Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE RAPOSO | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OPOSIÇÃO DE JULGADOS APREENSÃO DE CORREIO ELETRÓNICO E REGISTOS DE COMUNICAÇÕES DE NATUREZA SEMELHANTE JUÍZ DE INSTRUÇÃO PRESSUPOSTOS IDENTIDADE DE FACTOS BUSCA PROVA ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 04/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - No acórdão recorrido, foi o juiz de instrução que autorizou a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afiguraram ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova – apesar de, posteriormente, o acórdão de 1.ª instância e o acórdão recorrido terem discordado dessa necessidade. II - Não há identidade de factos com a situação do acórdão fundamento, porquanto neste, o mandado de busca e apreensão emitido pelo MP incluía a apreensão de documentos originados ou recebidos via correio eletrónico, tendo sido, efetivamente, apreendida correspondência eletrónica recolhida em suporte digital sem prévia autorização do JIC. III - A situação de facto do acórdão recorrido respeita o disposto no art. 17.º da Lei n.º 109/2009, na interpretação do Acórdão para fixação de jurisprudência n.º 10/2023. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA, arguido nos autos, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15.12.2022 proferido nos autos, alegando que nele se apreciou e decidiu uma questão de direito cuja pronúncia está em oposição com a de outro acórdão, proferido a 7.3.2018 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 184/12.5 TELSB-B.L1-3, apresentando as seguintes conclusões e pedido: (transcrição) 1. No acórdão proferido no processo 184/12.5TELSB-B.L1-3, de 7 de Março de 2018, do Tribunal da Relação de Lisboa, relatado por Conceição Gonçalves, agora acórdão fundamento, decidiu-se que a. V. Da redacção do artº 17º da Lei do Cibercrime resulta de forma clara que não esteve no espírito do legislador transpor para o correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante a distinção, por referência ao correio tradicional, de correio aberto ou fechado, o que desde logo se colhe do elemento literal previsto neste preceito legal com a expressão "armazenados" o que pressupõe que a comunicação já foi recebida/lida e, consequentemente, armazenada, além de não existirem razões para considerar diminuídas as exigências garantísticas do correio electrónico quando aberto/lido relativamente ao correio electrónico fechado, atenta a natureza própria destas comunicações. b. VI. As mensagens de correio electrónico que se encontrem armazenadas num sistema informático só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão para o artº 179º do CPP. 2. Contrariamente, no douto acórdão de que se recorre, decidiu-se que (...) Não desconhecendo este Tribunal a ausência de um consenso jurisprudencial sobre a matéria, exaustivamente exposto no Acórdão recorrido e que, por isso, nos escusamos a elencar, entendemos, secundando o decidido pelo Tribunal recorrido, que estando em causa nos autos mensagens recebidas e lidas [não invocando o recorrente o contrário], as mesmas não integram o conceito de correio electrónico, sendo desnecessária a sua apresentação ao juiz para fiscalização judicial ao abrigo do artigo 17º. 3. Nestes dois arestos julgaram-se as mesmas questões fundamentais de direito, interpretando as mesmas normas jurídicas, sobre a mesma questão de facto e no âmbito da mesma legislação, em sentidos diferentes. 4. As referidas decisões transitaram em julgado, pelo que se impõe a fixação de jurisprudência, conforme dispõem os artigos 437.º e seguintes do CPP. • Entendemos que deve ser fixada jurisprudência com o sentido do acórdão fundamento deste recurso, ou seja: As mensagens de correio eletrónico que se encontrem armazenadas num sistema informático só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, independentemente de terem sido antes lidas ou não, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, aplicando-se o artigo 17º da lei 109/2009 de 15/09 que remete para o artº 179º do CPP Violaram-se as seguintes disposições legais: • artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro; • artigo 179º do CPP; • Artigos 26º, 32º e 34º da CRP. Nestes termos e demais de Direito, deverá o presente recurso obter provimento e, em consequência, fixar-se jurisprudência no sentido propugnado e de acordo com o acórdão fundamento. V. EXAS FARÃO, CONTUDO, JUSTIÇA! O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, baseando-se na fundamentação acórdão 91/2023 do Tribunal Constitucional em cuja respondeu ao recurso, conclui: «…ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA deve ser dado provimento, julgando-o procedente e fixando-se jurisprudência no sentido da decisão proferida no acórdão fundamento». Não foi apresentado qualquer outra resposta ao recurso. