Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NULIDADE PROCESSUAL CADUCIDADE DA AÇÃO PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO NULIDADE DA DECISÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA PRESSUPOSTOS AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO FACTO CONTROVERTIDO FACTO IMPEDITIVO PROCEDÊNCIA PARCIAL | ||
Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO | ||
Decisão: | REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE E DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
Sumário : | I. Sendo o processo especial de revisão apresentado no Tribunal da Relação (que decide em 1ª instância), o recurso de revista é admissível (art.º 697º, n.º 6 do CPC), ainda que a decisão revidenda tenha sido proferida num PER, não sendo aplicável o regime específico do artigo 14º do CIRE. II. O facto de a recorrente não ser chamada a pronunciar-se sobre a caducidade invocada pela recorrida faz com que a decisão proferida viole o princípio do contraditório (artigo 3º, n.º 3 do CPC). Tal falha ao nível dos pressupostos em que assenta o processo decisório, por não haver a ponderação explícita da posição que a recorrente tinha direito de exprimir, torna a decisão nula e atacável nos termos do artigo 195º, mas não nos termos artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, pois em tal hipótese não existe um excesso de pronúncia no sentido (mais restrito) que é pressuposto por esta última norma, ou seja, no sentido de a própria decisão estatuir para além do objeto decisório, conhecendo de uma questão que ninguém suscitou e que também não seja de conhecimento oficioso. III. O disposto no artigo 327º, n.º 3 do CC, aplicável ex vi do artigo 332º, n.º 1 à hipótese de caducidade do direito de propor ação em juízo, prevalece sobre o regime processual, previsto no artigo 279.º, n.º 2 do CPC, relativo à absolvição da instância, sendo sempre de conceder ao autor um prazo adicional de 2 meses, caso o réu seja absolvido por motivo processual não imputável ao titular do direito | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3231/16.8T8AVR.P1-A.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. A Espírito Santo Resources Limited, com sede nas ..., apresentou o presente Recurso Extraordinário de Revisão, nos termos dos artigos 696.º e seguintes do CPC, contra a Aleluia, Cerâmicas, SA e outros, pedindo a declaração de nulidade de todo o Processo Especial de Revitalização (PER) apresentado pela 1.ª recorrida e cujo Plano de Recuperação e respetiva homologação foi confirmada por acórdão do TRP, de 16.05.2017, transitado em julgado. Defendeu, para tanto, que se verificaria: a) a falsidade de documento e da apreciação pelo perito, que determinou a condução e conclusão do processo e, consequentemente, a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida (al. b) art.º 696.º C.P.Civil); b) ter o processo corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção da recorrente, porquanto se mostra evidente que faltou a citação/notificação da mesma, não tendo a recorrente tido conhecimento do processo por facto que não lhe é imputável (al. e) art.º 696.º C.P.Civil); c) o litígio foi assente sobre um ato simulado das partes (al. g) art.º 696.º C.P.Civil). 2. O TRP proferiu acórdão que indeferiu o recurso de revisão apresentado pela recorrente, por considerar, em síntese, que: -i) o presente recurso de revisão se mostra extemporâneo quanto aos fundamentos previstos nas als. b) e e) do art. 696.º do CPC, e que - ii) sendo tempestivo o recurso quanto à invocada al. g) do art. 696.º do CPC, não se mostram, contudo, verificados os pressupostos de que depende a pretendida revisão com fundamento em simulação das partes. 3. A credora recorrente, ESPIRITO SANTO RESOURCES LIMITED, interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: «1. Por Despacho de 23 de Janeiro de 2023, o requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão apresentado pela ESR foi admitido nos termos e para os efeitos previstos no artigo 699º, 2 do CPC, tendo a recorrida sido notificada para responder. 2. Na sua resposta a recorrida defendeu-se por exceção alegando a caducidade do direito da recorrente. 3. O Tribunal da Relação procedeu à apreciação e decisão final, sem ouvir previamente a ESR à matéria da exceção. 4. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem - artigo 3 nº 3 do CPC. 5. Às exceções deduzidas deveria a parte contrária ESR ter sido instada a responder. 6. Dispõe o 700º n.º 1 do CPC que quando o fundamento do recurso de revisão se sustente na alínea e) do CPC, o tribunal conhece do fundamento da revisão, procedendo as diligências que considere necessárias. 7. Dentro da conceção ampla de diligências necessárias, deve inclui-se o dever de notificação à parte contrária para o exercício do contraditório quanto a matéria essencial, de exceção, que possa influir, tal como veio a suceder, no sentido da decisão final. 8. O termo “diligências indispensáveis” a que alude o artigo 700º nº 1 do CPC deve articular-se obrigatoriamente com o referido artigo 3º nº 3 assim como com o princípio da adequação formal previsto no artigo 547º do CPC. 9. É uma válvula de escape que deve ser aplicada no âmbito do artigo 700º n.º 1 CPC por forma a fazer-se cumprir o princípio basilar de um processo justo e equitativo – o princípio do contraditório. 10. Não o tendo feito, quando a parte aguardava pela notificação para se pronunciar à matéria de exceção, é surpreendida por uma decisão que toma posição definitiva sobre a referida matéria, com violação clara e inequívoca do princípio do contraditório previsto no artigo 3 do CPC. 11. O vício decorrente da falta da audição prévia da parte é o proferimento de uma decisão-surpresa. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia, dado que conhece de matéria não podia conhecer (arts. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º CPC). 12. O Acórdão é nulo por preterição do princípio do contraditório, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais. 13. Entendeu o Acórdão recorrido que à data da propositura do recurso extraordinário de revisão no tribunal da comarca de ... – 19 de março de 2021 - já o prazo de caducidade de 60 dias tinha decorrido. 14. Fundamentou a sua decisão nos seguintes pressupostos: i) a consulta do processo pela mandatária da ESR equivale à tomada de conhecimento por parte da ESR dos fundamentos de recurso; ii) Não é aplicável ao caso em concreto a suspensão do prazo de caducidade prevista nas leis excecionais em resposta à situação pandémica do Covid 19. 15. Em outubro de 2020, a ESR contactou advogado a quem conferiu mandato forense com a finalidade de encetar as diligências necessárias para cobrança do crédito vencido e não pago sobre a sua devedora ALELUIA. Na prossecução desse mandato e em nome da ESR, a mandatária constituída elaborou e remeteu à sociedade Aleluia, com data de 16 de Novembro de 2020, uma carta na qual declarou expressamente ter sido mandatada pela ESR para proceder à cobrança voluntária ou coerciva do crédito desta última. 16. Foi este o mandato conferido pela ESR à mandatária com base na informação e no conhecimento que a ESR dispunha de ser titular de um crédito sobre a ALELUIA que se encontrava vencido e não pago. 17. O art. 44.º do C.P.Civil regula o conteúdo e alcance do mandato judicial, estipulando que ele “atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes”. 18. Trata-se de um contrato de mandato atípico com poderes de representação, actualmente regido pelo estatuído nos artºs. 97º a 107º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9/9), 43º a 45º do Código de Processo Civil e 1157º a 1184º do Código Civil. 19. Nos termos do artigo 98º do Estatuto da Ordem dos Advogados - O advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente. 20. É a relação subjacente que define o conteúdo material da procuração, delimita os poderes de representação e intervenção e modelam a atuação do procurador, ou seja, é pela relação subjacente que ele deve nortear a sua atuação. 