Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
122/22.7T9PNF.P1-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IDENTIDADE DE FACTOS
FALSIDADE DE TESTEMUNHO OU PERÍCIA
DEPOIMENTO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - As decisões em confronto não conheceram nem decidiram a mesma questão de direito:

- Seja quanto à identidade das normas jurídicas em apreço – no acórdão fundamento, a do artigo 360.º, n.º 1, do CP – no acórdão recorrido, as dos artigos 358.º, 359.º e 379.º, n.º 1, al. b), do CPP;


- Seja quanto à identidade da situação de facto subjacente – no acórdão fundamento, um único depoimento prestado pela testemunha em audiência de discussão e julgamento em ação cível afirmando a efetivação do pagamento de uma dívida cuja não realização ficou por demonstrar – no acórdão recorrido, dois depoimentos contraditórios prestados pela mesma testemunha em momentos e fases diferentes de um processo penal.


II – Assim, apesar de na fundamentação de ambas e a título instrumental se ter abordado a necessidade ou não de a falsidade do testemunho se aferir em função da realidade histórica processualmente fixada, em conformidade com as teses objetiva ou subjetiva doutrinária e jurisprudencialmente disputadas, alinhando o acórdão fundamento com a primeira e o acórdão recorrido com a segunda, é inquestionável que não apreciaram e decidiram a mesma questão jurídica e patente a não verificação da oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito, que o artigo 437.º impõe, cumulativamente com os demais, como fundamento do recurso de fixação de jurisprudência, que, por isso, deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 441.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, ex vi do artigo 448.º, todos do CPP.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 122/22.7T9PNF.P1-A.S1


Acórdão de Fixação de Jurisprudência


*


Acorda-se, em conferência, na 5ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. O arguido/condenado AA, com os demais sinais dos autos, veio, através do seu defensor, nos termos dos artigos. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), por requerimento apresentado em 5.01.2024, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP) em 8.11.2023, já transitado em julgado (acórdão recorrido), alegando que aquele acórdão está em oposição com o acórdão do mesmo TRP, proferido, em 22.03.2017, no processo 42/15.1T9FLG.P1, (acórdão fundamento) transitado em julgado em 6.04.2017,´do qual, após notificação para esse efeito, juntou certidão, com nota do trânsito em julgado, sem indicação de publicação.


2. Termina a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:


«CONCLUSÕES:


1. O presente recurso versa sobre matéria de direito e visa a fixação de jurisprudência (art. 437 n.º 2º do C.P.P.).


2. O recorrente não se conforma com a decisão de direito proferida no acórdão recorrido e consequente manutenção da condenação, porquanto entende que este fez errada interpretação e aplicação do artigo 360º n.º 1 do Código Penal.


3. No acórdão recorrido entendeu-se, como supra melhor se procurou explicitar, que não releva para preenchimento do elemento típico da falsidade, a relação entre aquilo que a testemunha tiver deposto e a realidade objetiva (critério objetivo), mas a relação entre o depoimento feito e a ciência ou conhecimento dos factos que a testemunha tiver realmente adquirido (critério subjetivo), o que, em face do lá considerado provado, levou à condenação.


4. No acórdão fundamento, tirado no proc. 42/15.1T9FLG.P1, de 22/03/2017, da mesma Relação do Porto, perante a mesma questão de direito, o Tribunal, decidindo de maneira diversa – que merece o acolhimento do recorrente - entendeu que o elemento típico central do crime sob punição reside na falsidade do depoimento, a aferir pela sua desconformidade com o acontecimento real a que se reporta (conceção objetiva). Desta conceção decorre que a sua consumação existe sempre que o depoimento diverge da realidade objetiva. O acontecimento real ou a verdade objetiva é aquilo que o Tribunal em face da produção da prova tenha dado por acontecido.


5. Em face destas duas decisões, opostas, quanto à mesma questão de direito, devem ser fixados critérios para a interpretação e aplicação uniformes do direito, concretamente do artigo 36.º n.º 1 do Código Penal, procurando garantir a unidade do ordenamento penal e os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.


6. Princípios que, in casu, foram frontalmente violados, em prejuízo do arguido/recorrente.


Termos em que, decidindo em conformidade, fixando Jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, farão V. Exas., Venerandos Conselheiros, a acostumada JUSTIÇA!».


3. Facultado o processo aos sujeitos processuais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 439.º, n.º 2, do CPP, o Ministério Público (MP) no TRP apresentou a sua resposta concluindo do seguinte modo:

« (…)

Ambas as decisões foram proferidas no âmbito da mesma legislação, uma vez quer na data da prática dos factos e na da condenação, quer num quer noutro acórdão a versão do artigo 360º do C.Penal não foi alterada.