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sustentando: 1.2. A questão que se coloca, tal como o recorrente a apresenta, é a de saber se:“as mensagens de correio electrónico que se encontrem armazenadas num sistema informático só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, independentemente de terem sido antes lidas ou não, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, aplicando-se o artº 17º da Lei 109/2009, de 15/09, que remete para o artº 179º do CPP.” 1.3. O Ministério Público junto da Relação de Lisboa pronunciou-se no seguinte sentido: «ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA deve ser dado provimento, julgando-o procedente e fixando-se jurisprudência no sentido da decisão proferida no acórdão fundamento.» 1.4. Segundo a certidão junta aos autos, o Acórdão recorrido foi notificado ao Ministério Público, por termo nos autos, no dia 16 de dezembro de 2022 e, nesta mesma data, via eletrónica, aos outros sujeitos processuais. O prazo de interposição deste recurso extraordinário é de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – artigo 438º, nº 1 do CPP. Houve recurso para o Tribunal Constitucional e, segundo a certidão junta aos autos, o Acórdão recorrido transitou em julgado em 13 de abril de 2023. Assim, o recurso em causa, interposto em 10 de maio de 2023, é tempestivo. 2. Questões de mérito – Rejeição do recurso Segundo a doutrina deste Supremo Tribunal de Justiça, a oposição de julgados verifica-se quando: a) - As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; b) - As decisões em oposição sejam expressas; c) - As situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. Assim, um dos requisitos substanciais é a oposição expressa de julgamento relativamente à mesma questão de direito. A este propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem consolidando o entendimento de que a existência de decisões antagónicas pressupõe, para além de julgados expressos, a identidade das situações de facto base das decisões de direito antitéticas ou conflituantes. Portanto, a oposição de julgados pressupõe decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação. A decisão da questão de direito não pode ser desligada do substrato factual sobre a qual incide. Em suma, a viabilidade do recurso de fixação de jurisprudência pressupõe que estejam em causa soluções de direito dadas a situações de facto idênticas. Diga-se, ainda neste contexto, que “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.”1 Assim, “do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.”2 Em face do exposto, importa dizer que, no caso concreto, a pretensão do recorrente não pode proceder uma vez que as situações de facto a que aludem os invocados acórdãos são diferentes. Com efeito, vejamos o caso concreto: A- O Acórdão recorrido Em face do acórdão recorrido, verifica-se que a situação processual ocorrida nos autos é a seguinte: - Durante o inquérito o Ministério Público realizou buscas no âmbito das foi, além do mais, apreendido o telemóvel do ora recorrente. - Pelo Ministério Público foi proferido despacho validando as buscas e apreensões efetuadas e, subsequentemente, foram elencados os factos e meios de prova que determinaram a apresentação do arguido a 1º interrogatório judicial sendo, nessa sequência, requerido ao JIC “que se autorize o acesso aos telemóveis apreendidos nos autos, com vista a exame pericial de leitura e análise do respetivo conteúdo, uma vez que tais aparelhos contêm elementos probatórios essenciais à conclusão das diligências de investigação do presente inquérito.” - O JIC proferiu despacho determinando que «seja realizada perícia aos telemóveis apreendidos, conforme promovido.» - Foram transcritas as mensagens escritas, de voz e de imagens daquele telemóvel, o que constitui o teor do “Apenso P2”. O arguido invocou, no recurso para a Relação, a nulidade daquela prova, com fundamento no facto de, em seu entender, ser necessário um despacho judicial para apreensão das mensagens que tinha armazenadas no telemóvel uma vez que a lei não distingue entre mensagens lidas e não lidas. O acórdão recorrido, no que aqui importa, decidiu o seguinte: «Prova do apenso P2 Relativamente à prova constante do apenso P2, obtida na sequência do despacho judicial do Juiz de Instrução de fls. 2883 dos autos, que deferindo a promoção do Ministério Público, determinou a “perícia” aos telemóveis apreendidos, sustenta o recorrente a respectiva