Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS BERNARDINO | ||
Descritores: | BRISA AUTO-ESTRADA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL CULPA PRESUMIDA ILICITUDE ÓNUS DA PROVA DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/01/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | 1. A responsabilidade da BRISA por danos sofridos pelos utentes das auto-estradas de que esta é concessionária situa-se no campo da responsabilidade extracontratual. 2. Devendo considerar-se a auto-estrada uma coisa imóvel, sobre a qual – com todo o contexto envolvente, os acessórios de que a concessionária é detentora, integrando vedações, estruturas para a cobrança das portagens, placas de sinalização, separadores de sentido de trânsito, sinalização de emergência, etc. – detém um poder de facto, com o dever de a vigiar, a BRISA responde por culpa presumida, nos termos do n.º 1 do art. 493º do Cód. Civil. 3. Ponto é que se possa afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a coisa, a auto-estrada, e o dano, sendo, pois, necessária a constatação de um defeito, de uma anomalia ou anormalidade no seu funcionamento, v.g., um defeito de construção, de manutenção, de sinalização ou de iluminação. A existência de um destes vícios objectivos faz presumir não só a culpa da concessionária como também a ilicitude (violação de um dever), já que estamos perante deveres de agir para evitar danos para terceiros e, portanto, perante delitos de omissão, sendo que a violação do dever é aqui elemento da ilicitude. 4. Ao lesado caberá provar, num plano puramente objectivo, a existência do vício e o nexo de causalidade entre este e o dano. 5. O art. 12º, n.º 1 da Lei 24/2007, de 18 de Julho – que faz recair sobre a concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança nas auto-estradas, em caso de acidente rodoviário – tendo natureza interpretativa, não veio dirimir a querela sobre a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade civil, não podendo ver-se em tal norma a clarificação como contratual da natureza dessa responsabilidade. 6. A formação de um lençol de água no pavimento da auto-estrada, em condições de fazer com que os veículos entrem em hidroplanagem por falta de aderência dos pneumáticos, constitui um evento que obriga a concessionária a tomar as medidas necessárias para evitar a causação de danos aos condutores, designadamente pela sinalização adequada do local. 7. O ónus da prova da formação de um lençol de água, em condições de provocar a entrada em hidroplanagem do veículo sinistrado e o consequente despiste para fora da via – matéria cuja objectiva demonstração era, no caso concreto, necessária para que pudesse presumir-se quer a violação, pela BRISA, do dever de assegurar a circulação em condições de segurança, quer a culpa na violação desse dever – impendia sobre os lesados, os autores. Não provada, por estes, a anomalia, nem, consequentemente, o nexo de causalidade entre esta e o dano, não chega a colocar-se a questão da ilicitude da conduta da ré nem a sua culpa na produção dos danos verificados. 8. Para haver obrigação de indemnizar, nos termos do art. 483º do CC, exige-se, além do mais, a prática de um acto ilícito ou antijurídico, que se revela ou através da violação de um direito de outrem ou através da violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. 9. Neste segundo tipo de ilicitude, para que o lesado tenha direito à indemnização, é necessária a verificação de três requisitos: a) que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, ou seja, a não adopção de um comportamento definido em termos preciso pela norma; b) que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada; c) que o dano se tenha registado no âmbito do círculo de interesses privados que a lei visa proteger. 10. As Bases XXXVI, n.º 3 e XXXVII, n.