Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5977/22.2T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: PREVPAP
CREDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 07/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

No âmbito da aplicação do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública - PREVPAP -, estabelecido pela Lei n.º 112/2017 de 29 de dezembro, é inaplicável o artigo 337.º, n.º 1, do CT/2009.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 5977/22.2T8CBR.C1.S1


Recurso revista


Relator: Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado


Conselheiro José Eduardo Sapateiro


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório


1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN e OO, instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o


Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP), pedindo:


1 - Serem os Autores reconhecidos e declarados como trabalhadores do Réu, durante os períodos em que trabalharam para o mesmo, bem como todas as consequências legais inerentes;


2 - em face do sobredito, ser o Réu condenada a pagar aos Autores as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, no montante global de 344.500.59 €, acrescida dos respectivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados e os vincendos após citação e até efectivo pagamento.


2. - O Réu contestou, além do mais, por excepção, invocando a prescrição dos créditos laborais peticionados pelos Autores.


3. - No despacho saneador/sentença, a 1.ª Instância decidiu:


Nestes termos, julgo extintos, por prescrição, os créditos reclamados pelos autores e absolvo o réu dos pedidos formulados.”.


4. - Os Autores apelaram e o Tribunal da Relação acordou:


Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente procedente em função do que se revoga a decisão impugnada e se ordena o prosseguimento dos autos.”.


5. - O Réu interpôs recurso de revista concluindo, em síntese:


2. Não pode o aqui Recorrente conformar-se com o teor desta decisão que desconsiderou totalmente os artigos 1.º, 6.º e 10.º, todos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, desaplicou o n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho e aplicou incorretamente a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, no que tange à prescrição dos créditos laborais e à natureza jurídica do vínculo laboral estabelecido entre o Recorrente e cada um dos Recorridos e desconsiderou totalmente a recente corrente jurisprudencial desse colendo Supremo Tribunal de Justiça, relativa à extinção por prescrição dos créditos laborais peticionados pelos Recorridos, quando a um contrato individual de trabalho sucede, ato contínuo, um contrato de trabalho em funções públicas;


3. Mal se compreende o dispositivo do douto Acórdão recorrido ao ordenar o prosseguimento dos autos;


6. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso de revista.


7. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação de facto


1. - As Instâncias consideraram provados os seguintes factos:


1.º Desde 2013 até 2020 os autores foram contratados pelo réu para o desenvolvimento da atividade de formação, mediante a celebração de contratos de aquisição de serviços de formação;


2.º Os contratos referidos em 1.º foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012 e 1/2015, que visavam a contratação para os Centros de Empregos e Formação Profissional, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para os períodos compreendidos entre 2013/2015, 2016/2018 e 1 de janeiro de 2020 a 30 de junho de 2020.


3.º Em resultado da conclusão com sucesso dos procedimentos concursais de regularização, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), autores e réu celebraram contratos de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, na carreira e categoria de técnico superior, das carreiras gerais, com efeitos a 1 de maio de 2020 e 22 de dezembro de 2020 (KK);


4.º Na sequência da contratação referida em 3.º com base no PREVPAP, os autores integram o mapa de pessoal do réu desde 1 de maio de 2020 e 22 de dezembro de 2020 (KK);


5.º A presente ação deu entrada em juízo em 22 de dezembro de 2022;


6.º O réu foi citado para a ação em 3 de fevereiro de 2023.


III. - Fundamentação de direito


1. - O objecto da presente revista é o de saber se os créditos peticionados pelos Autores se encontram prescritos.


2. - No acórdão recorrido pode ler-se:


De tudo o que ficou dito e relatado resulta que, com o PREVPAP, não se criaram novos vínculos, entendimento este que é dominante na jurisprudência.


Por outro lado, conforme assinalam os recorrentes, no articulado legal que instituiu o PREVPAP o legislador também deu indicações naquele sentido quando, por exemplo, se refere: que o tempo de serviço prestado na situação de exercício de funções a regularizar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental, sendo o mesmo dispensado quando aquele tempo de serviço seja igual ou superior à duração definida para o período experimental da respetiva carreira (artº 11º), que as pessoas recrutadas através do procedimento concursal são integradas na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária (artº 7º) e que o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária releva para o desenvolvimento da carreira (artº 13º nº 1).