Afigura-se, assim, estarem preenchidos os pressupostos para apreciação do recurso interposto para fixação de jurisprudência, relativamente à questão suscitada».


4. O processo foi com vista ao MP no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo o senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer desenvolvido que, relativamente aos pressupostos formais e substantivos do presente recurso para fixação de jurisprudência, conclui nos seguintes termos:


« (…)


3. CONCLUSÕES.


3.1. Ainda que interposto por quem tem legitimidade e interesse em agir, e seja tempestivo, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não respeita alguns ónus formais quanto à certificação de trânsito em julgado do acórdão fundamento e indicação do local de publicação e consulta; deficiências formais que, a entenderem–se verificadas, deverão suscitar eventual convite à respetiva correção, nos termos e com os fundamentos acima invocados.


3.2. Tais aspetos formais podem ser, eventualmente, desconsiderados, face à verificação de mais importantes razões para não admitir o recurso ou para o julgar improcedente.


3.3. Sem prejuízo, a apreciação dos pressupostos substanciais deve levar à rejeição do recurso por inexistência desses pressupostos e, por decorrência, à improcedência do recurso.


3.4. É de evidente constatação que as decisões alegadamente opostas não se pronunciam sobre a mesma questão de Direito identificada no recurso, a saber, se o elemento típico central do crime de falsidade de testemunho reside na falsidade do depoimento a aferir pela sua desconformidade com acontecimento real a que se reporta ou se essa falsidade se basta com a contradição dos depoimentos, independentemente de se saber qual o ato integrador do falso depoimento.


3.4.1.Relevante para aferir da existência de julgamentos (soluções de interpretação ou aplicação explícitas) opostos da mesma questão de direito penal ou processual penal, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, é a identificação da respetiva ratio decidendi, a qual se reporta, pois, à razão de decidir ou fundamento legal central das decisões judiciais em oposição, seja com base em princípio(s) jurídico(s), seja em norma jurídica; representando o raciocínio principal que justifica ou dá a razão ou as razões para a resolução do caso; enquanto os obiter dictum não passam de comentários incidentais, observações ou opiniões não essenciais ou apenas secundárias para a resolução do caso.


3.4.2.Nestes termos, o que vemos entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento é um total vazio de coincidência das razões da decisão num e noutro caso ou de coincidência no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, mas antes o enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados.


3.4.3.Assim, no acórdão fundamento, ainda que a apreciação de todos os elementos típicos integração jurídica do crime de falsidade de testemunho, p.p. pelo artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal, tenha sido abordada, foi–o instrumentalmente, pois a razão de decidir foi a demonstração de que os factos provados, por conclusivos e devendo dar–se por não escritos e terem de ser expurgados, os que restavam eram inaptos para se subsumirem ao crime de falsidade de testemunho, tipificado no n.º 1, do artigo 360.º do Código Penal; enquanto no acórdão recorrido a questão do que integra ou não integra a tipicidade do crime de falsidade de testemunho foi apenas apreciada para demonstrar que não existia qualquer alteração substancial ou não substancial de factos que tivesse relevo para a decisão da causa e para concluir que não ocorria nulidade da sentença, essa sim a questão apreciada e decidida enquanto questão de natureza processual penal bem identificada.


3.4.4.Nada têm de ver entre si questões jurídicas em que uma é referida à nulidade de sentença, e outra à ausência de factos típicos objetivos do crime imputado, não havendo qualquer identidade entre as afirmações decisórias proferidas num e noutro acórdão, por não haver equivalência ou correlação simétrica entre elas.


3.4.5.Pelo que não é legítimo invocar a regra formal de justiça, que subjaz, como justificação, ao recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.


3.4.6.Portanto:


3.4.6.1.Não há interpretação divergente sobre o mesmo regime normativo ou sobre as mesmas regras (princípios ou normas).


3.4.6.2.As situações materiais litigiosas não são análogas, e só instrumentalmente invocam na fundamentação, mas não no núcleo decisório em confronto, o modo de integração típica do crime de falsidade de testemunho, uma para negar a nulidade invocada, outra para concluir pela insuficiência dos factos para essa integração típica, pelo que as decisões se apoiam em regimes normativos materialmente diferenciados para efeitos da ratio decidendi respetiva.


3.4.6.3. Aliás, a “querela” entre a teoria objetiva e a subjetiva na interpretação do tipo legal de crime de falsidade de testemunho, que instrumentalmente se debate nos acórdãos em alegado confronto, não tem relevância e apenas pode considerar–se no âmbito dos obiter dictum, como já esclareceu este Supremo Tribunal de Justiça, no de 18-01-2018, Proc. n.º 563/14.3TABRG.S1– 3.ª Secção, Maia Costa (relator)


3.4.6.4.Não havendo divergência de soluções decisórias que se apoie sobre o mesmo regime normativo convocado, interpretado e aplicado, não há divergência quanto à mesma ratio decidendi.


