Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.º SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO AUGUSTO MANSO | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA PENA PARCELAR RECURSO ADMISSIBILIDADE PENA ÚNICA | ||
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Data do Acordão: | 06/11/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário : | I. Especificidades do crime de violência doméstica são, a especial relação de proximidade – conjugal, familiar ou análoga -, presente ou pretérita, entre o agente e a vítima e a “pluralidade” ou “complexidade” do bem jurídico protegido, que pode, também, ser ofendido por uma diversidade de condutas a que se refere a previsão legal, por acção ou omissão. II. De modo que, condutas que, individualmente consideradas, podem enquadrar o crime de ofensa à integridade física, ameaça, coação ou perseguição, como defende o arguido, quando cometidos por agente contra vítima a quem se encontra ou esteve ligado por relação conjugal, familiar ou análoga, com o objectivo de exercer sobre ela uma posição de domínio, diminuindo-a e desconsiderando-a, integram o crime de violência doméstica, previsto no art.º 152º do Código Penal, sendo por este puníveis. III. Por razões ligadas à pessoa atingida (menor) ou ao espaço em que os actos são praticados, o n.º 2 do art.º 152º do Código Penal, prevê a elevação do mínimo da moldura penal, ou seja, um crime de violência doméstica agravado. IV. Integra, assim, a previsão do artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2 al. a) do Código Penal, a conduta do arguido que, após uma relação de namoro com a vítima que durou entre o verão de 2021 até data não apurada, anterior a 11.12.2023, que a ofendida fez cessar e o arguido não aceitava, entre esta data de 11.12.2023 e 30.01.2024, em pelo menos sete dias, alguns de manhã e de tarde, o arguido, além do mais, forçou a vítima a atendê-lo senão, “desferia pontapés na porta da habitação da vítima”, “empurrou-a e forçou a entrada nesta contra a vontade da vítima”, na presença dos filhos, sendo 2 menores, dizia-lhe que “tinha de o respeitar”, que “não podia namorar durante um ano”, “forçou-a a entrar no veiculo dele e transportou-a ao local de trabalho”, durante o período de trabalho enviou-lhe dezenas de mensagens, fez dezenas de chamadas, ameaçava a vítima senão lhe atendesse as chamadas, dizendo-lhe que estava “a ficar cego”, “quando saíres vais ver”, “não vais trabalhar de tarde” “agarrou-a junto da escola da filha e puxou-lhe a lancheira de que se apoderou”, agindo sempre com o propósito de molestar a ofendida na sua integridade física e psíquica e de lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal, o que tudo conseguiu, pois molestou a ofendida, sua ex-namorada, na sua integridade física e saúde, bem como lhe causou sofrimento psíquico, mercê da humilhação, medo, nervosismo e constrangimento a que a expôs, atento o seu comportamento. V. A intensidade e persistência da conduta do arguido, revela uma demonstração de superioridade em relação à sua ex-namorada, que visava desprezar, diminuir e mesmo vexar e humilhar, não admitindo ver cessada a relação por iniciativa desta, reagindo de forma desajustada, violenta, com ofensas, ameaças, perseguição permanente, na tentativa de impor a sua vontade e reverter a situação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, 1.Relatório 1.1.Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal de ...-J..., sob acusação do Ministério Público, foi submetido a audiência de julgamento o arguido AA, devidamente identificado nos autos e, no final da mesma, por acórdão de 23 de Janeiro de 2025, foi decidido: - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152 n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão. - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art.º 21 n.º 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22.01, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão. - Condenar o arguido AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86 n.º 1 c) da Lei 5/2006 na pena de 1 ano e 3 meses de prisão. - Em cúmulo jurídico condenar o arguido AA na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão. - Absolver o arguido da prática do crime autónomo de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86 n.º 1 e) da Lei 5/2006. - Condenar o arguido AA a pagar á ofendida BB a quantia de 1000€ (mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescidos de juros contados desde a data desta decisão até pagamento. - Julgar parcialmente procedente o requerimento de liquidação de património deduzido pelo Ministério Público nos termos da Lei 5/2002, de 11.01 contra o arguido AA e em consequência declarar que o valor do património do arguido que deve ser perdido a favor do Estado é de 36.892,69€ (trinta e seis mil, oitocentos e noventa e dois euros e sessenta e nove cêntimos), condenando o arguido no pagamento desse montante ao Estado no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão. * - Objectos -Declaram-se perdidos a favor do Estado: - Todos os produtos estupefacientes apreendidos nos presentes autos, assim como os demais objectos, descritos no facto 34., ordenando-se a sua destruição nos termos do disposto nos arts. 35.º e 62.º, ambos do DL 15/93, de 22.01; - O telemóvel marca Xiaomi, atento o seu uso no âmbito da actividade de tráfico de estupefacientes, como resulta do seu conteúdo espelhado no Relatório Forense e respectivos DVS, nos termos do disposto nos arts. 35.º do DL 15/93, de 22.01; - Os 4.400€ + 245€, nos termos do disposto no arts. 36 do DL 15/93, de 22.01; - A arma e munições apreendidas nos autos, bem como a caixa ou sacos onde estavam acondicionadas (art.º 109 Código Penal) -Levanta-se a apreensão: - do telemóvel Oppo, que será devolvido ao arguido.” (…) 1.2. Inconformado com esta decisão, dela vem o arguido AA, interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando, a final, as seguintes conclusões (transcrição): “1- Foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, necessariamente efetiva na sua execução. 2- Não se conformando recorre apenas de questões de direito, que expõe infra. - Da falta de verificação dos requisitos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica - Da falta de verificação da qualificativa do crime de violência doméstica - Da errada subsunção jurídica dos factos dados como assentes - Da excessividade das penas parcelares - Da excessividade da pena única aplicada 3- O tribunal a quo dá como assente que o arguido num período circunscrito de dias, com especial incidência no final de Dezembro de 2023 (a partir de dia 11) sistematicamente enviou mensagens, apareceu junto da sua residência, local de trabalho, e locais de passagem ou interesse com vista a persistir junto da ofendida pelo reatamento da relação. 4- O tribunal a quo dá ainda como assente que o relacionamento entre ambos era conflituoso, marcado por tumultos, crises de ciúmes, separações e reatamentos do relacionamento. 5- No ponto 11 dos factos dados como provados o tribunal a quo dá como assente que num momento de discussão (entre ambos), os arguidos berravam mutuamente um com o outro, sendo que posteriormente (facto 12) a ofendida desferiu socos no veículo automóvel do arguido ao ponto de rachar o vidro do para brisas ( e o retrovisor). 6- Os factos assentes pelo tribunal, revelam precisamente o dado como provado, uma relação tumultuosa, conflituosa, o que na gíria é apelidado de relação “tóxica” 7- É certo que o arguido teve neste período de tempo limitado, uma série de comportamentos impróprios, inadequados, deselegantes como persistir no envio de mensagens, aparecer nos locais da ofendida e bater à porta. 8- Contudo, esses comportamentos, embora não sejam justificáveis com a “ânsia do amor”/o reatamento da relação, à luz das regras da experiência comum e do normal acontecer configuram como bastante verosímil que a real intenção do arguido fosse precisamente o reatamento do relacionamento (basta atentar ao modo particular e peculiar como ambos pautavam a sua relação com términus e reatamentos constantes), o que foi corroborado pelas declarações prestadas pelo arguido. 9- S.m.o. entende-se que a conduta praticada pelo arguido não assume a qualificação jurídica que o tribunal a quo logrou obter mas sim assumirá quanto muito um crime de perseguição, p.e.p pelo artigo 154º-A 10-Entende-se que os fundamentos aduzidos pelo tribunal na motivação que levou a cabo são enquadráveis quanto muito num crime de perseguição, pois tal como supra descrito a conduta de perseguição pode ser reiterada, causar inquietação ou temor, e comprometer a saúde emocional de qualquer ofendida. 11-Nestes termos deve o arguido ser absolvido da prática do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado, atendendo a que a conduta por si praticada não preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica 12- Entende-se também que face à vontade/motivação demonstrada pelos comportamentos reiterados do arguido (em reatar o relacionamento e não em maltratar a vítima) que o mesmo deve também ser absolvido da prática do crime de perseguição, de todo modo inexiste queixa crime apresentada pelo que o resultado final importaria sempre a absolvição do arguido. 13- Entende-se que as medidas das penas parcelares dos crimes de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida devem ser diminuídas no seu quantum, porque são excessivas e desproporcionais aos factos aqui em apreço, devendo ser reajustadas para 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão quanto ao crime de tráfico de estupefacientes e 12 (doze) meses de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida. 14- O arguido confessou praticamente todos os factos dados como provados (em especial os referentes ao do crime de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida), demonstrou espírito crítico e interiorização do desvalor da sua conduta 15-O arguido dispõe de forte apoio social, familiar e encontra-se inserido profissionalmente (dispondo de possibilidade de retomar o exercício laboral) 16- O arguido encontra-se privado de liberdade há período de tempo significativo, é possível efetuar um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro 17- Atendendo à diminuição do quantum da pena a deliberar (pela alteração da qualificação jurídica ou pela absolvição do crime de violência doméstica), e /ou pela diminuição do quantum das penas parcelares importa reformular o cúmulo jurídico a efetuar, entendendo-se que deve operar um cúmulo jurídico que não ultrapasse os 5 anos de prisão e cominar uma pena que seja suspensa na sua execução 18- Em alternativa e caso o tribunal entenda que o cúmulo jurídico a efetuar ultrapasse os 5 anos, a pena a cominar não deve exceder na sua globalidade os 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses. 19- Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso proceder e em virtude retirarem-se as devidas ilações legais. * Normas jurídicas violadas, a saber art.º 152 n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código Penal 70º e 71º do C.P” 1.3.O Ministério Publico, pelo Senhor Procurador da República, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência. 1.4.Neste Supremo Tribunal o ilustre Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 1.5.Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2 CPP, não sendo junta resposta. 1.6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP. Decidindo, 2.Fundamentação 2.1.Factos A matéria de facto apurada constante do acórdão recorrido é a seguinte, (transcrição): “II – Fundamentação 2.1. – Motivação de facto 2.1.1. – Factos Provados (expurgados das alusões genéricas ou conclusivas) Discutida a causa, provou-se, com interesse, que: 1. O arguido AA e BB mantiveram uma relação de namoro desde o Verão de 2021 até dia não apurado de Dezembro de 2023, mas anterior a 11 de Dezembro, pernoitando o arguido em casa da ofendida, sita na Rua ..., na ..., com uma frequência quase diária. 2. Com a ofendida residiam os seus três filhos, de anteriores relacionamentos, nascidos em ........2007 (CC), ........2005 (DD) e ........2021 (EE). 3. Em data indeterminada, anterior a 11 de Dezembro 2023, o arguido tomou conhecimento que a ofendida manteria outro relacionamento. 