Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
235/17.7T8AMT-K.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: VALOR DA QUOTA
PRESTAÇÕES SOCIAIS
PROVA PERICIAL
Data do Acordão: 06/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE
Sumário :

I- Não dispondo de conhecimentos técnicos suficientes para avaliar a quota de uma sociedade, o tribunal deve recorrer à colaboração de peritos.


II- Os peritos transmitem ao juiz a percepção de factos e avaliações que este aprecia livremente.


III- Pode, por isso, afastar-se racional e motivadamente de qualquer um dos laudos, designadamente acolhendo o laudo minoritário, desde que justifique de forma cabal, i.e. de uma forma precisa e coerente (sem saltos lógicos, obscuridades e contradições) a sua opção.


IV- Merece concordância a apreciação judicial que, em conformidade com estes requisitos, considera que as prestações suplementares realizadas apenas por dois dos sócios não afectam o valor da quota da sócia que não procedeu de igual forma.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 235/17.7T8AMT-K.P1


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Acordam no Supremo Tribunal da Justiça


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AA instaurou acção declarativa contra Massa Insolvente de BB, pedindo que seja reconhecido, como um crédito sobre a massa insolvente, o direito de crédito que foi transaccionado no apenso «H», i.e., o direito ao pagamento do valor correspondente à meação de que era detentor na participação social da sociedade G..., Lda, apreendida pela Administradora da insolvência a favor da massa insolvente e vendida no apenso de liquidação; fixando o valor da participação social no montante de € 104.669,65 e, consequentemente, seja a Massa Insolvente de BB, representada pela Sr.ª Administradora da insolvência, condenada a pagar ao A. aquela quantia, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 25.02.2019 e vincendos até integral e efectivo pagamento nos termos do disposto no artigo 172.º, n.ºs. 1 e 3, CIRE.


Alegou que no âmbito da referida insolvência foi apreendida a totalidade da quota detida pela sua ex-mulher, agora insolvente, sendo tal bem comum e por partilhar, na sequência do que intentou acção para reconhecer o direito à separação da sua naquele bem antes de proceder à liquidação nos autos principais, que deu lugar ao apenso H que terminou com transacção, cujas obrigações ali acordadas não foram cumpridas.


Foi por si autorizado a que se procedesse à venda da totalidade da quota nestes autos de insolvência, revertendo para si metade do valor a titulo de tornas, mas que o valor mínimo a fixar para a venda da quota deveria ser fixado mediante a realização de uma prévia avaliação da participação social, no prazo de 60 dias nos termos acordados, e em 15 dias deveria o Administrador da insolvência notificar o A. para se pronunciar quanto à não/aceitação da avaliação, e no caso de não aceitar, teria a possibilidade de realizar uma outra avaliação, nos termos ali definidos, e só alcançado o valor da quota nos (demais) termos ali constantes é que o Administrador da insolvência procederia à venda, precedida de notificação para efeitos de remição.


A Administradora da insolvência acabou por proceder à venda da quota sem ter realizado qualquer avaliação, não obstante ter sido repetidamente notificada para o efeito, nem dado conhecimento das condições de venda, dando ainda conta que, entretanto, a quota adquirida foi já vendida a outrem.


Neste contexto, impõe-se-lhe ser paga a quantia que indica, considerando a avaliação entretanto efectuada a seu pedido, usando um critério contabilístico, tendo apurado que o valor da empresa, em 31.12.2018 ascenderia, em termos de capitais próprios, a € 837.349,24.


Contestou a R, alegando que o A. não pôs em causa o valor alcançado com a liquidação, não se tendo apresentado em Assembleia para que foi convocado para discutir a alienação da quota, e de cujo resultado foi dado a conhecer, nem do despacho que mandou ter em consideração o valor da liquidação, de que não recorreu, tendo criado a convicção de que tinha dado o seu acordo quanto à venda da quota pelo valor, agindo, por isso, em abuso de direito.


Foi realizada audiência prévia. Foi realizada perícia colegial tendo por objecto o valor da quota nos termos concretamente definidos por despacho proferido na citada diligência.


Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:


─ Reconheceu, como um crédito sobre a massa insolvente, o direito de crédito que foi transaccionado no apenso «H», i.e., o direito do A. ao pagamento do valor correspondente à meação de que era detentor na participação social da sociedade “G..., Lda, apreendida pela Administradora da insolvência a favor da massa insolvente e vendida no apenso de liquidação;


─ Fixou o valor da participação social no montante de €25.000,00;


─ Condenou a massa insolvente de BB, representada pela Administradora da insolvência, a pagar ao A. metade daquela quantia, i.e., € 12.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal civil, desde a citação até integral e efectivo pagamento nos termos do disposto no artigo 172.º n.ºs 1 e 3, CIRE;


─ Absolveu a R. do mais peticionado.


Inconformado, o autor apelou. A Relação julgou a apelação parcialmente procedente, fixou o valor da participação social em causa no montante de € 58.112,00, condenou a massa insolvente a pagar ao apelante a quantia de € 29.056,00, acrescida de juros de mora desde 13.03.2019 até integral pagamento, no mais mantendo a decisão recorrida.


Ainda inconformado, interpôs o autor recurso de revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma:


1ª. Antes de mais importa referir que a decisão aqui em crise viola de forma clara e ostensiva, como infra se demonstrará, o disposto nos artigos 210º a 213º do Código das Sociedades Comerciais, motivo por que não poderá deixar de se considerar nula. 2ª. E essa violação do disposto nos supra referidos artigos decorre do facto de ter “acolhido” a posição minoritária na avaliação pericial realizada nos presentes autos para se determinar o valor da sociedade G..., Lda e, por consequência, da quota do aqui recorrente e da esposa no respectivo capital social.


3ª. Nessa perícia foi solicitado aos Senhores Peritos que se pronunciassem no sentido de: “Avaliar o valor de mercado da quota apreendida para a MI pertencente à insolvente e autor à data de 21.10.2018 e também à data da venda daquela quota pela AI (16.06.2020), ponderando os Srs. Peritos o património imobiliário da sociedade naquelas datas, mas também o valor do passivo da sociedade, a composição societária da sociedade, os valores a que geralmente são transaccionadas quotas neste tipo de sociedade num mercado livre, ponderando a viabilidade da venda da quota e propostas que pudessem eventualmente ser apresentadas.”.


4ª. No seguimento dessa perícia – tendo unanimemente todos os Senhores Peritos acordado no método patrimonial como aquele que melhor se ajustava à natureza da sociedade aqui em causa (sociedade por quotas de responsabilidade limitada) – o Senhor Perito nomeado pelo Tribunal e o Senhor Perito nomeado pelo aqui recorrente entenderam – e bem – que as prestações suplementares devem ser contabilizadas como capitais próprios independentemente do sócio que as efectuou – sendo esta a posição maioritária nesse mesmo relatório pericial –


5ª. O Senhor Perito indicado pela recorrida – obviamente interessado no desfecho da presente lide –, que representa a posição minoritária naquele relatório pericial, entende que as prestações suplementares efectuadas por dois dos três sócios não devem ser contabilizadas para efeitos de avaliação da quota do aqui recorrente (que não efectuou quaisquer prestações suplementares), mas que constituem antes um crédito dos sócios que as realizaram sobre a sociedade “G..., Lda”.


6ª. Certo é que nessas datas o aqui recorrente e sua esposa já não eram titulares de qualquer quota naquela sociedade (por estar já apreendida a favor da Massa Insolvente).


7ª. E a nulidade a que aludimos na conclusão 1ª prende-se com o facto de a decisão recorrida, de forma temerária, ter acobertado essa posição minoritária, que viola flagrantemente a Lei aplicável, uma vez que as prestações suplementares, como resulta do regime legal estabelecido no Código das Sociedades Comerciais, constituem capitais próprios da sociedade, e portanto um activo da sociedade avaliada, assim o queiram a recorrida, o seu Perito e o Tribunal a quo ou não.


