que se destinava à transação de valores mobiliários, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.»13

No mesmo sentido, em momento anterior, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.05.2017, em sede de caso que suscitou também a interpretação e aplicação do artigo 9º do RGCC ao contrato de intermediação financeira e da amplitude da nulidade, propugnou:

«II - A declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira, por inobservância da forma legalmente prescrita, importa para o intermediário financeiro a obrigação de restituir ao cliente a quantia que recebeu dele, destinada à transacção de valores mobiliários. (..) VII. Tendo em consideração a amplitude e extensão das cláusulas contratuais gerais não informadas inseridas nos contratos – integrando a totalidade do contrato quadro para realização de operações bancárias e a maior parte das inseridas no contrato de permuta da taxa de juro, deixando, na prática, apenas fora do seu âmbito a cláusula em que as partes acordaram na taxa fixa a pagar pelo cliente – deve funcionar o regime de nulidade total, previsto no art. 9º, nº2, desse diploma, por o afastamento ou exclusão da quase totalidade das cláusulas que integravam a disciplina contratual gerar uma indeterminação insuprível dos termos e conteúdo essencial do negócio ou originar um desequilíbrio das prestações gravemente lesivo da boa fé. VIII. Na verdade, o objecto de tal dever de informação, legalmente imposto com base no respeito pelo princípio da boa fé, não é propriamente cada uma das cláusulas inseridas no negócio concreto, atomisticamente considerada, pressupondo antes uma explicação consistente acerca da funcionalidade do negócio, como um todo, e o devido esclarecimento da contraparte acerca dos riscos financeiros em que incorre, perante uma alteração significativa do quadro económico, desfazendo o eventual equívoco do outro contraente acerca da real natureza do negócio, face à globalidade do conteúdo respectivo. »14

É também este o entendimento da doutrina, que em conformidade com o pressuposto naquela norma legal, sustenta que “a retroactividade da declaração de nulidade ou da anulação, em regra, opera tanto em relação às partes como em confronto com terceiros”, o que designa por “invalidade derivada ou invalidade em cadeia.

Na doutrina sobre o tema, entre outros, Felipe Canabarro Teixeira refere que as informações a prestar pelo intermediário financeiro referem-se, em suma, à execução e ao estado de andamento das ordens dadas, estando listadas no art. 323.º e seguintes, do CVM - « (..)o que de mais importante se extrai deste preceito, é que resta claro que há um dever de informação constante, que vige no decorrer de toda a relação, que iniciou com os deveres pré contratuais, ou pré-negociais, um dever que está sempre rondando a atividade do intermediário e que somente cessa quando a operação já foi definitivamente concretizada.»15

Conforme ao regulado nos artigos 325º a 334º do CVM, o intermediário financeiro atua no interesse e por conta do seu cliente, sendo na esfera jurídica deste que se repercutem as consequências das operações sobre instrumentos financeiros, como é o caso da subscrição ou transacção de valores mobiliários.

De qualquer modo, aceitando os recorrentes a nulidade dos contratos de intermediação financeira, por violação do RGCC, os efeitos estendem-se aos sucessivos negócios celebrados pelas partes para execução daqueles, como são os contratos de subscrição dos produtos financeiros, mercê do âmbito dos efeitos resultantes da nulidade previstos no artigo 289º, nº, 1 do CC. 16


*


Em conclusão soçobram as conclusões dos recorrentes, e pelas razões expendidas, o acórdão recorrido não merece censura.

IV. Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

As custas são a cargo dos recorrentes em igual proporção.

Lisboa, 14.11.2024

Isabel Salgado (relatora)

Paula Leal de Carvalho

Declaração de Voto: voto o acórdão, não subscrevendo, todavia, o referido quanto à interpretação do art. 376º, nº 2, do CC, que me parece, no caso, desnecessário tendo em conta oo demais que é referido no aresto, com o que se concorda.