3.5. Em suma, não existe oposição de julgamentos sobre a mesma questão de Direito, estando dado por certo que é o mesmo o quadro legislativo em vigor aquando das decisões em análise, pelo que inexiste o pressuposto material em apreciação, devendo assim improceder o recurso.


Em conformidade, pronunciamo-nos pela inexistência de pressupostos substantivos exigidos à admissibilidade do presente recurso extraordinário, devendo o recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.


(…)»


5. Notificado para juntar certidão do acórdão fundamento e nos termos do artigo 417º, n.º 2, do CPP, o recorrente juntou a dita certidão, com nota do trânsito em julgado, e respondeu ao parecer do MP, consignando:


«7. No demais, entende o recorrente que se mostram preenchidos os pressupostos de natureza substancial à admissão do recurso, designadamente a existência de julgamentos opostos sobre a mesma questão de direito penal.


8. Pelo que, o recorrente renova e conclui como no recurso.».


6. Realizado o exame preliminar e junta a referida certidão, o processo foi à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP.

II. Fundamentação

7. Dos artigos 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, resulta, tal como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência1, que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende, antes de mais, da verificação dos seguintes (a) pressupostos formais:


- Legitimidade [e interesse em agir] do recorrente, o que se verifica no caso presente, porquanto o acórdão ora recorrido, proferido pelo TRP, manteve a sua condenação pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal (CP), aplicando-lhe a pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, com o quantitativo diário de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 900,00 (novecentos euros), condenação esta que o arguido pretende ver revertida através do presente recurso extraordinário;


- Tempestividade, que igualmente se verifica no caso presente, porquanto o arguido interpôs o presente recurso no prazo de 30 dias, contado do trânsito em julgado do acórdão do TRP ora recorrido, dado que, conforme resulta da certidão disponível nos autos sob a referência n.º 17654130, aquele acórdão, não admitindo recurso ordinário nem tendo sido objeto de reclamação ou de arguição de nulidades, transitou em julgado decorridos 10 dias sobre a respetiva notificação ao MP e ao recorrente, respetivamente em 8 e 10.11.2023, ou seja, no dia 23.11.2023, como vem certificado pelo TRP, pelo que tendo sido interposto em 05-01-2024, descontado o período de férias judiciais intercorrente, foi-o no prazo de 30 dias previsto no artigo 438.º, n.º 1, do CPP, sendo, assim, tempestivo;


Por último, o acórdão fundamento, ou seja, o acórdão com o qual, na alegação do recorrente, o acórdão recorrido se encontrará em oposição, mostra-se identificado, certificado e transitado em julgado, tratando-se do acórdão proferido pelo mesmo TRP, em 22.03.2017. no processo n.º 42/15.1T9FLG.P1, do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da comarca do Porto Este. inédito, tendo transitado em julgado em 06.04.2017, conforme certidão emitida por aquele Juízo sob a referência ......00.


8. Preenchidos os apontados pressupostos de ordem formal, impõe-se verificar agora do preenchimento dos seguintes ( b) pressupostos substanciais:


- Que dois acórdãos do STJ, das relações ou de uma das relações e do STJ, hajam sido proferidos no domínio da mesma legislação;


- Que a decisão de ambos os acórdãos, assente em soluções opostas para a mesma questão de direito, requisito este que se desdobra nos seguintes pressupostos ou requisitos, conforme vem sendo entendido na jurisprudência e na doutrina:


- Que ambos os acórdãos hajam decidido a mesma questão de direito;


- Que as decisões em oposição sejam expressas e não meramente tácitas ou implícitas;


- Que os dois acórdãos assentem em soluções opostas da mesma questão de direito e a partir de idêntica situação de facto.


- Que a oposição se verifique entre duas decisões e não entre meros fundamentos ou entre uma decisão e meros fundamentos de outra.


8. 1. Vejamos, então, da verificação dos enunciados pressupostos substanciais no caso concreto, começando por apreciar, antes de mais, se ambos os acórdãos decidiram a mesma questão de direito.


Não oferece quaisquer dúvidas a resposta negativa a tal questão, pois é manifesto que acórdão recorrido e acórdão fundamento não decidiram a mesma questão de direito, contrariamente à alegação de que as “(…) duas decisões, opostas, quanto à mesma questão de direito, devem ser fixados critérios para a interpretação e aplicação uniformes do direito, concretamente do artigo 36.º n.º 1 do Código Penal, procurando garantir a unidade do ordenamento penal e os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei”.2


É certo que ambos os acórdãos se debruçaram sobre o cometimento pelos recorrentes do crime de falsidade de testemunho pelo qual vinham condenados na primeira instância e de que pretendiam ser absolvidos.