º 1 do anexo ao Dec-lei 294/97, de 24 de Outubro (diploma que estatui sobre as bases da concessão), impõem à BRISA deveres que obrigam à implementação dos mecanismos necessários para garantir a monitorização do trânsito, a detecção de acidentes e a consequente informação de alerta aos utentes, bem como a assegurar-lhes a assistência, incluindo a vigilância das condições de circulação, visando assegurar a satisfação cabal e permanente, pelas auto-estradas. do fim a que se destinam, permitindo aos que as usam (aos utentes) a circulação em boas condições de segurança e de comodidade. 11. São, pois, os utentes das auto-estradas, os titulares dos interesses que estas normas visam proteger. 12. No caso em apreço, os autores não pertencem ao círculo de pessoas titulares do interesse cuja protecção as citadas normas visam assegurar; as normas de conduta em causa, que a BRISA está obrigada a respeitar, não têm como finalidade a protecção do bem lesado. O dano não patrimonial dos autores, traduzido no sofrimento e angústia por eles suportados durante cinco dias, até ao aparecimento dos corpos dos progenitores, e decorrente de não saberem estes vivos ou mortos, admitindo a existência de rapto e sequestro ou homicídio de que tivessem sido vítimas, não se efectivou no próprio bem jurídico ou interesse privado tutelado pelas normas constantes das aludidas Bases. 13. Não pode, assim, haver-se por verificado, na conduta da BRISA, o requisito da ilicitude, inexistindo, por isso, obrigação de indemnizar o referido dano não patrimonial. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB e CC intentaram, em 02.03.2004, no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Vila Franca de Xira, contra BRISA – Auto Estradas de Portugal, S.A., acção com processo ordinário, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 251.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação. Como fundamento alegam, em síntese, o seguinte: No dia 09.03.2001, entre as 18.30 e as 19.30 horas, na A1 (Auto Estrada do Norte), ao Km 25, ocorreu um acidente de viação, traduzido em despiste, para fora da via, do veículo Mercedes de matrícula ...-...-IB, que era conduzido, no sentido Sul-Norte, pelo pai dos autores, DD, e no qual seguia também a mãe dos mesmos, esposa do condutor, EE. O local do acidente é considerado um dos “pontos negros” das nossas estradas, em consequência da acumulação da água no pavimento, que faz com que os veículos entrem em hidroplanagem por falta de aderência dos pneumáticos, sendo vulgar que, tal acontecendo, se despistem veículos das marcas BMW e Mercedes, dado que dispõem de tracção traseira. A ré não tinha desenvolvido, à data, nos locais mais sujeitos à verificação de situações de hidroplanagem – designadamente naquele Km 25 – todos os necessários esforços para obviar a tal problema, nem procedera a sinalização temporária de “perigos vários” ou “pavimento escorregadio” quando tal situação se verificara. No momento do acidente chovia intensamente e o veículo ter-se-á despistado em consequência de uma situação de hidroplanagem, tendo levantado voo, descontrolado, embatido no “rail” de protecção à direita da via, e derrubado, com a parte traseira, o sinal de “Área de Serviço de Aveiras – 20 Km” aí existente, do lado de fora do rail, acabando por se imobilizar numa fossa ou caixa de águas, ao fundo de um declive, e vindo, em consequência, a ocorrer o falecimento dos pais dos autores. No dia do acidente o autor BB aguardava os pais, num restaurante perto de Pombal, para jantarem, e, estranhando a demora destes, tentou contactá-los por telemóvel, sem obter resposta, pelo que alertou para o atraso e a falta de contacto o irmão AA, tendo ambos feito diligências várias para averiguar da ocorrência de acidente ou avaria, entre elas o contacto com a ré, que respondeu negativamente, tal como as demais entidades contactadas. Cada vez mais preocupados – e depois de o AA, já noite fechada, haver feito, a velocidade reduzida, o percurso que os pais fariam até ao restaurante, tentando aperceber-se de eventuais vestígios de acidente, e terem resultado infrutíferos os contactos feitos para hospitais, forças policiais, bombeiros e INEM – resolveram, na madrugada do dia 10, dar conta do desaparecimento