nulidade por o referido despacho judicial ter inobservado o regime previsto no artigo 15º da Lei 109/2009, de 15 de Setembro. Invoca igualmente a violação do artigo 16º, por inexistência de despacho de apreensão da autoridade judiciária e 17º por ausência de intervenção do juiz. (…) Conforme se consignou no acórdão recorrido, que verte fielmente o que consta nos autos, o Ministério Público, no âmbito do seu despacho de 07.01.2021, inserto a fls. 2823 [despacho de apresentação do arguido AA, entre outros, a 1º interrogatório de arguidos detidos] e após validar as apreensões (cfr. Artº 178º nº 5 CPP) e as buscas (cfr. Artº 174º nº 5 alª b) do CPP) efectuadas, entre as quais se encontra o telefone celular do qual foi extraída a prova ora questionada [apreendido a fls. 2578, examinado a fls. 2648, fotografado a fls. 2656, com a respectiva apreensão também validade pelo JIC a fls. 2873], requereu ao JIC o seguinte: “Mais se requer que se autorize o acesso aos telemóveis apreendidos nos autos, com vista a exame pericial de leitura e análise do respectivo conteúdo, uma vez que tais aparelhos contêm elementos probatórios essenciais à conclusão das diligências de investigação do presente inquérito.” O JIC proferiu, então, o despacho de fls. 2883, com o seguinte teor: «Determino que seja realizada perícia aos telemóveis apreendidos, conforme promovido.» Afigurando-se pacífico que as naturezas dos factos em investigação integram o âmbito da denominada Lei do Cibercrime, aprovada pela Lei nº 109/2009, de 19.09, (…), vejamos se, independentemente do nomem iuris dado pelo Juiz de Instrução ao acto que determinou “perícia” ou “pesquisa informática”3 [o seu sentido é materialmente de uma busca/análise informática, que necessariamente é levada a cabo por um perito/técnico especializado para o efeito], o mesmo cumpre a normatividade do invocado artigo 15º, que na perspectiva do recorrente não foi assegurada, por o despacho judicial em causa não especificar os dados informáticos a pesquisar 4. Dispõe o artigo 15º «1- (…)» Decorre, pois, do referido normativo que esta pesquisa deverá ser autorizada ou ordenada pela autoridade competente [o Juiz ou o Ministério Público consoante a fase processual em questão]5 podendo, a título excepcional, em casos que aqui não relevam, ser efectuada pelos órgãos de polícia criminal (artigo 15º número 3 e 4). No caso dos autos, foi observada a garantia máxima, já que a diligência, podendo ser determinada pelo Ministério Público, por no momento ser a autoridade competente, foi determinada pelo Juiz de Instrução. (…) Pelo exposto, o despacho judicial em causa que determinou a obtenção/extracção da prova do dispositivo celular cumpriu, do ponto de vista da sua materialidade, as exigências previstas no artigo 15º da Lei do Cibercrime6. Em consequência e independentemente da maior ou menor correcção das considerações expendidas no acórdão relativamente a tal questão e que merecem a discordância do recorrente, a decisão de considerar que a prova que constitui o Apenso 2 [constituída por listagem de chamadas recebidas e efectuadas, por mensagens de texto e imagem] foi licitamente obtida e, por isso, nada obstava à sua valoração legal [artigo 125º do Código de Processo Penal] e mostra-se legalmente fundada.7 Improcede, pois, o argumento nuclear invocado pelo recorrente para sustentar a invalidade da prova. Mostram-se igualmente validadas todas as apreensões. Improcede igualmente a argumentação da invalidade da prova decorrente da falta de despacho do juiz a que alude o artigo 17º da Lei 109/2009, de 19.09, que o recorrente reclama com fundamento no facto de as mensagens ““chat” e “WhatsApp”” em causa, terem que ser apresentadas ao juiz, independentemente sem distinção entre lidas e não lidas. Não desconhecendo este Tribunal a ausência de um consenso jurisprudencial sobre a matéria, exaustivamente exposto no Acórdão recorrido e que, por isso, nos escusamos a elencar, entendemos, secundando o decidido pelo Tribunal recorrido, que estando em causa nos autos mensagens recebidas e lidas [não invocando o recorrente o contrário], as mesmas não integram o conceito de correio electrónico, sendo desnecessária a sua apresentação ao juiz para fiscalização judicial ao abrigo do artº 17º. Assim sendo, impõe-se confirmar a decisão recorrida que concluiu que a prova que integra o apenso P2 “foi validamente adquirida” nos presentes autos, podendo ser valorada como meio de prova. Improcede este segmento de recurso.» Em suma, o acórdão recorrido, por entender que a obtenção e extração da prova do celular constitui uma pesquisa de dados informáticos e que as mensagens de ““chat”” e ““WhatsApp”” não integram o conceito de correio eletrónico, aplicou o artigo 15º da Lei 109/2009, de 15 de setembro (a denominada “Lei do Cibercrime”). Entendeu ainda que, independentemente da terminologia dada pelo JIC, o despacho cumpria o estabelecido no aludido artigo 15º, uma vez que decorre deste normativo que a pesquisa em causa poderia ser ordenada pelo Ministério Público ou pelo JIC, consoante a fase do processo. Por isso refere que, podendo a diligência ser determinada pelo Ministério Público e tendo-o sido pelo Juiz, foi observada a “garantia máxima”. Deste modo, entendeu que o conteúdo de “Apenso P2” dos autos constituía prova validamente adquirida e que devia ser valorado como meio de prova. B- O Acórdão Fundamento Por outro lado, no acórdão fundamento, a situação processual foi a seguinte: - Durante o inquérito, o Ministério Público determinou a realização de buscas, constando do despacho que as ordenou, que as mesmas deveriam incidir sobre toda a documentação encontrada nos postos de trabalho e arquivos utilizados pelo visados ou pela instituição, incluindo toda a que se encontre em formato digital, ainda que se trate de documentos originados ou recebidos via correio eletrónico. - Não foi requerida autorização judicial para a pesquisa, em suportes informáticos, de ficheiros contendo dados relativos a correio eletrónico (expedido, recebido ou lido) guardado em sistema informático. - Após as buscas e depois de consumadas as apreensões, veio o Ministério Público remeter ao Tribunal Central de Instrução Criminal todos os dados que foram apreendidos em suporte digital, com o propósito de o JIC proceder ao seu exame e decisão sobre a sua eventual junção aos autos, conforme determinado no artigo 17º da Lei do Cibercrime. - O arguido veio invocar a nulidade da apreensão do correio eletrónico, por a mesma não ter sido precedida de autorização judicial requerendo a nulidade da apreensão de correspondência eletrónica, por violação do aludido artigo 17º. - Por despacho judicial foi declarada a nulidade do despacho do Ministério Público, na parte em que autorizou a apreensão do correio eletrónico. O Ministério Público interpôs recurso para a Relação insurgindo-se contra o despacho que declarou a nulidade do despacho do Ministério Público, na parte em que este autorizou a apreensão de correio eletrónico, e que entendeu que tal ilegalidade reconduz a busca, na parte relativa à apreensão de correio eletrónico, a um meio proibido de prova. Face ao exposto, o acórdão fundamento decidiu o seguinte: «No caso dos autos, a apreensão levada a efeito pelo Ministério Público, onde se inclui a apreensão de correio electrónico, não se reconduz, contrariamente ao que vem afirmado, a uma situação de mera apreensão de dados informáticos a que se reporta o artº 16º do Cibercrime. (…) Conclui-se, assim, que o Ministério Público apreendeu correio electrónico com base num despacho que ordenava a realização de buscas no decurso de uma pesquisa informática, sem prévia autorização do juiz de instrução para aquele efeito, sendo por isso nulo o despacho. 4. Da nulidade do despacho do Ministério Público A lei, quer o artº 179º, nº 1 do CPP quer o artº 17º da Lei do Cibercrime sancionam com nulidade a violação das regras relativas à competência para a autorização de apreensão de correio electrónico, assim estando ferido de nulidade o despacho do MP que, nos termos do artº 120 nº 1 do CPP foi tempestivamente invocada. Nestes termos, tal despacho é nulo e toda a correspondência electrónica assim obtida pelo MP constitui prova proibida, insusceptível de valoração. A apreensão da correspondência electrónica ao arguido, no âmbito das buscas aqui em causa, ao não ter sido precedida da obrigatória autorização judicial, traduziu-se num método proibido de prova, nos termos conjugados do9 disposto no artº 17º da Lei do Cibercrime e no disposto no artº 179º e 126º do CPP, e artº 32º nº 8 da CRP. Improcede, assim nesta parte o recurso.» Face ao exposto, não se verifica oposição de julgados, uma vez que são diferentes as situações sobre as quais se pronunciaram os acórdãos recorrido e fundamento. Com efeito, enquanto o acórdão recorrido apreciou uma questão na qual, na sequência de mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público, foi apreendido o telemóvel do arguido; esse telemóvel foi apresentado ao JIC com promoção de que se mandasse pesquisar o conteúdo de mensagens de “chat” e “WhatsApp” que ali estivessem armazenadas; o JIC, embora deferisse a promoção, entendeu que, por as mensagens de “chat” e “WhatsApp” não serem correio eletrónico, na asserção do artigo 15º nº 1 da Lei do Cibercrime, o Ministério