8ª. Como é consabido, o sócio que efectua prestações suplementares não é credor da sociedade nem tampouco adquire qualquer direito de crédito sobre a sociedade logo que efectua as prestações suplementares.


9ª. E a falácia da posição minoritária do relatório pericial – e por consequência da decisão aqui em crise – reside no facto de se ter desconsiderado o facto de as prestações suplementares efectuadas por aqueles dois sócios o terem sido num momento em que a quota aqui em discussão já estava apreendida a favor da massa insolvente.


10ª. Ora se assim foi – como efectivamente foi – com que interesse, que não o da própria sociedade, teriam aqueles dois sócios efectuado aquelas prestações suplementares e colocado aquelas quantias nos capitais próprios da mesma?


Não o teriam feito no interesse dessa mesma sociedade?!!! Ou será que não teriam mais onde colocar aquelas quantias de que dispunham?!!!


11ª. O pacto social da sociedade G..., Lda permitia a qualquer dos sócios – sem imposição de essa obrigação caber a todos – que procedessem a prestações suplementares até ao montante de 200.000,00 € (duzentos mil euros).


12ª. E se a prestação suplementar fosse realizada por um dos sócios nem por isso os demais estariam obrigados a, também eles, realizarem iguais prestações suplementares.


É isto que reza, queira a recorrida e o Tribunal a quo ou não, o Pacto Social desta sociedade.


13ª. Importa aqui fazer um parêntesis para referir que, à data em que foram realizadas as prestações suplementares, a quota aqui em avaliação já não estava sequer na posse ou titularidade do recorrente e da sua esposa.


Estava já apreendida a favor da massa insolvente.


14ª. Por isso ocorre perguntar, desde já, como poderia o recorrente e a esposa acompanhar aquelas prestações suplementares? E prestavam-nas a que título se já não faziam parte daquela sociedade em consequência da apreensão – e venda – da quota que detinham naquela sociedade?


15ª. Por outro lado, e não sendo uma questão de somenos (nas palavras do Tribunal a quo), importa realçar que os sócios apenas podem recuperar as quantias empregues se e na estreita medida em que existirem bens na sociedade que não sejam necessários à cobertura do capital social e da reserva legal, o que se harmoniza com a ideia de que as prestações suplementares envolvem um compromisso na prossecução do interesse social.


16ª. Por isso, dúvidas não podem subsistir – até por que a Lei não o permite – de que as prestações suplementares são tidas contabilisticamente como capital próprio e não como capital alheio (dos sócios) e são assim inscritas (na conta 53).


17ª. Será, então, assim de somenos – como afirma o Tribunal a quo – o facto de existirem requisitos legais de que depende o reembolso das prestações suplementares aos sócios que as prestaram?


Nos dizeres de Paulo Tarso Domingues o regime legal relativo às prestações suplementares é extremamente severo quanto ao seu reembolso, o que parece ter sido desvalorizado pelo Tribunal a quo e pela posição minoritária no relatório pericial.


18ª. Para que possa existir um reembolso das prestações suplementares é necessário que se verifiquem os requisitos que a Lei (artigo 213º do Cód. Soc. Com.) prevê a esse propósito, a saber:


a) - só podem ser restituídas desde que a situação líquida da sociedade não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o respectivo sócio já tenha liberado a sua quota;


b) - é necessário que ocorra uma deliberação da sociedade para que se proceda ao reembolso e


c) - é necessário que, entretanto, não tenha sido declarada a insolvência da sociedade.


19ª Ora, a decisão aqui em crise – sem qualquer sustentação factual que a suporte – afirma, até de modo temerário, que a situação líquida da sociedade permitia o reembolso das prestações suplementares, quando, em sede de esclarecimentos orais – em audiência de discussão e julgamento –, o Senhor Perito do Tribunal afirmou que a sociedade G..., Lda não reunia condições financeiras para poder proceder ao reembolso das prestações suplementares.


20ª. Outrossim, e para se afastar do entendimento maioritário da prova pericial realizada nos autos, a decisão recorrida “numa prespectiva dinâmica” sufraga o entendimento de que as prestações suplementares constituem créditos dos sócios que as realizaram e que os mesmos terão direito ao seu reembolso, confundindo em absoluto aquilo que são prestações suplementares com aquilo que são suprimentos.


21ª. Salvo o devido respeito, que é muito, os regimes legais imperativos das prestações suplementares e dos suprimentos são totalmente distintos, com requisitos distintos e inscrições distintas, ou seja, enquanto as primeiras são inscritas como capitais próprios, as segundas são passivo e geram até encargos para a sociedade com os juros que são devidos ao sócio que os prestar, o que foi devidamente explicitado pela posição maioritária no relatório pericial e pelo Senhor Perito nomeado pelo Tribunal (o tal que goza de total imparcialidade) em sede esclarecimentos em audiência de discussão e julgamento.


22ª. A propósito da parcialidade ou imparcialidade das posições dos Senhores Peritos, escreveu o Tribunal a quo o seguinte:


(…)


A jurisprudência tem-se debruçado sobre o valor da avaliação, designadamente quando se verifica divergência entre os peritos, afirmando reiteradamente que, em caso de divergência, e sempre sem prejuízo da livre apreciação por parte do Juíz, que dar prevalência à opinião dos peritos nomeados pelo tribunal, pela especial garantia de imparcialidade (o sublinhado e destacado é nosso).


23ª. E mais à frente continua referindo o seguinte:

(…)

Só assim não será se o laudo maioritário padecer de vício que o invalide, designadamente por erro grosseiro sobre os pressupostos de facto ou violação da lei.


24ª. Ora, de que vício padecia o laudo maioritário que o invalidasse? De que vício padecia o laudo maioritário para que, pura e simplesmente, isto é, sem qualquer fundamentação legal, fosse afastado e/ou desconsiderado?


Pois bem, quer da decisão aqui em crise, quer da decisão de 1ª Instância, quer ainda da posição da recorrida nem o mais ténue vestígio da existência de algum vício que pudesse invalidar aquele laudo pericial.


25ª. Apenas e só, o Tribunal a quo entendeu desmerecer a posição maioritária porque se lhe afigurou – erroneamente no nosso modesto entendimento – que o recorrente não poderia ser “beneficiado” por prestações suplementares que não efectuou, com o que sufragou a posição minoritária!!!


26ª. Porém, e como é consabido, se o Tribunal “a quo” pretendia – como pretendeu – afastar a posição maioritária vertida no relatório pericial, teria de o ter feito de modo tecnicamente fundamentado.


27ª. É o que decorre, de entre muitos outros, do douto acórdão do TRL, datado de 11.03.2010, no Proc. nº 949/05.4TBOVR-A.L1-8, quando ali se lê o seguinte:

(…)

5. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. (de novo o sublinhado e destacado é nosso). 28ª. E, já agora, por se revelar com interesse para os presentes autos, importa ainda observar aquilo que decorre do sumário do douto acórdão do TRG, datado de 26.10.2017, no Proc. nº 5237/16.8T8GMR.G1, de onde se extrai o seguinte:

(…)

Convém não esquecer o peculiar objecto da prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (art.º 388 do Código Civil).


Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, máxime da prova testemunhal. Mas se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica. (o sublinhado é, de novo, nosso).


29ª. Ora, e salvo melhor entendimento, a decisão recorrida afasta-se da posição maioritária assumida na perícia realizada nos presentes autos sem a necessária, diríamos mesmo essencial, fundamentação técnica ou científica divergente na avaliação que faz da sociedade “G..., Lda”.


30ª. De facto, e após a leitura da decisão proferida, indaga-se o recorrente sobre o fundamento legal, a base técnica, de que o Decisor se socorreu para sustentar o afastamento do entendimento maioritário da perícia colegial realizada nos autos de avaliação da participação social do autor e sua esposa na Sociedade “G..., Lda?