Mas as questões neles suscitadas pelos recorrentes e decididas pelo TRP não são idênticas, de facto e de direito.


8. 2. Com efeito, no acórdão recorrido apreciou-se um recurso interposto pelo arguido da sentença da 1ª instância que o condenou pela prática de um crime de falsidade de testemunho, por “ao atuar da forma descrita, agiu de forma livre deliberada e consciente, com o propósito concretizado de não responder com a verdade às perguntas que lhe foram feitas enquanto testemunha ou depoimento que prestou em sede de audiência de julgamento que teve lugar no dia 24 de novembro de 2021 no processo n.º 143/18.4T9FLG, perante Tribunal Coletivo, ou em sede de inquérito, o que representou, apesar da expressa advertência que lhe foi previamente feita das consequências penais a que se expunha.


(…) com o fim de atentar contra a boa administração da Justiça, tentando viciar a decisão judicial”.


Suscitando as questões da (i) nulidade da sentença por falta de fundamentação – exame critico da prova artigo 374.º, n.º 2, do CPP, (ii) nulidade da sentença: alteração dos factos - artigos 358.º e 359.º do CPP, (iii) impugnação ampla da matéria de facto - artigo 412.°, n.º 3, do CPP: pontos 11, 12, 13, 14, 15 e 16 dos factos provados, e (iv) medida concreta da pena, todas julgadas improcedentes, sendo apenas na apreciação da questão da alteração dos factos que o TRP discorreu sobre as teorias objetiva e subjetiva, nos seguintes termos:


«Da nulidade da sentença: alteração dos factos - artigos 358.º e 359º do Código Processo Penal


O recorrente invoca ainda a nulidade da sentença, por ter condenado o arguido por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos art.s 358º e 359º, do Código Processo Penal.


Concretamente, o arguido argumenta que o aditamento levado a cabo na sentença, no facto provado 14, configura alteração substancial dos factos da acusação, determinando a reformulação do objeto do processo, com violação do princípio da vinculação temática, já que não foi sequer objeto de qualquer comunicação.


Vejamos, o que consta dos pontos 12º e 14ª


Da acusação


12. Perante a contradição do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento, após promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, foi pelo Meritíssimo Juiz Presidente determinada a extração de certidão para instauração de procedimento criminal contra o arguido AA.


14. O arguido AA ao atuar da forma descrita, agiu de forma livre deliberada e consciente, com o propósito concretizado de não responder com a verdade às perguntas que lhe foram feitas enquanto testemunha no depoimento que prestou em sede de audiência de julgamento que teve lugar no dia 24 de novembro de 2021 no processo n.º 143/18.4T9FLG, perante Tribunal Coletivo, o que representou, apesar da expressa advertência que lhe foi previamente feita das consequências penais a que se expunha.


Da Sentença


14. O arguido AA ao atuar da forma descrita, agiu de forma livre deliberada e consciente, com o propósito concretizado de não responder com a verdade às perguntas que lhe foram feitas enquanto testemunha ou depoimento que prestou em sede de audiência de julgamento que teve lugar no dia 24 de novembro de 2021 no processo n.º143/18.4T9FLG, perante Tribunal Coletivo, ou em sede de inquérito, o que representou apesar da expressa advertência que lhe foi previamente feita das consequências penais a que se expunha”.


A acusação e a sentença imputaram ao arguido a contradição, sobre o mesmo facto, entre o depoimento prestado em inquérito e no julgamento. Contudo, enquanto a acusação reportava o dolo da falsidade de testemunho ao momento do julgamento, a sentença fê-lo por referência alternativa ao julgamento ou ao inquérito.


Existe, claramente, uma alteração de facto e, por conseguinte, o tribunal a quo condenou por factos diversos dos descritos na acusação.


Sendo o mesmo o crime imputado na acusação e na sentença, sem ter havido uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (art.1º, al.f), do Código Processo Penal), fica afastada a aplicação do regime da alteração substancial previsto no art.359º, do Código Processo Penal.


Resta, então, saber se estamos perante uma alteração “com relevo para a decisão da causa”, pois só esta obriga à comunicação prevista no nº1, do art.358º, e a sua omissão impede a condenação por esse facto diverso, sob pena de nulidade da sentença, nos termos do art.379º, nº1, al.b), todos do Código Processo Penal.


Ora, vistos os factos descritos na acusação e na sentença, em ambas as decisões vem relatado que no dito processo n.º 143/18.4T9FLG o arguido em fase de inquérito prestou um depoimento sobre um dado facto, e na audiência de julgamento prestou um depoimento contrário.