Público era competente para o fazer (dado ser “autoridade judiciária” nos termos do disposto na al. b) do artigo 1º do Código de Processo Penal) ; no acórdão fundamento, o mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público incluía a apreensão de documentos originados ou recebidos via correio eletrónico, tendo sido, efetivamente, apreendida correspondência eletrónica. O JIC entendeu que, nos termos do artigo 17º da Lei do Cibercrime e do artigo 179º nº 1 do Código de Processo Penal, aquela correspondência eletrónica recolhida em suporte digital não podia ter sido apreendida sem prévia autorização do JIC. As diferentes situações de facto deram origem à aplicação de diferentes normas jurídicas: num caso, o artigo 15º, nº 1, da Lei do Cibercrime e, noutro, o artigo 17º desse mesmo diploma legal. 3. Conclusão Pronunciamo-nos pela não verificação dos requisitos previstos no artigo 437º do Código de Processo Penal, motivo pelo qual o recurso extraordinário interposto deve ser rejeitado, em conferência (artigos 440º, n.ºs 3 e 4 e 441º, n° 1, do Código de Processo Penal). Colhidos os vistos e realizada a conferência foi proferido acórdão. Notificado, o Recorrente arguiu a irregularidade desse acórdão por preterição do direito ao contraditório, tendo sido proferida decisão a julgar verificada a irregularidade arguida e, consequentemente, a invalidade do acórdão proferido, devendo os autos prosseguir com a notificação do Recorrente para em dez dias se pronunciar, querendo, sobre o parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto. Notificado, o Recorrente respondeu, salientando-se: «11. Ora, regressando à matéria dos autos, não contesta o recorrente que existem diferenças circunstanciais entre as situações de facto subjacentes aos acórdãos em confronto. 12. Efetivamente, conforme o Ministério Público pretende relevar, no acórdão recorrido estão fundamentalmente em causa mensagens de chat de WhatsApp extraídas do telemóvel do arguido; 13. enquanto no acórdão fundamento estão em causa mensagens de correio eletrónico sticto sensu (vulgo emails). 14. Essas diferentes circunstâncias não têm, todavia, o sentido, nem o alcance pretendido pelo Ministério Público, não sendo as mesmas suscetíveis de pôr em causa a identidade substancial das situações de facto em apreço em ambos os acórdãos. 15. Pelo contrário, a distinção factual relevada pelo Ministério Público respeita a particularidades do caso concreto – atinentes aos meios de comunicação concretamente utilizados na transmissão de mensagens de comunicações eletrónicas – que se afiguram juridicamente irrelevantes para a conformação do sentido decisório perfilhado nos acórdãos em confronto. 16. Irrelevantes, desde logo, nos termos da lei, porquanto o disposto no artigo 17.º da Lei do Cibercrime abrange indistintamente na sua previsão normativa “mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante”. 17. E irrelevantes, além do mais, nos termos da fundamentação expendida nos próprios acórdãos recorrido e fundamento em sustentação das respetivas decisões. 18. Conforme acima exposto, resulta do acórdão recorrido que “estando em causa nos autos mensagens recebidas e lidas [não invocando o recorrente o contrário], as mesmas não integram o conceito de correio eletrónico, sendo desnecessária a sua apresentação ao juiz para fiscalização judicial ao abrigo do artigo 17º”. 19. Desse modo relevando o acórdão recorrido a distinção entre mensagens lidas e não lidas, e não, como pretende agora o Ministério Público, qualquer putativa distinção entre mensagens de WhatsApp e de correio eletrónico. 20. Teria, pois, inteira razão o Ministério Público se o acórdão recorrido tivesse decidido – como o MP pretende dar a entender que decidiu – que mensagens de chat de WhatsApp não constituem correio eletrónico. 21. Todavia, analisado o acórdão recorrido, verifica-se não foi esse o sentido decisório – a ratio decidendi – do acórdão recorrido, o qual sustenta a sua decisão, não na circunstância de estarem em causa mensagens de WhatsApp, mas sim na circunstância, essa sim, juridicamente relevada, de tais mensagens já terem sido recebidas e lidas pelo destinatário. 22. Por outro lado, também não soçobra dúvida de que o acórdão fundamento se pronuncia no sentido de que a apreensão mensagens de correio eletrónico ou de outras comunicações eletrónicas de natureza semelhante se encontra sujeita a autorização judicial, nos termos do artigo 17.º da Lei do Cibercrime, independentemente de as mensagens se encontrarem abertas ou fechadas. 