31ª. Pois, e salvo o devido respeito, não existe, para além de uma perspectiva dinâmica e putativa de uma futura vontade e possibilidade de os sócios, ao venderem a sua participação social, solicitarem um crédito pelo capital entregue à sociedade “G..., Lda” a titulo de prestações suplementares.


32ª. Porém, a Lei é clara quando determina que as prestações suplementares integram os capitais próprios da sociedade e não constituem créditos dos sócios, estando-lhe, portanto, legalmente vedado não realizar, como o faz, a sua contabilização no valor da quota/participação social do cônjuge do autor no capital social da sociedade “G..., Lda”.


33ª. Se assim não fosse – e é –, seguramente que as quantias entregues pertenciam aos sócios que as prestaram e, desde logo, poderiam ser exigidas a qualquer momento e sem que fossem exigidos especiais requisitos.


Esta não foi a posição dos Senhores Peritos na perícia realizada, e se assim não o afirmaram foi porque jamais o poderiam ter feito; é que estamos perante uma situação em que os sócios efetuaram prestações suplementares e não suprimentos, instrumentos absolutamente distintos.


34ª. O que se percebe, com o devido respeito, é que o Tribunal a quo fez um esforço para poder justificar a posição por si sufragada, isto é, acolher a posição minoritária, tendo que recorrer a uma perspectiva de um futuro meramente hipotético alicerçado em meras suposições que não encontram qualquer suporte factual na matéria provada nos autos.


35ª. De facto, e salvo o devido respeito, como pode o Decisor afirmar que a quota do sócio que realizou a prestação suplementar ficou “mais capitalizada”, ou seja, ficou a valer mais, se a mesma passou a integrar os capitais próprios da sociedade?! Questiona-se: será que aquele sócio passou a deter um direito de crédito sobre aquela sociedade logo no momento em que efectuou essa prestação suplementar?


36ª. De facto, como resulta do regime legal, e foi excelente e detalhadamente explicitado no relatório pericial, e reafirmado pelos Senhores Peritos – da posição maioritária – em sede de esclarecimentos orais (em audiência de discussão e julgamento), para que possa ser reconhecido um direito de crédito ao sócio que efectuou as prestações suplementares, necessário se torna a observância dos requisitos presentes no artigo 213º do Cód. Soc. Com.


37ª. Este não foi o entendimento sufragado na decisão proferida, mas em cuja perspectiva sempre cumprirá questionar o seguinte:


- depois de efectuar uma prestação suplementar que garantia tem o sócio que a efectua de a vir a recuperar?


38ª. Diremos que a resposta óbvia é a que resulta do regime legal estatuído no artigo 213º do Cód. das Sociedades Comerciais, a qual os sócios da “G..., Lda”, de certo, não ignoravam quando optaram por realizar prestações suplementares e não suprimentos à sociedade.


39ª. Não parece, com o devido respeito, que o direito de crédito do sócio resulte com a simplicidade e normalidade que o Tribunal a quo quis transparecer e nem poderá resultar de uma mera hipótese ou fabulação quanto ao futuro da empresa “G..., Lda” sem qualquer suporte na prova dos autos.


40ª. De facto, a hipótese – meramente teórica, pois que nunca esteve em discussão nos autos – colocada pelo Tribunal a quo de existir um comprador que estivesse interessado na aquisição da quota do sócio que efectuou uma prestação suplementar e que esta estaria “mais capitalizada” por força dessa prestação suplementar é meramente ilusória porquanto se coloca a seguinte questão: - Que garantia teria o comprador de uma daquelas ditas “quotas capitalizadas” de pagamento das prestações realizadas na sociedade “G..., Lda”?


41ª. Com o devido respeito, de novo não se percebe com base em que fundamento legal aquele putativo comprador poderia achar que aquela participação social que pretendia adquirir estava “mais capitalizada”.


Será que, uma vez comprada, o comprador teria a promessa de que – cumprindo-se os demais requisitos legais - no futuro aquela sociedade jamais insolveria?!


42ª. Aquilo de que, seguramente, aquele putativo comprador poderia ter a certeza era de que aquela sociedade estava devidamente capitalizada.


Note-se, a sociedade e não a quota que pretendia adquirir, pois que se trata de capitais próprios da sociedade.


43ª. Porém, e como decorre do teor da decisão aqui em crise, o Tribunal a quo andou em permanente esforço para tentar acolher a posição minoritária, de tal modo que ousou –com o devido respeito –, em clara e flagrante violação da Lei, afirmar o seguinte:

(…)

Afigura-se ser este o entendimento mais consentâneo com a realidade desta sociedade concreta, sendo de afastar o pressuposto em que se baseia o laudo maioritário de que as condições para restituição das prestações suplementares são muito restritivas – o que conferiria uma certa estabilidade ao valor dos capitais próprios –, uma vez que as mesmas se encontrariam reunidas, ficando apenas dependente da deliberação dos sócios (os mesmos que efectuaram as prestações e que detêm 75% do capital social, como se referiu) (de novo, o sublinhado e destacado é nosso).


44ª. Repete-se, que realidade (desta concreta sociedade) era essa? O que, a esse propósito, foi apurado nos autos e tido por provado?


A resposta é simples e clara: - Nada foi apurado, rigorosamente nada!


Antes pelo contrário, em sede esclarecimentos o Sr. perito do Tribunal esclareceu, com total rigor e isenção, que não se encontrou qualquer decisão societária de pagamento, bem como, não estava a sociedade “G..., Lda” em condições de pagar aos sócios as prestações suplementares realizadas.


45ª E este é o entendimento que se coaduna e respeita o regime legal em vigor para que ocorra a restituição das prestações suplementares e não porque o recorrente ou os Senhores Peritos da posição maioritária assim o pretendem.


É a própria Lei que o prevê e define.


46ª. Por isso, acolher-se a posição minoritária – absolutamente ilegal – é subverter o regime legal aplicável, quase que confundindo prestações suplementares com suprimentos de sócios.


Nestes – o que não sucedeu no caso dos autos – o sócio ao efectuar o suprimento fica imediatamente titular de um crédito sobre a sociedade, de tal sorte que a sociedade inclusivamente terá de lhe pagar juros.


47ª. E o corolário do que acabou de se afirmar reside na seguinte passagem da decisão aqui em crise, bem reveladora da confusão em que laborou o Tribunal a quo, quando escreveu o seguinte:


(…)


Acolher a posição dos Srs. Peritos indicados pelo apelante e pelo Tribunal equivaleria a valorizar artificialmente a quota da insolvente à custa de prestações suplementares alheias, em detrimento do adquirente, que pagaria o preço fixado em função do capital próprio da sociedade, que incluía prestações suplementares, as quais poderiam vir a ser restituídas àqueles que as prestaram. (o sublinhado e destacado é nosso).


48ª. Mais uma vez – e como sempre – o Tribunal a quo utilizou elementos que nem tampouco foram apurados, nomeadamente a saúde financeira daquela concreta sociedade para se poder operar a restituição das prestações suplementares.


49ª. Com efeito, e desde logo, nem tampouco se demonstrou que fosse interesse dos sócios proceder à restituição daquelas prestações suplementares. 50ª. O certo é que à data de hoje essas prestações suplementares ainda não foram reembolsadas aos sócios!!!


51ª. É, por isso, da mais elementar simplicidade legal que as prestações suplementares são capitais próprios da sociedade e não dos sócios, os quais decidem proceder à sua realização como um compromisso dos sócios com o interesse da sociedade, assumindo aqueles o risco de não serem reembolsados caso não existam bens distribuíveis ou a sociedade tenha sido declarada insolvente ou mesmo a assembleia não delibere favoravelmente a restituição das quantias atribuídas pelos sócios à sociedade a título de prestações suplementares.