Por tudo isto, não tendo ocorrido a cessação da relação contratual inicial, mas apenas a sua regularização, não ocorreu a prescrição dos créditos peticionados pelos autores.”.


3. - Esta mesma questão da prescrição de créditos no âmbito de aplicação do PREVPAP já foi objecto de apreciação recente, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, nos Acórdãos de 22.05.2024, proferidos nos processos n.º 603/22.2T8PTG.E1.S1 e n.º 7769/21.7T8PRT.P1.S1, cujo Réu é o mesmo destes autos, no sentido da improcedência da excepção peremptória da prescrição dos créditos reclamados pelos respectivos Autores em cada uma dessas acções.


Após referência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2024, processo n.º 459/21.2T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt - “ainda que no caso dos autos não tenham os referidos procedimentos sido considerados no âmbito da contratação dos Autores e que, nessa medida, haja que qualificar de juridicamente nulos tais vínculos, certo é que os mesmos acham-se sujeitos às normas especiais constantes do Código do Trabalho de 2009 [artigos 121.º a 125.º] que determinam que tais relações de cariz laboral produzem os seus efeitos jurídicos normais, até que a sua invalidade seja invocada por uma das partes contra a outra [o que não se demonstrou minimamente nos autos], com consequências jurídicas distintas consoante o faça de boa-fé ou de má-fé” -, naqueles dois Acórdãos do STJ de 22.05.2024 foi consignado, em síntese:


“Interessa, por um lado, recordar que o número 1 do artigo 337.º do Código de Trabalho de 2009 estatui que «1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.» [esta regra legal não sofreu alteração com a Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que entrou em vigor a 1 de maio de 2023].


Importa, por outro lado, conjugá-la com o regime geral constante dos artigos 300.º e seguintes do Código Civil, caracterizando-se a mesma por ser um facto extintivo de direitos [artigos 298.º, número 1 e 304.º, número 1 do CC [1]], que, configurando-se processualmente como uma exceção perentória [artigo 579.º do NCPC], não é de conhecimento oficioso, conforme determinado pelo artigo 303.º do Código Civil [2]/3.


Chegados aqui, facilmente se conclui, ao fazer o cruzamento entre esse regime comum do Código Civil com o número 1 do artigo 337.º do CT/2009, que nos deparamos com uma norma especial que, no quadro do direito laboral substantivo, suspende a contagem do prazo de 1 ano durante a vigência da relação de trabalho – inclusive, quando a mesma está, por seu turno, suspensa na sua execução, nos termos dos artigos 294.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009 -, iniciando-se tal contagem apenas quando cessa o correspondente vínculo laboral.


Tal regime especial, muito embora se aplique uniformemente ao empregador e ao trabalhador, está gizado, numa das suas mais importantes vertentes ou facetas, em termos de proteção dos direitos deste último, não somente em função do real desequilíbrio negocial existente entre as posições das partes no quadro do contrato de trabalho, como pela frequência com que uma e outra reclama junto da outra créditos e outras prestações emergentes do cumprimento, violação e cessação daquele, sendo manifesto que são os assalariados que o fazem, por norma e relativamente às ações que entram nos tribunais do trabalho.


Entendeu o legislador, entre outras razões ou fundamentos, que, enquanto o trabalhador estivesse vinculado ao seu empregador por contrato de trabalho, a sua vontade e liberdade estavam condicionadas e restringidas [coartadas, em parte] pela situação existente de continuada subordinação jurídica e mesmo de dependência económica, na grande maioria das situações, o que o levaria, caso o referido prazo prescricional de 1 ano vigorasse durante a pendência da relação de trabalho, a não reclamar e a deixar prescrever muitos dos seus créditos e outras prestações a que se considerava ter direito mas não tinha coragem para exigir junto da sua entidade empregadora.