23. Abrangendo o acórdão fundamento, pelo exposto, todo o tipo de mensagens de comunicações eletrónicas em relação às quais a dicotomia aberto / fechado possa em abstrato ser suscitada, independentemente do concreto meio de comunicação eletrónica utilizado na transmissão das mensagens em causa no processo. 24. Pelo que a diferença existente entre as situações de facto em causa nos acórdãos em confronto afigura-se meramente circunstancial e juridicamente irrelevante. 25. Efetivamente, a diferença factual agora relevada pelo Ministério Público não foi tida em consideração, em qualquer dos acórdãos em confronto, na conformação do critério de decisão no(s) caso(s) concreto(s). 26. De resto, a diferenciação factual pretendida pelo Ministério Público faz relevar a uma distinção entre meios de comunicações eletrónicas – Whatsapp, Viber, Skipe, Snapshat, Telegram, Facebook – que não tem qualquer suporte legal ou fundamento jurídico. 27. Posição essa que implica, por isso mesmo, uma total desconsideração pelo princípio da neutralidade tecnológica, que deve pautar o enquadramento normativo aplicável às tecnologias de informação e comunicação. 28. Conforme já decidido sobre esta matéria pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2023 (sublinhado acrescentado): “(…)” 29. Neste sentido, avulta, assim, a circunstância de, posteriormente à prolação do acórdão recorrido, ter sido proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2023, que fixou jurisprudência sobre a mesma questão fundamental de direito controvertida nos presentes autos de recurso, no sentido de que: “Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)» 30. Pelo que o acórdão recorrido se encontra não apenas em oposição com o acórdão fundamento, como, ademais, se verifica que foi proferido contra a jurisprudência, entretanto, fixada por este Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 10/2023. 31. Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 437.º, n.º 2, 440.º, n.ºs 3 e 4, e 446.º, n.º 3, do CPP, deve o presente recurso ser admitido, por se verificar oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento; e, prosseguindo recurso para julgamento, pode o Supremo Tribunal de Justiça limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 10/2023, relativo à mesma questão fundamental de direito. Nos termos dos artigos 437.°, n.° 2, 440.°, n.°s 3 e 4, e 446.°, n.° 3, do CPP, deve o presente recurso ser admitido, por se verificar oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento; e, prosseguindo recurso para julgamento, pode o Supremo Tribunal de Justiça limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada no Acórdão n.° 10/2023». O processo foi novamente aos vistos e remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do Código de Processo Penal. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação Sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, dispõe o art. 437º do Código de Processo Penal, no que tange à interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência: «1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público». Por sua vez o art. 438º, sob a epígrafe “Interposição e efeito”, dispõe: «1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. 2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. 3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.» O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência visa a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (artigo 445.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, para situação de facto idêntica e no domínio da mesma legislação, assim fomentando os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos. Como se diz no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 5/2006 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR I-A Série de 6.6.2006, «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Por isso se lhe atribui carácter normativo. Como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reiterar, a interposição do recurso para fixação de jurisprudência, depende da verificação de pressupostos formais e materiais. São requisitos de ordem formal: i. a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis) e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o Ministério Público); ii. a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito; a. o trânsito em julgado de ambas as decisões; iii. tempestividade (a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar). São requisitos de ordem material: i. a existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça; ii. verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões; iii. oposição referente à própria decisão e não aos fundamentos; iv. as decisões em oposição sejam expressas; v. a identidade de