4. No dia 11 de Dezembro de 2023, pelas 7h20m, o arguido dirigiu-se à habitação da ofendida, e bateu à porta; como a ofendida não abriu, começou a desferir pontapés na porta, o que levou a BB acabasse por abri-la. 5. Assim que a ofendida abriu a porta, o arguido empurrou-a, forçando a entrada, e introduziu-se na habitação sem o consentimento dela. 6. O arguido solicitou à ofendida que se vestisse e descesse, uma vez que iria esperar para falarem. 7. No interior da habitação, para além da ofendida, estavam as filhas desta, que se aperceberam da situação. 8. Pouco depois, a ofendida desceu, acompanhada da filha DD, e foi ao exterior falar com o arguido, que lhe disse que sabia que ela tinha um namorado e dizendo que ela tinha de o respeitar e que, durante um ano, não podia namorar com ninguém. 9. A ofendida regressou a casa e quando depois saiu, para o trabalho, o arguido, que ainda se encontrava no exterior do prédio à sua espera, agarrou-a pelo braço e meteu-a no seu veículo automóvel. 10. Nessa manhã o arguido transportou a ofendida ao seu local de trabalho, sito na Rua ..., no .... 11. Durante o trajeto o arguido e a ofendida discutiram e berraram um com o outro. 12. A ofendida, nesse dia, desferiu um murro no retrovisor da viatura do arguido, partindo-o e rachando também o vidro dianteiro (pára-brisas). 13. Nessa manhã, durante o período de trabalho da ofendida, o arguido passou o tempo todo a enviar-lhe mensagens através da aplicação Telegram, fez 15 chamadas através da mesma aplicação e 25 chamadas através da operadora de telecomunicações. 14. Nesse mesmo dia o arguido enviou à ofendida, entre outras, as seguintes mensagens: “Só te aviso, a porta está aberta. Se não responderes eu vou mesmo subir e bato à porta da casa. Olha que estou a ficar cego. Eu estou aqui e estás-me a pôr cego. Quando saíres vais ver. Já mandei mensagem ao teu novo amigo. Só para avisar. E quando chegares aqui fora não vais trabalhar da parte da tarde”. 15. Quando se aproximou a hora de saída do trabalho, por recear pela sua integridade física, uma vez que o arguido continuava no exterior à sua espera, a ofendida acionou a polícia para o local, pelas 13h10m. 16. No dia 12 de Dezembro de 2023, o arguido enviou mensagens à ofendida em que lhe dizia, recorrentemente, para atender os seus telefonemas, senão iria para a porta do seu local de trabalho. 17. À data o arguido encontrava-se de baixa médica e era conhecedor das rotinas da ofendida. 18. No dia 13 de Dezembro de 2023, cerca das 7h00, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e desferiu pontapés na porta do apartamento enquanto chamava por ela. 19. No dia 13 de Dezembro de 2023, pelas 17h50, o arguido deslocou-se às imediações da habitação da ofendida, aguardando que a mesma saísse de casa para a abordar e exigir que falasse com ele. 20. No dia 14 de Dezembro de 2023, cerca das 8h00, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e desferiu pontapés na porta do apartamento enquanto chamava por ela. 21. No dia 14 de Dezembro, pelas 16h15, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e desferiu pontapés na porta do apartamento enquanto chamava por ela. 22. No dia 28 de Dezembro de 2023, pelas 21h00, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e bateu à porta do apartamento, ausentando-se após a ofendida ter chamado a polícia. 23. No dia 29 de Dezembro de 2023, pelas 20h00, o arguido telefonou à ofendida quando se encontrava no exterior do prédio onde esta residia. 24. Como a ofendida não atendeu, o arguido enviou-lhe as seguintes mensagens: - Pelas 21h37: “Estou à tua porta anda cá abaixo senão vou eu aí em cima”. - Pelas 21h37: “Vais me fazer ir aí em cima”. - Pelas 21h37: Queres que vá aí”, não obtendo resposta. 25. No dia 30 de Janeiro de 2023, pelas 8h30, na Rua ..., na ..., ao levar o filho à escola, a ofendida foi abordada pelo arguido, que a agarrou, que lhe disse que tinha que ir com ele e que lhe puxou a lancheira, dela se apoderando. 26. A ofendida afastou-se entrando no uber que tinha à espera. 27. Com o comportamento supra descrito o arguido molestou a ofendida, BB, na sua integridade física e saúde, bem como lhe causou sofrimento psíquico, mercê da humilhação, medo, nervosismo e constrangimento a que a expôs, atento o seu comportamento. 28. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de molestar a ofendida, sua ex-namorada, na sua integridade física e psíquica e de lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal. 29. Bem sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. * 30. Em busca, realizada no dia 15 de Fevereiro de 2024, foi apreendida na residência do arguido, no seu quarto: - Uma arma de fogo curta, revólver de repetição, com depósito constituído por tambor, contendo várias câmaras, de percussão lateral, da marca “Reck”, modelo “Cobra”, de calibre nominal .22LR, acondicionada numa meia preta. - A arma apreendida sofreu alterações no cano, tendo-lhe sido retirado o travessão, podendo desta forma disparar munições de arma de fogo de calibre .22LR; originalmente o revólver era de calibre .22 Blanck e .22 Grenaille (shotsheel) com cano obstruído por um travessão, para interditar o uso de bala ou projétil único, tendo sofrido alterações mecânicas nos seus componentes essenciais, permitindo, dessa forma, efetuar disparos com munições de calibre diferente do calibre para o qual foi concebida. - A arma encontrava-se em razoável estado de conservação e apresentava condições mecânicas para efetuar disparos. 31. Foram igualmente apreendidas no quarto do arguido: - 10 (dez) munições da marca “SK – Jagd und Sportmunitions”, de calibre .22 Long Rifle, acondicionadas numa caixa própria, dentro de um saco de plástico, que se encontrava no gavetão da cama, constituídas por invólucro metálico, fulminante, carga propulsora e projétil em chumbo, de percussão anelar ou lateral. - Encontram-se em razoável estado de conservação e aptas a serem utilizadas em armas de fogo que utilizem este calibre. - Na gaveta da mesa de cabeceira, 15 (quinze) munições de arma de fogo de percussão central, constituídas por invólucro metálico, fulminante, carga propulsora e projétil em chumbo encamisado do tipo FMJ, sendo 14 do calibre 7,62x39 mm, sem qualquer referência a marca ou origem, e uma do calibre 7,62x51 mm Nato, fabricada na “Fábrica Nacional de Munições (FMN) e origem portuguesa, concebida com especificações da NATO. - Estas munições encontram-se em razoável estado de conservação e aptas a serem utilizadas em armas de fogo que utilizem este calibre. 32. No quarto do arguido foram igualmente apreendidas: - Duas placas de produto vegetal prensado com o peso líquido de 194,939 gr., sendo a canábis (resina) a substância activa presente, com um grau de pureza de 29,0 %, correspondente a 1130 doses diárias; - Uma placa de produto vegetal prensado com o peso líquido de 88,075 gr., sendo a canábis (resina) a substância activa presente, com um grau de pureza de 12,3 % e correspondente a 216 doses diárias. - Um saco de plástico contendo 831 comprimidos, com o peso líquido de 138,226 gr., sendo a MDMA a substância activa presente, com um grau de pureza de 16,4 % e correspondente a 226 doses diárias; - Seis plásticos contendo um pó com o peso líquido de 735,350 gr., sendo a cocaína (cloridrato) a substância activa presente, com um grau de pureza de 80,4 % e correspondente a 2956 doses diárias; - Três plásticos contendo um pó com o peso líquido de 1679,014 gr, sendo a cocaína (cloridrato) substância activa presente, com um grau de pureza de 81,2 % e correspondente a 6816 doses diárias; 33. Foram também apreendidos ao arguido 4.400,00 € (quatro mil e quatrocentos euros) em notas do BCE; 34. Foram ainda apreendidos ao arguido, encontrados no seu quarto: - Diversos artigos para confecção de produto estupefaciente, designadamente bacias em plástico, copos de papel e de plástico, pipeta de plástico, X-ato, embalagens em plástico para acondicionamento de produto estupefaciente, facas de cozinha e duas balanças de cozinha, todos apresentando resíduos de cocaína e/ou haxixe; - Um rolo de película aderente transparente; - Um rolo de papel vegetal; - Uma prensa com macaco hidráulico e um aparelho de embalagem; - Um telemóvel da Marca “Xiaomi”; - Um telemóvel da marca “Oppo”; - A quantia de 245,00 € (duzentos e quarenta e cinco euros) em notas do BCE, que o arguido tinha na carteira pessoal. 35. O arguido destinava os produtos estupefacientes que lhe foram apreendidos à venda e cedência a terceiros a troco de dinheiro. 36. As quantias em dinheiro que o arguido detinha, apreendidas à ordem dos presentes autos, era proveniente do tráfico e venda ilícita de substâncias estupefacientes. 37. O arguido, agindo de forma livre, deliberada e consciente, deteve, conservou e destinou à venda os referidos produtos estupefacientes sem qualquer autorização legal. 38. O arguido tinha perfeito conhecimento das características dos produtos que ilicitamente detinha, bem sabendo que a sua posse e venda ou cedência, a qualquer título, a terceiros não lhe era legalmente permitida. 39. O arguido estava ciente de que a arma de fogo que lhe foi apreendida era proibida e que, nessas circunstâncias, não a podia deter. 40. O arguido não era titular de licença que autorizasse a detenção das munições para armas da classe C que lhe foram apreendidas, bem sabendo que não podia detê-las nessas circunstâncias. 41. Quis ter na sua posse as referidas arma e munições, apesar de estar ciente das suas características e potencialidades e de saber que era proibida a sua detenção. 42. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Condições de vida 43. O processo de desenvolvimento de AA decorreu em ..., concelho da ..., inserido no seu agregado familiar de origem, constituído pelos pais e sete irmãos, até aos 8 anos de idade, altura em que os progenitores se separaram. 44. O agregado familiar passou a residir junto da figura materna na Urbanização do ..., na ..., mantendo o arguido contacto com o pai. 45. Iniciou percurso escolar em idade regular, tendo concluído o 9.º ano de escolaridade aos 18 anos de idade, com registo de um percurso caracterizado por desinteresse e absentismo escolar. 46. Seguiu-se a integração no mundo laboral, através de empresas de trabalho temporário, passando a concretizar trabalho com contrato efectivo desde Dezembro de 2018 na empresa MA.... 47. À data dos factos aqui em apreciação o arguido encontrava-se a residir alternadamente em casa da mãe, de amigos e do pai; mantinha-se como assistente operacional na empresa MA..., correspondendo-lhe o vencimento mensal aproximado de 1000€ (quando não em baixa médica). 48. As suas rotinas eram orientadas em função do trabalho que desenvolvia, como treinador de futsal e do convívio com amigos, conservando com os familiares de origem um relacionamento afetuoso e de interajuda. 49. Em período anterior ao da sua reclusão (foi detido em Fevereiro de 2024), o arguido esteve de baixa médica, apresentando-se mais desorganizado a nível pessoal, tendo procurado apoio especializado, com frequência de consultas de Psiquiatria no Hospital 1, assim como acompanhamento em consulta de Neurologia no Hospital 2. 50. O arguido iniciou o consumo de cocaína e MDMA e outras substâncias aditivas por volta de Dezembro de 2023. 51. Após a sua detenção, em Fevereiro 2024, a aqui ofendida BB visitava o arguido no estabelecimento prisional, situação que não mantém desde Julho 2024. 52. O relacionamento que foi mantido entre arguido e ofendida era visto, pelos próprios e por familiares, como disfuncional, caraterizado pelos conflitos provocados por ciúmes e separações recorrentes. 53. No EP o arguido encontra-se inativo e foi alvo de sanção disciplinar por posse de telemóvel. 54. Beneficia de visitas regulares dos familiares de origem. 55. O arguido não tem antecedentes criminais. 56. Admitiu parte dos factos e revelou-se arrependido. 57. Era estimado no clube de futsal onde era treinador de jovens Liquidação de património incongruente 58. AA foi constituído arguido nestes autos no dia 15 de Fevereiro de 2024. 59. Entre 15.02.2019 e 31.12.2023 o arguido obteve um rendimento líquido de 45.422,00 € (quarenta e cinco mil quatrocentos e vinte e dois euros), proveniente de trabalho dependente. 60. O arguido não obteve, entre 2019 e 2023, outros rendimentos lícitos de trabalho dependente ou de outras fontes lícitas, ressalvado o descrito infra. 61. Entre 15.02.2019 e 31.12.2013 o arguido foi co-titular das contas bancárias PT.....................53 (BPI) e PT.....................05 (BCP) e titular da conta PT.....................09 (CGD). 