dos pais e do veículo na GNR de Pombal, e fizeram o mesmo, mais tarde, na Polícia Judiciária, admitindo a hipótese de rapto ou de homicídio. O desespero dos autores – agora já com a presença física da autora CC, que se deslocou propositadamente de Itália, onde residia – agravou-se nos dias seguintes, até que no 5º dia, já depois de à notícia do desaparecimento ter sido dado larga difusão pela comunicação social, foram informados de que uma equipa de reparação ao serviço da ré havia descoberto, no local supra indicado, o veículo, meio submerso, dentro dele se achando, sem vida, os pais dos autores. Para além do intenso sofrimento sentido, sentem-se os autores revoltados perante a conduta da ré que, não obstante os seus insistentes pedidos para averiguar devidamente os factos para os quais foi sucessivamente alertada, se limitou a uma abordagem ténue e superficial do assunto, não fazendo as necessárias pesquisas a partir dos vestígios existentes – amolgamento do rail e derrube completo do sinal de simples indicação referido – e não respeitando as obrigações que lhe são impostas por lei, decorrentes da exploração que lhe foi concedida, assim mantendo, por sua incúria, falta de cuidado e irresponsabilidade, os autores, durante cinco dias, no completo desconhecimento do que acontecera com seus Pais. Está assim a ré – rematam os autores – constituída na obrigação de os indemnizar pela lesão do direito à vida de seus Pais, dano que computam em € 50.000,00 por cada um deles, e ainda pelos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios demandantes, que entendem dever ser indemnizados com o montante de € 50.000,00 para cada um, sendo ainda devida aos autores BB e AA a quantia de € 1.000,00 pelas despesas telefónicas e de deslocações que fizeram durante os cinco dias até à descoberta do veículo acidentado e dos corpos das vítimas. A ré, na sua contestação, deduziu a intervenção principal de COMPANHIA DE SEGUROS F...- M..., S.A., alegando a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da A1, e a intervenção principal do ESTADO PORTUGUÊS, por ser o competente, através da GNR, dependente do Ministério da Administração Interna, para fazer o controle e a disciplina do tráfego rodoviário nas auto-estradas; e impugnou os factos alegados pelos autores quanto às causas do acidente, alegando ainda que fez o que tinha de fazer face às suas obrigações decorrentes do contrato de concessão, concluindo por pedir a sua absolvição do pedido. Foi proferido despacho judicial admitindo a intervenção da seguradora e indeferindo a do Estado. A seguradora deduziu a sua intervenção, apresentando contestação em que, além do mais, remete para a contestação da ré, pugnando pela sua absolvição. O INSTITUTO DA SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL deduziu pedido cível contra a ré, para ser reembolsado da quantia de € 2.158,30, respeitante a auxílio para despesas de funeral que satisfez ao autor BB – pretensão a que a ré deduziu a pertinente oposição. O processo seguiu a sua normal tramitação, vindo a efectuar-se o julgamento e a ser proferida sentença que, considerando parcialmente procedentes os pedidos formulados pelos autores, condenou a Companhia de Seguros F...- M..., S.A. a pagar: a) a cada um dos autores AA, BB e CC a quantia de € 30.000,00 (danos não patrimoniais); b) aos mesmos autores, em conjunto, o montante de € 100.000,00 (perda do direito à vida dos progenitores); c) juros de mora à taxa legal sobre tais quantias, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; d) aos três autores, a quantia despendida em deslocações e chamadas telefónicas, a liquidar em execução de sentença. Foi ainda julgado procedente o pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social e, consequentemente, condenada a ré BRISA-Auto Estradas de Portugal, S.A. a pagar-lhe a quantia de € 2.158,30, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. No demais, foram as rés absolvidas dos pedidos formulados pelos autores. Da sentença interpuseram recurso de apelação a seguradora