21. No âmbito do mandato inicial que lhe foi conferido, o processo principal a propor seria bem um requerimento executivo ou petição inicial para cobrança da dívida, com base na informação e conhecimento que a ESR dispunha na altura. 22. Fora do âmbito do mandato forense que lhe foi conferido em Outubro de 2020 para cobrança de uma dívida, a mandatária não substitui a ESR no conhecimento pessoal que esta deve ter de factos exógenos ao mandato inicialmente conferido, nem tem poderes para tomar decisões por conta e em nome da ESR que extravasam os limites e as instruções do mandato que lhe foi inicialmente conferido. 23. Na resposta à carta de interpelação de dívida, datada de 2 de Dezembro de 2020 e recebida no dia 14 de dezembro de 2020, a ALELUIA informou a mandatária da ESR que em 2016 ocorreu um Plano Especial de Revitalização da devedora. 24. A existência de um PER, por si só, não obsta a instauração de uma ação que visasse o reconhecimento do seu crédito pelo menos para o efeito de obter o seu pagamento de acordo com as condições fixadas no plano de recuperação homologado no PER. 25. No cumprimento do dever de informação sobre as razões relativas à exequibilidade ou não do mandato para cobrança de divida – artigo 1161º do Código Civil - em face da referida informação da existência de um PER, a mandatária requereu a consulta do referido processo. 26. A mandatária considerou-se notificada em 17 de Dezembro de 2020 da autorização de consulta do processo do PER, via Citius, pelo prazo de 10 dias – prazo que se suspendeu nas férias judiciais entre 22 de dezembro e 4 de janeiro) terminando no dia 11 de Janeiro de 2021. 27. Os factos que fundamentam o recurso extraordinário de revisão não são nem de vislumbre instantâneo nem de compreensão imediata, são factos complexos cujo conhecimento depende da execução de diligências instrutórias: 1) obtenção de cópias de peças processuais, 2) leitura e análise das peças processuais declarações/documentos apresentados na pendencia do PER e 3) contacto pessoal com a secretaria do tribunal de .... 28. Após as referidas diligências identificou-se os factos relevantes, os quais foram compilados em jeito de Parecer/Memorando e a informação remetida à ESR, no dia 5 de fevereiro de 2021 conforme alegado e demonstrado por documento. 29. O cumprimento do dever de informação a que alude o 1162º do Cod Civil é evidencia de que a pessoa da mandatária e a entidade coletiva ESR não se confundem, nem as diligências de obtenção de informação protagonizados pela mandatária para cumprimento do dever de informação substituem o conhecimento que obrigatoriamente deve ser dado à mandante ESR. 30. A partir do envio daquela informação, a ESR toma conhecimento dos factos que servem de fundamento ao seu recurso extraordinário de revisão e por deliberação própria a ESR decide apresentar um recurso extraordinário de revisão. 31. De acordo com o art. 343.º nº 2 do Código Civil é à recorrida que competia alegar e provar a caducidade do direito de ação. A recorrida alegou que após a consulta do processo PER pela advogada o conhecimento pessoal que esta tivesse adquirido do processo é direta e imediatamente imputável à pessoa coletiva ESR. 32. Tese que acabou sufragada no Aresto recorrido em violação do disposto nos artigos art. 44.º do C.P.Civil, artºs. 97º a 107º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9/9) e das disposições do Código Civil sobre o mandato (1157º a 1184º do Código Civil) e artigo 343.º nº 2 do Código Civil. 33. Os prazos de 5 anos e de 60 dias a que alude o artigo 697º do Código Processo Civil são prazos de caducidade substantivos. 34. Tratam-se de prazos perentórios para o exercício de um direito de ação. 35. O recurso extraordinário de revisão, ainda que tenha componente mista com uma tramitação própria, se configura como ação autónoma que inicia um processo novo cujo fim último é a excecional destruição do caso julgado. 36. Devido a novo agravamento da crise pandémica, a lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, com efeitos a partir de 22 de janeiro de 2021, aditou novos artigos à Lei 1-A/2020, designadamente o artº 6º B que no seu nº 3 declarou suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no nº 1 do artº 6º-B (nº 3 do artº 6º-B), prevalecendo o disposto no número anterior sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição, aos quais acrescia o período de tempo em que a suspensão vigorasse (nº 4 do artº 6º-B). 37. Por força do disposto no artº 6º-B, nº 3, os prazos de prescrição e de caducidade já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da Lei 4-B/2020 ou que viessem a iniciar-se posteriormente, foram suspensos, só se retomando a partir da data em que viesse a ser declarado o termo da situação excecional de resposta à pandemia. 38. A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade a que alude o artº 6º-B nºs 3 e 4, não deve ser confundida com a suspensão dos prazos processuais a que se refere o n.º 1 do artº 6ºB da Lei 1-A/2020 nem com a regra que determina a não suspensão de prazos processuais nos processos urgentes, inscrita no artº 6º-B, nº 7. 39. Estes últimos dizem respeito aos prazos processuais de tramitação dos processos urgentes que já se encontram pendentes, ou seja, de processos já instaurados e em curso não se aplicando ao prazo de caducidade para a instauração de novos processos. 40. Ao prazo de caducidade de 60 dias para a propositura do recurso extraordinário de revisão aplica-se a suspensão prevista no nº 3 do artº 6º B da Lei 1-A/2020 aditado pela lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro. 41. Decidiu mal o Acórdão recorrido ao afastar a aplicação do regime da suspensão prevista nº 3 do art. 6-Bº da Lei n.º 1-A/2020, ao prazo que a ESR dispunha para propor o recurso extraordinário de revisão. 42. À data em que a ESR toma conhecimento dos factos que fundamentam o recurso extraordinário de revisão, i.e., 05.02.2021, o prazo de caducidade de 60 dias estava suspenso por efeito do nº 3 do art. 6-Bº da Lei n.º 1-A/2020. 43. O recurso de revisão proposto pela ESR junto do tribunal da comarca de ... era tempestivo. 44. Perfilhando-se a tese de parte da doutrina (entre outros: José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, anotação ao artigo 279º, do CPC, n.º 2; Alberto dos Reis em anotação ao art.º 294.º, do CPC [correspondente ao atual art.º 279.º, do CPC] in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, pág. 395-397) e da jurisprudência das Relação do Porto e de Coimbra (a titulo de exemplo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de Outubro de 2018, disponível em www.dgsi.pt), o regime relativo à prescrição e caducidade previsto no Código Civil, designadamente no seu artigo 327.º CC, não se sobrepõe ao previsto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC. 45. Neste sentido, tendo sido declarada, em ação anterior, a absolvição da instância e sendo proposta nova ação dentro de 30 dias após o trânsito em julgado daquela primeira decisão, os efeitos civis da caducidade decorrente da propositura da primeira ação mantêm-se. 46. O artigo 279 do CPC permite que a parte, ao dar cumprimento a este prazo mais curto e mais severo de 30 dias previsto na lei adjetiva, não passe pelo crivo da imputabilidade da causa da absolvição da instância estabelecida na lei civil. 47. No dia 14 de janeiro de 2022 o Tribunal da Comarca de ... proferiu sentença de absolvição da requerida da instância. 48. A ESR considerou-se notificada da referida sentença no dia 17 de janeiro de 2022, iniciando-se a 18 de janeiro a contagem do prazo legal de recurso, que in casu, seria de 15 dias face ao disposto no artigo 638º nº 1 do CPC e 17º A nº 3 do CIRE, considerando-se a sentença transitada em julgado no dia 01 de fevereiro de 2022. 