52ª. A decisão recorrida, salvo o devido respeito, estriba-se não em razões ou fundamentos de ordem técnica ou científica, como se lhe exigia, mas num esforço continuado de construção meramente teórica e hipotética de a suceder SE e SE e SE… sempre com o propósito de “acobertar” a posição ilegal minoritária inserta no laudo pericial.


Por isso, melhor teria andado, com o devido respeito, se se tivesse servido da posição maioritária inserta nesse mesmo laudo pericial – por ser aquela que era até sufragada pelo Senhor Perito indicado pelo Tribunal – a qual, por cumprir e seguir aquilo que são os imperativos e requisitos legais, melhor define a posição a tomar-se relativamente à valorização daquela concreta sociedade e, por consequência, da quota do aqui recorrente.


53ª. Jamais poderia, por clara e flagrante violação da Lei, afirmar que a quota do sócio que efectuou prestações suplementares, se for transmitida juntamente com o crédito (!!!) por aquelas prestações terá um valor superior à quota sem esses créditos acoplados (mais uma vez o sublinhado, o destacado e exclamado é nosso).


Mas que crédito é esse a que o Tribunal a quo tão insistentemente se refere?


54ª. Por muita volta, com o devido respeito, que se dê jamais se conseguirá contornar aquilo que está previsto no Código das Sociedades Comerciais a propósito da natureza das prestações suplementares e dos requisitos para o seu reembolso.


E nem na Doutrina ou na Jurisprudência se encontra eco para a posição “simplista” da decisão aqui em crise no que tange à “capitalização” da quota do sócio que realizou prestações suplementares em relação às demais.


55ª. O contra-senso e a fragilidade da posição assumida pelo Tribunal a quo na decisão aqui em crise – na senda da ilegal e minoritária posição no laudo pericial – verifica-se neste trecho dessa mesma decisão:

(…)

À pergunta formulada na conclusão 65ª, se a quota social do sócio que realizou as prestações suplementares (que era de 25%, no caso do sócio CC) passou a valer mais do que esse percentual de 25%, responde-se negativamente.


56ª. A contradição é manifesta deixando a seguinte interrogação ou perplexidade: - as prestações suplementares alteram ou não o valor da quota social?


Se for para valorar a posição minoritária sufragada na perícia, entende o Tribunal que sim; já para determinar os capitais próprios da sociedade (onde se incluem as prestações suplementares) nos termos dos quais deve ser encontrado o valor da quota transaccionada pela Srª AI aí já resulta que não!!!


57ª. Por tudo quanto já se deixou supra referido, e de acordo com a matéria de facto tida por provada, a decisão que deverá ser proferida será a de, seguindo a posição maioritária constante do laudo pericial, condenar a recorrida a pagar ao recorrente a quantia 96.842,10 €, por ser este o valor médio encontrado para a quota do recorrente atendendo à avaliação dos anos de 2018 e 2020 (780.496,12 € + 768.977,42 € = 1.549.473,54 € : 2 =774.736,77 € : 4 = 193.684,19 € : 2 = 96.842,10 €), acrescido dos respetivos juros moratórios devidos desde 13/03/2019 e até efetivo e integral pagamento.


Pelo exposto deve a decisão aqui em crise ser declarada nula por violação clara e manifesta do disposto no artigo 213º do Código das Sociedades Comerciais e, em consequência, ser proferido douto acórdão que acolha a posição maioritária e condene a recorrida a pagar ao recorrente a quantia de 96.842,10 €, acrescida dos juros de mora contados desde o dia 13.03.2019, assim se fazendo sã e acostumada JUSTIÇA».


A recorrida apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação do acórdão.


***


As questões decidendas consistem em saber se o acórdão recorrido podia afastar-se do laudo maioritário e acompanhar, em vez disso, o laudo do perito da ré, e se, ao fazê-lo, proferiu decisão injusta, ao não considerar relevantes as prestações suplementares de dois sócios para a determinação do valor da meação do apelante na quota da insolvente, que não procedeu de igual forma.


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São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes nas instâncias:


1. Em 18.05.2002, o A. e BB, contraíram casamento canónico, sem convenção antenupcial, no regime de comunhão de adquiridos.


2. Em 12.07.2007, a mulher do A., DD, EE e CC constituíram a sociedade comercial por quotas, denominada “G..., Lda”, tendo como objecto comercial, além do mais, a compra e venda de imóveis, e demais teor da certidão de registo comercial.


3. O capital social da sociedade foi constituído com € 200.000,00, dividido por 4 quotas iguais de cinquenta mil euros, pertencentes a cada um dos sócios, tendo o sócio EE vindo ulteriormente a adquirir a quota de DD.


4. Em 02.11.2016, por contrato designado de “Dação em Cumprimento”, BB e o A. transmitiram a referida quota a um outro sócio CC, irmão e cunhado, respectivamente, pelo valor de € 65.000,00.


5. A 24.01.2017, na Conservatória do Registo Civil ..., por decisão transitada em julgado, foi decretada a separação de pessoas e bens, entre ambos e efectuada a partilha do património conjugal, na qual não entrou no acervo de bens comuns a partilhar a referida participação social.


6. No dia 20.02.2017 foi declarada insolvente BB, por sentença já transitada em julgado.


7. Por carta enviada à Insolvente BB, datada de 02.10.2017, a AI efetuou a resolução do mencionado contrato de “Dação em Cumprimento”, revertendo para a Massa Insolvente a quota social que a mesma detinha na empresa “G..., Lda”.


8. A quota social foi apreendida para os autos de insolvência.


9. O A. intentou acção declarativa, que correu termos sob o apenso H, onde peticionou que fosse:


a) reconhecido o seu direito à meação sobre o bem comum do casal, não partilhado, constituído pela participação social que a Insolvente é detentora na sociedade por quotas “G..., Lda” e apreendida a favor da massa insolvente;


b) reconhecesse o seu direito em obter a separação da sua meação naquele bem antes de proceder à respetiva liquidação nos autos principais, devendo para o efeito, ser ordenado ao AI para:


i. diligenciar pela obtenção de autorização do Demandante para a venda da participação social no âmbito da presente insolvência com entrega da metade do produto da venda ao mesmo;


ii. ou na ausência da dita autorização/intervenção do cônjuge meeiro na venda do imóvel, notificá-lo para promover a partilha da quota social para integração da meação da Insolvente com as correspondentes tornas.


10. Nesta acção, em 21.11.2018, foi efectuada transacção com a Sra. Administradora de Insolvência, nos seguintes termos:


1 – As partes reconhecem que a quota apreendida nos autos, titulada pela Insolvente, no capital social da sociedade G..., Lda, constitui um bem comum ao casal formado pela aqui Insolvente e aqui Autor, uma vez que o bem fora adquirido pela Insolvente na constância do matrimónio e não foi partilhado;


2 – O Autor autoriza que aquela quota seja vendida no processo de insolvência da sua cônjuge, revertendo metade do produto da venda da quota a seu favor, a título de tornas;


3 – No que respeita ao valor mínimo da venda da quota, a fixar no apenso de liquidação,


entendem as partes ser necessário uma prévia avaliação da quota;


4 – Para o efeito, a Sr. Administradora de Insolvência (uma vez que possui conhecimentos na área de gestão de empresas) compromete-se a realizar uma avaliação da quota, no prazo de 60 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória da transação.


