Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO JUIZ DE COMARCA ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO ABERTURA DE INSTRUÇÃO ASSISTENTE LEGITIMIDADE CRIME PARTICULAR INJÚRIA | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I. O crime de difamação confere proteção penal ao bem jurídico «honra», que corresponde a um direito fundamental da pessoa constitucionalmente garantido (artigo 26.º, n.º 1 do Constituição), nas suas expressões mais simples (artigo 180.º do CP) ou agravadas (artigos 183.º e 184.º do CP). II. O direito da pessoa a não ser ofendida na sua honra constitui um limite a outros direitos de consagração constitucional, como o direito à liberdade de expressão (artigo 37.º da Constituição), que, para além da imputação de factos, comporta a liberdade de opinião ou de formulação de juízos de valor. III. A tutela penal do direito à honra não abrange a imputação de factos desvaliosos ou formulação de juízos de valor negativos em conformidade com os procedimentos legalmente previstos para realização de finalidades inerentes à realização de interesses públicos merecedores de tutela, como sucede no âmbito do um processo penal ou disciplinar ou de outra natureza. Impondo-se, em qualquer caso, um dever de fundamentação com vista ao estabelecimento da «verdade processual» que o procedimento visa estabelecer, o exercício do direito à liberdade de expressão, assim condicionado neste âmbito, só poderá dar lugar à prática de infrações penais nas situações expressa e tipicamente previstas na lei, por violação das regras aplicáveis. IV. Da área de tutela típica do crime de difamação excluem-se juízos de apreciação e valoração de prestações funcionais ou de «realizações profissionais» na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objetiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às realizações e prestações em si. Quando a crítica é dirigida à atividade profissional, o visado pela crítica não pode apelar à tutela da sua reputação como parte integrante da sua “vida privada” pelo artigo 8.º da CEDH (TEDH, Karako c. Hungria, de 28.7.2009), salvo tratando-se de um «ataque pessoal gratuito», «não acompanhado de uma explicação objetiva». V. A afirmação contida no despacho do juiz, que o assistente considera ofensiva, refere-se à conduta processual deste, tecnicamente dirigida por advogado que o representava, não à sua pessoa, ao seu bom nome e reputação; dá conteúdo a uma apreciação que faz da sua pretensão processual e é dirigida a uma finalidade única e específica, que é a decisão do seu indeferimento liminar e eventual condenação como litigante de má-fé, em conformidade com as leis do processo. Esta avaliação crítica não constitui um ato gratuito dirigido à pessoa da assistente, ao seu bom nome e reputação, nem uma afirmação que deva considerar-se incluída na área de tutela penal da honra. VI. Pelo que, em conformidade com o decidido na decisão instrutória, não se mostrando verificados indícios de que o arguido praticou o crime de difamação que lhe é imputado na acusação particular, é o recurso julgado improcedente, mantendo-se a decisão de não pronúncia. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, assistente nos autos e neles devidamente identificado, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do despacho de 28.12.2022 proferido pela Senhora juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, em funções de juiz de ..., que, encerrada a instrução, não pronuncia o arguido BB, juiz de ..., pela autoria de um crime de difamação, p.p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, al. b), e 184.º do Código Penal. 2. O recorrente, AA apresentou queixa, em ........2021, junto do Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, contra o juiz de direito BB, por este, em ........2020, ter proferido um despacho no processo n.º 7201/13.0..., por incumprimento de responsabilidades parentais estabelecidas por despacho por si proferido no apenso B, que obrigava o requerido CC, pai das menores DD e EE, a pagar a pensão de alimentos devidos às menores ao avô destas, agora recorrente, despacho que considera difamatório, imputando-lhe, assim, a prática de um crime p. e p. pelos artigos 180.º, 182.º e 183.