49. Aplicando o disposto no artigo 279 nº 2 do CPC, a ESR dispunha e 30 dias para propor nova ação, prazo esse que terminaria no dia 03 de março de 2022. 50. No dia 05 de fevereiro de 2022, i.e., 4 dias decorridos do transito em julgado da sentença de absolvição, a ESR requereu, nos termos e para efeitos do artigo 99 nº 2 do CPC a remessa dos autos para tribunal da Relação do Porto com aproveitamento dos articulados. 51. Por despacho de 11 de Fevereiro de 2022, o Juiz Tribunal da Comarca de ... DEFERE a remessa dos Autos para o Tribunal da Relação do Porto. 52. A remessa foi executada, tendo a mesma dado entrada, por via eletrónica, na secretaria do Tribunal da Relação do Porto no dia 18 de fevereiro de 2022, ou seja, dentro dos 30 dias a que alude o artigo 279 nº 3 do CPC. 53. A remessa dos Autos assim executada, com a entrada dos Autos na secretaria do Tribunal da Relação do Porto, teve um efeito impeditivo da caducidade consubstanciando na prática, dentro do prazo legal de 30 dias, para a propositura da ação – 331 nº 1 do Código Civil e artigo 259º do CPC. 54. À data de 03 de março de 2022 (à data em que terminariam os 30 dias após o transito da sentença de absolvição da instância se não tivesse sido requerida e deferida a remessa) por força do despacho que deferiu a remessa dos Autos, estes já se encontravam pendentes na secretaria do Tribunal do Porto. 55. O deferimento do pedido de remessa é o que revela para o caso, a qual, uma vez concretizada, fez iniciar uma nova instância no tribunal competente, devendo considerar-se praticado o ato dentro do prazo legal de 30 dias. 56. Só em 17 de Março de 2022 a ESR é notificada do despacho proferido pelo Tribunal da Comarca de ... a declarar sem efeito a remessa dos Autos, a qual, enfatize-se, já tinha sido executada e estava pendente na Relação do Porto desde 18 de fevereiro de 2022 por força do despacho de 11 de fevereiro. 57. Nestes termos, tendo a decisão recorrida aludido ao artigo 279 nº 3 da CPC para dele concluir o não cumprimento, por parte da ESR, dos 30 dias ali previstos, interpretou e aplicou mal o direito aos factos porquanto, 58. Não atendeu ao efeito produzido pela remessa dos Autos à secretaria do Tribunal da Relação do Porto em 18 de fevereiro de 2022 a qual só foi declarada sem efeito no dia 17 de Março de 2022. 59. Quando a ESR apresenta a ação na secretaria do Tribunal do Porto em 22 de março de 2022, na sequência da prolação do despacho do tribunal de ... em 17 de março de 2022, não tinham decorrido os 30 dias previstos no artigo 279º nº 3 CPC. 60. O artº 332. n.º 1 do Código Civil dispõe que “1. Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.” 61. A aplicação do preceituado no art.º 327.º, n.º 3, do CC, está centrada no segmento normativo respeitante à não imputabilidade, conceito indeterminado que a jurisprudência tem entendido que deverá ser casuisticamente preenchido a partir de determinados critérios: por um lado, um critério que pondere os deveres de diligência da parte no preenchimento dos requisitos formais da instância, por outro, um critério que pondere a tramitação processual, desde a interposição da ação. 62. Na esteirado já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 07 Dezembro 2016 (366/13.2TNLSB.L1.S1, Relator Abrantes Geraldes disponível em www. dgsi.pt) o requisito da “não imputabilidade” não se reporta exclusivamente ao motivo da absolvição da instância, implicando também comas razões que determinaram que o prazo se esgotasse antes de ser proferida essa decisão. 63. Nesse sentido, a imputabilidade a que alude o 327.º, n.º 3, do CC “culpa” não pode nem deve ser aferida automaticamente sempre que a decisão de absolvição da instância se funde em vício de incompetência jurisdicional. 64. Deve exigir-se que o efeito de absolvição da instância e o decurso do prazo de caducidade assentem de modo exclusivo, numa conduta errónea e censurável do titular do direito. 65. Como escreveu Ana F. Morais Antunes, in “Algumas questões sobre prescrição e caducidade”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III: “mais do que um mero nexo de causalidade material entre o facto praticado pelo titular do direito e a decisão de absolvição da instância” e que “a solução legal do prolongamento dos efeitos da interrupção da prescrição não pode desligar-se das circunstâncias processuais a que o titular do direito será alheio (…) Sem embargo da quota-parte de responsabilidade que decorra do exercício de ónus ou de deveres processuais que recaiam sobre a parte que vem a juízo, nada do que esteja relacionado com a direcção efectiva do processo (art. 6º do CPC), com a tramitação processual, com a celeridade ou com a oportunidade das decisões judiciais (arts. 152º e 156º do CPC) lhe pertence, sendo ao juiz que cabe o papel determinante na dinamização dos autos, com vista à prolação de uma decisão célere (de preferência sobre o mérito da causa), e a quem cumpre em exclusivo a responsabilidade pela prolação da decisão.” 66. É certo que a ESR poderia ter agido com maior atenção e zelo na identificação da decisão judicial a rever, não obstante essa identificação também não ter sido clara nem isenta de dúvidas para o tribunal (a secretaria do tribunal, em março 2021 remeteu a nota do transito para uma decisão que não se pronunciou sobre a homologação do plano de recuperação; o tribunal de ... identificou, por duas vezes (no seu despacho de julho de 2021 e na sentença de janeiro de 2022) o Acórdão de 11.07.2018 como sendo a decisão a rever, quando tal decisão não se pronunciara sobre a homologação do plano de recuperação). 67. Mas o lapso em que incorreu a ESR não foi a razão, a causa, que determinou que o prazo de caducidade se esgotasse antes de proferida a decisão de absolvição da instância. 68. No dia 27 de abril de 2021, foi proferido o despacho liminar pelo Tribunal da Comarca de .... 69. Os pressupostos para a admissibilidade do requerimento de recurso de revisão são aferidos no despacho liminar. No âmbito deste despacho liminar, comete ao juiz aferir da legitimidade ativa do apresentante do recurso, o respeito pelos prazos de interposição do recurso, da sua competência e da correta instrução do mesmo. 70. A competência do tribunal de ... podia e devia ter sido apreciada naquele momento. 71. E foi apreciada, mas favoravelmente, com a prolação do despacho que admitiu liminarmente o recurso da ESR, tendo o mesmo seguido os respetivos termos. 72. Em 24 de maio de 2021, o Tribunal da Comarca de ... profere novo despacho nos referidos Autos tendo indeferido uma pretensão da requerida. 73. Em Julho de 2021, o tribunal profere despacho no qual declara que por lapso manifesto se julgou competente para conhecer o presente recurso. “Não obstante, aquando da prolação do despacho datado de 27.04.2021, por manifesto lapso, não havia constatado o Tribunal que a decisão final proferida no âmbito do Processo Especial de Revitalização – de homologação do plano de recuperação – havia sido proferida pelo referido Tribunal Superior e não por este Tribunal.” Decidindo revogar o despacho liminar anterior e substituí-lo por um novo despacho liminar de indeferimento. Deste último despacho coube recurso. 74. Na sentença de absolvição da instância de Janeiro de 2022 o tribunal remete, parte dos seus fundamentos, para o teor do seu despacho de julho no qual declarou o lapso manifesto em que incorre ao dar-se como competente para a ação. 75. A decisão de admissão do recurso proferida em abril de 2021 não é uma decisão inócua, é uma decisão suscetível de conferir à ESR a confiança de ter dado cumprimento a todos os pressupostos legais de que dependia a tramitação e apreciação final do seu recurso. 76. Se à data da prolação do despacho liminar - 28 de abril de 2021 – o tribunal não tivesse incorrido em “manifesto lapso” como o próprio admitiu, e tivesse indeferido liminarmente o recurso de revisão da ESR, esta última dispunha ainda de, pelo menos, 30 dias para propor ação no tribunal competente. 