Devendo ser notificada a sociedade para prestar a necessária colaboração para efeitos de realização do relatório de avaliação;


5 – O relatório de avaliação elaborado pela Sr. Administradora de Insolvência deverá ser junto ao apenso da liquidação, após, será o Autor notificado do seu teor para, em 15 dias, esclarecer se aceita ou não aquela avaliação, entendendo-se o seu silêncio como aceitação de tal avaliação;


6 – Caso o Autor não aceite tal avaliação, tem o Autor a possibilidade de apresentar no apenso da liquidação uma outra avaliação realizada por especialista à sua escolha, juntando essa mesma avaliação ao apenso da liquidação, no prazo de 60 dias, a contar da comunicação aludida no ponto 5. Para o efeito, deverá a Sra. Administradora de Insolvência disponibilizar ao Autor todos os elementos/documentos que serviram de suporte à realização do relatório;


7 – Em caso de divergência, o valor da quota, para efeitos de fixação do valor mínimo da venda, corresponderá à média dos valores apontados em cada uma das avaliações;


8 – Alcançado o valor da quota, deverá a Sra. Administradora de Insolvência proceder à venda da quota e antes de proceder à aceitação de qualquer proposta, deverá dar conhecimento ao Autor, para efeitos de exercício do direito de remição por parte dos filhos;”


11. Os termos desta transacção, foi notificada a todos os credores que a ela não se opuseram e homologada por sentença transitada em julgado em 11.01.2019.


12. Em 25.02.2019 foi comunicado nos autos pelo sócio gerente da “G..., Lda” que tinha sido entregue à AI a documentação contabilística que a habilitava a efectuar a avaliação da participação social da Insolvente na “G..., Lda “.


13. No dia 18.09.2019, no apenso de liquidação, foi apresentado pelo A. requerimento, no qual, reitera ao Tribunal que ordene à AI a apresentação da avaliação da quota social no capital da “G..., Lda”…


14. …por ter a AI informado que tal avaliação estava em execução e, em ultimação há mais de 3 meses de dilação em relação àquela data.


15. Naquele mesmo apenso foram proferidos despachos judiciais referentes à avaliação da quota, ordenando a AI que informasse o estado da mesma, em:


- 29.04.2019; 06.06.2019 (este último, concedendo o prazo de 10 dias, sob expressa cominação de condenação no pagamento de multa em que veio a ser condenada perante o incumprimento);


- 13.06.2019; 28.06.2019; 04.10.2019;


- 06.11.2019 (concedendo o prazo de 10 dias, sob expressa cominação de condenação no pagamento de multa de 2 UCS em que veio a ser condenada atento o incumprimento, por despacho de 28.11.2019;


- 07.01.2020 (concedendo o prazo de 10 dias, sob expressa cominação de condenação no pagamento de multa no valor de 3 UCS, em que veio a ser condenada por despacho de 30.01.2020, atento o incumprimento e notificado a todos os credores (concedendo neste último, o prazo de 10 dias, sob expressa cominação de condenação no pagamento de


multa no valor de 4 UCS e notificado a todos os credores);


16. Foi convocada para o dia 06.02.2020, uma Assembleia de Credores para efeitos de, entre outros, “discutir eventual solução consensual, para os autos, que passe pela venda do imóvel e acções/quotas ao pai da insolvente”.


17. O A. foi notificado para estar presente na mesma.


18. Por requerimento de 06.02.2020, o A. informou que não iria comparecer a tal Assembleia.


19. Foi deliberado na mesma – por unanimidade dos credores presentes e aceite pelo AI, Insolvente e pelo pai desta, FF – o seguinte:


1- A liquidação do ativo apreendido para a massa insolvente (prédio urbano, ações e quota da sociedade) será liquidada pelo montante global de 453 mil euros (ao que acresce o produto da liquidação já obtido pela Administradora da Insolvência até ao presente momento, designadamente, o montante de € 1.000,00, cfr. apenso D).


2- Os bens (prédio urbano, ações e quota da sociedade) serão adquiridos por FF ou por pessoa a indicar por FF.”


20. No dia 16.06.2020, por escritura pública de compra e venda, procedeu à venda da mencionada quota social a T..., SA”, representada pelo pai da Insolvente, pelo valor de € 13.000,00.


21. Em 22.06. 2020, o AI juntou ao apenso de liquidação cópia da escritura de compra e venda, pela qual foi vendido, pelo preço de € 250.000,00 o bem imóvel apreendido no processo de insolvência, pelo preço de € 13.000,00 a quota social titulada pela insolvente na sociedade “G..., Lda”, pelo valor de € 190.000,00 as acções tituladas pela insolvente na sociedade “B..., SA


22. Em 24.06.2020 foi proferido despacho onde se refere que:


“na prestação de contas, deverá a Sra. AI ter em conta o acordado em assembleia de credores de 06.02.2020, designadamente, que as suas despesas correspondem à provisão legal e bem assim a dívida da massa já aceite pelos credores respeitante a honorários e que liquidação do cativo apreendido para a massa insolvente (prédio urbano, ações e quota da sociedade) fora liquidada pelo montante global de € 453 mil euros


23. Em 24.06.2020 o A. foi notificado deste despacho, o qual não foi objecto de recurso.


24. Por requerimento de 25.06.2020, apresentado no apenso de liquidação, o A. informou os autos que tendo tido conhecimento da venda da quota social, sem que tenha sido realizada a avaliação acordada em sede de transação, requeria que a AI procedesse à avaliação da quota social nos termos em que se obrigou, antes de efetuar qualquer ato de distribuição do produto da liquidação pelos credores, uma vez que o seu crédito constitui uma divida da massa insolvente.


25. Por requerimento de 08.07.2020 apresentado no apenso de liquidação, o AI, fazendo referência a ter tomado conhecimento do requerimento apresentado pelo A., informou:


que por lapso procedeu de forma errática a transmissão da referida quota.


O que deveria ter sido transmitido seria a meação sobre a quota social e não a sua totalidade.


A meação deveria ter sido apreendida a favor da massa insolvente antes da realização da escritura para posterior transmissão.


Ora, o que é um facto é que este ato não foi previamente realizado”,-- não admitindo que o crédito do A. incidisse sobre a massa insolvente.


26. Nessa sequência, o A. por requerimento de 12.07.2020 apresentado no apenso de liquidação, reiterou que fosse ordenado à AI:


“… a execução de todos os atos necessários ao apuramento do valor da quota que o requerente possui na empresa “G..., Lda” e que após apurado tal valor e, por constituir um crédito sobre a Massa Insolvente que seja o mesmo pago ao Requerente antes de começar a pagar aos credores da insolvência.”


27. Por requerimento apresentado pela AI aos 08.09.2020 informou:


«(…) após, consulta, verificou que a alteração de escritura é possível em qualquer altura. Então e para esta situação apresenta a AI as seguintes opções para solucionar a situação:


1ª) retificação da escritura, onde conste a alienação da meação que a massa insolvente detinha sobre a quota-social na “G..., Lda”, evitando assim que a massa insolvente tenho de dispor de metade do valor recebido por venda deste bem, e consiga cumprir com os pagamentos aos credores, despesas e custos do processo. Considera a AI esta a melhor solução;


2º) retificação da escritura onde conste a alienação da meação da quota-social e entregando metade do valor ao Dr. GG, prejudicando assim a massa insolvente no cumprimento do pagamento aos credores, despesas e custas do processo.


Entretanto a signatária informa que se encontra em negociações com o Sr. FF de forma a definir a melhor solução para o processo e seus intervenientes.»


28. Aos 15.09.2020, o Pai da Insolvente, na qualidade de legal representante de “T..., SA”., vende a quota adquirida ao seu filho e sócio primitivo da “G..., Lda”, pelo valor de € 25.000,00.


29. O A. intentou acção executiva para prestação de facto ─ avaliação da quota social - contra a Massa Insolvente representada pela AI - Proc. 235/17T8AMT.1... - a qual foi declarada extinta a instância por impossibilidade originária da acção executiva e, em consequência, foi absolvida a executada da instância e extinta a execução.


30. Por requerimento de 01.06.2021, a AI apresentou nos autos principais um mapa de rateio parcial, no qual, a AI efetua uma retenção de € 75.000,00 ao património apreendido a favor da Massa Insolvente.