Resulta e resultou para decisão recorrida que no mesmo processo, embora em fases distintas, o arguido prestou um depoimento falso, ainda que não se saiba se o foi em inquérito ou no julgamento, o que sempre levaria ao afastamento da subsunção da conduta ao tipo mais grave do art. 360.º-3 Código Penal (depoimento em audiência), por não se ter provado que tenha sido esse o depoimento falso.


Daí poderá decorrer que, não se sabendo qual é o depoimento falso, o arguido deve ser absolvido do tipo de ilícito base (art.360º, nº 1) ?


Porque prestados dois depoimentos, estando um depoimento em oposição ao outro, se algum deles for verdadeiro o outro será falso. Sendo antagónicos, pelo menos um dos depoimentos é naturalmente falso.


A hipótese transporta-nos para o problema de saber se se verifica a falsidade, elemento chave do tipo-de-ilícito em questão, “nos casos em que uma testemunha presta sucessivamente depoimentos claramente contraditórios entre si, sem que todavia se logre apurar a efectiva realidade objectiva sobre a qual se pronunciou e nessa medida sem que haja total segurança sobre em qual das vezes faltou à verdade” .


De acordo com a jurisprudência que julgamos dominante, perante duas declarações antagónicas no mesmo processo, não interessa saber para preenchimento do tipo de ilícito (base) qual é o depoimento falso.


Saber qual o ato integrador do falso depoimento – data do facto – apenas releva para determinação do momento da consumação do crime, mas não é requisito necessário ao preenchimento do tipo, sem prejuízo de uma delimitação temporal mínima, que no caso ocorre.


Não releva para preenchimento do elemento típico da falsidade a relação entre aquilo que a testemunha tiver deposto e a realidade objetiva (critério objetivo), mas a relação entre o depoimento feito e a ciência ou conhecimento dos factos que a testemunha tiver realmente adquirido (critério subjetivo).


De resto, a prova desta falsidade deverá fazer-se no processo em que a testemunha é julgada pelo crime de falsidade de testemunho e não por referência a realidade objetiva provada no processo em que prestou depoimento falso.


Ora, dúvidas não existem sobre a realidade do facto ilícito em apreciação, qual seja a existência de um depoimento falso. Ocorreu falsidade da declaração proferida pela testemunha no processo judicial, no qual os depoimentos contraditórios incidiram sobre a mesma realidade, não obstante aquele meio de prova visar a realização da justiça no caso concreto.


Era dever da testemunha, no processo, prestar um depoimento verdadeiro e completo – cfr. art. 348.º, 138.º-3 e 91.º Código Processo Penal.


No referido processo, a testemunha, ora arguido, faltou à verdade e, assim, não cumprindo o seu dever, violou aquele imperativo legal, pondo em causa o bem jurídico protegido.


Nas declarações sucessivas contraditórias de uma testemunha ocorre a falsidade de depoimento no sentido previsto pelo tipo objetivo de ilícito previsto no n.º 1 do art.360.º do Código Penal, devendo a comportamento da testemunha ser perspetivado na sua globalidade, unitariamente e em toda a sua amplitude ao longo do processo e não de forma fracionada.


Para aferir da falsidade do testemunho deverão apreciar-se os depoimentos globalmente, isto é, consubstanciada a conduta da testemunha na prestação de várias declarações ao longo do processo (como uma unidade de ação) e não perspetivada individualmente nas diversas fases processuais.


Em conclusão, ao preenchimento do tipo de crime, pelo qual o arguido foi condenado, é indiferente o momento processual em que ocorreu a falsidade do testemunho, entendida esta num critério subjetivo, acompanhada do conhecimento e vontade correspondente.


A nota decisiva da falsidade relaciona-se com o interesse em que o depoimento prestado perante o tribunal se assuma como verdadeiro e confiável para que seja suscetível de ser levado em conta na decisão judicial, permitindo ao tribunal cumprir justamente o seu dever de administrar a justiça.


Dizer-se, com os defensores da teoria objetiva, que se não se chega a apurar qual o depoimento falso, não se determina a conduta criminosa, seria branquear uma flagrante violação do interesse na realização ou administração da justiça (bem jurídico protegido) nos casos em que, sabendo-se que a testemunha mentiu, não se conseguiu provar em que momento ela faltou à verdade.


Seria o mesmo que inocentar o Senhor A, conhecido agente do crime, que tendo subtraído um relógio na casa do vizinho, numa das duas vezes que ali o visitou, não se apurou em qual delas o furtou.


Ora, para que a testemunha pratique o crime basta que tenha prestado falso depoimento, ainda que o depoimento nunca chegue a influenciar a decisão do juiz.


A prestação do depoimento falso implica já a violação do bem jurídico protegido (interesse na realização da justiça), no caso consistente na segurança e na credibilidade do tráfico probatório, máxime da prova testemunhal.


Mas, devendo o arguido ser condenado pelo tipo base (menos grave), como aqui se defende, o momento da falsidade é também irrelevante para a determinação das consequências jurídico penais do seu comportamento global ao longo do processo.