77. Se à data da prolação do despacho de Maio de 2021 o tribunal tivesse conhecido da sua incompetência, a ESR dispunha ainda de prazo para propor ação no tribunal competente. 78. O dever de diligência processual deve ser de duplo sentido. 79. Tanto incide sobre as partes, designadamente quanto ao preenchimento dos pressupostos processuais e cumprimento dos ónus que influem na tramitação processual, como recai também sobre as instâncias judiciárias. 80. Embora tenha sido o erro da identificação da decisão a rever que formalmente esteve na génese da absolvição da instância, independentemente da imputação subjectiva desse erro, o posterior esgotamento do prazo de caducidade não encontra nele a sua causa adequada, porquanto tivesse o tribunal de ..., em sede de despacho liminar, se julgado incompetente e indeferido liminarmente o recurso, o prazo de caducidade da ESR, ainda não se tinha esgotado. 81. Em face do exposto, não pode deixar de ser conferida à ESR a possibilidade de se aproveitar da prorrogação do prazo prevista no art. 327º, nº 3, do CC. 82. Pelo que o recurso da ESR deve julgar-se tempestivo. 83. A decisão recorrida aplicou e interpretou incorretamente o artigo 327 nº 3 do CC. Com o Douto Suprimento de V. Excelências, deve conceder – se provimento à Presente Revista, declarando-se nulo o Acórdão da Relação e Revogando-se a decisão recorrida, como é de Justiça.» 4. A recorrida respondeu, sustentando a inadmissibilidade da revista bem como a improcedência do recurso, e formulou pedido de ampliação do objeto do recurso. Quanto à matéria da ampliação do objeto do recurso, formulou as seguintes conclusões: «1. Conquanto se objete quanto à admissibilidade da impugnação, em sede de revista, dos pressupostos/fundamentos de facto da decisão a quo, a Recorrida não pode, por dever de patrocínio, deixar de acautelar a hipótese remota de viradmitida a dedução de impugnação quanto ao momento, identificado pelo Tribunal recorrido, em que a Recorrente teria tomado conhecimento do PER. 2. Caso assim suceda, à semelhança da pretensão da Recorrente em protelar o estabelecimento daquele conhecimento, então também a Recorrida pretende, por oposição, ver reconhecido que o referido conhecimento foi anterior a dezembro de 2020, requerendo, para o efeito, a ampliação do objeto do recurso. 3. Os autos principais do PER iniciaram-se em 2016.06.19. 4. Notificada do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, a Recorrida, por meio de carta registada, comunicou a todos os seus credores que não haviam subscrito a declaração mencionada no artigo 17.º-C, n.º 1, do CIRE, incluindo a Recorrente, que dera início a negociações com vista à sua revitalização no âmbito desse PER, convidando-os a participar nas mesmas e informando-os que a documentação a que se refere o artigo 24.º, n.º 1, do CIRE, se encontrava disponível na secretaria do tribunal para consulta. 5. Foi nestes termos que, em 2016.10.27, a Recorrida enviou uma carta registada à Recorrente, para a morada sua sede sita em Suite E-2, ..., ..., .... 6. Aquela morada corresponde à descrita em todos os certificados que a Recorrente juntou aos autos, nomeadamente o de abril de 2016, como é a própria a alegar que, desde a sua constituição em 2002, até março de 2018, teve aí a sua sede social, de forma contínua e ininterrupta. 7. É essa mesma morada que consta do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida em 2012.04.26, no qual se prevê que todas as comunicações devem ser enviadas por escrito e por correio registado para as respetivas sedes sociais ali indicadas. 8. É indiciário do conhecimento pela Recorrente do PER através da referida comunicação que, face ao incumprimento do acordo de reembolso pela Recorrida – logo após o pagamento da primeira prestação, aquando do vencimento da segunda prestação em 2015.04.27 –, jamais a Recorrente viesse interpelar a Recorrida até novembro de 2020(!). 9. A mesma circunstância evidencia até que a Recorrente sempre configurou o crédito como suprimentos, seja antes do início do PER, bem sabendo que o crédito lhe não seria pago, atenta a fragilidade económico-financeira da Recorrida, seja no período posterior, ao intuir a sua difícil recuperação. 10. A Recorrida foi interpelada pela Recorrente em novembro de 2020, aí reclamadas todas as prestações, incluindo as que ainda não se tinham vencido, contraa previsãodo “contrato de mútuo mercantil”, nos termos da qual afalta de pagamento de uma das prestações não importaria o vencimento imediato das demais, fazendo operar antes o regime previsto nas cláusulas aplicáveis, precisamente, ao caso de insolvência da Recorrida ou processo equiparado, determinando, nesse caso, a cessação antecipada do contrato e o vencimento das prestação ainda não vencidas, o que demonstra que a Recorrente tinha efetivo conhecimento do PER. 11. E não convence que a Recorrente não haja tido conhecimento do PER, atenta a mediatização que este teve na praça pública então como agora, em parte devido à exposição dos negócios das empresas offshore do GES, como é caso da Recorrente, com estrutura acionista e de administração ligada a Portugal e à família Espírito Santo, todos intervenientes e interessados e, nalguns casos, visados, pela ampla discussão pública relativa aos negócios do GES, como era o caso do crédito em presença. 12. A situação creditícia da Recorrida mereceu o maior destaque e atenção dos diversos interlocutores, nas diversas etapas do seu trajeto: na fase primitiva à instauração do PER; na tramitação do PER; na fase posterior à aprovação do plano de recuperação. 13. A Recorrente acompanhou, então, com caráter de proximidade, detidamente, pela relevância, materialidade e economicidade, pelo protagonismo e publicidade que lhe vinham associados, pela natureza dos intervenientes convocados pelo tema, e em todos os momentos do seu trajeto, os detalhes do desfecho do crédito invocado contra a Recorrida, incluindo o PER tramitado e as incidências aprovadas no plano de recuperação. 14. Nunca a Recorrida recebeu qualquer devolução da carta-convite às negociações que enviou à Recorrente, para a sua sede social, em 2016.10.27. 15. Por forma a evidenciar a receção da comunicação expedida para a Recorrente, a Recorrida requereu ainda o Tribunal a quo que fossem oficiados os CTT a fim de, designadamente, informar os autos sobre as condições da entrega da comunicação. 16. Simplesmente, não foi a adoção da decisão a quo precedida da execução da referida diligência probatória, conquanto a mesma se afigurasse indispensável, na aceção do artigo 700.º, n.º 1, do CPC, e em todo o caso exigida para efeitos do disposto no n.º 2 da mesma norma. 17. A Recorrente teve conhecimento do PER, pelo menos, desde que recebeu a carta-convite às negociações que a Recorrida lhe dirigiu em 2016.10.27. 18. Impõe-se, então, a revogação do acórdão recorrido, o qual deve ser substituído por outro que situe o conhecimento do PER pela Recorrente e o dies a quo do prazo de interposição do recurso de revisão logo em 2016.10.27. 19. Concluindo, consequentemente, que o prazo de interposição de 60 dias previsto noartigo697.º, n.º2, alíneac), doCPC, há muito se esgotou e reputado o recurso manifestamente intempestivo. Nestes termos e nos mais de Direito: - a) deve a presente revista ser recusada, integralmente, por inadmissível; ou, caso assim não se entenda - b) deve a presente revista ser recusada, por inadmissível, no que tange à impugnação do momento em que se produziu o conhecimento, pela Recorrente, da realidade na qual se funda o pedido de revisão; Subsidiariamente, caso admitida a revista: - c) deve improceder a nulidade imputada à decisão recorrida; e - d) devem improceder os erros de julgamento imputados à decisão recorrida; Consequentemente, - e) deve improceder a revista, mantido o acórdão recorrido, improcedendo o recurso extraordinário de revisão, com fundamento emextemporaneidadedarevisãobaseada na falsidade e revelia; Sem prescindir, ainda, caso admitida a revista à matéria do conhecimento, pela Recorrente, da realidade na qual se funda o pedido de revisão: - f) deve o acórdão recorrido ser revogado, e substituído por outro que situe o conhecimento, pela Recorrente, logo em 2016.10.27; Consequentemente, - g) deve improceder o recurso extraordinário de revisão, com fundamento emextemporaneidadedarevisãobaseada na falsidade e revelia. Tudo com as legais consequências.» 