situações de facto. Pressupostos formais Legitimidade e interesse em agir: o ora recorrente é arguido no processo em que foi proferida a decisão recorrida, pelo que tem legitimidade e interesse em agir (art. 437º nº 5 do Código de Processo Penal). Tempestividade: O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15.12.2022 e transitou em julgado a 13.4.2023. O presente recurso deu entrada em 10.5.2023, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado. Assim, o pressuposto da tempestividade mostra-se igualmente preenchido. Invocação, identificação, cópia do acórdão fundamento (só um) e indicação da sua publicação (art. 438º nº 2 do Código de Processo Penal). O recorrente invocou apenas o acórdão de 7.3.2018, do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do proc. 184/12.5 TELSB-B.L1-3, transitado em julgado, como acórdão fundamento, para a oposição de julgados, indicando a sua publicação e o local da publicação. Trânsito em julgado dos dois acórdãos contraditórios de tribunais superiores: está em causa a contraditoriedade de dois acórdãos da Relação de Lisboa e os dois transitaram em julgado (art.s 438º nº 1 e 437º nº 4 do Código de Processo Penal). Justificação da oposição, de facto e de direito (438º nº 2): O arguido na sua motivação e conclusões “justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência”, tal como exige o referido preceito legal, mormente sobre a identidade da situação de facto e de direito. Estão verificados os requisitos formais. Pressupostos materiais Ambos os acórdãos foram proferidos com base na mesma legislação e situações de facto com alguns traços comuns. Também é certo, como assinala o Recorrente na sua resposta que a questão que o Recorrente colocava em causa no presente recurso foi, entretanto8, resolvida pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 10/2023, publicado no Diário da República 218/2023, Série I de 11.10.2023: «Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)». Bem como é correcto afirmar, como o Recorrente, que o acórdão equipara os e-mails a outros meios de comunicações eletrónicas – Whatsapp, Viber, Skipe, Snapshat, Telegram, Facebook. Porém, salvo o devido respeito, não é com base nessa distinção que o Senhor Procurador-Geral Adjunto traça a distinção essencial da situação de facto em apreço no acórdão recorrido e no acórdão fundamento. Na verdade, como procuraremos demonstrar, a decisão recorrida respeita a interpretação dada ao art. 17º da Lei 109/2009, de 15.9 no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 10/2023 e, consequentemente, não está em oposição com o acórdão fundamento9 – que é o que importa afinal apreciar. A situação dos autos respeita a telemóveis apreendidos. Foi validada a sua apreensão pelo Ministério Público (art. 178º nº 5 do CPP), foram elencados todos os factos bem como os meios de prova que determinaram a apresentação dos arguidos a 1º interrogatório judicial e, nessa sequência, requerido ao Juiz de Instrução Criminal “… que se autorize o acesso aos telemóveis apreendidos nos autos, com vista a exame pericial de leitura e análise do respectivo conteúdo, uma vez que tais aparelhos contêm elementos probatórios essenciais à conclusão das diligência de investigação do presente inquérito” e este deferiu o acesso aos mesmos e a perícia a todo o seu conteúdo em despacho com o seguinte teôr: “Determino que seja realizada perícia aos telemóveis apreendidos, conforme promovido”. É esta a situação de facto que decorre do acórdão recorrido quando transcreve o acórdão de 1ª instância. É esta a situação fáctica e este o despacho proferido, na sua singeleza. Esta situação respeita o disposto no art. 17º da Lei 109/200910, na interpretação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 10/2023, ou seja, in casu, na fase de inquérito, o juiz de instrução autorizou a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afiguraram ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova. Como se refere no acórdão recorrido, «independentemente do nomem iuris dado pelo Juiz de Instrução ao acto que determinou “perícia” ou “pesquisa informática”(o seu sentido é materialmente de uma busca/análise informática, que necessariamente é levada a cabo por um perito/técnico especializado para o efeito)» foram respeitados os ditames legais e, essencialmente – afirmamos nós – foi assegurada a intervenção e decisão do Juiz de Instrução. As questões relativas à falta ou insuficiência de fundamentação, ou sobre a violação do art. 15º da Lei 109/2009 sobre as quais o acórdão recorrido se pronunciou são colaterais e mostram-se irrelevantes porquanto, quanto a elas, a oposição não foi