interveniente e a ré BRISA. E a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou procedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação da interveniente seguradora, tendo A) revogado a decisão recorrida na parte em que condena a seguradora a pagar aos autores a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros, nessa medida a absolvendo do pedido; B) revogado a decisão recorrida na parte em que condena a ré BRISA a pagar ao ISSS a quantia de € 2.158,30, acrescida de juros, nessa medida absolvendo a ré do pedido; C) alterado a decisão recorrida no tocante à quantia (€ 30.000,00) que a seguradora foi condenada a pagar a cada um dos autores, fixando a indemnização em € 15.000,00 para cada um deles; D) mantido, quanto ao mais, a decisão recorrida. Do acórdão da Relação recorrem agora, de revista, a seguradora e os autores. A seguradora conclui as suas alegações pela forma seguinte: 1. A ré BRISA cumpriu, no caso, para com as vítimas, todas as obrigações para a mesma advenientes do contrato de concessão e do contrato com estas celebrado, relativo à prestação dos serviços inerentes à utilização da auto-estrada, contra o pagamento de um preço (portagem); 2. Nomeadamente, cumpriu a obrigação de dispor e utilizar um sistema de detecção de acidentes, bem como a de prestar auxílio às vítimas destes; 3. Ao assim não entender, o acórdão recorrido interpreta e aplica mal ao caso dos autos, o disposto nas Bases XXXVI, n.º 2 e XXXVII, n.º 1, anexas ao Dec-lei 294/97, de 24 de Outubro, violando esses preceitos; 4. Mesmo que assim se não entendesse, os autores, que no caso dos autos não são utentes da via, não dispõem de legitimidade para reclamarem quaisquer danos, e muito menos danos de natureza não patrimonial; 5. Mesmo que assim se não entendesse, a ora recorrente sempre deveria ser absolvida, porquanto a responsabilidade da BRISA seria, a tal título, de natureza estritamente contratual, e, por via do contrato de seguro, apenas foi transferida para a recorrente a responsabilidade extracontratual daquela; 6. Assim não tendo decidido, o acórdão recorrido interpreta mal o contrato de seguro, e nessa medida viola o disposto no art. 238º, n.º 1 do Cód. Civil; 7. A decisão recorrida também viola o contrato de seguro e o referido normativo, ao não descontar, do valor da indemnização arbitrada, o da franquia com que o contrato de seguro vigorava; 8. A decisão recorrida viola o disposto no art. 496º, n.º 3 do Cód. Civil, ao fixar em mais de € 5.000,00 por cada autor o montante da compensação dos danos não patrimoniais que lhes arbitra, 9. devendo ser substituída por outra que absolva a ora recorrente. Por seu turno os autores, no remate da sua peça alegatória, formulam um vasto leque de conclusões, que assim se podem sintetizar: 1ª - A ausência de sinalização de “perigos vários” ou “pavimento escorregadio” constitui de per si facto ilícito, culposo e passível de produzir o dano verificado, não procedendo o argumento de que a chuva intensa é um facto notório que não carece de ser sinalizado, uma vez que a mesma afecta muito negativamente as condições de segurança rodoviária, pelo que a recorrida BRISA estava obrigada a sinalizar tal facto, de acordo com as Bases anexas ao contrato de concessão celebrado com o Estado Português; 2ª - É jurisprudência unânime a de que as Bases anexas ao Dec-lei 294/97, de 24 de Outubro, têm carácter normativo, ou seja, eficácia externa relativamente às partes do contrato, enquadrável na figura dos contratos com eficácia de protecção de terceiros; 3ª - A conduta da recorrida violou, por omissão, as Bases XXII, n.