É este o cerne, a justificação, o fundamento principal – mas não o único, nem sequer explicativo da extensão que o legislador fez ao empregador de tal regime legal - para a consagração da regra contida no número 1 do artigo 337.º do CT/2009 [4].


Ora, olhando para o que estatui o artigo 337.º, número 1 do Código de Trabalho de 2009, para os factos dados como provados e para as conclusões jurídicas extraídas por este Supremo Tribunal de Justiça quanto à natureza de contrato de trabalho do vínculo estabelecido entre os 10 Autores e o Réu entre as datas de início da relação jurídico-laboral dos primeiros com o IEFP, IP e o dia 30/4/2020, não descortinamos, quer nesta data, quer em qualquer momento anterior ou posterior, uma qualquer interrupção em termos temporais, jurídicos e práticos, da realidade vivida pelas partes ao nível da sua situação funcional e profissional que justifique afirmar, como faz o recorrente, que, por se ter prolongado por mais de um ano desde tal quebra contratual [que o mesmo posiciona no dia 1/5/2020, data em que começaram a vigorar os contratos de trabalho em funções públicas dos trabalhadores dos autos], se tenham de considerar prescritos os créditos laborais reclamados pelos Autores no âmbito desta ação.


Entendemos que existe aqui uma continuidade relacional, que é juridicamente relevante, entre trabalhadores e empregador desde o começo das suas relações de cariz laboral até ao presente - ou, pelo menos, até à data da propositura desta ação -, continuidade que não deixou de ocorrer pela circunstância de os Autores e o Réu terem, ao abrigo do regime do PREVPAV, celebrado, com efeitos a 1/5/2020, contratos de trabalho em funções públicas.” - [o negrito consta do texto transcrito].


Ora, considerando o estatuído no artigo 337.º, n.º 1 do CT/2009 e os factos dados como provados nestes autos - cfr. os pontos 1.º e 3.º -, não descortinamos, quer nesta data, quer em qualquer momento anterior ou posterior, uma qualquer interrupção em termos temporais, jurídicos e práticos, da realidade vivida pelas partes ao nível da sua situação funcional e profissional que justifique afirmar, como faz o Réu, que, por se ter prolongado por mais de um ano desde tal quebra contratual, se tenham de considerar prescritos os créditos laborais reclamados pelos Autores nos presentes autos.


Em conclusão:


No âmbito da aplicação do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública - PREVPAP -, estabelecido pela Lei n.º 112/2017 de 29 de dezembro, é inaplicável o artigo 337.º, n.º 1, do CT/2009.


Improcede, assim, o recurso de revista.


IV. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar improcedente o recurso de revista do Réu e manter o Acórdão recorrido.


Custas a cargo do Réu.


Lisboa, 03 de julho de 2024


Domingos José de Morais (Relator)


Mário Belo Morgado


José Eduardo Sapateiro





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1. Artigo 298.º

Prescrição, caducidade e não uso do direito

1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

2. […]

Artigo 304.º

Efeitos da prescrição

1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

2. […] [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]↩︎

2. Artigo 303.º

Invocação da prescrição

O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. [sublinhados a negrito da nossa responsabilidade]↩︎

3. Cf., por todos, ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, «Prescrição e Caducidade – Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil [“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”]» junho de 2008, Coimbra Editora, páginas 13 e seguintes e PEDRO PAIS DE VASCONCELOS e PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, 9.ª Edição, novembro de 2019, Almedina, páginas 386 e seguintes.↩︎

4. Cf. quanto à prescrição no direito do trabalho e numa visão crítica da interpretação redutora e incorreta que grande parte da nossa doutrina e jurisprudência fazem de tal instituto e do seu fundamento, JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, “Do fundamento do regime da prescrição dos créditos laborais”, Temas Laborais, tomo 2, Coimbra Editora, 2007, págs. 59 e segs.

Cf., também, acerca deste figura no quadro do contrato de trabalho, MESSIAS DOS SANTOS CARVALHO, “Prescrição e Caducidade no Direito do Trabalho”, Dissertação de Mestrado, maio de 2013, Universidade Católica Portuguesa, consultável em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/13394/1/201494140.pdf.↩︎