Na perspetiva que vimos seguindo, o desvalor subjetivo do tipo de ilícito em causa centra-se, quer na acusação, quer na sentença ora recorrida, no propósito concretizado de não responder com a verdade às perguntas que lhe foram feitas enquanto testemunha ou depoimento que prestou no processo n.º 143/18.4T9FLG e não especificamente em sede de audiência de julgamento que teve lugar no dia 24 de novembro de 2021.


De resto, a modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia só integra o conceito normativo de alteração não substancial quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, vista em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa.


No conspecto que importa ter em conta, a alteração de um facto, rectius a data a que se reporta o dolo da falsidade, resulta textualmente do confronto da acusação com o conteúdo factual da sentença.


Contudo, o arguido contestou alegando, sem mais, não corresponder integralmente à verdade o que consta da douta acusação, oferecendo o merecimento dos autos e o que resultar da audiência de discussão e julgamento.


Atenta a contestação tabelar apresentada, não se vê como aquela alteração possa ter limitado o efetivo e consistente direito ao contraditório e defesa em geral do arguido provocado pelo apontado alargamento da atividade cognitiva e decisória do tribunal a quo.


De resto, o arguido não concretiza em que medida essa alteração (não previamente comunicada) se traduziu numa diminuição do seu direito de defesa, não bastando aventá-lo de forma genérica para convocar, de forma conveniente, a aplicação do regime previsto no art.358º, e o vício do art.379º, nº1, al.b), ambos do Código Processo Penal.


Sem que o arguido invoque que concretos argumentos jurídicos e/ou meios de prova que podia ter oferecido em resultado da alteração não substancial apresentada, nem se vislumbre que essa modificação tenha agravado as concretas consequências jurídico penais da conduta pela qual foi condenado, não é de reconhecer para efeitos do disposto no art.358º, nº1, do Código Processo Penal, que aquela alteração teve relevo para a decisão da causa, por ser suscetível de influenciar a estratégia e utilidade da defesa.


Não ocorre violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República, quando na acusação se via globalmente descrito o comportamento contraditório da testemunha nos depoimentos que apresentou ao longo do processo (vendo agora esse facto vertido, sem surpresa, na sentença), a mais que constantes ou decorrentes dos meios de prova documental ali indicados, a saber: Certidão referente ao processo judicial n.º 143/18.4T9FLG, de fls. 4 a 13; - Certidão referente ao processo judicial n.º 143/18.4T9FLG, de fls. 28 a 54; - Transcrição integral do depoimento do arguido, de fls. 58 a 78; e -CRC, de fls. 95 a 97 verso.


Por conseguinte, não existe alteração quer substancial quer não substancial (relevante) dos factos descritos na acusação pública, pelo que não se verifica a apontada nulidade.».


Ou seja, limitada apenas à questão da alteração substancial ou não substancial (relevante) dos factos da acusação pela sentença recorrida e, ainda assim, como elemento argumentativo, fundamento, se quisermos, adjuvante dos demais convocados para afastar a sua verificação e qualquer nulidade da sentença que dela pudesse resultar.


8. 3. Por seu turno, o acórdão fundamento, também do TRP, não apreciou aquelas normas dos artigos 358.º e 359.º do CPP, conjugadas com o artigo 379.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma legal.


Nele estava em causa o conhecimento de um recurso interposto pela arguida da condenação, como autora material e na forma consumada, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.°, n.°s 1 e 3, do CP, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 1.000,00 (mil euros), que lhe tinha sido imposta no processo pelo Juízo Local Criminal ..., por referência ao processo-cível n.º 315/14.0..., em cuja audiência de julgamento prestou depoimento como testemunha.


Recurso no qual foram suscitadas as questões da (i) impugnação da matéria de facto e (ii) qualificação jurídica dos factos.


E o TRP, antecipando a conclusão de que os factos provados não integravam todos os necessários elementos objetivos do crime de falsidade de testemunho, começou por conhecer da segunda questão, por prejudicar a apreciação da primeira.


Avançando, depois de transcrever a matéria de facto provada na sentença recorrida, para a apreciação de tal questão, nos seguintes termos:


«3. Apreciando


Analisemos, então, se a materialidade fáctica apurada integra os elementos objectivos do mencionado tipo legal de crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360° n°s 1 e 3 do Código Penal.


Salvo o muito devido respeito por opinião contrária, entendemos que não.


Vejamos, pois.