31. Tendo a mesma, por requerimento de 05.07.2021 apresentado nos autos principais, esclarecido que a dita retenção seria para acautelar o direito reconhecido ao A. no apenso H).


32. Em 22.06.2021, o A. interpelou a AI, pugnando pela avaliação da dita participação social.


33. Aos 05.07.2021, o A. interpelou a AI para o habilitar com a documentação contabilística de forma a que ele próprio a pudesse realizar, porém, até à data nunca lhe foi facultada. (Doc. n.º 12)


34. A AI não avaliou a participação social nem deu a conhecer ao A. as condições de venda e agendamento da escritura.


35. O A. contratou uma Revisora Oficial de Contas para proceder à avaliação da empresa “G..., Lda” e do valor da sua participação social tendo ali sido utilizado o critério contabilístico.


36. … concluindo a mesma que o valor da empresa correspondia, aos 31.12.2018, conforme


rúbrica de “Capital Próprio” relativo ao balanço desse ano, a € 837.349,24, correspondendo a parte do A. a € 104.668,65.


37. De acordo com o n.º 2 do artigo 3 do Pacto Social, “Os sócios poderão efetuar prestações suplementares até ao montante global de duzentos mil euros”.


38. As prestações suplementares existentes foram realizadas pelos sócios CC e EE, apresentando entre 2018 e 2020, os seguintes valores:





39. À data de 31.12.2018, valor do activo corrigido do balanço de € 787.854,14 e o passivo perfaz € 7.358,02, correspondendo o valor dos capitais próprios a € 780.496,12 e demais teor dos relatórios periciais.


40. À data de 31.12.2020, valor do activo do balanço é de € 795.863,61 e o passivo perfaz € 26.886,19, correspondendo o valor dos capitais próprios a € 768.977,


e demais teor dos relatórios periciais.


***


Do laudo dos peritos, da apreciação judicial da perícia e do valor a atribuir à meação do apelante na quota da insolvente.


O recorrente Instaurou acção em que pediu que fosse reconhecido, como crédito sobre a massa insolvente, o direito ao pagamento do valor correspondente à meação de que era detentor na participação social da sociedade G..., Lda, fixando-se o valor da quota no montante de € 104.669,65 e, consequentemente, fosse a Massa Insolvente de BB condenada a pagar-lhe aquela quantia, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 25.02.2019 e vincendos até integral e efectivo pagamento.


O primeiro grau fixou o valor da quota em €25.000,00, tendo o A. direito a metade deste valor (€12.500,00).


A avaliação que fez baseou-se, no essencial, no seguinte raciocínio: «Aqui chegados neste esforço de concretização do direito de crédito, pomos de parte que a sua definição seja igualada ao seu valor patrimonial, incluindo prestação suplementar, assim como afastamos que seja igualado este direito patrimonial em função do valor definido para a venda, pois não foi isso que ajustaram as partes.


Resta-nos socorrer, na fixação do valor adequado no caso em concreto, do montante que o sócio CC deu pela mesma, três meses depois da venda concretizada na liquidação sem que tenha sido precedida da audição do A.. É o que encontramos como mais próximo ao que viria a suceder nos autos, ainda que se fosse precedido os passos de avaliação da quota.


Com efeito, o mais adequado é atender ao valor que a pessoa mais provável que se dispusesse a adquirir a quota (outro sócio) e que no caso correspondia a metade do seu valor nominal.


Assim, em face do exposto, fixa-se o valor da quota em €25.000,00, tendo o A. direito a metade deste valor, i.e. €12.500,00».


Reapreciando, o segundo grau fixou esse valor em € 58.112,00 (valor apurado por referência ao ano em que foi feita a transacção referida no ponto 10 da matéria de facto provada), correspondendo o crédito do apelante a € 29.056,00.


Isto porque, «ponderados todos os factores, afigura-se que a posição defendida pelo Sr. Perito indicado pela apelada é a que melhor traduz a dinâmica das prestações suplementares e a sua repercussão no valor das participações sociais».


Para a compreensão desta posição importa recordar o objecto da perícia e as duas posições que se manifestaram.


Em matérias especializadas o tribunal não possui conhecimentos suficientes. O juiz obtém as regras de vida de que carece para a justa decisão do processo precisamente através dos peritos.


Para determinar o valor do crédito do apelante foi determinada a realização de uma perícia colegial com o seguinte objecto: Avaliar o valor de mercado da quota apreendida para a MI pertencente à insolvente e autor à data de 21.10.2018 e também à data da venda daquela quota pela AI (16.06.2020), ponderando os Srs. Peritos o património imobiliário da sociedade naquelas datas, mas também o valor do passivo da sociedade, a composição societária da sociedade, os valores a que geralmente são transacionadas quotas neste tipo de sociedade num de mercado livre, ponderando a viabilidade da venda da quota e propostas que pudessem eventualmente ser apresentadas.


O Srs. Peritos acordaram, por unanimidade, em adoptar o método de avaliação patrimonial, com o argumento de que o método de mercado é normalmente utilizado para grandes empresas cotadas em bolsa, regularmente auditadas, comportando por isso um maior risco de conduzir a resultados inconcludentes, se aplicado a pequenas e mádias empresas.


O método patrimonial consiste na determinação do valor da sociedade apurando a diferença entre o justo valor dos activos (bens e direitos) e dos passivos (obrigações) da mesma num determinado momento.


Divergiram no que se refere à natureza das prestações suplementares e consequentemente na sua relevância para a determinação do valor da quota de cada um dos sócios.


Para a posição maioritária, defendida pelos peritos do tribunal e do recorrente, as prestações suplementares têm a finalidade de reforçar capitais próprios da sociedade.


Por isso, não são apenas créditos dos sócios que as constituem, devendo ser levadas em consideração na fixação do valor patrimonial da empresa e na determinação do valor da quota de cada um dos sócios, independentemente de terem efectuado essas prestações.


Nesta base, os referidos peritos fixaram o valor da quota apreendida, em 2018, no valor de €195.124,03 (€ 780.496,12 : 4), e, em 2020, no valor de € 192.244,35 (€ 768.977,42 : 4).


O perito da MI apresentou uma «adenda ao Relatório dos Peritos» na qual apresenta as razões da sua discordância.


Vale muito a pena reproduzir os fundamentos dessa discordância.


Começou por afirmar que, na sua opinião, que a avaliação dos seus colegas estava influenciada por valores (correspondentes a créditos decorrentes de prestações suplementares, realizados à empresa) que são pertença de outros sócios.


Do seu ponto de vista, «não obstante as prestações suplementares apresentarem um regime de reembolso mais restrito do que os suprimentos, é ainda assim claramente mais amplo que as reduções do capital social. As prestações suplementares são efectivamente restituíveis (contrariamente às prestações de capital que, por regra, não são restituíveis) e configuram um meio privativo de financiamento a título de capital próprio, das sociedades por quotas, compreendem estes direitos de crédito (correspondentes ao reembolso da prestação) susceptíveis de serem transmitidos».


Esclarecendo melhor o seu lado e concretizando, acrescentou: «No caso da sociedade sob avaliação foram realizadas prestações suplementares à sociedade em que só 2 sócios as realizaram, a saber, CC e EE, não tendo a «quota apreendida para a massa insolvente, pertencente à insolvente e autor» realizado qualquer valor referente a prestações suplementares, valores esses que constam da contabilidade da empresa numa conta de capitais próprios. A fragilidade da posição assumida no relatório fica desde logo evidenciada pelo seguinte raciocínio: caso os dois sócios, que efectuaram as prestações, viessem a deliberar a restituição das mesmas (porque efectivamente dispõem da maioria de votos para tal e estão verificados as demais condições para esse efeito, (designadamente a situação líquida não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal) a avaliação reconhecida no relatório mostrava-se totalmente desamparada de qualquer suporte».