5. Face ao pedido de ampliação da matéria de facto apresentado pela recorrida, a recorrente apresentou resposta a essa pretensão, formulando as seguintes conclusões: «A- Nas contra-alegações de recurso da recorrida, quanto à matéria da ampliação, não foi arguida a nulidade da sentença nem foi impugnada a decisão proferida com base em matéria de facto que não tivesse sido impugnada pela recorrente. B- Dando-se a devida irrelevância às suposições inverosímeis, conclusões ilógicas ou/e considerações subjetivas que a recorrida discorre no seu pedido de ampliação, conclui-se que o único facto concreto que a recorrida alega, para do mesmo extrair a conclusão do conhecimento do PER por parte da recorrente antes de Dezembro de 2020, é um alegado envio de uma carta sua, em 2016.10.27, para a morada da Recorrente em Suite E-2, ..., ..., .... C- A ALELUIA não juntou aos Autos prova de que tal carta tivesse sido efetivamente enviada, cabendo-lhe o ónus da sua demonstração. D- O que a ESR sabe, e, por conseguinte, alegou no seu requerimento de recurso extraordinário de revisão, é que nunca recebeu qualquer comunicação por parte da devedora sobre a existência do PER. E- Aquele facto encontra-se devidamente impugnado e o que está em causa no recurso ora interposto pela ESR é precisamente o momento em que esta entidade teve conhecimento, não só da existência do PER mas sobretudo dos factos que servem de fundamento ao recurso extraordinário de revisão. F- Em face do disposto no artigo 636.º do CPC, a requerida ampliação do âmbito do recurso não tem cabimento legal pelo que a mesma deve ser indeferida. G- A ESR é uma sociedade comercial constituída sob o direito das ... e com sede nas ..., sendo o seu acionista único, desde outubro de 2014, a massa insolvente da Espirito Santo International, S.A. sedeada no ... representada pelos seus liquidatários judiciais, também.... H- A ESR é a segunda maior credora da ALELUIA. I- Nos termos do n.° 4 do artigo 129.° do CIRE, impunha-se ao administrador de insolvência o dever de notificar pessoalmente os 5 maiores credores da ALELUIA, notificação essa que o administrador de insolvência nunca efetuou, tão pouco reconhecendo o crédito da ESR na lista de créditos reconhecidos. J- O art. 37º, nº 3 e 4 do CIRE, em vigor à data dos Autos, determinava que os cinco maiores credores conhecidos fossem citados nos termos legais, citação que a ESR nunca recebeu porque a mesma não foi levada a efeito pelo Tribunal. L- O crédito da ESR foi qualificado, à sua revelia, como subordinado, pese embora quer o contrato de mútuo mercantil, quer os registos contabilísticos e financeiros e as contas, aprovadas pela ALELUIA, em conselho de administração e assembleia geral, para os anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, o reconhecerem como comum. M- O plano de recuperação aprovado e homologado ter declarado o perdão do crédito da ESR, o segundo maior credor da ALELUIA, com o absoluto desconhecimento do respetivo titular. N- Termos e que o único facto em que a requerida se baseia para fundamentar a ampliação é, além do mais, irrelevante considerando que o que é relevante é o momento do conhecimento, por parte da ESR, dos factos que servem de fundamento ao recurso extraordinário de revisão e considerando que se encontra demonstrados nos Autos a violação das disposições do CIRE relativamente à obrigatoriedade legal de notificação e citação da ESR. Com o Douto Suprimento de V. Excelências, deve conceder-se provimento à Presente Resposta, como é de Justiça.» * II. FUNDAMENTOS 1. A questão prévia da admissibilidade do recurso: Visando o recurso de revisão afetar a decisão que foi proferida nos autos principais em matéria de natureza insolvencial (em sentido amplo), mais concretamente, a aprovação de um PER, suscita-se a questão prévia de saber a que regime deve obedecer a presente revista. Estabelece o artigo 697.º n.º 6 do CPC que: «As decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originalmente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever.» Por outro lado, importa ter presente o seguinte: os autos principais respeitavam a um processo especial de revitalização (PER), no qual figurava como devedora a Aleluia – Cerâmicas, S.A., e no qual foi proferida, em 16.02.2017, sentença homologatória do plano de revitalização. Desta sentença foi interposto recurso de apelação. O tribunal da Relação, por acórdão de 16.05.2017, manteve a sentença proferida pela 1.ª instância. Foi interposto recurso de revista, tendo o STJ decidido não tomar conhecimento do recurso. A decisão proferida nos autos principais transitou em julgado em 16.11.2017. O acórdão agora recorrido, embora corra, naturalmente, por apenso à ação principal (dada a natureza excecional do recurso de revisão), pronunciou-se sobre uma pretensão da credora recorrente que visa a alteração da decisão proferida nos autos principais do PER, pelo que se suscita a questão de saber se a presente revista também estaria submetida ao regime específico previsto no artigo 14º do CIRE (hipótese em que a revista só seria admitida caso a recorrente demonstrasse a existência de oposição de acórdãos sobre a mesma questão jurídica). O STJ já se pronunciou sobre esta questão, num caso que apresenta significativa semelhança com o a caso decidendo, concluindo pela não aplicação do regime previsto no artigo 14.º do CIRE. Efetivamente, como se sumariou no acórdão do STJ, de 15.02.2023 (relatora Graça Amaral)1, proferido no processo n.º 25776/19.8T8LSB.L1-A.S1: «O regime restritivo de recurso ao STJ estabelecido no artigo 14.º, do CIRE, tem por pressuposto estar assegurado “o segundo grau de jurisdição”. Tal restrição, determinada pelo requisito específico da oposição de acórdãos, não é avocada nas situações em que o tribunal da Relação não funcione como tribunal de recurso, mas tenha intervenção como uma 1.ª instância. Não se encontra condicionada à verificação de oposição de acórdãos a admissibilidade do recurso interposto para o STJ do acórdão proferido pelo tribunal da Relação, que indeferiu o recurso extraordinário de revisão do acórdão dessa mesma Relação que havia confirmado a sentença homologatória de um plano de recuperação.» Como se afirmou na fundamentação do referido acórdão do STJ: «Uma vez que o regime restritivo de recurso ao STJ estabelecido no artigo 14.º, do CIRE, tem por pressuposto estar assegurado “o segundo grau de jurisdição”, tal restrição (através do requisito específico da oposição de acórdãos) é avocada nas situações em que o tribunal da Relação funcione como 2.ª instância, ou seja, enquanto tribunal de recurso; não, quando a sua intervenção se encontre assumida como uma 1.ª instância. No caso, embora esteja em causa um recurso extraordinário de revisão, o seu objecto é idêntico ao dos autos principais, uma vez que através dele se pretende a alteração da decisão de homologação do PER, ou seja, por via dele visa-se alcançar a não homologação do PER pretendida pela Recorrente no âmbito do processo especial de revitalização. Importa, por isso, compaginar o disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 697.º do CPC, com o artigo 14.º, do CIRE (onde não se encontram previstas as situações em que o tribunal da Relação conheceu do objecto do processo em 1.