62. Nestas contas bancárias os movimentos a crédito, depois de expurgadas das situações de estorno, movimentações entre contas tituladas ou co-tituladas pelo arguido, créditos bancários, indemnizações de seguradoras e prémios de jogo, ascenderam a € 91.049,69 € (noventa e um mil quarenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos). 63. O arguido recebeu na sua conta BCP as seguintes transferências, por MBway, provindas de FF, referentes a prenda de Natal e a pequenos empréstimos solicitados pelo arguido: - 08.08.2022: 20€; - 15.08.2022: 10€; - 03.10.2022: 20€; - 05.10.2022: 10€; - 12.10.2022: 10€; - 14.10.2022: 5€; - 01.11.2022: 10€; - 14.11.2022: 20€; - 27.12.2022: 20€; - 13.02.2023: 10€; - 16.02.2023: 10€; - 01.03.2023: 10€; - 01.03.2023: 5€; - 10.03.2023: 10€; - 03.04.2023: 10€; - 03.04.2023: 10€; - 04.04.2023: 5€; - 17.04.2023: 10€; - 02.05.2023: 50€; - 10.05.2023: 10€; - 11.05.2023: 10€; - 29.05.2023: 1€; - 29.05.2023: 50€; - 19.06.2023: 2€; - 09.08.2023: 12€; - 26.12.2023: 20€; Tudo perfazendo o total de 360€. 64. O arguido recebeu na sua conta BCP as seguintes transferências, provindas de Dr. GG, secretária do clube M..., referentes a ajudas de custo enquanto treinador de futsal desse clube: - 08.11.2022: 100€; - 19.12.2022: 250€; - 20.01.2023: 125€; - 10.03.2023: 100€; - 13.03.2023: 100€; - 18.04.2023: 100€; - 25.05.2023: 125€; - 30.06.2023: 200€; - 16.10.2023: 225€; - 23.11.2023: 50€; - 23.11.2023: 150€; - 26.12.2023: 150€; Tudo perfazendo o total de 1.675€ 65. O arguido recebeu na sua conta CGD, em 03.10.2023, transferência bancária pelo valor de 6.700€, provinda de HH, referentes a prestação de serviços (obras na habitação), contratados ao arguido. 66. O rendimento fiscalmente comprovado disponível pelo arguido ascendeu a 45.422,00 € (quarenta e cinco mil quatrocentos e vinte e dois euros), acrescido dos 8.735,00€ (oito mil setecentos e trinta e cinco euros) supra descriminados, o que perfaz o total de 54.157,00€ (cinquenta e quatro mil cento e cinquenta e sete euros) correspondente a rendimentos lícitos auferidos pelo arguido no período em causa 67. Ascendendo o seu rendimento total a € 91.049,69 (noventa e um mil quarenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), constata-se que a quantia de 36.892,69€ (trinta e seis mil oitocentos e noventa e dois euros e sessenta e nove cêntimos) (91.049,69€ - 54.157,00€) é incongruente com os rendimentos declarados e fiscalmente aceites e com os demais rendimentos lícitos discriminados supra. 2.1.2 - Factos não provados: Com pertinência ao objecto do processo não se provaram quaisquer outros factos, para além ou em contrário dos constantes no ponto anterior, designadamente que: a) Em data não concretamente apurada, já após a data da denúncia que deu origem a estes autos, a ofendida tenha recebido um telefonema da irmã do arguido, avisando que este tinha ido a casa munir-se de uma arma para a matar. b) Nesse dia, por sentir receio do arguido, a ofendida tenha pernoitado a casa de um familiar. c) No dia 11 de Dezembro de 2023 o arguido tenha transportado a ofendida até ao motel ..., em ..., contra a vontade desta. d) Quando chegaram junto do motel, como o arguido não a deixava sair do carro, a ofendida tenha desferido um murro no para-brisas do veículo automóvel. e) Nesse dia, o arguido tenha transportado a ofendida ao seu local de trabalho, nos termos descritos em 10., contra a vontade desta. f) No dia 28 de Dezembro o arguido tenha dito: “Abre a porta, puta, precisamos de falar!” g) No dia 29 de Dezembro de 2023 o arguido tenha entrado no prédio e tenha desferido pontapés na porta de entrada do apartamento da ofendida. h) No dia 30 de Dezembro, junto da escola do filho da ofendida, o arguido tenha agarrado a ofendida pelo ombro e lhe tenha dito: “Vais Levar! Vais buscar as tuas coisas, senão vais ver o que te vou fazer!”, desferindo-lhe depois um estalo na hemiface direita e puxando-lhe os cabelos. 2.1.3 – A convicção do Tribunal O Tribunal fundou a sua convicção na avaliação global e concertada dos diversos meios de prova produzidos em audiência, ponderados de acordo com as regras da experiência comum. Assim, em primeiro lugar, considerou o teor do auto de denúncia de fls. 4, reportado a ocorrência de 11.12.2023, assim como o co-relacionado aditamento 1, a fls. 61; Considerou o teor do aditamento 2, a fls. 24 referente a ocorrência de 12.12.2023; aditamento 4, a fls. 28 referente a ocorrência de 14.12.2023; aditamento 5, a fls. 131, elaborado em 18.12.2023, referente a ocorrência de 14.12.2023 pelas 8h20m; aditamento 7, a fls. 30, elaborado em 19.12.2023 mas referente a ocorrência de 13.12.2023 pelas 17h50m; aditamento 6, a fls. 132 referente a ocorrência de 13.12.2023 às 7h; aditamento 9, a fls. 155, referente a ocorrência de 28.12.2024 pelas 21h; aditamento 10, a fls. 255, elaborado no dia 30.01.2024 pelas 08h30m referente à ocorrência de 30.01.2023 pelas 08h05m. Tomou em conta o teor das fotos e prints de fls. 36 a 51 e a fls. 137 e segs, referentes a mensagens recebidas pela ofendida e chamadas que não atendeu, designadamente provenientes do n.º .......93, número que o arguido reconheceu ser seu, reconhecendo-se também o arguido nas fotografias de fls. 46-v e 47 junto as escadas de um café junto da casa da ofendida. Considerou a análise aos dois telemóveis apreendidos ao arguido, que o arguido reconheceu como seus, espelhada no relatório forense de fls. 568, associado aos dois DVDs juntos aos autos, que descrevem o conteúdo que foi possível recuperar. Considerou também a reportagem fotográfica de fls. 207, o auto de busca e apreensão de fls. 221 e 281, o exame pericial de fls. 443, 446, 450 e 568, o exame de fls. 471 e os assentos de nascimento de fls. 91 e segs. Considerou por fim, quanto à investigação patrimonial, o conjunto de documentos existentes no apenso GRA assim como a fls. 329 e segs, 337 e segs e 535 e segs dos autos. O tribunal tomou depois em conta as declarações prestadas pelo arguido, parcialmente confessórias. No que respeita à conduta que teve como ofendida BB afirmou que se conheceram no Verão de 2021 e que iniciaram o relacionamento em Agosto, passando logo a pernoitar na casa dela, onde viveram juntos até ao início de Dezembro de 2023, juntamente com os três filhos da ofendida. A este propósito, as duas filhas da ofendida, DD e CC, actualmente com 19 e 17 anos, afirmaram não saber o tempo que durou o relacionamento da mãe com o arguido, mas indicaram ambas mais de um ano, referindo a primeira que o arguido às vezes passava a semana toda lá em casa, onde tinha roupa e escova de dentes e referindo a segunda que ele “praticamente vivia lá”, assentando-se assim o que consta em 1. e 2. , sendo que a ofendida situou o fim do relacionamento também em início de Dezembro de 2023. Do teor da denúncia constante a fls. 4 dos autos, reportada a ocorrência de 11.12.2024 resulta que, nessa data, o relacionamento estava findo. Sobre o ocorrido após o fim do relacionamento, o arguido negou de forma geral os factos, admitindo apenas que fez telefonemas, mandou mensagens, foi uma vez ao local de trabalho e diversas vezes a casa da ofendida porque, na verdade, queria reatar o relacionamento. Negou agressões e pontapés em portas. Sobre a ocorrência de 11 de Dezembro, negou-a. Mas admitiu que num certo dia de Dezembro, mais ou menos a meio e antes do Natal, ia para casa da sua mãe, junto à escola do filho da ofendida, e esta, que fora levar o filho à escola, pediu-lhe que a levasse até ao seu local de trabalho, na Rua .... Acedeu. No caminho discutiram e disse-lhe que não achava correcto que ela lhe pedisse boleia quando andava com outros homens (do que resulta que o arguido tinha conhecimento de que a ofendida manteria já outro relacionamento). Foi então, disse o arguido, que a ofendida deu um murro no pára-brisas do carro e partiu o vidro. Berraram um com o outro e ela insultou-o. Ela saiu do carro à porta do seu trabalho e foi trabalhar “normal”. Ela depois pediu-lhe que a fosse buscar, para conversarem com calma, foi, e quando chegou tinha o carro da polícia à sua espera. A deslocação da polícia ao local de trabalho da ofendida está descrita no aditamento 1 de fls. 61., tendo ocorrido no dia 11 de Dezembro pelas 13h10m, não havendo dúvida de que o relato do arguido se situa nesse dia, até porque o próprio disse que só uma vez foi ao local de trabalho da ofendida. O arguido admitiu o que consta em 13. , que está reportado ao dia 11 de Dezembro, e admitiu que mandou mensagens do género da que consta descrita no facto 14., e que essa poderia ser uma delas. Assentou-se, em face do descrito, o que consta em 3., 10., 11. (discussão e berros são descrições concretas, ao contrário de insultos e agressões, que careceriam de concretização), 12. (actuação que a ofendida também admitiu, como se verá adiante), 13., 14., e 15. (o que a ofendida também confirmou, sendo evidente a sua motivação). No demais, o arguido admitiu o que consta em 16., 17. (resultando o conhecimento das rotinas da vivência comum anterior e tendo o arguido referido que esteve de baixa desde Agosto a Dezembro de 2023), 23. e 24. (porque se lembrava dela e queria conversar), que também se assentaram. No que respeita aos factos 4. a 9. (demais contornos do episódio de 11 de Dezembro), considerou-se o depoimento da ofendida, porque consubstanciado pelos depoimentos fiáveis das filhas DD e CC e pelo auto de denúncia de fls. 4, que permitiu a localização temporal precisa e a organização cronológica da ocorrência, uma vez que o relato efectuado pela ofendida, por si só, não permitiria que, apenas com base nele se assentassem factos. Na verdade, tratou-se de um depoimento difícil, pouco espontâneo, confuso, contrariado, caracterizado por falhas de memória ostensivas e até por tentativas directas de recusa de resposta. A ofendida afirmou que o relacionamento apenas durou um ano, insistiu em dizer que não houve convivência marital (o que as filhas não confirmaram, como acima referido), mas também disse que os problemas começaram após o termo do relacionamento, que situou em Dezembro de 2023, depois de ter iniciado outro relacionamento. Questionada quando teria começado esse novo relacionamento referiu que um mês depois. Já em 2024? Achava que sim, disse, embora date de 11 de Dezembro de 2023 a denúncia que efectuou contra o arguido, que identificou como “ex-namorado”. Referiu, de todo o modo, que o arguido lhe dizia, quando terminaram, pessoalmente, por mensagens e por telefonemas que tinha que estar 1 ano sem ninguém e disse que ele a perseguia, lhe telefonava muito, mandava-lhe mensagens, aparecia no seu trabalho, na sua casa (o que o arguido admitiu também), dava pontapés na porta, em várias horas do dia e que chegou a dar-lhe um estalo, no prédio (não consta da acusação). Disse que ele a agredia e que a própria também o agredia a ele embora não concretizasse ocasiões. Sobre episódios concretos referiu que em data que não sabia, que ia a sair de casa, o arguido estava à porta, meteu o pé e forçou a entrada, estando as filhas em casa. Depois desceu e cá fora ele tentou mete-la no carro, agarrando-a pelos braços. A filha CC tentou agarra-lo, a DD também estava presente e perante a confusão, o arguido disse que ia embora. Depois disto, vestiu-se e saiu. Quando saiu, ele, que ainda ali estava, agarrou-a por trás e enfiou-a no carro. Não se recordava do que sucedeu depois… Tinham sido tantos os episódios que já não sabia. Nem se lembrava se neste dia ele batera à porta nem se dera pontapés na porta. Depois relatou um outro episódio (ou talvez o mesmo?) em que o arguido pontapeou a porta, acordou com o barulho, abriu a porta, ele entrou e disse que tinham que falar. Disse que já ia. Ele saiu e esperou. Vestiu-se e desceu, com as filhas. Ele depois agarrou-a e meteu-a no carro. Conduziu e disse queria ir para motel, mas depois não sabia bem o que se passara, só que chegaram a estar junto do edifício do motel. Ficou nervosa e como não queria ir partiu-lhe o retrovisor do carro, já não sabia se a murro se a pontapé. E depois já não se lembrava de mais nada … Nem sabia se nesse dia estivera em casa das patroas… DD, a filha de 19 anos, referiu genericamente que depois de terminarem o arguido tentava falar com a mãe, lhe mandava mensagens (viu-as) a dizer que queria falar com a mãe, que ela descesse (o que a mãe ás vezes fazia). Que nunca o viu bater na mãe, só a agarra-la. Referiu então que pelas 7h de um dia ia a sair de casa com a mãe e o AA estava ali. Agarrou a mãe e tentou mete-la no carro, puxando-a. Mas não conseguiu porque a própria ajudou a mãe e tinha ideia