º do Código Penal. Dizia esse despacho o seguinte: “… Segundo a Constituição (art. 36, ns. 5 e 6 e art. 68, n. 2) e o CC (art. 1904) EE e DD deveriam durante a sua menoridade estar a cargo do progenitor, agora aqui requerido. Uma das principais razões pelas quais não residiam (e EE não reside) deve-se à oposição do A. que não quer que EE viva com o pai biológico, o progenitor sobrevivo, oposição que se está a avaliar se é ou não legítima. Por melindrosas circunstâncias, o Tribunal abriu uma exceção ao regime constitucionalmente consagrado e atribuiu a residência e as responsabilidades parentais ao aqui A. e que correspondia igualmente a um forte desejo deste. O A. não é tutor nem tem direito a ser remunerado pela sua motivação, contrária à família biológica e, em concreto ao progenitor. Não se vê igualmente qual a legitimidade para o A. vir aos autos pedir alimentos, nomeadamente alimentos de 2020 (sendo que a serem fixados a favor do A. implicariam obviamente uma avaliação das condições financeiras deste bem como do progenitor), e mais a mais num processo tão melindroso, sendo que obviamente esta iniciativa processual do aqui A. não só não vai melhorar o já de si doloroso processo de reabilitação e reatamento dos laços familiares e biológicos, sendo que o regime provisório enfatiza que incumbe ao A. uma atitude proactiva no reatamento e restabelecimento desses laços e convívios, como vai contribuir precisamente para o contrário e para uma actividade processual evitável e desnecessária. Assim sendo, e por se projectar indeferir liminarmente o que vem peticionado, e se ponderar a eventual condenação do A. como litigante de má fé, dão-se 20 dias ao A. e ao aqui R. para, querendo, se pronunciarem sobre o projectado despacho.» 3. Realizado o inquérito, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta proferiu despacho final, em ........2022, em que, não obstante ter considerado não haver indícios suficientes da prática do crime e por considerar que a legitimidade para o procedimento criminal era do assistente, «atenta a natureza particular do crime em causa (artigo 188.º, n.º 1, do CP)», ordenou a notificação do recorrente, na sua qualidade de assistente, para, querendo, em 10 dias, deduzir acusação, sob pena de os autos serem arquivados por falta de legitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal. 4. Veio, então, o assistente deduzir acusação particular pelo crime de difamação p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 183, n.º 1, e 184.º, parte final, do Código Penal. O Ministério Público não acompanhou a acusação particular por considerar que este crime tem natureza semi-pública, que não foi este o crime pelo qual o assistente apresentou queixa, mas sim o crime particular de difamação 180.º, n.º 1, 182.º e 183, n.º 1, e foi a averiguação deste crime que constituiu o objeto do inquérito. Considerou o Ministério Público que «nunca esteve em causa no inquérito se o arguido, sendo juiz, proferiu o despacho de .../.../2020 com grave abuso de autoridade de que se encontra investido», que «o que sempre esteve em causa nos autos foi a circunstância de o senhor juiz, arguido, ter proferido o despacho de .../.../2020 e no mesmo ter utilizado uma frase suscetível de ofender ou desonrara o visado com a mesma». Acrescentando que «a acusação não contém um único facto de onde decorra grave abuso de autoridade por parte do senhor juiz arguido ao proferir o despacho de .../.../2020», que «o senhor juiz proferiu o despacho no exercício legítimo da sua atividade de magistrado judicial, fê-lo quando o processo lhe foi concluso e fê-lo norteado pela defesa e no interesse dos menores», que «não proferiu o despacho abusando dos poderes ou violando os deveres que lhe assistiam no exercício das suas funções, nem o fez em benefício de si próprio ou de terceiro ou em prejuízo de alguém», e que, a acusação particular «extravasou o objeto do inquérito», devendo, assim, «ser entendida como referindo-se apenas ao crime de difamação p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183, n.º 1, do CP». 5. Requereu o arguido a abertura da instrução, a qual foi encerrada com decisão instrutória contendo despacho de não pronúncia «pela prática de um crime de difamação p. e p. pelos artº. 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1 b) e 184.º, todos do C. P.» – que agora constitui o objeto do recurso – com fundamento em que «não existem indícios suficientes que permitam sujeitar o mesmo [Mmo Juiz] a julgamento por não existirem expressões atentatórias da honra e consideração do Sr. ... AA». 