Desde já, pela leitura da dada como provada materialidade do ponto n° 3, ali descrita como sendo factos - "relatou uma versão dos factos falsa" e "bem sabendo que as respostas às perguntas que lhe foram efectuadas, nomeadamente, pelo Tribunal não correspondiam à verdade" não configuram, a nosso ver, factos materiais, nus e concretos, evidenciadores de uma determinada realidade, mas antes conclusões, ainda por cima nelas sendo inserido um conceito estritamente jurídico plasmado, precisamente, no próprio normativo incriminador.


No que ao caso releva, o crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360°, n° 1 e 3 do Código Penal é cometido por «quem, como testemunha ... perante tribunal… competente para receber como meio de prova, depoimento ... prestar depoimento ... falso, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias", sendo que nos termos do n° 3 de tal normativo, a punição surge agravada para prisão até cindo anos ou multa até 600 dias se tal depoimento for prestado depois de ter sido prestado juramento.


Ora, ao subsumir aquela primeira parte do ponto 3 da matéria de facto perante o citado artigo 360° n° 1, facilmente se conclui, que a expressão ""relatou uma versão dos factos falsa"" corresponde no essencial, quase, ipsis verbis, àquela expressão normativa.


A isso ainda acresce que a matéria que consta no ponto n° 4, como sendo um facto - "Assim ficou provado que a arguida BB mentiu na versão dos factos que apresentou em sede de audiência de discussão e julgamento" - também não configura, a nosso ver, um facto material e concreto, mas antes, e uma vez maís, uma conclusão.


E ainda mais acresce que, antes da alusão fáctica aos elementos subjectivos do tipo (o que, já aí sem mácula, ocorre nos pontos 7 a 9), novamente surge mais uma conclusão e é empregue o conceito jurídico "falso" no ponto 6 quando se diz: "A arguida BB prestou um depoimento ... falso."


É certo que nem sempre é fácil distinguir as questões de facto das questões de direito.


Não sendo este o local para esclarecimento exaustivo desta questão, sempre se poderá afirmar que há uma «questão de facto» quando se procura reconstituir uma situação concreta ou um evento do mundo real e há uma «questão de direito» quando se submete a tratamento/enquadramento jurídico a situação concreta reconstituída. Isto implica que o «facto» não pode incluir elementos que a priori contenham implicitamente a resolução da questão concreta de direito que há a decidir (cfr. , neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães de 30.11.2015, Proc. 1856/08.4TABRG.G1, in www.dgsi.pt)


Só são "factos materiais as ocorrências da vida real, os eventos materiais e concretos, as mudanças operadas no mundo exterior, que podem ser conhecidas sem referência a qualquer critério fixado pela ordem jurídica" - Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, tomo III, pag. 80, em anotação ao art. 511.


Afirmar que alguém "relatou uma versão dos factos falsa" e "Assim ficou provado que a arguida BB mentiu na versão dos factos que apresentou em sede de audiência de discussão e julgamento" é, não só, formular juízos de valor que pressupõem o conhecimento duma situação fáctica que deve ser previamente concretizada/objectivada, mas, também, incluir nesse juízo a resposta da questão a decidir, limitando-lhe ou traçando-lhe o destino.


Por isso, desacompanhadas das premissas tácticas que lhes pudessem servir de base, tais expressões, porque conclusivas e de direito ter-se-ão que considerar por não escritas.


Nessa decorrência, concatenando a "verdadeira" factualidade que foi dada como provada, em lado algum da mesma resulta evidenciado qual era a concreta realidade em relação à qual a arguida mentiu ou possa ter mentido.


Com efeito, no ponto 3 - depois de expurgadas as conclusões e termos de direito que nele constavam - apenas resulta ser feita alusão ao pedido e à causa de pedir que constava da petição inicial daquele Processo n° 315/14.0... referido no ponto 1.


Em seguida, do ponto 4, extrai-se o que terá dito a arguida (enquanto testemunha) na audiência de julgamento daquele mesmo Processo n° 315/14.0..., versão essa que, conforme decorre da factualidade ali mencionada, terá sido ao arrepio da versão das demais testemunhas e dos documentos juntos naquele processo.


Todavia, em lado algum da demais factualidade dada como provada nos presentes autos consta mencionada qual foi a verdade objectiva para daí se poder conclusivamente afirmar que a arguida tenha prestado um depoimento falso ou que tenha mentido.


Da factualidade dada como provada é dito que a arguida "mentiu", "prestou depoimento falso", etc.


Mas em relação a quê?


Qual a realidade objectiva/concreta em relação à qual a arguida mentiu?


É dito que na audiência de julgamento daquele processo, enquanto testemunha, ao prestar declarações, a aqui arguida terá referido "foi a própria que pagou a quantia de cerca de 5.386,70€, no dia 22/08/2011, à requerente, bem como o fez porque tinha 4.000.00€, em numerário, em casa para as férias e que utilizou tal dinheiro e pediu emprestada a quantia superior a 1.000,00 ao patrão do requerido, que lhe emprestou tal quantia"


Mas da factualidade dada como provada não resulta que não tivesse pago, nem muito menos resulta que aquela requerente não tivesse recebido tal dinheiro (ou parte dele).