Catarina Serra

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1. O 2º Réu celebrou com o1ªRéu trespasse relativo ao negócio em Portugal do primeiro Réu do ramo de actividade denominado Private and Commercial Clients, conforme factualidade provada em dd).↩︎

2. Factos sobre os pontos xx) yy) zz) e aaa) – matéria aditada pela Relação.

3. Cfr. artigos 308º a 314º da petição inicial - «as operações em causa foram tituladas por documentos pré-elaborados pelo 1º R. quanto ao seu clausulado, sem que nenhuma das suas cláusulas tivesse sido negociada com os AA., que se limitaram a aderir às mesmas, apondo as suas assinaturas» e que «o 1.º R. não comunicou aos AA., com antecedência necessária, o conteúdo desses documentos nem informou e esclareceu o conteúdo das cláusulas constantes nos mesmos, motivo pelo qual os AA. desconheciam o seu teor», «pelo que, a falta de comunicação com antecedência necessária das referidas cláusulas desses contratos, bem como a falta de informação e explicitação das mesmas à A., nos termos dos artigos 1.º, 5.º e 6.º do DL 466/85 de 25 de Outubro, conduz a que as mesmas sejam declaradas nulas e, como tal, excluídas dos contratos nos termos do artigo 8.º do diploma citado.» Subsidiariamente, alegaram: «Em todo o caso, trata-se de cláusulas abusivas e, portanto, nulas, nos termos do disposto nos artigos 12.º, 18.º e 19.º do mesmo diploma legal, o que também se invoca.»

4. “H. Condenar os RR. no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a 30.000,00€, nos termos do artigo 496º do CC.»

5. Cfr. os contratos de seguro a que se referem os pontoa uu), vv) e ww). De resto, a 1ºRéu pediu a intervenção da AG , como resulta dos artigo 251º a 256º da Contestação, por motivo da demanda do Réu CC, seu promotor, e da responsabilidade emergente de atos alegadamente praticados pelo mesmo , na promoção dos negócios celebrados com os Autores, cobertos pelo seguro, relativo à transferência de responsabilidade civil do 1ºRéu, emergente da prestação de serviços financeiros ou profissionais pelos promotores por si designados, para a Seguradora AIG Europe Limited – Sucursal em Portugal.

6. Cfr. a propósito o Acórdão do STJ de 18.02.2020, no proc. nº8963/16, in www.dgsi.pt.

7. O que em bom rigor, corresponde a “erro de direito” da competência originária do STJ-cfr- Alberto dos Reis, “(..) Há erro na fixação dos factos da causa; mas o erro traduz-se na violação de determinada norma jurídica(..)” a propósito destas excepções (enunciadas no artigo 722.º do CPC, cuja redacção é semelhante à do n.º 3 do artigo 674.º do CPC em vigor) in Código de Processo Civil anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Limitada, 1981, páginas 30 e 31.

  Segue-se do exposto que a decisão de julgar não provada a matéria da alínea c) seria de alterar, no sentido pretendido pela recorrente, se o acórdão recorrido tivesse ofendido as disposições expressas da lei que fixam a força probatória da escritura de compra e venda e dos documentos particulares a ela anexos, condição que não se verifica. Disposições que, observe-se, seriam, não do artigo 377.º do Código Civil, mas do n.º 1 do artigo 371.º e dos números 1 e 2 do artigo 376.º, também do Código Civil

8. Cfr. sobre a dupla dimensão do valor probatório do documento particular Luís Pereira de Sousa in Direito Probatório, pág.157/75.

9. No proc. 08 A335, disponível in www.dgsi.pt.

10. No proc. n.º 1843/08 - Sumários do STJ (Boletim) – Cível, in PGRL

11. cfr. inter alia, Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 275.

12. Cfr. factos provados – “kk) Os Autores, em 01.02.2013, apuseram as suas assinaturas nos formulários/questionários, cujas cópias dos autos de fls. 234 e 235 dos presentes autos (documentos nºs. 9 e 10 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos, sem que os mesmos estivessem preenchidos e sem que os Autores fossem questionados com as perguntas que nos mesmos se encontram enunciadas; ll) O Autor, em 04.06.2013, apôs a sua assinatura e rubricas no formulário/questionário, cuja cópia consta dos autos de fls. 238 a 239 dos presentes autos (documentos nº 13 da contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sem que o mesmo estivesse preenchido e sem que o Autor fosse questionado com as perguntas que no mesmo se encontram enunciadas.”

13. No proc nº 1/19.5T8LRA.C1. S1, disponível em www.dgsi.pt.

14. No proc nº 1961/13.5TVLSB.1. S1, naquela mesma página.

15. In Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação a seu cliente e sua responsabilidade civil”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 31, dezembro de 2008.

16. A denominada nulidade consequencial-cfr. Anotação ao artigo 289º do Código Civil de Maria Clara Sotto Mayor, in “Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 716/20.