6. Apresenta o assistente motivação de recurso de que extrai as seguintes conclusões (transcrição): «A - Um Despacho judicial para resolver/analisar uma questão de legitimidade processual onde se diz que: “… Segundo a Constituição (art. 36, ns. 5 e 6 e art. 68, n. 2) e o CC (art. 1904) EE e DD deveriam durante a sua menoridade estar a cargo do progenitor, agora aqui requerido. Uma das principais razões pelas quais não residiam (e EE não reside) deve-se à oposição do A. que não quer que EE viva com o pai biológico, o progenitor sobrevivo, oposição que se está a avaliar se é ou não legítima. Por melindrosas circunstâncias, o Tribunal abriu uma exceção ao regime constitucionalmente consagrado e atribuiu a residência e as responsabilidades parentais ao aqui A. e que correspondia igualmente a um forte desejo deste. O A. não é tutor nem tem direito a ser remunerado pela sua motivação, contrária à família biológica e, em concreto ao progenitor. Não se vê igualmente qual a legitimidade para o A. vir aos autos pedir alimentos, nomeadamente alimentos de 2020 (sendo que a serem fixados a favor do A. implicariam obviamente uma avaliação das condições financeiras deste bem como do progenitor), e mais a mais num processo tão melindroso, sendo que obviamente esta iniciativa processual do aqui A. não só não vai melhorar o já de si doloroso processo de reabilitação e reatamento dos laços familiares e biológicos, sendo que o regime provisório enfatiza que incumbe ao A. uma atitude proactiva no reatamento e restabelecimento desses laços e convívios, como vai contribuir precisamente para o contrário e para uma actividade processual evitável e desnecessária. Assim sendo, e por se projectar indeferir liminarmente o que vem peticionado, e se ponderar a eventual condenação do A. como litigante de má fé, dão-se 20 dias ao A. e ao aqui R. para, querendo, se pronunciarem sobre o projectado despacho. Após mútuo contraditório, em igual prazo, abra vista. Documento assinado eletronicamente na data constante da certificação.". É objectivamente difamatório para quem é alvo de tais expressões e insinuações, ainda para mais quando o Recorrente procurava apenas e tão só cobrar alimentos para as suas filhas menores arbitrados em momento anterior pelo próprio Juiz Arguido. A utilização de tais expressões são desnecessárias ao Despacho e não são adequadas, urbanas e proporcionais. B - O Recorrente ao tomar conhecimento do referido Despacho, na sequência de não conseguir crer no que lhe explicava o seu Advogado, sentiu-se atónito e enxovalhado, pois, os alimentos que pedia não eram para si, eram para as suas enteadas menores. Para mais, numa Ação de incumprimento e na sequência de um regime, fixado pelo próprio Arguido, como acima igualmente ficou transcrito. E estamos a citar "O A. não é tutor nem tem direito a ser remunerado pela sua motivação, contrária à família biológica e, em concreto ao progenitor." O Arguido tece considerações de que o Recorrente pretende ser remunerado e que tem motivação contrária à da família biológica e em concreto contra o progenitor. Com que Direito, proporcionalidade e necessidade faz o arguido tais afirmações difamatórias!? C - Sendo que, e após o decidido por si próprio, veio no Despacho datado de ........2020 o Arguido escrever o dito por não dito, considerando a posição decisória que tinha tomado na Ata do Apenso B de ........2019, apelidando o ora Denunciante de parte ilegítima, como se pretendesse este beneficiar do que não lhe era devido, e ainda, "ponderando" vir a condenar o Denunciante como litigante de má-fé -ofendendo naturalmente o Demandante aqui Recorrente na sua honra e bom nome, o que queria e conseguiu com as referidas insinuações. Ora, em face desta posição do Tribunal, passou o ora Denunciante a sentir que estava a ser visto como aproveitador de algo que não lhe assistia e que pretendia tirar as filhas ao Pai biológico, o que jamais sucedeu, não fosse este, e não tinham quem lhes desse de comer e as cuidasse. D - Foi isso que o Arguido escreveu e foi isso que o Arguido no mínimo insinuou e isto extravasa em muito o exercício legítimo da sua atividade, antes é abusivo, desnecessário e revelador de prepotência e autoritarismo. Ora, lendo o seu RAI, mais convicto se fica que assim o fez intencionalmente pois ele já não gostava do Recorrente como ali se pode ler e pelas razões ali expostas. Para além de expor no seu RAI dados e resultados de exames perícias do Recorrente que eram sigilosos que este dera autorização apenas no âmbito específico desse processo, cometendo assim violação de ilícito criminal na divulgação dos dados pessoais do Recorrente, sem autorização. E - O Recorrente teve como único e exclusivo propósito, garantir os direitos das Crianças na sequência do que o Tribunal tinha decidido anteriormente, por sinal, o próprio Juiz ora Demandado e Arguido, que depois, de decidir o que decidiu, lhe imputa sob a forma de suspeita uma atuação de má-fé, e por conseguinte, de irresponsável, e menos digno e de estar a reclamar para si o que bem sabia não ter direito, lançando lama sobre o Recorrente e sobre o próprio ali Mandatário deste, sito sem qualquer fundamento ou legitimidade para o efeito. Ao contrário do que se pode ler no RAI e como este Sr. Juiz aqui Arguido era complicado o Recorrente decidiu cobrar o demais em dívida em acção executiva que correu termos sem problemas de legitimidade pelo Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de ... Processo: 6310/20.3...