invocada. Mas então, porque é que a questão se colocou nestes autos? A resposta é simples: porque o acórdão de 1ª instância afirma que neste caso até houve autorização judicial como pretende uma certa interpretação do art. 107º da Lei 109/2009 (a que veio a ser fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 10/2023) mas adiantou que os subscritores do acórdão não concordam com essa interpretação e consideram correcta a interpretação de acórdão que citam (curiosamente, o acórdão recorrido no dito Acórdão de Fixação de Jurisprudência 10/2023). O acórdão recorrido trilhou o mesmo caminho. Do exposto resulta que são as divergências na situação de facto que, concomitantemente com a abordagem teórica constante dos acórdãos de 1ª instância e recorrido nestes autos, criaram a ilusão de que as opções do julgador são diferentes das tomadas no acórdão fundamento e no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 10/2023. Como se afirma no acórdão de 1ª instância, transcrito no acórdão recorrido (sublinhados do relator): «Foi ordenada uma busca, no âmbito desta foram apreendidos os telemóveis, entre os quais o que deu origem gem ao apenso P2, foi validada a sua apreensão, promovida pelo MP e deferida a perícia a todo o seu conteúdo pelo JIC, considerando-se em ambos os casos que a informação que o mesmo continha era abstratamente relevante para a investigação. Temos um “plus” no caso dos autos que nem seria necessário, por não carecer de prévia autorização do JIC (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Évora de 07.04.2015, Rel. Fernando Pina, disponível em www.dgsi.pt). (…) Assim sendo, é nosso entendimento que o regime aplicável ao caso dos autos é o constante do artigo 16º da Lei do Cibercrime, cabendo ao MP seriar o material apreendido e determinar ele – e não o JIC - qual o material probatório que tem por relevante dado que os mails e mensagens, porque previamente abertos, mais não são do que meros documentos digitais. O que foi feito nos autos traduz-se na assumpção de um procedimento mais garantístico do reclamado por lei que não leva a qualquer nulidade, como pretende o arguido, uma vez que o regime aplicável é o artº 16º da Lei do Cibercrime. No entender do supra referido acórdão da relação de Lisboa de 27.01.2021, Rel. Rui Teixeira e com o qual se concorda: (…)» E no acórdão recorrido: «No caso dos autos, foi observada a garantia máxima, já que a diligência, podendo ser determinada pelo Ministério Público, por no momento ser autoridade competente, foi determinada pelo juiz de instrução.». (para depois secundar o decidido pelo Tribunal recorrido). No acórdão fundamento temos uma situação substancialmente diferente, em que o mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público incluía a apreensão de documentos originados ou recebidos via correio eletrónico, tendo sido, efetivamente, apreendida correspondência eletrónica recolhida em suporte digital sem prévia autorização do JIC. Consequentemente e em conclusão, apesar da identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas ambas as decisões e, como se disse, de ambas as situações tenham sido resolvidas com intervenção judicial, nos termos do disposto no art. 17º da Lei 109/2009, na interpretação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 10/2023, não existe identidade de factos – quanto à intervenção/autorização do JIC antes da apreensão da correspondência electrónica em suporte digital – e essa divergência na situação de facto tem relevância manifesta para a definição dos contornos de ambas as decisões. Assim, por não se verificar a oposição de julgados, deve o recurso ser rejeitado, nos termos do disposto no art. 441º nº 1 do Código de Processo Penal. III DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o presente recurso de fixação de jurisprudência. Condena-se o arguido recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em duas unidades de conta. Lisboa, 30 de Abril de 2025 Jorge Raposo (relator) Lopes da Mota Antero Luís _____________________________________________ 1. Acórdão do STJ de 30.10.2019, processo nº 2701/11.9 T3SNT.L1-A.S1. 8. Ao contrário do que poderá parecer da leitura do ponto 30 da resposta ao parecer, o acórdão recorrido, por ter sido prolatado anteriormente ao AFJ 10/2023 – em 15.12.2022 – jamais pode julgar-se como tendo sido proferido contra a jurisprudência aí fixada - que é de 11.10.2023: o Tribunal da Relação não decidiu contra jurisprudência que à data não estava fixada. 9. Que também foi o acórdão fundamento no processo que deu origem ao AFJ 10/2023. 10. Com a seguinte redacção: «Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.». |