ª instância). Assim sendo, tendo a decisão recorrida sido proferida pelo tribunal a quo enquanto decisão em 1.ª instância (independentemente de constituir uma decisão colegial), há que garantir à Recorrente o duplo grau de jurisdição, que sempre lhe assistiria nos termos do referido artigo 14.º do CIRE. Nessa medida, não pode deixar de se considerar que a admissibilidade do recurso de revisão interposto para este Supremo Tribunal não se encontra sujeita ao requisito específico exigido por aquele artigo 14.º, isto é, condicionada à verificação de oposição de acórdãos, carecendo, pois, de cabimento para o conhecimento do respectivo objecto indagar se, no caso, ocorre uma efectiva contradição entre o acórdão recorrido e o indicado acórdão-fundamento.» Concluiu-se, na linha desta jurisprudência, pela admissibilidade da presente revista. 2. Objeto da revista As conclusões das alegações do recorrente delimitam o objeto do recurso, como decorre do disposto no artigo 635º, n.º 4 do CPC. Assim, a revista tem por objeto as seguintes questões: - Saber se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia; - Saber se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito quando concluiu pela intempestividade do recurso de revisão, quanto aos fundamentos consagrados nas als. b) e e) do n.º 1 do art. 696.º do CPC. 3. Fundamentos de facto A factualidade relevante para efeitos do presente recurso de revista é a que decorre do relatório supra exposto. 3. O direito aplicável 3.1. Se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia: A recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido, com fundamento em excesso de pronúncia, por entender que o tribunal da Relação não a notificou para se pronunciar sobre a matéria atinente à exceção de caducidade do direito de recurso invocada pela recorrida na respetiva resposta. Haveria, portanto, na sua tese, violação do princípio do contraditório, existindo uma decisão-surpresa. Apesar de a questão das consequências da violação do princípio do contraditório não ser uma matéria absolutamente pacífica, nem na doutrina nem na jurisprudência, a mais recente jurisprudência do STJ tem entendido que a decisão proferida com violação do princípio do contraditório é suscetível de causar a sua nulidade, nos termos do artigo 195º, n.º 1 do CPC (nulidade processual), e não a nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC (por excesso de pronúncia). Neste sentido, veja-se, por exemplo, o que se sumariou nos seguintes arestos: - Acórdão do STJ, de 29.02.2024 (relator Emídio Francisco Santos), no processo n.º 19406/19.5T8LSB.L1.S1: «A decisão proferida sem observância do princípio do contraditório é nula por aplicação do n.º 1 do artigo 195.º do CPC. O meio processual próprio para arguir a nulidade é a reclamação para o tribunal onde ela foi cometida, salvo na hipótese prevista no n.º 3 do artigo 199.º do CPC.» - Acórdão do STJ, de 04.04.2024 (relatora Maria da Graça Trigo), no processo n.º 5223/19.6T6STB.E1.S1: «A decisão proferida sem observância do princípio do contraditório é nula por aplicação do n.º 1 do art. 195.º do CPC, sendo que o meio processual próprio para arguir a nulidade é a reclamação para o tribunal onde ela foi cometida, salvo na hipótese prevista no n.º 3 do art. 199.º do CPC. Apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, gera a nulidade do acórdão (art. 615.º, n.º 1, d), do CPC), não integrando tal vício a fundamentação deficiente, errada ou não convincente.» No caso dos presentes autos, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a questão da caducidade como tinha, obviamente, de se pronunciar, dado que tal exceção foi invocada pela recorrida na sua resposta. Assim, independentemente de a recorrente apresentar ou não a sua versão sobre essa matéria, sempre o tribunal teria de se pronunciar sobre ela (por estar obrigado a pronunciar-se sobre todas as questões – art.º 608º, n.º 2), pelo que não se poderá afirmar que, em rigor, exista um excesso de pronúncia que, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), pudesse conduzir à nulidade da decisão. O que existe é uma deficiência do próprio processo decisório, dado que a recorrente não foi ouvida sobre aquela concreta matéria (e devia ter sido). Todavia, como a mais recente jurisprudência do STJ tem entendido, sendo gerada uma nulidade à qual se aplica n.º 1 do art.º 195.º do CPC, o meio processual próprio para arguir a nulidade é a reclamação para o tribunal onde ela foi cometida (no prazo de 10 dias – art.º 149.º). Não tendo o recorrente agido nesses termos, fica precludido o seu direito de posteriormente invocar a nulidade da decisão com base nessa circunstância. Tal não significa, obviamente, que a decisão se tenha tornado imaculada, pois apesar de ter deixado de poder ser atacada por via da nulidade, sempre poderá ser, em abstrato, atacada por via da errada aplicação da lei (como a recorrente também invoca no caso concreto). Afirma-se na fundamentação do citado acórdão do STJ, de 29.02.2024, com pertinência para a fundamentação do caso decidindo: «Visto que não há norma especial que sancione a omissão desta formalidade, aplica-se-lhe a regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão.» E acrescenta-se: «(…) o n.º 2 do artigo 630.º do CPC, na parte em que dispõe que não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, aponta no sentido de que o legislador configura a omissão de formalidades que contendam com o princípio do contraditório como nulidade prevista no n.º 1 do artigo 195.º do CPC. Esta nulidade está sujeita a reclamação dos interessados perante o tribunal onde ela foi cometida (2.ª parte do artigo 196.º e n.º 1 do 197.º …)» Também na fundamentação do supra referido acórdão do STJ, de 04.04.2024, se afirma: «(…) quando o tribunal profere uma decisão sem observância do contraditório, em contravenção com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, não está a conhecer de uma questão de que não pudesse tomar conhecimento. Ao invés, tratando-se de uma situação que não é regulada por norma especial, deverá ser-lhe aplicada a regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão. Neste caso, a eventual nulidade da decisão decorre de um efeito consequencial, obtido por via do n.º 2 do art. 195.º do CPC, e não da subsunção às causas autónomas de nulidade das decisões previstas no art. 615.º do mesmo diploma (…)» Na linha desta jurisprudência conclui-se que, não tendo a recorrente invocado a nulidade da decisão nos termos do regime consagrado no artigo 195º, o direito de invocar essa decisão se encontra precludido. Por outro lado, não havendo qualquer excesso de pronúncia, não se verifica a nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, alínea d) do CPC. Em resumo, o facto de a recorrente não ter sido chamada a pronunciar-se sobre a caducidade invocada pela recorrida fez com que a decisão proferida tenha violado o princípio do contraditório, por não ser lícito ao tribunal decidir nessas circunstâncias, como decorre do artigo 3º, n.º 3 do CPC, tornando a decisão nula (e atacável nos termos do artigo 195º). Verificou-se, assim, uma falha ou deficiência ao nível dos pressupostos em que assentou o processo decisório, por não ter havido uma ponderação explícita da posição que a recorrente tinha direito de exprimir e não pode exprimir (independentemente do sentido que a decisão viesse a ter). Mas dificilmente se poderá afirmar que em tal hipótese exista um excesso de pronúncia no sentido (mais restrito) que é pressuposto pelo artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, ou seja, no sentido de a própria decisão estatuir para além do objeto decisório, conhecendo de uma questão que ninguém suscitou e que também não seja de conhecimento oficioso. Improcede, portanto, a invocada nulidade por excesso de pronúncia. * 3.2. Se o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito quando concluiu pela intempestividade do recurso quanto aos fundamentos previstos nas alíneas b) e e) do n.