º 5, al. b), XXXIII, XXXVI e XXXVII do contrato de concessão que celebrou com o Estado Português, ao não colocar no local do despiste a sinalização temporária de “perigos vários” ou “pavimento escorregadio”, a que se achava obrigada atendendo ao constante de tais Bases e ao facto de ter chovido intensamente durante o dia inteiro, afectando tal facto muito negativamente as condições de segurança rodoviária; 4ª - Nos termos do disposto no art. 486º do Cód. Civil impendia sobre a recorrida a obrigação de praticar o acto omitido; 5ª - Ao não sinalizar a via nos termos expostos, agiu a recorrida com culpa, pois que, em face das circunstâncias do caso concreto, impunha-se-lhe que agisse de outro modo, quer face aos termos da lei quer de acordo com o critério do bonus paterfamilias; 6ª - A resposta dada aos artigos 61º e 62º da base instrutória não é suficiente para aferir da diligência da recorrida, uma vez que se trata de artigos abstractos que não permitem assegurar que, no caso concreto, no momento e local do acidente os sistemas de drenagem de águas da via se encontravam em pleno funcionamento; 7ª - A recorrida sabia ou tinha a obrigação de saber que a ausência de tal sinalização determinava a possibilidade de ocorrência do despiste, como efectivamente veio a acontecer; 8ª - Não usou, pois, a recorrida de todas as diligências exigíveis para prevenir o dano, ficando a dever-se o despiste do veículo à conduta omissiva daquela, assim se verificando o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a que alude o art. 563º do Cód. Civil; 9ª - E, se assim é quanto à ocorrência do sinistro, tanto mais o será relativamente ao facto de a recorrida, durante cinco dias, não ter logrado encontrar o veículo sinistrado, que se encontrava a apenas 10 metros da via e havia derrubado um sinal de informação com cerca de 13,3 m2 de área, de cuja falta ninguém, durante aquele período temporal, se apercebeu, não obstante as inúmeras patrulhas diárias feitas pela recorrida na zona do acidente; 10ª - Quer quanto ao sinistro quer quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos recorrentes, decorrentes de não saberem, durante cinco dias, o que acontecera aos pais, estão preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil aquiliana da recorrida, aludidos no art. 483º do Cód. Civil; 11ª - A indemnização dos danos não patrimoniais visa, simultaneamente, compensar o lesado e sancionar o lesante, e a culpa da ré BRISA, relativamente a tais danos, resulta evidente, mais do que provada; 12ª - Embora não haja elementos para sustentar que a recorrida BRISA tenha previsto que o patrulhamento dos seus funcionários não seria eficaz para detectar o acidente, não deixa ela de ser responsável pelos actos ou omissões por eles praticados no exercício das suas funções, nos termos do art. 500º do Cód. Civil; 13ª - Mal andou, pois, a Relação ao reduzir o montante a ser pago aos recorrentes como indemnização pelo sofrimento e angústia de que padeceram nos cinco dias em que desconheceram o que havia sucedido a seus pais; 14ª - O acórdão recorrido deve, assim, ser parcialmente revogado e substituído por outro que reponha a decisão proferida em 1ª instância, no que tange às indemnizações e respectivos montantes a serem pagos aos recorrentes. Os autores contra-alegaram ainda o recurso da seguradora, defendendo a sua total improcedência. E também a recorrida BRISA apresentou contra-alegações, pugnando pela inteira improcedência do recurso dos autores e pela improcedência do recurso da seguradora no que respeita à invocada exclusão da responsabilidade do seguro, por se estar no âmbito da responsabilidade extracontratual e não no plano da responsabilidade contratual, como aquela sustenta. Corridos os vistos legais, cumpre agora conhecer do mérito de ambos os recursos. 2. São os seguintes os factos que, das instâncias, vêm dados como provados: 1. DD faleceu no dia 14 de Março de 2001, no estado de casado com EE. 2. EE faleceu no dia 14 de Março de 2001, no estado de casada com DD. 3. CC encontra-se registada como filha de DD e de EE. 4. AA encontra-se registado como filho de DD e de EE. 5. BB encontra-se registado como filho de DD e de EE. 6. No veiculo Mercedes Benz E 200.D de matricula ...-...-IB faziam-se transportar os pais dos autores, DD, que o conduzia, seguindo a seu lado a sua mulher, EE. 7. A ré BRISA é concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração das auto-estradas referidas na Base I anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, entre as quais a auto-estrada Al. 8. Por contrato de seguro, titulado pela apólice 87/38.299, regido pelas condições descritas no documento junto a fls. 191/208, a ré BRISA transferiu para a ré F...