de que a irmã também ali estava. Não se reportou a outro episódio do género, na sua presença. CC, a filha de 17 anos, confirmou que só após a separação surgiram os problemas, com o arguido sempre a perturbar a mãe, especialmente de manhã, quando ainda estava todos a dormir e ele ia dar pancadas na porta, o que aconteceu várias vezes. Recordava-se de uma delas em que ele bateu à porta e depois ficou cá fora à espera que a mãe saísse. E num dia ele tentou forçar a mãe a entrar no carro, agarrando-a. A própria e irmã impediram e ele não conseguiu. Voltaram para casa. Mais tarde a mãe saiu para o trabalho e, aqui, ele conseguiu meter a mãe no carro. Viu. Da ponderação dos três depoimentos resulta que, numa única ocasião, em que as duas filhas estiveram presentes, o arguido tentou meter a ofendida no carro, agarrando-a e não conseguiu (episódio não descrito na acusação). Mas que depois, quando a ofendida saiu de casa foi efectivamente agarrada e metida no carro. E o teor da denúncia apresentada no dia 11.12.2023 pelas 13h34m, coadjuvada com o teor do aditamento 1 de fls. 61 permite concluir que esse dia foi o dia 11.12.2023 e permite ordenar cronologicamente os acontecimentos descritos em audiência, tendo sido nesse mesmo dia que ocorreu, depois, o descrito em 10. a 15., tanto mais que no aditamento 2, a fls. 24, reportado a factos de 12.12.2024 já há menção a danos no carro pelo que a quebra do vidro já tinha ocorrido. Assentaram-se, pois, os factos. Não se assentou, em contrapartida, o que consta em c) e d) porquanto o que consta em c) foi referido unicamente pela ofendida, no seu depoimento com as características supra descritas e não foi sequer mencionado na denúncia apresentada no próprio dia; o que consta em d) foi confirmado pelo arguido e admitido pela ofendida, mas não no contexto descrito, que apenas a ofendida menciona, sendo que o referido em e) não foi sequer confirmado pela ofendida em audiência. Do mesmo modo o que consta em a) e b), que unicamente foi relatado pela ofendida, sem qualquer elemento confirmativo. No que respeita ao teor dos factos 18 a 21, foi dito, quer pela ofendida quer pelas suas filhas, como referido, que o arguido foi várias vezes a casa da ofendida e família, que batia à porta, dava pontapés na porta, chamava por ela, esperava que ela saísse de casa, referindo a CC que numa tarde em que a mãe não estava em casa, o arguido bateu à porta, muito, a própria abriu, ele forçou a entrada na casa e só dizia que queria falar com a mãe, que a mãe estava lá dentro (mas não estava). Do mesmo modo a DD, que referiu que estava sozinha em casa com o irmão e o arguido foi para junto da porta do apartamento e começou aos pontapés, a dizer que queria falar com a mãe. A ofendida também relatou episódios em que as filhas lhe telefonavam a dizer que o arguido estava lá à porta de casa, a querer arrombar a porta. Diversos desses episódios, em que a polícia foi chamada, estão descritos nos aditamentos 4, 5, 6, 7 e 9, acima mencionados, o que permitiu localizar temporalmente os factos, enquadráveis nos relatos apresentados e assenta-los (factos 18 a 22), sendo que a deslocação do arguido para junto da casa da ofendida, no dia 28.12.2023, até foi objecto de um lamento de “II”, amigo ou pessoa próxima do arguido, que será ou terá sido companheiro sentimental da sua irmã, como se depreende da conversas/mensagens extraídas do telemóvel Oppo apreendido ao arguido e que constam descritas no relatório forense de fls. 568 e no DVDs juntos aos autos. Diz o “II” para o arguido, pelas 21h40m do dia 28.12. 2023 “o que foste fazer para a porta da BB?”. Já quanto ao mais descrito sobre a ocorrência de 28 de Dezembro (facto f, não provado) não foi confirmado em audiência por ninguém, o mesmo sucedendo com o descrito em g). Relativamente ao sucedido junto da escola no dia 30 de Janeiro, o arguido negou-o e a ofendida relatou-o, estando o episódio mencionado no aditamento 10, a fls. 255. Neste aditamento, elaborado na sequência de participação da ofendida, minutos depois da ocorrência, não há qualquer referência a marca física visualizada pelo agente da autoridade nem notificação para comparência para exame pericial, como habitualmente quando são denunciadas agressões. No demais, o agente da PSP JJ confirmou em audiência que, a pedido do graduado, foi a casa do arguido para recuperar a lancheira que este tinha subtraído à ofendida. Foi e recuperou-a, das mãos do arguido, devolvendo-a na esquadra à ofendida, que disse que nada faltava. Perante o descrito, não ficou o tribunal com dúvidas que pelo menos a parte do relato da ofendida, espelhado nos factos assentes, se mostra logicamente descrito e está sustentado no que veio a ser encontrado na casa do arguido. O próprio arguido admitiu que no dia anterior tentou contacto porque se lembrou da ofendida, pelo que se mostra completamente plausível que no dia seguinte quisesse que a ofendida fosse com ele e a tenha agarrado, o que já não era inédito. E reconheceu o arguido que de facto tinha a lancheira. Mas disse que a tinha no carro desde o início de Dezembro, dia 6 ou 7 de Dezembro, numa ocasião em que ela tinha querido falar consigo e a deixara ali. Mas não a devolveu porque nem sabia que a tinha, disse. Só a terá “descoberto” quando a polícia a solicitou (mas estranhamente soube dizer em que dia ficou ”esquecida” no seu carro”!), sendo esta sua versão desprovida de lógica e congruência, não havendo também razão para a ofendida apresentar uma participação à polícia pelo furto, no próprio dia, de uma lancheira se esta estivesse em falta há mais de 20 dias, mormente tendo dentro comida, documentos e chaves de casa, como espelha o aditamento de fls. 255. O demais descrito no facto não provado h) não encontra apoio em outro meio de prova que não a declaração da ofendida. A matéria descrita em 27. e 29. resultou da avaliação da factualidade objectiva, associada às regas da experiência comum e aos sentimentos verbalizados pela ofendida e patentes também nas mensagens de fls. 36 e seguintes, em que, em resposta às actuações do arguido, repetidamente lhe pedia que a deixasse em paz, que apenas queria sossego, que queria descansar. Atentou-se também no facto de a ofendida habitar num prédio, sendo embaraçoso e até humilhante perante terceiros o que se passava junto da sua porta. Com relação à factualidade referente à detenção de armas e munições (factos 30, 31, 39 a 41) o arguido confessou a matéria. Referiu que encontrou a arma e um saco de munições no seu trabalho de lixeiro e guardou-as. Outras munições estavam em sua casa há muito. Eram do seu avô (não obstante, guardava-as no seu quarto). Confirmou não ter licença de uso ou detenção de arma ou munições. Quanto aos produtos estupefacientes e afins (factos 32 a 34 e 38) o arguido confessou igualmente. Disse, porém, que tudo o que detinha pertencia ao “KK” da ..., que lhe tinha pedido para guardar, inclusivamente os 4.400€. Aceitou lá para Fevereiro quando ele lhe pediu pela 2.º vez, porque estava de baixa e precisava de dinheiro (mas também disse que esteve de baixa entre Agosto e Dezembro 2023). Mas o dinheiro que tinha na carteira era seu, dado pelos padrinhos (não estaria, na verdade, assim tão necessitado de dinheiro, se tinha padrinhos que lhe davam aos 245€). Disse que ia ter os produtos e bens em sua casa durante uma semana e que ia receber por isso 1500€. Que ainda nada tinha recebido. Que o KK lhe deu os 4400€ para guardar como, parece, uma espécie de caução o de garantia de que depois lhe pagaria os 1500€. Estas suas declarações apresentaram-se, na perspectiva do tribunal, absurdas face às regas da experiência e até do senso comum, mesmo reportado a negócios ilícitos. Não se compreende a que propósito lhe prestariam uma espécie de garantia, por 4400€, para um pagamento de 1500€, mormente num “negócio” necessariamente construído na base da confiança, face à quantidade e valor do estupefaciente encontrado. Por outro lado, impossível é de compreender a necessidade de pedir a terceiro que guarde produtos vulgaríssimos de cozinha, que nenhuma suspeita levantariam, como rolo de película aderente transparente, rolo de papel vegetal, copos de papel e plástico, facas de cozinha. Mas já se compreende que quem efectivamente manuseia e transacciona estupefaciente necessite de tais produtos junto de si, juntamente com toda a demais parafernália, toda ela com vestígios de estupefaciente. Por outro lado, o que consta do telemóvel Xiaomi, apreendido ao arguido e que este reconheceu ser seu, mencionado no já supra referido Relatório Forense e DVD anexos, denota que o arguido não era apenas o fiel depositário do estupefaciente e afins. Era, sim, o que dispunha do produto e respondia a encomendas, como resulta de mensagens trocadas, desde Agosto 2023 em diante, entre o “polo azul (owner)”, que será o dono do aparelho, ou seja, o arguido e um “Danilo”, em que se tratam de entregas e recolhas, se fala em montes de dinheiro (“num monte veio só 900”; “da próxima traz 100€”, “qts €? 1400) e outras mensagens, estas via Telegram, num grupo que integra o “polo azul” e outros dois intervenientes e em que, designadamente no dia 12.02.2024, se fala de colocar tudo em blocos mesmo duro, 3 blocos de 500g, “faz os 6 se puderes Mete duro que eles pediram de maneira que não desfaça”, “eu vou já fazer se conseguir entregar os dois hoje tudo bem”, e “tinhas 1040 menos 300 da gaja ficou 740”, “6 quadrados”, “mas isso tá certo eu pesei aqui. Falta só 9 g”, “entrega-lhe 2 blocos”, “da 1k”, “Manda prensada”, “2 blocos de meio”, “é que por ele podia ir desfeita”, “mas é melhor duro rek” “eu mando em pedra dois hoje para ele”, “menos 15g no que levaste”, “pode ser a minha balança vou verificar isso irmão”, “Recolhe os € do parte sff”, etc. Trata-se, evidentemente, de conversas sobre preparação e entregas de estupefaciente (no telemóvel referido há até fotografia de um molho de notas), em que o arguido é interlocutor/participante e que são incompatíveis com a mera detenção passiva invocada. Assentou-se, pois, o que consta em 35, 36 e 37, não sendo a detenção dos 4400€ +245€ justificada senão como sendo o produto do negócio de venda de estupefacientes a que o arguido se vinha dedicando. No demais, relativamente às condições de vida do arguido, considerou-se o teor do relatório social, CRCs e depoimentos das testemunhas GG, Técnica Superior da CMMaia e Secretária do M..., onde o arguido foi treinador, e de LL, Presidente desse clube, sendo que ambos tinham boa impressão do arguido. Relativamente à liquidação de património, atentou-se no conjunto de documentos supra referidos, designadamente as informações do Banco de Portugal sobre contas bancárias, extratos de contas bancárias designadamente na parte considerada para apuramento de movimentos a crédito, informação sobre bens do arguido tendo como fonte Instituto do Registos e Notariado e informações da Autoridade Tributária, considerando-se ainda o relatório final. Sobre a matéria depôs o Inspector MM, do GRA, explicando as operações realizadas. Referiu que analisou a situação do arguido e nas contas pessoais deste excluiu estornos, empréstimos bancários, transferências entre contas pessoais e considerarou os movimentos a crédito. Apurou, assim, o património financeiro. Depois apurou o rendimento declarado fiscalmente e deduziu-o, apurando o património incongruente pela diferença. Assentaram-se, assim, os factos referentes ao rendimento disponível do arguido (fiscalmente declarado, lícito) e ao seu património - entradas a crédito nas contas bancárias, nos termos explanados. Sobre a matéria, como resulta da Lei 5/2002, art.