Daí o valor proposto por este perito para a quota: 2018:€58.112,00 (50.000 €quota social +8.112€ valorização da quota por resultados ao longo dos anos); 2020: 56,232€ (50.000€ quota social+6.232€ valorização da quota por resultados ao longo dos anos).


A Relação, retirando todas as consequências da sua adesão à posição pericial minoritária, fixou o valor da quota em apreço em € 58.112,00 (valor apurado por referência ao ano em que foi feita a transacção referida no ponto 10 da matéria de facto provada), correspondendo o crédito do apelante a € 29.056,00, alterando o valor acolhido pela sentença (€ 25.000,00) correspondente ao valor de venda entre pai e filho, o qual «não se revela minimamente idóneo para se aferir do valor da quota em apreço».


Pois bem o recorrente discorda frontalmente desta decisão, conforme vimos: «melhor teria andado [o acórdão recorrido] se se tivesse servido da posição maioritária inserta no laudo pericial, a qual, por cumprir e seguir aquilo que são os imperativos e requisitos legais, melhor define a posição a tomar-se relativamente à valorização daquela concreta sociedade e, por consequência, da quota do aqui recorrente».


Terá razão?


Para responder a tal questão iremos tratar, em termos muito sintéticos, as seguintes subquestões.


1. Conceito de peritagem.


2. Natureza da peritagem.


3. Espécies de arbitramento.


4. Avaliação de quotas sociais.


5. Aplicação ao caso.


6. Concretização.


1. Conceito de peritagem


Preceitua o artigo 388.º do Código Civil: «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial».


Esta definição não é muito clara e têm sido dadas muitas outras definições de peritagem.


Assim, por exemplo, José Alberto dos Reis explicava que «o verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada ditarem» (Código de Processo Civil, Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 1951.162).


Manuel de Andrade afirma que «em face da nossa lei processual é característica da prova por arbitramento a percepção de factos presentes (…) acompanhada normalmente da sua apreciação, em regra sendo ainda necessário que estas operações ou algumas delas requeiram conhecimentos especiais (percepção ou apreciação técnica)» (Noções Elementares de processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra 1979, 263).


Para Castro Mendes «a prova pericial ou arbitramento é o meio de prova que consiste na transmissão ao juiz de informações de facto por uma entidade – perito ou arbitrador – especialmente encarregado de a recolher» (Direito Processual Civil, Vol III, apontamentos das lições dadas ao 4.º ano de 1973-1974, AAFDL, Lisboa, 1974:309).


Para Antunes Varela et alii, «a nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de facto, mas pode trazer também a apreciação ou valoração dos factos, ou apenas esta» (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985:576).


Não interessa prosseguir. Ninguém porá em causa que a actuação de uma pessoa que, usando dos seus conhecimentos específicos traz para o processo o valor de uma quota que dantes era desconhecido actua como um verdadeiro perito.


2. Natureza da peritagem


Para melhor caracterização da figura, e realce do seu papel endoprocessual, útil se nos afigura chamar a presença da questão consistente em saber se o perito actua como mero agente de prova ou como auxiliar do juiz.


Antes da reforma de 1995-1996, o artigo 595.º, 3 do CPC prescrevia que «os peritos devem justificar resumidamente o seu laudo», acrescentando a possibilidade de, além das respostas dadas aos quesitos, ser apresentado um relatório do qual conste a declaração especificada de quais as verificações materiais que fizeram, quais as informações que recolheram e de quem as obtiveram e qual o seu lado sobre os factos que apuraram.


Estas expressões permitiam que se enfatizasse o aspecto judicativo da prova pericial.


A verdade é que o regime da peritagem sofreu ampla alteração com aquela reforma, a qual suprimiu a resposta aos quesitos pelos peritos, e, consequentemente, o regime deste artigo 595.º.


Corresponde a este artigo no regime actual o artigo 484.º, cujo número 1, prescreve tão-só que o resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto, consagrando a ideia, já defendida por Antunes Varela no seu Manual, que «a perícia constitui um verdadeiro meio de prova» (Ibidem:578).


Não se pode, por isso, acompanhar a argumentação do recorrente quando exagera excessivamente o aspecto judicativo da perícia, ao ponto de a ver como uma espécie de codecisão ou participação no exercício da função jurisdicional.


Veremos este ponto melhor, quando tratarmos da apreciação da perícia pelo tribunal.


3. Espécies de arbitramento


O Código de processo civil de 1939, na sua versão original, distinguia, no artigo 581.º três espécies de arbitramento: a prova por arbitramento pode consistir em exame, vistoria e avaliação.


«Em resumo, o arbitramento tem por fim ou a averiguação de factos ou a determinação do valor dos bens. Se a averiguação recai sobre móveis, o arbitramento toma o nome de exame; se recai sobre imóveis, chama-se vistoria; se o fim é a determinação do valor, a diligência diz-se avaliação» (José Alberto dos Reis, op. cit.: 157).


Essas três figuras eram tratadas em separado: a subsecção II da Secção V (Prova por arbitramento), do capítulo III (Da instrução do processo), do Título II (Do processo de declaração), do Livro III (Do processo) versava sobre Exames e Vistorias, sendo a subsecção III da mesma Secção dedicada à Avaliação.


Nos trabalhos preparatórios do código civil, Vaz Serra debruçou-se sobre o Direito Probatório Material, mas no articulado proposto para a prova por peritos continuou a não aludir à avaliação (Provas, Direito Probatório Material, Lisboa, 1963:512, nota 953).


A reforma do processo de 1961 deixou praticamente intocado o regime então vigente.


As únicas modificações importantes, para o que aqui interessa, foi o ter-se declarado, no artigo 577.º, 2, que o exame pode recair, não só sobre coisas móveis mas também sobre pessoas, e alterado as bases legais de avaliação do estabelecimento comercial ou industrial, mas não das quotas em sociedade.~


Foi a reforma processual de 1995/96 que provocou a grande reforma do regime da prova pericial.


Por um lado, o artigo 3.º do DL 329-A/95 revogou os artigos 592.º a 611.º, por conseguinte toda a subsecção dedicada à avaliação.


Note-se que no artigo 603.º, sobre bases legais de avaliação, continha uma alínea i) que prescrevia que o valor das quotas em sociedades que não sejam por acções é determinado segundo o último balanço, base essa que foi abolida definitivamente.


Por outro lado, introduziram-se alterações significativas no capítulo dos meios de prova, designadamente a supressão da distinção formal entre subespécies de prova pericial, ficando as três modalidades de peritagem sujeitas a um mesmo regime.


4. Avaliação da quota


A lei consagra o princípio da livre apreciação judicial da prova pericial (artigo 389.º CC e artigo 489.º do CPC).


Quer isto dizer que os juízes julgam segundo a sua racional convicção, formada sobre a livre apreciação do relatório dos peritos.


É habitual sublinhar-se que a livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da prova, «mas sim uma apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objectivos existentes», e que tem por conseguinte limites.


José Alberto dos Reis explica este procedimento com a habitual clareza: «o que com a regra da prova livre se quer exprimir é este ditame: o juiz não está adstrito, na apreciação da prova, a critérios ou normas jurídicas predeterminadas; avalia e pesa as provas em inteira liberdade, segundo a sua consciência e o seu próprio juízo, sem ter de obedecer a comandos abstractos, formulados pela lei.


É dever do magistrado tomar em consideração as provas produzidas; o que sucede é que, em vez de atribuir a cada uma das provas o valor que lhe cabe segundo tabela legal preestabelecida, goza do poder de lhe atribuir o valor que em seu próprio critério racional entender que a prova merece.


(…) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe, em atenção à análise crítica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas» (Código de Processo Civil, anotado, op. cit.: 176)


Concluía então o processualista de Coimbra que «nunca se pode afirmar que o magistrado fique escravizado ao parecer dos peritos ou inibido de exercer censura sobre ele, salvo se a lei introduzir expressamente excepção à regra (…)» (Idem).