- M... a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção de vários lanços e sub-lanços das auto-estradas, onde se integra a Al, até ao montante de 150.000.000$00, vigorando a seu cargo uma franquia no montante de 150.000$00. 9. O Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Nacional de Pensões, pagou a BB despesas de funeral no montante de € 2.158,30, sendo € 1.278,67 relativos a DD, beneficiário n.º ..., e € 879,63 relativos a EE, beneficiária n.º .... 10. No dia 9 de Março de 2001, entre as 18:30 e as 19:30 horas, ocorreu um acidente de viação na Auto-Estrada do Norte (Al), ao km 25, área da comarca de Vila Franca de Xira. 11. Consistiu esse acidente no despiste, para fora da via, do veiculo auto ligeiro Mercedes Benz E.200.D, de matricula ...-...-IB, que seguia no sentido Sul-Norte. 12. No momento do acidente chovia intensamente, situação esta que já se verificava do antecedente. 13. Em situação de hidroplanagem é vulgar o despiste de veículos, em especial dos que dispõem de tracção traseira. 14. A ré BRISA não colocou no local do despiste sinalização temporária de “perigos vários” ou “pavimento escorregadio”. 15. O veiculo onde os pais dos autores se transportavam despistou-se. 16. O referido veiculo derrubou o sinal indicativo de “área de serviço de Aveiras – 20 KM”, implantado do lado de fora do rail e imobilizou-se numa fossa ou caixa de águas ao fundo de um declive. 17. Em virtude do despiste do veiculo ...-...-IB, veio a ocorrer o falecimento dos pais dos autores. 18. No dia dos factos dos autos, a ré BRISA não sinalizou a existência de um lençol de água no pavimento. 19. Os pais dos autores, no dia dos factos, contactaram o autor BB pelas 18:15 horas, dizendo-lhe que sairiam de casa dentro de 15 minutos e combinaram encontrar-se com este no restaurante “M...do M...”, perto de Pombal, a fim de aí jantarem. 20. Para, depois, se deslocarem os três para Castanheira de Pêra, onde a família dispunha de uma casa para passar férias e fins-de-semana. 21. O autor BB, que nesse dia viajava pela A1 em sentido contrário, em veiculo de um terceiro, chegou ao “M...do M...” pelas 19:30 horas, onde aguardou a chegada dos pais. 22. Pelas 20:30 horas, estranhando a demora, o autor BB tentou o contacto com os pais, através do telemóvel de cada um deles, mas não obteve qualquer resposta. 23. Pelas 20:55 horas, o autor BB deu conta ao seu irmão, o autor AA, da sua preocupação com a demora e a falta de contacto dos pais, pelo que este se deslocou a casa deles para verificar se tinham mesmo saído, o que foi confirmado. 24. Não conseguindo, também ele, autor AA, qualquer resultado das tentativas telefónicas que fez para os telemóveis dos pais. 25. Pelas 21:15 horas, e atenta a preocupação e a estranheza de ambos os autores com aquelas faltas de resposta, o autor AA iniciou uma série de diligências telefónicas, no sentido de averiguar da existência de eventual acidente ou avaria com o veículo em causa ao longo do percurso que os seus pais faziam para chegar a Pombal, saídos da sua residência em Loures. 26. E que era entrada na Quinta Nova de São Roque em Loures pelo nó da CREL, com a A8, seguindo por aquela até Alverca. 27. No fim da CREL, tomariam a Al até Pombal, apanhando então o IC8 e deixando este pela saída mais próxima do restaurante, a cerca de 200 metros do mesmo. 28. Para o efeito, o autor AA ligou para os departamentos da ré BRISA que supervisionam a CREL, a Al de Lisboa a Santarém e a Al de Santarém até Leiria. 29. A resposta de todos foi negativa, quer no que tange a acidente, quer a avaria. 30. Agravando-se a preocupação dos autores BB e AA. 31. Resolveu o autor AA, ainda que já noite fechada, fazer ele, a velocidade reduzida, o percurso igual ao dos pais, tentando aperceber-se de prováveis eventuais vestígios do também eventual acidente. 