º 7, o legislador presume, para efeitos do confisco, que a diferença entre o património detectado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido constitui vantagem da actividade criminosa e, como se refere no Ac. Tribunal da Relação do Porto de 23.05.2018, proc. 448/16.9T9VFR-T.P1 trata-se de uma presunção iuris tantum que cabe ao arguido ilidir, sendo que tal presunção não é ilidida com a dúvida a favor do arguido. O arguido, pese embora não alegasse em contestação nada de concreto, em audiência veio explicar a origem de alguns dos movimentos a créditos nas suas contas, referindo que trabalhava também na construção civil, e que algumas das entradas eram pagamentos para a realização desses trabalhos (tudo sem declaração fiscal). Outras eram empréstimos/dádivas de uma antiga namorada, NN e outras pagamentos referentes à sua actividade de treinador. Para demonstração do alegado não juntou qualquer prova documental, limitando-se a indicar testemunhas: FF, auxiliar de saúde, que disse ser amiga do arguido há 8 anos e que lhe fez algumas transferências por MBway, uma vez referente a uma prenda de Natal e outras vezes pequenas quantias que o arguido lhe pedia quando, por exemplo, não tinha dinheiro para lanchar. Por vezes ele devolvia-lhe, outras vezes não. Estava convencida que quando o arguido lhe pedia dinheiro é porque não tinha mesmo. Admitiu que quanto a algumas transferências já nem sabia bem a que se deveram e o tribunal considerou que depôs de forma credível, assentando-se o que consta em 63. GG, Secretária do Clube de Futsal onde o arguido era treinador, já acima referida, explicou que ele recebia ajudas de custo e que muitas vezes pagava-as da sua própria conta porque o clube nem sempre podia pagar a tempo e o arguido queixava-se. Ele recebia por mês cerca de 150€, com acertos quando necessário. Não se duvidou desta natureza das transferências assinaladas na conta bancária do arguido provindas de Dr. GG, assim se assentando o que consta em 64. No que respeita ao facto provado 65. a testemunha HH, a trabalhar na Suiça, confirmou ter feito a transferência bancária, para o arguido, com vista à realização de obras na sua casa de Portugal, em ... (colocação de soalho flutuante). Assentou-se o facto. Nada mais se assentou quanto à proveniência dos rendimentos uma vez que se considerou que a mera alegação pelo arguido, desprovida de prova documental ou testemunhal directa, não era suficiente para a demonstração dos factos pretendidos. Os descritos meios de prova, analisados à luz das regras de experiência, serviram para formar a convicção supra expressa.” 2.2.Direito O recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Vila do Conde-J6, que condenou o arguido recorrente AA, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão. -pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art.º 21 n.º 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22.01, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão. -pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86 n.º 1 c) da Lei 5/2006 na pena de 1 ano e 3 meses de prisão. -E, em cúmulo jurídico condenou o arguido AA na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão. Limita-se ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP) sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP). Sendo pelas conclusões da motivação que se afere o âmbito do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), e levando em conta as conclusões do arguido, recorrente, como identifica, são questões a decidir, as seguintes: - Da falta de verificação dos requisitos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica - Da falta de verificação da qualificativa do crime de violência doméstica. - Da errada subsunção jurídica dos factos dados como assentes - Da excessividade das penas parcelares - Da excessividade da pena única aplicada. 2.2.1. Da falta de verificação dos requisitos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica, da falta de verificação da qualificativa do crime de violência doméstica, e da errada subsunção jurídica dos factos dados como assentes. a.Começa o arguido por defender a inexistência do crime de violência doméstica agravado, por entender que os factos dados como assentes, não preenchem tal ilícito criminal, dizendo: entende-se que a conduta praticada pelo arguido não assume a qualificação jurídica que o tribunal a quo logrou obter mas sim assumirá quanto muito um crime de perseguição, p. e. p pelo artigo 154º-A – conclusão n.º 9. Ainda que [e]ntende-se que os fundamentos aduzidos pelo tribunal na motivação que levou a cabo são enquadráveis quanto muito num crime de perseguição, pois tal como supra descrito a conduta de perseguição pode ser reiterada, causar inquietação ou temor, e comprometer a saúde emocional de qualquer ofendida. – conclusão n.º 10. Assim, conclui que deve o arguido ser absolvido da prática do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado, atendendo a que a conduta por si praticada não preenche os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica – conclusão n.º 11. E conclui, ainda, que, face à vontade/motivação demonstrada pelos comportamentos reiterados do arguido (em reatar o relacionamento e não em maltratar a vítima) que o mesmo deve também ser absolvido da prática do crime de perseguição, de todo modo inexiste queixa crime apresentada pelo que o resultado final importaria sempre a absolvição do arguido. Na resposta defende o Ministério Público, pelo Sr. Procurador da Republica no Juízo Central Criminal de Viana do Castelo, que, [p]erante a factualidade dada como provada, (…) a conduta do recorrente, (…) para além do mais, integra a prática de um crime de violência doméstica, p. e p., pelo art.º 152 n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código Penal, e não um crime de perseguição, p. e p., pelo art.º 154-A, n.º 1 do C. Penal. Tal como o Exmo. Procurador Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, conclui que [n]enhum reparo merece, assim, a decisão recorrida quanto à incriminação que fez dos factos provados. E, considerou-se no acórdão recorrido que …“[n]o caso dos autos, e em face da matéria assente, ficou demonstrado que o arguido e a ofendida conviveram durante cerca de 2 anos, em relação semelhante a união de facto. Após o termo do relacionamento, o arguido passou a importunar a ofendida, através de chamadas telefónicas (só na manhã de 11 de Dezembro fez-lhe 25 chamadas), a dirigir-lhe mensagens dizendo que lhe queria falar, que ela tinha que vir ter com ele, que se o não fizesse subia, a apresentar-se junto da casa a aguardar que dela a ofendida saísse, a apresentar-se mesmo junto da entrada da casa e a pontapear a porta (o que fez pelo menos 4 vezes, 3 das quais de manhã cedo), e a apresentar-se junto ao seu local de trabalho e junto da escola do filho, para além de ter chegado penetrar na casa da ofendida, de a agarrar, e de uma vez a ter metido no carro dele. O conjunto de actos descritos, pela sua natureza e reiteração impuseram à ofendida uma vida de desassossego e de inquietação, impedindo-a de disfrutar de paz e até da tranquilidade no seu lar, onde vivia com três filhos, um de tenra idade, outra de 16 anos e outra de 18 anos, como o arguido bem sabia. A sua ida a casa da ofendida (localizada num 3.º andar de um prédio), pelo menos 3 vezes, entre as 7 e as 8h da manhã e o pontapear da porta enquanto chamava por ela é actuação apta a perturbar BB e a coartar-lhe a liberdade individual, designadamente a liberdade de movimentos mas também a atingi-la numa esfera mais profunda, no próprio âmbito familiar, pondo em causa não só a própria tranquilidade mas até o direito ao descanso dos demais habitantes da residência, os seus filhos, e, nessa medida, é apta a causar persistente angustia e nervosismo à mãe, como causou, e a atingi-la na sua esfera ampla da saúde psíquica. (…) O conjunto de actos desenvolvidos pelo arguido, descritos nos factos assentes, reconduzem-se a algo mais que uma simples perseguição ou assédio individual a outrem, traduzindo-se sim em conduta persistente, invasiva, atentatória da paz familiar e idónea à perturbação emocional profunda e ao comprometimento da saúde psíquica da visada, causadas deliberadamente pelo arguido, e incompatíveis com a dignidade humana. Em face do exposto, conclui-se pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos enunciados no art.º 152 n.º 1 b) do Código Penal, tendo o arguido cometido este crime de violência doméstica sobre a ofendida, e na sua vertente qualificada prevista no n.º 2 a) do mesmo artigo, já que parte das suas condutas foram desenvolvidas em casa da ofendida e na presença de menores.” b. Sob a epigrafe “violência doméstica”, dispõe o art.º 152º do Código Penal que: 1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou (…) Característica do crime de violência doméstica é a especial relação de proximidade entre o agente e a vítima, o cônjuge ou ex-cônjuge, a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, a progenitor de descendente comum em 1.º grau, ou a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite, a menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c) (do n.º 1 do art.º152º do CP), ainda que com ele não coabite, sendo considerado, por isso, “um crime de relação”1. Esta realidade demanda normas de conduta cujo desrespeito constitui fundamento e agravação da ilicitude do facto2. Na base da incriminação está a tutela da pessoa individual e da sua dignidade humana. Com a incriminação pretende-se, pois, proteger a integridade pessoal da vítima, em todos os aspectos da personalidade, não só a integridade física propriamente dita, mas a saúde da pessoa ofendida, na sua globalidade e, enquanto tal, abrangendo o bem-estar físico, psíquico e mental, enquanto elemento primordial, indispensável à livre realização de cada pessoa na comunidade, e, especificamente, enquanto membro de uma relação conjugal, ou de uma realidade familiar “análoga”3. O que constitui, na lei ordinária, a densificação dos imperativos constitucionais dos artigos 1.º e 26.º, n.º 2, da CRP, garantias da dignidade pessoal, e 25.º, inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas e proibição de tortura e de tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos4. A este propósito, qualifica-se o bem jurídico de “plural” ou “complexo” que poderá ser ofendido, também, por uma multiplicidade de condutas previstas na previsão legal, por acção ou omissão, e que se reconduzem à noção de “maus tratos”. Assim, atenta a especificidade do tipo de crime de violência doméstica, e o seu caracter complexo, quer quanto aos bens jurídicos protegidos, quer quanto aos actos que os podem ofender, deverá ser avaliado, através da ponderação do bem ou bens jurídicos protegidos e da aptidão de os actos praticados ofenderem aqueles bens jurídicos. Bens jurídicos que lhe conferem “identidade, autonomia e força jurídica. E legitimidade constitucional de regulação das relações sociais no âmbito específico destas relações (familiares ou análogas)”. Ainda em consequência desta especificidade, o crime de violência doméstica é, assim, mais do que a soma dos diversos ilícitos que o podem preencher, não sendo as condutas que integram o tipo consideradas autonomamente, mas antes valoradas globalmente na definição e integração de um comportamento revelador daquele ilícito5. Por forma que “[m]últiplas acções de episódios de maus-tratos reiterados podem enquadrar ofensas à integridade física, sequestros, coações, ameaças, injúrias. Mas, quando praticadas em determinado contexto de relação de proximidade íntima podem configurar crime de violência doméstica.”6. Os episódios de “maus-tratos” hão de ter origem e ser provocados pela relação existente entre agente e vítima, as razões ou motivos dos maus tratos deverão estar ligados à relação familiar ou análoga, presente ou pretérita, e por causa dela. O que se revela ainda, pela reiteração da sua prática e pela intensidade da acção revelada, com o objectivo de demonstração de força de domínio da relação, de superioridade, pretendendo subjugar, humilhar, vexar e diminuir a vítima. Por isso, necessário se torna, valorar globalmente os factos na expressão de um comportamento do agente como revelador daquele ilícito. Por razões ligadas à pessoa atingida (menor) ou ao espaço confinado ao agente e vítima o n.º 2 do art.º 152º do Código Penal, prevê situações de agravação no mínimo da moldura penal. Assim, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos. c.No caso está assente esta relação de especial proximidade pois provou-se que o arguido AA e BB mantiveram uma relação de namoro desde o Verão de 2021 até dia não apurado de Dezembro de 2023, mas anterior a 11 de Dezembro, pernoitando o arguido em casa da ofendida, sita na Rua ..., na ..., com uma frequência quase diária. - facto 1. Foi por causa desta relação, ou por ter terminado unilateralmente por iniciativa da vítima, que os factos ocorreram – facto 3 a 25 -, [e]m data indeterminada, anterior a 11 de Dezembro 2023, o arguido tomou conhecimento que a ofendida manteria outro relacionamento – facto 3. Pretendia o arguido, servindo-se do seu poder sobre a vítima, obrigá-la a retomar o namoro, a reatar a relação, como mais do que uma vez refere na motivação de recurso e como pode ler-se na motivação da fundamentação de facto do acórdão recorrido. Para tanto, [n]o dia 11 de Dezembro de 2023, pelas 7h20m, o arguido dirigiu-se à habitação da ofendida, e bateu à porta; como a ofendida não abriu, começou a desferir pontapés na porta, o que levou a que BB acabasse por abri-la. Assim que a ofendida abriu a porta, o arguido empurrou-a, forçando a entrada, e introduziu-se na habitação sem o consentimento dela. O arguido solicitou à ofendida que se vestisse e descesse, uma vez que iria esperar para falarem.