º 1 do art. 696.º do CPC: 3.2.1. Para sustentar a decisão de intempestividade do exercício do direito, quanto àqueles fundamentos, o acórdão recorrido apresenta, em síntese, a fundamentação que se extrata: «(…) à data da interposição do presente recurso ainda não haviam decorrido 5 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão revivenda. Mas não está comprovado nos autos o assim alegado pela recorrente, sendo para nós certo que a certidão em que habilmente se fundamenta contém um manifesto lapso do Sr. Funcionário judicial, pois que evidentemente o mesmo reporta-se ao trânsito em julgado de um outro acórdão desta Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância posterior à decisão de homologação do plano de recuperação e seu trânsito, datado de 11.07.2018. Alega a recorrente (145) que “Por carta recebida no dia 14 de Dezembro de 2020, a ALELUIA informou a mandatária da ERS da existência de um Plano de Recuperação …”. E mais alega que “Em 17 de Dezembro de 2020, a mandatária da ERS é notificada de que é autorizada a consulta ao processo PER …pelo prazo de 10 dias”. Perante tais factos, manifesto é de concluir que a recorrente obteve acesso aos documentos constantes do processo PER e, pela sua consulta pode, ou diligentemente, como se lhe requeria que fizesse, podia ter concluído - pela falsidade de documento e de apreciação pelo perito que determinou a condução e conclusão do processo e consequentemente a decisão a rever – ou no dizer da recorrente, no teor da relação de credores junta pela recorrida com o requerimento inicial do PER e o teor do plano de recuperação, aprovado e homologado por sentença, transitada em julgado - não tendo tal matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida e - ter o processo corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção da recorrente porquanto se mostra evidente que faltou a citação/notificação da mesma não tendo a aqui recorrente tido conhecimento do processo por facto que não lhe é imputável – pelo que à data da interposição do presente recurso há muito havia decorrido o prazo de 60 dias possibilitador da fundamentação do recurso na previsão das als. b) e e) do art.º 696.º do C.P.Civil.» A recorrente discorda deste entendimento, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por decisão que julgue tempestivo o recurso de revisão. 3.2.2. Importa ter em conta que os presentes autos não tiveram um percurso tipicamente linear, pelo que tal circunstancialismo não será indiferente ao surgimento de alguma dúvida razoável quanto à tempestividade do exercício dos direitos da recorrente. Vejamos: - A sentença de homologação do PER transitou em julgado em 16.11.2017 (certidão junta aos autos, em 15.03.2023); - Em 17.12.2020, a mandatária da recorrente foi notificada da autorização para consulta dos autos (facto que não se mostra controvertido – conclusão do requerimento de recurso em confronto com os artigos 145º e ss. da resposta) - Em 19.03.2021, a recorrente apresentou recurso extraordinário de revisão no Tribunal da Comarca de ... (proc. n.º 3231/16.8T8AVR-A). - Em 27.04.2021, o recurso de revisão foi admitido liminarmente; - Em 08.07.2021, foi proferido novo despacho liminar a indeferir liminarmente o recurso, com fundamento em incompetência hierárquica (conforme documento junto aos autos em 24.03.2022); - Este despacho foi declarado nulo pelo tribunal da Relação do Porto; - Em 14.01.2022, o tribunal da comarca de ... proferiu novo despacho de absolvição da instância, com fundamento em incompetência hierárquica (documento junto aos autos em 24.03.2022). - Este despacho transitou em 01.02.2022 (considerando a data de notificação do despacho em causa, 14,01.2022); - Em 05.02.2022, a recorrente solicitou a remessa dos autos ao tribunal da Relação ao abrigo do disposto no artigo 99.º, n.º 2, do CPC, o que foi deferido e imediatamente executado; - A recorrida opôs-se à remessa, tendo o tribunal da ..., em 13.03.2022, anulado o seu despacho e indeferido o pedido de remessa; - A notificação deste despacho à recorrente foi elaborada em 14.03.2022, considerando-se a recorrente notificada em 17.03.2022 (art. 219.º, n.º 6, do CPC); - A Recorrente apresentou o presente recurso de revisão no TRP em 22.03.2022. 3.2.2. Nos termos do artigo 697º, n.º 2 do CPC, o recurso de revisão não pode ser apresentado se já tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão em causa, sendo de 60 dias o prazo para essa apresentação a partir do conhecimento dos factos que sustentam o pedido de revisão, estando em causa, no presente caso, as hipóteses previstas nas alíneas b) e e) do art.º 696.º. No caso dos autos, é inequívoco que à data da apresentação do presente recurso ainda não haviam decorrido 5 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão revidenda, ou seja, a decisão de homologação do plano especial de revitalização (PER), transitada em julgado em 16.11.2017. Assim, o que importa apurar é se o prazo de 60 dias já havia decorrido à data da apresentação de recurso de revisão. Caso a resposta seja afirmativa, concluir-se-á pela caducidade do direito. Efetivamente, como determina o artigo 298.º, n.º 2, do CC: «quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição». Está, assim, em causa um prazo de caducidade, sendo esta forma de extinção do direito de ação pelo decurso do tempo uma exceção perentória, cujo ónus da prova compete a quem a invoca como meio de defesa (art.º 342.º, n.º 2 do CC). 3.2.3. Neste quadro, atendendo aos argumentos que cada uma das partes expressou nos respetivos requerimentos (por não ter chegado a existir produção de prova), concluiu-se que o efetivo momento do conhecimento dos factos que servem de base à revisão pretendida se mostra controvertido nos autos. Assim, enquanto a recorrente alega que tal conhecimento apenas ocorreu em fevereiro de 2021, a recorrida afirma que esse conhecimento ocorreu em momento anterior. A recorrida, alegou que o conhecimento dos factos teria ocorrido ainda na pendência do PER, afirmando também que, no limite, tal conhecimento teria ocorrido na data da autorização dada à mandatária da recorrente para consulta dos autos do PER. Tratando-se, assim, de matéria controvertida, não é possível resolver esta questão sem antes ponderar a prova oferecida, até porque, ainda que resulte incontestado nos autos que a mandatária viu a consulta do processo ser autorizada em 17.12.2020, a verdade é que tal não corresponde à demonstração do facto impeditivo invocado pela recorrida. Efetivamente, não é a mesma coisa afirmar que a mandatária viu autorizada a consulta do processo em 17.12.2020 e que a recorrente teve, naquela data, conhecimento dos factos que servem de fundamento à ação (facto pessoal da recorrente). Como resulta da leitura do acórdão recorrido, o tribunal da Relação não concluiu que a recorrente tivesse efetivo conhecimento dos fundamentos da revisão. Limitando-se a afirmar que a recorrente pode ou podia concluir pela falsidade do documento ou pela situação de revelia. Ora, não relevando, para o caso, o simples dever de conhecer, mas sim o efetivo conhecimento, fácil é concluir que aquela argumentação não se mostra suficiente para a decisão a proferir. Concluiu-se, portanto, que o tribunal da Relação não dispunha (e não dispõe o STJ) dos elementos necessários para, de forma inequívoca, apreciar a exceção de caducidade invocada nos autos, pois a consulta do processo pela mandatária da recorrente, por si só, não corresponde à demonstração dos factos de que depende a análise da exceção de caducidade invocada. Deste modo, o processo tem de ser remetido ao Tribunal da Relação, nos termos do n.º 3 do art. 682.