32. O autor AA acabou por chegar ao “M...do M...” cerca da meia-noite, sem se ter apercebido de qualquer facto com relevância para o pretendido. 33. A preocupação dos referidos autores ia, assim, atingindo as raias do pânico. 34. Acresce que entretanto, familiares e amigos dos autores vinham efectuando contactos telefónicos para hospitais, forças policiais, bombeiros e INEM, das zonas por onde a viatura pudesse ter passado, não tendo obtido qualquer resposta positiva, quer no que tange às pessoas dos pais dos autores, quer do veiculo. 35. Até que, pela 1 hora da manhã do dia seguinte, 10 de Março, sábado, com o acordo da autora CC, os autores BB e AA, cada vez mais preocupados, resolveram dar conta do desaparecimento dos pais, e do veiculo, na GNR de Pombal. 36. Deste posto foram imediatamente feitos, pelos agentes de autoridade, contactos telefónicos para os departamentos da ré BRISA de Leiria e Carregado, pedindo especial atenção às patrulhas desta para eventuais sinais de acidente, ainda que por despiste de viatura. 37. Pelas 05:00 horas da manhã, os autores BB e AA deslocaram-se pessoalmente ao posto da GNR/BT sito no Carregado, para melhor concretizarem as suas preocupações e desconfianças quanto à existência de acidente. 38. Onde lhes foi respondido ser praticamente impossível haver um acidente na Al sem dele haver conhecimento, quer pela GNR/BT, quer pela ré BRISA. 39. Pelas 10:30 horas desse mesmo dia, P...S... e H...S..., o primeiro familiar dos autores e o segundo amigo do autor AA, deslocaram-se também ao posto da GNR/BT no Carregado por acharem estranho, eles próprios, que até à altura nenhuma informação tivesse sido prestada a propósito dos factos. 40. Daqui foram feitos novos contactos telefónicos com a ré BRISA e com todos os postos da BT até Pombal, todos sem efeito útil. 41. Pelas 15:30 horas desse mesmo dia, sábado, o autor AA, com o acordo dos dois irmãos, vem participar à Polícia Judiciária o desaparecimento dos pais. 42. Na medida em que, face às não informações da ré BRISA e à invocada garantia de inexistência de acidente que lhes era transmitida, admitiram os autores que seus pais tivessem sido vítimas de rapto e sequestro ou de eventual homicídio, não de acidente. 43. O que os mantinha num elevado grau de desespero. 44. Situação esta que se foi agravando no decorrer dos dias 11, 12 e 13 seguintes, domingo, segunda e terça-feira – sempre sem qualquer notícia – agora já com a presença física da autora CC que veio propositadamente de Itália, onde residia. 45. No último dia referido, face à ausência de quaisquer notícias da ré BRISA, da GNR e da Polícia Judiciária, indo até contra a opinião desta, os autores resolveram tornar público o desaparecimento de seus pais. 46. Notícia essa transmitida, logo nessa noite, pela TVI e pela SIC. 47. E veiculada na generalidade dos órgãos de comunicação social – jornais, rádio e televisão – logo pela manhã de quarta-feira, dia 14. 48. A noticia foi objecto de todo o tipo de especulações, sendo parecer comum que, face à “garantida” ausência de ocorrência de acidente, o desaparecimento dos pais dos autores só poderia dever-se a um crime violento. 49. Esta situação, cinco dias depois do acidente, que foi vivida também com a angústia de a todo o momento poder chegar um telefonema com a exigência de um resgate, foi deixando os autores cada vez mais prostrados. 50. O impacto da noticia nos meios de comunicação social foi grande, além de tudo o mais, porque o pai dos autores, DD, era uma pessoa muito conhecida e estimada. 51. Tinha sido um reputado Árbitro Internacional de Futebol, possuindo as insígnias da F.I.F.A. (Federação Internacional de Futebol) e com a carreira a nível nacional e internacional de muito mérito, entre 1966 e 1984 e, posteriormente, servindo como delegado internacional daquela mesma F.I.F.A.. 52. Era reconhecido por todos aqueles que durante tantos anos assistiram aos jogos de futebol que arbitrou, pelos que o praticaram e pelos habituais leitores dos jornais desportivos, que são e já eram os que, aos muitos milhares, mais vendem em Portugal. 