(…). Pouco depois, a ofendida desceu, acompanhada da filha DD, e foi ao exterior falar com o arguido, que lhe disse que sabia que ela tinha um namorado e dizendo que ela tinha de o respeitar e que, durante um ano, não podia namorar com ninguém. A ofendida regressou a casa e quando depois saiu, para o trabalho, o arguido, (…) que estava à sua espera, agarrou-a pelo braço e meteu-a no seu veículo automóvel. Nessa manhã o arguido transportou a ofendida ao seu local de trabalho, sito na Rua ..., no .... (…) Nessa manhã, ainda, e, durante o período de trabalho da ofendida, o arguido passou o tempo todo a enviar-lhe mensagens através da aplicação Telegram, fez 15 chamadas através da mesma aplicação e 25 chamadas através da operadora de telecomunicações. Nesse mesmo dia o arguido enviou à ofendida, entre outras, as seguintes mensagens: “Só te aviso, a porta está aberta. Se não responderes eu vou mesmo subir e bato à porta da casa. Olha que estou a ficar cego. Eu estou aqui e estás-me a pôr cego. Quando saíres vais ver. Já mandei mensagem ao teu novo amigo. Só para avisar. E quando chegares aqui fora não vais trabalhar da parte da tarde”. Quando se aproximou a hora de saída do trabalho, por recear pela sua integridade física, uma vez que o arguido continuava no exterior à sua espera, a ofendida acionou a polícia para o local, pelas 13h10m.” No dia seguinte, “12 de Dezembro de 2023, o arguido enviou mensagens à ofendida em que lhe dizia, recorrentemente, para atender os seus telefonemas, senão iria para a porta do seu local de trabalho. À data o arguido encontrava-se de baixa médica e era conhecedor das rotinas da ofendida. No dia imediato, 13 de Dezembro de 2023, cerca das 7h00, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e desferiu pontapés na porta do apartamento enquanto chamava por ela.” Nesse mesmo dia, “13 de Dezembro de 2023, pelas 17h50, o arguido deslocou-se às imediações da habitação da ofendida, aguardando que a mesma saísse de casa para a abordar e exigir que falasse com ele. No dia seguinte, “14 de Dezembro de 2023, cerca das 8h00, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e desferiu pontapés na porta do apartamento enquanto chamava por ela. Ainda nesse dia 14 de Dezembro, pelas 16h15, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e desferiu pontapés na porta do apartamento enquanto chamava por ela. No dia 28 de Dezembro de 2023, pelas 21h00, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e bateu à porta do apartamento, ausentando-se após a ofendida ter chamado a polícia. No dia imediato, “29 de Dezembro de 2023, pelas 20h00, o arguido telefonou à ofendida quando se encontrava no exterior do prédio onde esta residia. Como a ofendida não atendeu, o arguido enviou-lhe as seguintes mensagens: - Pelas 21h37: “Estou à tua porta anda cá abaixo senão vou eu aí em cima”. - Pelas 21h37: “Vais me fazer ir aí em cima”. - Pelas 21h37: Queres que vá aí”, não obtendo resposta. E, “no dia 30 de Janeiro de 2023, pelas 8h30, na Rua ..., na ..., ao levar o filho à escola, a ofendida foi abordada pelo arguido, que a agarrou, que lhe disse que tinha que ir com ele e que lhe puxou a lancheira, dela se apoderando.” Perante esta factualidade, verifica-se que o arguido praticou factos que individualmente considerados constituem crime, fê-lo com intenção de humilhar e vexar e diminuir a vítima, diante dos filhos, dos vizinhos, dos colegas de trabalho, dos colegas da filha e professores na Escola, de forma grave e persistente. Não se trata, apenas, de perseguição, como defende o recorrente, na sua motivação de recurso. Neste crime (de perseguição) o bem jurídico protegido “é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa”7. No crime de Violência Doméstica é sobretudo a saúde no seu todo, física e psíquica, a dignidade humana. Entre o crime de perseguição e de violência doméstica há uma relação de concurso aparente (subsidiariedade expressa), punível com pena de prisão superior a 3 três anos, como refere o n.º 1 do art.º 154º-A, in fine, “se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”8. Os actos de perseguição cometidos por agente contra vítima a quem se encontra ou encontrou ligado por relação familiar ou análoga com o objectivo de a vexar, humilhar, e exercer sobre ela uma posição de domínio, integram o crime de violência doméstica, previsto no art.º 152º do CP, sendo por este puníveis. No caso, ainda, o arguido persistiu nos seus intentos, pois os actos praticados decorreram de 11 de Dezembro de 2023 a 30 de Janeiro de 2024, e de forma intensa já que os actos praticados, constituem crime, de ofensa à integridade física (empurrar, agarrar o braço), de perseguição, como o próprio recorrente reconhece, de ameaça, (estou a ficar cego, eu estou a ficar cego, durante um ano não podes namorar com ninguém), revela uma manifestação de superioridade do arguido em relação à sua ex-companheira, com o fim de a desconsiderar, diminuir e humilhar, junto dos vizinhos, junto dos colegas de trabalho, junto dos colegas e professores na Escola da filha, ao não admitir o afastamento desta, o fim da relação entre eles existente e ser preterido, substituído, pretendendo pela via da força, da violência, do medo e ameaça, a todo o custo reatar tal relacionamento, reagindo com ofensas, ameaças e perseguição para impor a sua vontade, e contrariar a vontade da vítima, actuação de forma desajustada e desproporcional à situação9. Sendo parte dos factos praticados no interior do domicílio da vítima e na presença dos filhos, sendo 2 menores de 18 anos, a CC e o EE; “o arguido empurrou-a, forçando a entrada, e introduziu-se na habitação sem o consentimento dela. O arguido solicitou à ofendida que se vestisse e descesse, uma vez que iria esperar para falarem. No interior da habitação, para além da ofendida, estavam as filhas desta, que se aperceberam da situação”, tal facto constitui agravante do limite mínimo da moldura penal abstrata, elevando-a de 1 para 2 anos. Analisados estes factos integram na verdade a noção de maus-tratos, maus tratos que traduzem uma ofensa à dignidade humana, neste caso concreto da pessoa visada, a vítima BB, à sua saúde, em toda a sua plenitude; física, psíquica, mental que o próprio recorrente reconhece classificando-os, porém, de uma série de comportamentos impróprios, inadequados, deselegantes como persistir no envio de mensagens, aparecer nos locais da ofendida e bater à porta. Na verdade, são mais do que isso, são lesões graves, intoleráveis, desproporcionadas, com o objectivo de a desprezar, humilhar, desconsiderar a sua vontade, de forma violenta com o desejo de prevalência e domínio sobre a mesma e forçá-la, contra sua vontade, a reatar a relação que entre eles existiu, como o arguido recorrente reconhece. Mais se provou que com este comportamento supra descrito “o arguido molestou a ofendida, BB, na sua integridade física e saúde, bem como lhe causou sofrimento psíquico, mercê da humilhação, medo, nervosismo e constrangimento a que a expôs, atento o seu comportamento. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, concretizado, de molestar a ofendida, sua ex-namorada, na sua integridade física e psíquica e de lesar a sua integridade moral e dignidade pessoal. Bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.” Vistos todos estes factos dados como provados na globalidade, as razões que os motivaram, ou seja o fim da relação por iniciativa da vitima, o modo de execução, cometendo factos que constituem crime, com violência, em casa da vitima, contra vontade desta, diante dos filhos da vítima, dois deles menores, dos vizinhos, dos colegas de trabalho, dos colegas da filha e professores desta, com os objectivos pretendidos de a humilhar, diminuir, vexar, mostrar-lhe superioridade e impor pela força uma relação que a vitima não queria, a persistência, pois durou de 11 de Dezembro de 2023 a 30 de janeiro de 2024 e violência empregue, que forçaram a vítima a participar os factos à PSP, o que culminou, juntamente com outros factos, com a detenção do arguido, conclui-se que integram os elementos objectivos e subjectivo, da previsão do art.º 152º n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do Código Penal, agravado nos termos da al. a) do n.º 2, do mesmo preceito. Improcede, assim, o recurso neste particular. * 2.2.2. Penas parcelares. a.Nas conclusões, 2, elenca as “questões de direito” do recurso, onde refere expressamente a “excessividade das penas parcelares”. E nas conclusões 13 a 16, impugna o arguido recorrente as medidas das penas parcelares dos crimes de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida, defendendo que devem ser diminuídas no seu quantum, porque são excessivas e desproporcionais aos factos aqui em apreço, devendo ser reajustadas para 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão quanto ao crime de tráfico de estupefacientes e 12 (doze) meses de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida. Pois, defende que confessou praticamente todos os factos dados como provados (em especial os referentes ao do crime de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida), demonstrou espírito crítico e interiorização do desvalor da sua conduta. Mais alega que dispõe de forte apoio social, familiar e encontra-se inserido profissionalmente (dispondo de possibilidade de retomar o exercício laboral) Por fim diz que, se encontra privado de liberdade há período de tempo significativo, é possível efetuar um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro b.Quanto a esta questão, refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer que “[d]a conjugação do disposto nos artigos 434.º e 432.º, n.º1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, resulta que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em recurso se restringem ao reexame da matéria de direito podendo ainda conhecer dos vícios e nulidades a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.410.º do mesmo Código, em caso de recurso de decisão das relações proferidas em 1.ª instância ou de recurso de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso de prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.(3 Neste sentido, Ac. do STJ, de 14.03.2018, no Proc. n.º 22/08.3 JALRA.E1.S1, em, https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fae21d5a9e1b13fb80258255003bdb7c?OpenDocument ). Está, assim, excluída do âmbito de apreciação deste recurso a pena parcelar de 1 ano e 3 meses aplicada ao crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86 n.º 1 c) da Lei 5/2006, aqui impugnada.” Deverá, porém, aqui, considerar-se o Ac. do STJ de Fixação de jurisprudência n.º 5/2017, de 27.04.2017 (Manuel Augusto de Matos)10, de acordo com o qual “[a] competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal colectivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.º 432º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas”, o que se verifica neste caso. c.Assim, levando em conta os factos dados como provados não há dúvidas de que o arguido incorreu na prática do crime de violência doméstica, previsto pelo art.º 152º, n.º 1, a) e n.º 2, a), do Código Penal, e punível com pena de prisão de 2 a 5 anos, na prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto pelo art.º 21 n.º 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22.01, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos de prisão, e na prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art.º 86 n.º 1 c) da Lei 5/2006 e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão, ou de 10 a 600 dias de multa. Obtida a moldura penal, no processo de determinação da medida concreta da pena, há a considerar as finalidades da punição constantes do art.º 40.º do Código Penal e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CPP. Estabelece o art.º 40º, n.º 1, do CP, que a aplicação de penas … visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E estatui, em termos “absolutos” o n.º 2 do mesmo preceito legal que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Determina o art.