Salvo o muito devido respeito por opinião contrária, era necessário ter ficado apurado/demonstrado que esse alegado pagamento não tivesse correspondido à realidade. Para se afirmar que um facto (neste caso o declarado num depoimento) é falso seria necessário evidenciar qual a realidade objectiva existente para, a partir desta se poder concluir por aquela afirmação. A realidade ou verdade objectiva (não fixada na factualidade dada como provada) seria uma das premissas básicas para se poder vir a concluir que a arguida tivesse mentido ou prestado depoimento falso.


Tal como defende a recorrente, não se mostram preenchidos todos os elementos típicos do crime de falsidade de testemunho».


Só após esta correção eliminatória dos factos assentes, por serem conclusivos ou conceitos de direito, e consequente conclusão afirmativa do não preenchimento pela matéria de facto restante dos elementos típicos do crime de falsidade de testemunho é que o acórdão, citando Medina Seiça, discorre sobre as teorias subjetiva e objetiva que a propósito desse crime se disputam na doutrina e na jurisprudência, optando pela objetiva e concluindo como segue:


«Por outras palavras: não tendo sido fixada a verdade objectiva, inexiste termo de comparação para se poder afirmar que o declarado pela arguida (enquanto testemunha) fosse falso.


Assim, os factos provados (aliás, idênticos aos que já constavam da própria acusação constante de fls. 103 a 104v°, acusação essa que já sofria da mesma patologia), com o expurgo feito, não têm aptidão para preencherem o crime de falsidade de testemunho, tipificado no n° 1 do art. 360° do Código Penal, ficando por conseguinte prejudicada a análise da outra questão primeiramente enunciada.


Nesta conformidade, e sem mais desenvolvidas considerações, por desnecessárias, impõe-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e absolver a arguida da prática do aludido crime».


Ou seja, só após o expurgo da matéria de facto conclusiva ou consubstanciadora de conceitos jurídicos, se concluiu pelo não preenchimento dos elementos típicos do crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360.º, n.º 1, do CP,


9. Por conseguinte, as decisões em confronto não conheceram nem decidiram a mesma questão de direito:


- Seja quanto à identidade das normas jurídicas em apreço – no acórdão fundamento, a do artigo 360.º, n.º 1, do CP – no acórdão recorrido, as dos artigos 358.º, 359.º e 379.º, n.º 1, al. b), do CPP;


- Seja quanto à identidade da situação de facto subjacente – no acórdão fundamento, um único depoimento prestado pela testemunha em audiência de discussão e julgamento em ação cível afirmando a efetivação do pagamento de uma dívida cuja não realização ficou por demonstrar – no acórdão recorrido, dois depoimentos contraditórios prestados pela mesma testemunha em momentos e fases diferentes de um processo penal.


Decisões entre cujos fundamentos ambas incluíram o da necessidade ou não de a falsidade do testemunho se aferir em função da realidade histórica processualmente fixada, em conformidade com as teses objetiva ou subjetiva doutrinária e jurisprudencialmente disputadas, alinhando o acórdão fundamento com a primeira e o acórdão recorrido com a segunda, mas, num e noutro caso, a título instrumental ou adjuvante dos demais argumentos, que, só por si, conduziriam ao mesmo resultado


É, assim, inquestionável a insubsistência da alegação do recorrente de que no acórdão recorrido e no acórdão fundamento se apreciou e decidiu a mesma questão jurídica e patente a não verificação da oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito, que o artigo 437.º impõe, cumulativamente com os demais, como fundamento do recurso de fixação de jurisprudência.


Consequentemente, o presente recurso deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 441.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, ex vi do artigo 448.º, todos do CPP.


III. DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se nesta Secção criminal do STJ:

- Em rejeitar o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA;

- Condenar o recorrente numa importância de 3 (três) UC, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, CPP, a nas custas devidas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3, e 524.º do CPP, e, 1.º, 2.º, 3.º, 6.º e 8.º, n.º 9, e tabela III, anexa, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02).

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Lisboa, d. s. c.

(processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos Juízes Conselheiros)

João Rato (Relator)


Jorge Gonçalves (Adjunto)


Jorge dos Reis Bravo (Adjunto)





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1. Ver, por todos, Pereira Madeira, em anotação aos citados artigos, no “Código de Processo Penal Comentado”, de António Henriques Gaspar [et al], 3ª Edição Revista, Almedina, 2021.↩︎

2. A norma em causa é a do artigo 360º, n.º 1, do Código Penal e não a referida neste excerto da 5ª conclusão do recurso, por manifesto lapso de escrita.↩︎