53. Era uma referência do desporto, do dirigismo e do associativismo desportivos, e não só, ao nível de Portugal e de muitos países estrangeiros, onde arbitrou ou foi delegado da F.I.F.A. em jogos da mais alta importância. 54. DD, natural de Castanheira de Pêra, era aqui muito querido e admirado, tendo sido Presidente da respectiva Câmara Municipal entre 1989 e 1993, sendo à data dos factos comerciante de artigos de decoração com muitas e antigas ligações ao estrangeiro. 55. No dia 14 de Março de 2001, foram os autores avisados, pelas 12:30 horas, de que uma equipa de reparação ao serviço da ré BRISA havia descoberto, ao km 25 da Al, um veiculo que se teria despistado para fora da estrada e se achava capotado e meio submerso numa fossa ou caixa para recolha de águas pluviais vindas da Al. 56. Pelas 14:30 horas, a Policia Judiciária confirmou aos autores que o casal desaparecido, os seus pais, fora encontrado sem vida dentro do seu veiculo, na situação acima descrita. 57. A ré BRISA foi alertada para a eventualidade da ocorrência do acidente pelas 20:30 horas do dia 9 de Março, sexta-feira. 58. O veiculo arrastou-se pela vegetação e terreno enlameado até à sua imobilização, capotado, cerca de 10 metros depois. 59. Uma parte da traseira do veiculo esteve sempre fora de água. 60. O forro da mala, nessa zona, e os objectos – pastas com documentos e sacos de roupa – que nela se transportavam, além das luzes de sinalização traseira e respectivos “stops”, estavam completamente secos e sem vestígios de humidade de qualquer natureza. 61. Cada lanço de auto-estrada é patrulhado, pelo menos, 9 vezes por dia. 62. O sinal referido em 16. é uma placa com 3,80 metros de altura por 3,50 metros de largura (com a área de 13,3 m2), sustentado por duas barras de ferro e implantado a partir de 1 metro de altura e dois cubos de cimento inseridos no solo. 63. Os autores viveram cinco dias de angústia, de preocupação, de conjecturas e desconhecimento total quanto à localização de seus pais. 64. Os autores admitiram a existência de rapto, sequestro ou homicídio de seus pais em virtude das garantias da ré BRISA quanto à inexistência de acidente. 65. Os autores tinham com os seus pais uma ligação afectiva muito forte, de convívio diário os filhos varões e de contacto telefónico diário a filha CC, deslocada para Itália desde 1990, mas com frequentes estadias em Portugal. 66. Os autores despenderam quantia não determinada com telefonemas e deslocações que fizeram nos cinco dias. 67. No local do acidente havia escoamento das águas através de caleiras e sarjetas. 68. Esses sistemas de drenagem de águas pluviais são periodicamente limpos e desobstruídos pelo pessoal da obra civil da ré BRISA e até por empresas contratadas externamente. 69. O pessoal da Assistência a Utentes da ré BRISA patrulha as auto-estradas concessionadas 24 horas por dia. 70. Foram realizadas as operações de vigilância com periodicidade habitual, não tendo sido verificada qualquer anormalidade nas condições de circulação e segurança da via. 71. Também as brigadas da GNR que patrulham constantemente as auto-estradas nada de anormal detectaram antes do acidente. 72. Por escritura pública outorgada a 28 de Março de 2001, no Cartório Notarial de Loures, M...A...de O...P..., M...M...P...de C...D... e M...F...da S...A..., na qualidade de testemunhas, declararam que, por óbito de DD e de EE, lhes sucederam como únicos e universais herdeiros, os filhos AA, BB e CC. 3. Sendo irrefutável que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, de tal modo que, para além das questões de conhecimento oficioso, só das suscitadas em tais conclusões pode conhecer o tribunal ad quem, vejamos as questões que, no caso em apreço, se perfilam para conhecimento por este Supremo Tribunal. No acórdão recorrido afastou-se a obrigação de a seguradora indemnizar os autores pelo dano-morte sofrido pelos pais destes, por se ter entendido não ser possível concluir pela responsabilidade da ré BRISA (a segurada) na eclosão do acidente. |