º 71º do mesmo diploma legal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – n.º 1 -, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, (a)o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – a) -, a intensidade do dolo ou da negligência – b) -, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram – c) -, as condições pessoais do agente e a sua situação económica – d) -, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – e) -, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, o que deverá ser expressamente referido na sentença. Tudo decorrendo do art.º 18º n.º 2 da CRP que estipula que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Estabelecendo a última parte do n.º 2 do art.º 18.º da Lei Fundamental, pressupostos materiais para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, através do chamado princípio da proporcionalidade11 a considerar na determinação da medida concreta da pena. Em sentido estrito, o princípio da proporcionalidade está estritamente ligado ao princípio da necessidade da pena criminal e, em face deste, a pena criminal será constitucionalmente admissível se for necessária, adequada e proporcional12. Dispondo, ainda, o art.º 27º, n.º 1 da CRP, que todos têm direito à liberdade e à segurança. E determinando o n.º 2, que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. Nos termos do art.º 71º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. Prevenção e culpa são, pois, os factores a considerar para encontrar a medida concreta da pena, sendo a culpa nas palavras do Prof. Eduardo Correia, o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso13. As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.º 72.º, n.º 1; são, numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável”14. Podem ser agrupados nas alíneas a), b) c) e e), parte final, do n.º 2 do art.º 71.º do C.P., os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), do mesmo preceito, os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), ainda, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos15. Sendo justa “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa” como ensina o Prof. Figueiredo Dias, sintetiza ainda que “as finalidades e limite das penas criminais, podem resumir-se, a que (i)toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, que (ii)a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa que (iii)dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, que (iv)dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”16. d.Previamente, diga-se que, como é sublinhado no Ac. do STJ de 19.05.202117, “os recursos não são novos julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de natureza e medida da pena. Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém, alterando a pena, se e quando detecta incorrecções ou lapsos no processo de aplicação desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Não decide “ex novo”, como se não tivesse já sido proferida uma decisão em primeira instância. O recurso não pode, pois, eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, de discricionariedade reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.” “A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”18. E a fundamentação é nestes casos bem menos exigente, incidindo sobre outra decisão que motivou a convicção, não directamente sobre o objecto do processo. Importa, então, verificar se a decisão impugnada realizou as operações que conduzem à determinação da medida concreta da pena de prisão em que foi condenado o recorrente, de acordo com as normas legais aplicáveis. e.Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, como já dito, no acórdão recorrido, foi confirmada a prática pelo recorrente, atenta a verificação de todos os elementos objectivos e o subjectivo, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93, de 22.01, por referência à tabela I-B do mesmo diploma legal. A moldura abstrata legalmente prevista vai de 4 a 12 anos de prisão, sendo o ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao recorrente. Seguiu-se-lhe a análise das finalidades das penas, conjugadas com a culpa do arguido, fundamento e limite de qualquer pena, tal como estabelecido no artigo 40º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. E depois, uma valoração das circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal. A este propósito considerou o acórdão recorrido, Quanto ao grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente, releva, essencialmente, a quantidade de estupefaciente apreendido (o suficiente para mais de 11.000 doses), a sua diversidade (resina de canábis, Mdma, cloridrato de cocaína) e a compensação económica expectável apontam para uma ilicitude acentuada. Quanto à intensidade do dolo, diz-se que “[a] actuação com dolo directo e a óbvia premeditação, apontam para persistência de propósitos criminosos e elevam a culpa do arguido.” No mais, quanto às condições do arguido, diz-se que, “as exigências de prevenção especial são apenas moderadas, considerado a ausência de passado criminal, o apoio familiar, a inserção laboral com hábitos de trabalho, a confissão ainda que parcial e a declaração de arrependimento.” E concluiu que “[p]onderando todos os factores enunciados, entende-se como adequada a fixação da pena em 5 anos e 2 meses de prisão.” Pode, assim, concluir-se, que o acórdão recorrido se mostra bem sustentado e realizou as operações tendentes à determinação da medida concreta da pena de prisão de forma criteriosa. Com efeito, sendo finalidade das penas a tutela dos bens jurídicos, como referido, e previsto no art.º 40º, n.º 1, do Código Penal, há que levar em conta o bem jurídico tutelado no tipo legal de tráfico de estupefacientes. Como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstrato, não sendo necessária a verificação do dano, estamos, também, em presença de um crime pluriofensivo, tratando-se de um crime de perigo comum, pois a incriminação visa proteger uma multiplicidade de bens jurídicos, de carácter pessoal, - como a vida, a integridade física e a liberdade dos potenciais consumidores, geralmente as camadas mais jovens do tecido social -, de bem-estar da sociedade, a saúde publica, a economia do Estado - na medida em que cria uma economia paralela incontrolável -, a segurança - na medida em que acarreta a prática de outros crimes que lhe andam associados19. “O escopo do legislador”, como se diz no Ac. do TC 426/91, de 06 de Novembro de 1991, publicado no DR, II série, n.º 78, de 02 de abril, de 1992, (seguido pelo Ac. do TC n.º 441/94, de 07.06.1994, publicado no DR, IIª série, n.º 249, de 27.10.199420, é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.” Na verdade, são grandes as necessidades e exigências da prevenção geral e de defesa dos bens jurídicos protegidos, numa sociedade que vive fustigada pelo fenómeno do consumo e tráfico de droga, que, como já referido, gera, a montante e a jusante, outro tipo de criminalidade21.22. Sendo, ainda, considerado, na definição da al. m) do art.º 1º, do Código de Processo Penal, o tipo legal de tráfico de estupefacientes como integrante do conceito de “criminalidade altamente organizada”. Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela, como se lê no sumário do Ac. do STJ de 29.02.202423. Pelo que, considerando as finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, a pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão aplicada ao arguido recorrente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-B, anexa, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa. Na verdade, a pena encontrada está em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes, que tem vindo a manter uma certa constância desde há já algum tempo24 São exemplo os acórdãos do STJ de 11.10.2023, proferido no processo n.º 540/22.4 JELSB.L1.S1, de 02.12.2021, proferido no processo n.º 13/20.6GALLE, de 24.03.2022, proferido no processo n.º 134/21.8JELSB.L1.S1, de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/18.6JDLSB.S1, e os inúmeros acórdãos aí citados e ainda o acórdão do STJ de 21 de fevereiro de 2024, proferido no processo n.º 101/23.7JELSB.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt. Não havendo reparo a fazer à decisão recorrida quanto à determinação e medida concreta da pena, pois a pena encontrada está em alinhamento com as demais aplicadas neste Supremo Tribunal de Justiça e dentro dos limites normalmente respeitados para casos semelhantes, em princípio, o tribunal de recurso deve abster-se de qualquer modificação25. f.E o mesmo se verifica quanto ao crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86 n.º 1 c) e alínea e), respectivamente, da Lei 5 /2006, na versão da Lei 40/2019, sendo punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, na hipótese do art.º 86º, 1, c) e com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. O acórdão recorrido, começa por se referir à especial censura da sociedade quanto a este crime pelo perigo potencial para a vida e a integridade física das pessoas em geral, que tem eco na legislação, como se diz no acórdão do STJ de 26.10.2011, proc. n.º 1112/09.0SFLSB.L2.S1 que cita. Considerou que o arguido agiu com dolo directo, o facto de o arguido não registar condenações criminais, ter confessado a detenção das armas e munições e de ser mostrar bem inserido socialmente. Quanto à pena apontou as razões da opção pela pena de prisão e dentro desta pela pena de 1 ano e 3 meses de prisão. No caso, verifica-se uma perigosidade acentuada e reveladora de que “as necessidades de prevenção quer geral quer especial exigem a opção por uma medida detentiva da liberdade já que só esta tem a aptidão para reafirmar as expectativas da comunidade na validade das normas que proíbem a detenção de armas, normas fortemente desafiadas pelo arguido, e de o dissuadir de manter tais comportamentos no futuro.” Pode, assim, concluir-se, também, que o acórdão recorrido se mostra bem sustentado e realizou as operações tendentes à determinação da medida concreta da pena de prisão, também, de forma criteriosa. Na verdade como se refere no acórdão do STJ de 26.10.2011, proc. n.º 1112/09.0SFLSB.L2.S1 citado, «o crime de detenção de arma proibida tem vindo a merecer especial censura do legislador e da sociedade, pelo perigo potencial para a vida e a integridade física das pessoas em geral que constitui a detenção de armas por parte de quem não está autorizado para tal. As exigências de prevenção geral são fortíssimas neste tipo de criminalidade». g.O mesmo se verificou em relação ao crime de violência doméstica, onde o acórdão considerou que “as razões As razões de prevenção geral são importantes, em face da ressonância que factos como os que se apreciam provocam na comunidade, especialmente sensível a este tipo de crime, impondo-se a necessidade de ser recuperada a confiança na validade e vigência da norma violada.” Considerou a idade do arguido, à data dos factos com 27 anos, a ausência de antecedentes criminais, a boa inserção profissional, o apoio familiar, a confissão dos factos e as necessidades medianas de prevenção especial. O arguido actuou com dolo directo, persistindo na sua actuação. A final concluiu pela condenação em 2 anos e 2 meses de prisão, muito próxima do mínimo legal, dentro da moldura abstrata de 2 a 5 anos de prisão. Também aqui pode concluir-se que o acórdão recorrido se mostra bem sustentado, que realizou as operações tendentes à determinação da medida concreta da pena de prisão com critério, não se justificando qualquer intervenção correctiva, tal como às demais penas parcelares. Improcede, pois, o recurso neste particular. 2.2.3. Pena única Tendo em conta que os três crimes cometidos pelo arguido estão entre si numa relação de concurso, importa a realização do cúmulo jurídico, nos termos do disposto no art.