Um destes casos excepcionado pela lei era justamente o da alínea i) do artigo 603.º CPC que mandava levar em conta o último balanço: «temos, portanto, aqui um critério legal que vincula o juiz» (Ibidem:179).


Caso, acrescente-se, que desapareceu da nossa lei, em 1996.


5. Aplicação ao caso


Resulta da argumentação exposta nos números anteriores, que não se aceita a ideia defendida pelo recorrente (cfr. conclusão 28.ª) de que o tribunal só podia contrapor ao juízo científico dos peritos um idêntico juízo científico.


Já vimos que os peritos não são agentes judicativos, nem árbitros, devendo agora lembrarmos o brocardo latino «iudex peritus peritorum» não como sinónimo de atribuição ao juiz de uma espécie de sabedoria omnisciente em relação a matérias extrajurídicas, mas no sentido de reconhecer no magistrado um poder de crítica e de selecção do material probatório e de última palavra na interacção entre o Direito e a factualidade trazida ao processo pelo contributo técnico-científico dos peritos.


Mesmo em relação a um juízo técnico é possível, a um não especialista, detectar incoerências, contradições, saltos lógicos e outros pontos fracos.


Acompanhamos João de Castro Mendes /Miguel Teixeira de Sousa quando dizem que «a rejeição do juízo científico ou parecer pelo juiz não implica transformar o juiz num peritus peritorum, porque não requer uma crítica material e científica» (Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022:554).


Disto deriva a idoneidade da deliberação da Relação se afastar do parecer dos peritos.


Uma questão diferente, mas que merece resposta igualmente positiva, consiste em saber se a Relação podia secundar o parecer minoritário,


O recorrente entende que não, mas sem razão (cfr. conclusões 24.ª e 29).


Mais uma vez são úteis e actuais as considerações de José Alberto dos Reis a este respeito.


Este autor segue a posição de Carlo Lessona segundo o qual:


a) O juiz pode afastar-se da opinião dos peritos, mesmo quando ela tenha sido emitida por unanimidade;


b) por maioria de razão, pode preferir o laudo do perito discordante ao laudo dos outros dois peritos;


c) estes dois ditames são exactos não só no caso de peritos nomeados pelas partes, como também no de peritos nomeados pelo juiz;


d) o juiz, em presença de dois arbitramentos, pode decidir em conformidade com o primeiro, pondo de parte o resultado do segundo;


e) o juiz não pode, de antemão, declarar que terá por bom o que os peritos vierem a apurar,


f) pode aceitar em parte, e rejeitar noutra parte, o laudo pericial;


g) pode conformar inteiramente a sua decisão com o parecer dos peritos (Código de Processo Civil, anotado, op. cit.:174).


Diante de duas teses diferentes o juiz atenderá ao mérito de cada uma, «segundo a análise crítica dos seus fundamentos, a categoria do respectivo louvado e a sua posição na causa» e também «à conformidade e desconformidade de cada laudo com os restantes elementos que o processo lhes fornecer» (Ibidem:179), e depois fixará o valor que lhe parecer exacto.


Foi isso o que a Relação fez.


6. Concretização


A Relação entendeu ser a posição do perito da ré «o entendimento mais consentâneo com a realidade desta sociedade concreta, sendo de afastar o pressuposto em que se baseia o laudo maioritário de que as condições para restituição das prestações suplementares são muito restritivas ─ o que conferiria uma certa estabilidade ao valor dos capitais próprios ─, uma vez que as mesmas se encontram reunidas, ficando apenas dependente de deliberação dos sócios (os mesmos que efectuaram as prestações e que detêm 75% do capital social, como se referiu)»; «acolher a posição dos Srs. Peritos indicados pelo apelante e pelo Tribunal equivaleria a valorizar artificialmente a quota da insolvente à custa de prestações suplementares alheias, em detrimento do adquirente, que pagaria o preço fixado em função do capital próprio da sociedade, que incluía prestações suplementares, as quais poderiam vir a ser restituídas àqueles que as prestaram»; «outra circunstância que depõe a favor da não consideração das prestações suplementares no caso da quota em apreço, cujo titular não efectuou qualquer prestação suplementar, reside na possibilidade de tais créditos serem transmitidos autonomamente, i.e., separadamente da quota»; «daqui resulta que, efectivamente, a quota do sócio que efectuou prestações suplementares, se for transferida juntamente com o crédito por aquelas prestações terá um valor superior à quota transferida sem esses créditos acoplados»; «isso justifica que o valor das prestações suplementares não seja considerado na quota do sócio que não efectuou aquelas prestações, como preconiza o Sr. Perito indicado pela apelada»; «assim, ponderados todos os factores afigura-se que a posição defendida pelo Sr. Perito indicado pela apelada é a que melhor traduz a dinâmica das prestações suplementares e a sua repercussão no valor das participações sociais».


O recorrente discorda.


Como é sobejamente sabido, o julgamento da matéria de facto pela Relação é, em princípio, definitivo, sendo certo que o recurso de revista tem como fundamento, a violação da lei, substantiva ou processual (artigo 674.º, 1).


Também não se desconhece que o STJ, em sede de apreciação das provas e de fixação dos factos materiais da causa, só pode verificar a ofensa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixa a força de determinado meio de prova (artigo 674.º, 3).


Ainda assim, o Supremo pode ordenar a baixa do processo quando entenda ser de ampliar a matéria de facto ou necessário resolver contradições, em ordem a uma boa decisão jurídica do pleito (artigo 682.º, 3).


Não se pode, por conseguinte, neste recurso, sindicar o julgamento de facto das instâncias.


A jurisprudência do STJ tem, porém, acrescentado às referidas hipóteses de sindicância do julgamento de facto da Relação algumas outras, admitindo o controlo do iter demonstrativum percorrido pelo segundo grau no manejo das regras legais do procedimento probatório.


Assim, por exemplo, o Ac. STJ de 6.7.2011, Proc. 361/07.6TBLRA.C2.S1 opinou que o uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum, é um critério de julgamento, que não pode ser sindicado pelo STJ, a menos que, excepcionalmente, através da necessária objectivação e motivação, se alcance, inequivocamente, que foi usado para além do que é consentido pelas regras da experiência comum de vida, fundando, assim, uma conclusão inaceitável.


O recorrente censura o critério adoptado pela Relação, afinal o do perito da ré, por ser ilegal quanto às prestações suplementares e à sua repercussão no valor das participações sociais.


Sob pena de a pretexto de combater uma injustiça se cometer uma injustiça ainda maior (ultrapassar os limites dos seus poderes), o STJ não pode alargar a sua competência, à custa do alargamento do conceito de direito (Castro Mendes, Do conceito de prova em processo civil, Lisboa, 1961:511).


Ora, o segundo grau fez uma (re)apreciação ponderada e completa dos laudos, e optou por aquele que lhe mereceu maiores garantias de conduzir à solução justa do caso.


Fê-lo de uma forma cabal, sem erros, contradições ou ambiguidades.


No seu entender, das prestações suplementares espontâneas efectuadas apenas por dois sócios para reforço do património da sociedade, resulta um acréscimo da sua situação liquida, mas que não afecta a participação social de cada um dos sócios.


Essas prestações gozam de marcada autonomia, até em termos contabilísticos (cfr. conta 53 do Plano Oficial de Contas e Sistema de Normalização Contabilística), não servindo para valorizar as entradas de outros sócios, que não procederam da mesma forma.


Não se vê como censurar esta conclusão.


***


Tendo ficado vencido o recorrente suportará as custas do processo por inteiro (artigo 527.º, 1).


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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente.


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11.06.2024


Luís Correia de Mendonça (Relator)


Maria do Rosário Gonçalves


Leonel Serôdio