º do CPC, por necessidade de ampliação da matéria de facto, de modo a que se constitua base factual suficiente para uma criteriosa decisão de direito no que concerne à análise da exceção da caducidade. Apenas assim se poderá concluir se o exercício do direito de ação foi, ou não, tempestivo quando a recorrente apresentou o primeiro recurso de revisão, em 19.03.2021. Deste modo, fica, neste momento, prejudicada a análise da eventual aplicação das denominadas Leis-COVID ao prazo de caducidade, invocada pela recorrente. 3.2.4. Nos termos do artigo 683º, n.º 1 do CPC, como a decisão de facto tem de ser ampliada, pode o STJ, desde já, definir o sentido do direito aplicável, caso se conclua que o recurso apresentado em 19.03.2021 foi tempestivo. Assim, caso se conclua em sentido afirmativo, emerge a questão de saber se o segundo recurso de revisão, apresentado no TRP em 22.03.2022 também foi tempestivo (dado ter existido absolvição da instância, pelo tribunal de comarca de ..., em 14.01.2022, como supra referido). A resposta a esta questão não depende de prova a produzir, pois depende apenas de elementos processuais que já resultam dos autos, pelo que o STJ dispõe, assim, dos elementos necessários para estabelecer o critério normativo. Está em causa a consideração do quadro legal que emerge, sobretudo, do disposto no artigo 279, n.º 2 do CPC e dos artigos 327º, n.º 3 e 332º, n.º 1 do CC: Dispõe o n.º 2 do art. 279.º do CPC (sobre alcance e efeitos da absolvição da instância) que: «Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.». Da lei substantive relevam, particularmente, as seguintes disposições: Diz o artigo 332º, n.º 1 que: «Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º, mas se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado neste preceito.» Por sua vez, o n.º 3 do artigo 327.º do CC dispõe que: «Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.». O STJ tem vindo a entender que o disposto no artigo 327º, n.º 3 do CC (aplicável ex vi do artigo 332º, n.º 1) prevalece sobre o regime processual relativo à absolvição da instância, sendo sempre de conceder ao autor um prazo adicional de 2 meses, caso o réu seja absolvido por motivo processual não imputável ao titular do direito. Neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdãos do STJ de 16.02.2012 (relator Lopes do Rego)2 no proc. n.º 566/09.0TBBJA.E1.S1 (proferido na vigência do anterior CPC), no qual se sumariou aquele entendimento, nos seguintes termos: «I - Da conjugação dos arts. 289.º, n.º 2, do CPC, 332.º, n.º 1, e 327.º, n.º 3, ambos do CC, resulta que, no que à caducidade diz respeito, os efeitos civis da propositura da acção – impedimento à verificação da caducidade – mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que essa absolvição por motivo processual não seja imputável ao titular do direito, não se devendo a culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a acção. II - O regime estatuído naqueles preceitos do CC sobrepõe-se e substitui-se, no âmbito da caducidade, ao que sempre constou do n.º 2 do art. 289.º do CPC – facultando ao autor a manutenção dos efeitos civis da propositura da primeira acção, terminada por mera decisão de forma, com a única condição de a voltar a propor no prazo de 30 dias contados do trânsito da decisão absolutória – pelo que o regime estabelecido naquela norma adjectiva não é presentemente de aplicar em sede do instituto da caducidade de direitos exercidos em juízo.”. Assim, na linha desta jurisprudência, não sendo de imputar ao titular de direito o motivo da absolvição da instância, dispõe este de um prazo adicional de 2 meses para a propositura de nova ação, aproveitando o efeito impeditivo da caducidade operado por força da primeira ação instaurada. Também no plano doutrinal se encontra sustentado este entendimento. Veja-se o que afirma Júlio Gomes (in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, 2014, página 777): «Refira-se que Vaz Serra dava expressamente o exemplo de um erro sobre a competência de um tribunal poder não ser imputável ao autor: “pode não lhe ser imputável o facto de ter proposto a acção num tribunal incompetente (pode ser difícil a interpretação da lei sobre a competência)” (Vaz Serra, n. 1010, 257). Sublinhe-se que a jurisprudência dominante - veja-se, por todos, e recentemente o Ac. do STJ de 16 de fevereiro de 2012, processo 566/09.0TBBJA.ELS1 entende que o regime previsto na lei substantiva e designadamente neste artigo 327.º, n.º 3, prevalece sobre o regime processual da absolvição da instância, devendo exigir-se a não imputabilidade ao autor para que este beneficie do prazo adicional de dois meses. Esse efeito, nas palavras do douto Ac, só se justifica “quando, tendo o autor agido com a diligência devida, a prolação de mera decisão de forma lhe não possa ser imputável, não resulte de culpa sua - sendo antes de atribuir às contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente à dúvida razoável e fundada sobre determinado pressuposto processual - aquele cuja falta veio a ditar a absolvição da instância - face à doutrina e jurisprudência existentes”.» O juízo sobre a imputabilidade da causa da absolvição não se deve restringir a um ontológico erro jurídico que tenha determinado a instauração de uma ação em tribunal incompetente. Tal erro deverá estar para além da dúvida razoável, havendo que considerar as demais circunstâncias processuais atendíveis. No caso dos presentes autos, a matéria da competência hierárquica para a interposição de recurso extraordinário de revisão também parece ter suscitado alguma dúvida no próprio tribunal, porquanto, como supra se referiu, o recurso começou por ser liminarmente admitido pelo tribunal de comarca de ..., tendo, depois, sido revogada essa decisão e proferido novo despacho de indeferimento liminar com fundamento em incompetência hierárquica. Acresce que quando a recorrente solicitou a remessa dos autos ao tribunal da Relação tal pedido foi inicialmente deferido; mas posteriormente foi anulado o despacho e indeferido o pedido de remessa. A recorrente foi notificada deste despacho em 17.03.2022 e apresentou o presente recurso de revisão no TRP em 22.03.2022. Neste quadro, é de concluir que as dúvidas respeitantes à competência hierárquica para a apresentação de recurso extraordinário de revisão seriam razoáveis, e permitem concluir que não será de imputar à recorrente a causa da absolvição da instância, razão pela qual dispunha a recorrente do prazo adicional de 2 meses contados do trânsito em julgado da decisão da absolvição da instância. Tendo a decisão de absolvição da instância transitado em julgado em 01.02.2022 e tendo o presente recurso de revisão dado entrada em 22.03.2022, será de concluir pela sua tempestividade, caso venha a verificar-se a tempestividade do primeiro recurso de revisão apresentado. Nestes termos se fixa o sentido do direito a aplicar, nos termos do artigo 683º, n.º 1 do CPC. * DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente, nos seguintes termos: -a) Julga-se improcedente a nulidade imputada ao acórdão recorrido; - b) Revoga-se o acórdão recorrido, devendo os autos baixar ao tribunal da Relação para fixação da matéria de facto e produção de prova quanto ao momento do conhecimento dos factos em que se baseia o recurso de revisão, devendo a exceção de caducidade ser apreciada com base nos factos a apurar. Caso se conclua pela tempestividade do recurso de revisão apresentado em 19.03.2021, deve o presente recurso de revisão considerar-se tempestivo, devendo os autos prosseguir os seus termos, de acordo com o disposto no artigo 700.º e seguintes do CPC. Custas na revista: 1/3 pela recorrente e 2/3 pela recorrida. Lisboa, 12.11.2024 Maria Olinda Garcia (Relatora) Graça Amaral Rosário Gonçalves _____________________________________________ 1. Publicado em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/184252ac213b8b1280258958002f5160?OpenDocument↩︎ 2. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e5c3408a0acb89f6802579b10041c504?OpenDocument;↩︎ |