º 77 do Código Penal. A pena conjunta a aplicar ao arguido, na sequência do cúmulo, tem como limite máximo os 8 anos e 7 meses (o somatório das penas parcelares em que o arguido foi condenado) e como limite mínimo 5 anos e 2 meses de prisão (pena parcelar mais elevada). “Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”26. Assim, em termos gerais, obtida a moldura penal, há a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CPP. “Como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a suscetibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta licita”27. Vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. Aliás, “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias28. O que serve para dizer que também no caso de concurso superveniente de crimes, depois de calculada e indicada a moldura penal abstrata do concurso, é dentro desta, que se determina a espécie (sendo caso disso) e medida concreta da pena única a aplicar. Quanto à personalidade do arguido como já dito, importa sobretudo verificar se o conjunto dos factos pode reconduzir-se a apetência para a prática de crimes ou apenas uma pluriocasionalidade, que não assenta, não é reflexo da personalidade. Em tudo deve ainda considerar-se “o princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta. O modelo do Código Penal é de prevenção. A pena deve servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la”29. No caso, os factos, embora praticados em período temporal coincidente, têm natureza distinta. Os crimes cometidos não têm qualquer relação de conexão entre si. A personalidade do arguido, como se lê no acórdão recorrido, “espelhada nos factos que praticou, indicia um indivíduo com alguma facilidade em delinquir, pese embora não se detecte um desvio estrutural e incorrigível de personalidade já que não só não regista outras condenações como a verbalização do arrependimento deixa antever uma consciencialização da censurabilidade da sua vida passada e uma vontade de vir a adoptar um comportamento normativo futuro, beneficiando do apoio familiar. Tem hábitos de trabalho, o que o favorece, e tem apenas 28 anos.” Não pode falar-se em “carreira criminosa”, pois, desde logo, o arguido não tem antecedentes criminais. Mais se diz no acórdão recorrido, quanto ao crime de violência doméstica que “as razões de prevenção geral são importantes, em face da ressonância que factos como os que se apreciam provocam na comunidade, especialmente sensível a este tipo de crime, impondo-se a necessidade de ser recuperada a confiança na validade e vigência da norma violada. Por outro lado, o arguido contava, à data dos factos, com 27 anos e não tinha nem tem antecedentes criminais; tem profissão certa e conta com apoio familiar; confessou parte dos factos, resultando da ponderação do descrito que as necessidades de prevenção especial são apenas medianas. (…) A ilicitude dos factos praticados pelo arguido também não passa de mediana, dentro do tipo de crime em consideração, uma vez que inexistiram actos provados de violência física relevante e as demais condutas ficaram até um pouco aquém dos níveis usuais para este tipo de crime. A culpa do arguido, traduzida no dolo directo com que actuou e na persistência das actuações situa-se em grau médio.” Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes que “acresce que a quantidade de estupefaciente apreendido (o suficiente para mais de 11.000 doses), a sua diversidade (resina de canábis, Mdma, cloridrato de cocaína) e a compensação económica expectável apontam para uma ilicitude acentuada. A actuação com dolo directo e a óbvia premeditação, apontam para persistência de propósitos criminosos e elevam a culpa do arguido Porém, as exigências de prevenção especial são apenas moderadas, considerado a ausência de passado criminal, o apoio familiar, a inserção laboral com hábitos de trabalho, a confissão ainda que parcial e a declaração de arrependimento.” E quanto ao crime de detenção de arma proibida, “optando-se pela pena de prisão, importa aferir da sua medida, salientando-se que o arguido agiu com dolo directo e, cometendo um só crime, detinha uma arma e uma pluralidade de munições proibidas, o que tem necessariamente reflexos na medida da pena. Por outro lado, há que ponderar que o arguido não regista condenações criminais, confessou a detenção das armas e munições, respeita os valores familiares e mostra-se bem inserido socialmente.” A moldura abstrata situa-se entre 5 anos e 2 meses de prisão e 8 anos e 7 meses de prisão. O ilícito de conjunto, engloba três crimes, sendo um de tráfico de estupefacientes, um de violência doméstica e um de detenção de arma proibida. São crimes que atentam contra a saúde publica, a saúde individual, física e psíquica, sendo a detenção de arma proíbida um crime comum, de perigo abstracto e de mera actividade, cujo bem jurídico tutelado é a ordem, segurança e tranquilidade públicas, ou seja, a segurança da comunidade, face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas. Os factos, parte deles, ocorreram num curto período de tempo, mais concretamente cerca de 2 (dois) meses (entre os dias 11.12.2023 a 30.01.2024) na sequência da separação, que o arguido não aceitava e pretendia a todo o custo reatar, como referiu, recorrendo à violência. Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela, como se lê no sumário do Ac. do STJ de 29.02.202430. Por razões de equidade e proporcionalidade haverão de considerar-se, ainda, outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo-se o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes. Por todo o exposto, considerando a moldura do concurso de 5 anos e 2 meses a 8 anos e 7 meses de prisão, considerando as finalidades das penas, em particular das exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, mostra-se justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa, a pena única de 6 (seis) anos de prisão a aplicar ao arguido recorrente. Pena que irá fixar-se, por se considerar o mínimo indispensável à proteção dos bens jurídicos violados e das necessidades preventivas da comunidade e expectativas desta na validade das normas, e ainda adequada a satisfazer as necessidades de ressocialização do arguido. Consequentemente, decide-se reduzir a pena em que foi condenado, e fixá-la em 6 (seis) anos de prisão. Procede, assim, o recurso do arguido recorrente neste particular. 3. Decisão. Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça - 3ª secção criminal -, acorda em: - julgar parcialmente procedente o recurso do arguido recorrente AA, e, em consequência, em condená-lo, na pena única de 6 (seis) anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152 n.º 1 b) e n.º 2 a) do Código Penal, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22.01, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86 n.º 1 c) da Lei 5/2006. - confirmar, no mais, o acórdão recorrido; - sem tributação, (art.º 513º, n.º 1, do CPP). Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Junho de 2025, Antonio Augusto Manso (relator, por vencimento) José Alberto Vaz Carreto (vencido nos termos da declaração de voto que junta) Maria Margarida Ramos Almeida (Adjunta) * Declaração de voto Voto vencido quanto: -à subsunção do crime de violência doméstica, porquanto afigura-se-me que: Dos factos provados e sua fundamentação e em face da conduta do arguido, integrada em três momentos distintos e separados no tempo e a atuação da vitima para com o arguido no momento inicial (em que lhe parte o retrovisor e o pára-brisas da carro), e a análise que deles faço, em que existe entre eles uma relação de paridade em que o arguido não exerce sobre o outro uma relação de supremacia, e tendo em vista a situação ambiente e a imagem global do facto e o modo como se desenvolvia a relação existente entre os sujeitos processuais (ele de 27 anos e ela de 35 anos com 3 filhos e outra vivência) que o relatório social documenta, a conduta do arguido não tem capacidade ofensiva do bem jurídico protegido pela incriminação em causa, nem integra o conceito de maus tratos exigido pela norma incriminadora, que ponha em causa o bem jurídico que a norma protege e se traduzam num tratamento aviltante da dignidade humana da pessoa visada, antes devendo, os factos, para tal integração, ser portadores de um especial desvalor (pondo em causa a dignidade da pessoa enquanto tal), ou dotados de uma “particular danosidade social do facto”, o que , a meu ver, não ocorrem. - a pena única adequada seria 5 anos e 8 meses José A. Vaz Carreto * 1-Miguez Gracia e Cstela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, Notas e Caomentários, 2014, Almedina, Coimbra, p. 617. 2-idem. 3-Miguez Gracia e Cstela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, Notas e Comentários, 2014, Almedina, Coimbra, p. 617, e Ac. do STJ/FJ, n.º 9/2024, de 09.07.2024, in DR, I série, de 09.07.2024. 4-E ainda, também dos direitos fundamentais que a “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica”, concluída em Istambul em 11/05/2011, assinada por Portugal nessa data e com início de vigência relativamente a Portugal em 01/08/2014. Foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21/01 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21/01. É denominada por Convenção de Istambul. 5- cf. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2012, Tomo I, pág. 512, e ac. do STJ de 05/11/2008, processo n.º 08P2504, Maia Costa)” 6- Ac. do STJ/FJ, n.º 9/2024, de 09.07.2024, in DR, I série, de 09.07.2024. 7-Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em anotação ao art.º 154-A do CP. 8-Autor e ob. cit. em anotação ao art.º 152º do CP. 9-Ac. do STJ de 02.10.2024, proferido no proc. n.º 156/23.4GBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt. 10-citado no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, António Gama e outros, Almedina, Coimbra, tomo V, p. 327. 11-Ac. do STJ de 15.02.2024, citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, proferido no proc. n.º 2020/22.5PAALM.S1, in www.dgsi.pt. 12-Idem 13-Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, Reimpressão, 1993 Vol. I, pág. 316, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt. 14-Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt. 15-Figueiredo Dias, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, www.dgsi.pt. 16-Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra, Gestelegal, p. 96. 17-proferido no proc. n.º 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt 18-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197, citado no ac. de 19.05.2021, 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt.” 19-v. ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção. 20-citado no Ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção. 21-Do que, aliás, é expressivo, como referido no Ac. do STJ de 11.10.2023, proc. 504/22.4JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt, “o salientado em documento assinado em Roma, a 11 de junho de 2021 por membros do Judiciário do Brasil, Argentina, Portugal e Itália apontando a necessidade de respostas penais diferenciadas para cada tipo de delito envolvendo as drogas.” 22-Daí que, alguma jurisprudência não aconselha a condenação pelo mínimo legal, nem a suspensão da execução da pena como se pode ler no sumário do Ac. deste STJ, de 15.01.2014, proc. 10/13.8JELSB.L1.S1, 3ªsecção, www.dgsi.pt. relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “as extremas exigências de prevenção geral que levam a rejeitar, face ao disposto no n.º 1 do art.º 50º do CP, a possibilidade de suspensão da execução desta pena de prisão. A suspensão da pena envolveria necessariamente enfraquecimento inadmissível da protecção do bem jurídico tutelado, sabido que é que este fenómeno constitui um meio intensivamente utilizado pelas organizações que controlam a produção de estupefacientes para a sua colocação expedita nos países de maior consumo e que Portugal surge como um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de droga provinda normalmente da América do Sul, quando se trata de cocaína.” 23-proferido no processo n.º 92/23.4JELSB.L1.S1., www.dgsi.pt. 24-aplicando ou confirmando penas concretas entre os 5 e os 7 anos de prisão. v. ac. do STJ de 26.10.2023, proferido no processo n.º 202/22.9JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt. 25-No mesmo sentido, ainda, conclui Souto de Moura, dizendo que, “sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado” - A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena, pag.6, citado no Ac. do STJ de 02.12.2021, proferido no processo n.º 13/20.6GALLE.S1, www.dgsi.pt. 26-Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt 27-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248 e segs, e o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, e de 16.2.2022, Proc.160/20.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt, citados no ac. do STJ de 21.02.2024, proc. 1553/22.8PBPDL.L1.S1. 28-Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada 29-ac. do STJ de 06.01.2021, proferido no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2, in www.dgsi.pt 30- proferido no processo n.º 92/23.4JELSB.L1.S1., www.dgsi.pt. |