-A, Juízo de Família e Menores de ... - Juiz 2, Estado: Pendente Espécie: Execução Especial de Alimentos (Ag. Execução) Valor: 20754,99 €Data Autuação: .../.../2021, sem incidentes ou acidentes ou difamações. Aliás, o Juiz Arguido chega a insinuar que era positivo uma postura em que estavam por cobrar mais de 20000 euros de alimentos devidos a estas menores, pelo progenitor - o qual se afigurava como o "bom” aos olhos do Juiz Arguido - isto para além dos que foram cobrados nos presentes autos. F - Incrédulo e inconformado com o tratamento que lhe tinha sido dado pelo Despacho difamatório nos seus termos datado de ........2020, foi o ora Denunciante e Recorrente aos autos, por via do seu Advogado, à data, em tal processo, explicar e novamente enquadrar o seu pedido, invocando que, o que requeria, era obviamente, sem qualquer má-fé, e não era para reverter para si, mas sim, para as Crianças, e, em consonância com anterior Decisão Judicial, por sinal, sua, do ora Arguido, no âmbito do Apenso B, a ........2019. O que ocorreu por requerimento dirigido aos autos a ........2020, ante tão grande demora dos autos, por requerimento de ........2020, e ainda, por requerimento de ........2020 a reiterar-se o esclarecimento do pedido e a intenção efetiva do ora Recorrente, e ainda, se reforçando a demora dos autos, ante o seu caráter urgente. G - Nesta altura e ao contrário do que alega o Arguido no seu RAI o Recorrente era o único que lhe falava verdade e não que o induzia em erro, como ali refere - o Arguido é que tardava em perceber o que era evidente e cristalino, o que escapou ao D. Despacho aqui impugnado por via de recurso. O Mmo. Sr. Juiz Arguido, volvidos todos estes meses, veio em ...-...-2021, a proferir, no apenso C, o seguinte Despacho: "Impressos os autos, verifica-se com maior cuidado que na conferência de ........2019 no apenso B foi fixada provisoriamente a cargo do progenitor uma pensão a favor das filhas e a pagar ao aqui A. A legitimidade do A. é assim inequívoca face ao incumprimento do regime provisório. Porém, em rigor, tal incidente deverá ser deduzido nos autos onde foi fixada a pensão, a título provisório, e é aí que deverá ser apreciado o incidente, eventualmente alterado ou revogado, conforme o evoluir dos autos, e caducará com a decisão final sobre tal matéria. Nestes autos apenas se cuidará do incumprimento de alimentos antes do regime provisório fixado no apenso B. E que, como parece cristalino, e não se viu na leitura da PI, há que considerar três momentos distintos: a) Desde a fixação ao falecimento da progenitora O regime originário de regulação do exercício das responsabilidades parentais, incluindo de alimentos, foi fixado tendo em conta as capacidades do progenitor e as necessidades do agregado familiar das menores, onde se incluía a falecida progenitora. Do que não tenha sido pago nessa altura pode colocar-se a questão de saber se é o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da mãe/credora quem tem legitimidade para deduzir a ação de incumprimento (e eventualmente o cabeça-de-casal poderá não ser o aqui padrasto), pois que os alimentos eram atuais e deveriam ser entregues à progenitora que sustentaria as menores ou se as prestações de alimentos em dívida devem ser pagas ao atual representante legal das menores, que é o padrasto, por decisão do apenso B (sendo certo que o agregado da falecida progenitora incluía padrasto na altura em que os alimentos alegadamente não foram pagos) que por isso tem assim legitimidade para os pedir em nome das menores. Propendemos para a tese de que terá de ser o atual representante legal das menores, sendo ainda certo que chocaria que fosse o aqui R., pois sempre este teria interesses conflituantes, pois o R. seria simultaneamente o devedor e o representante das credoras e em conflito com quem detém as atuais responsabilidades parentais e tem as jovens a seu efetivo cargo, importando por isso a nomeação de curador especial (art. 1881, n. 2 do CC) às menores que, muito provavelmente seria o aqui A. Assim, os autos prosseguirão, b) Desde o falecimento da progenitora até à entrada do processo tutelar comum O segundo momento dá-se com o falecimento da progenitora. Falecendo esta o exercício das responsabilidades parentais passou para o progenitor, nos termos do art. 1904, n. 1 do CC, pelo que caducou o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que o padrasto e aqui A. pretendia fazer valer na PI. Logo, passando a ser o progenitor quem teria a residência e as responsabilidades parentais e falecida a progenitora a quem este deveria pagar alimentos, logo cessou a obrigação do progenitor de pagar alimentos a quem quer que fosse, c) Desde a entrada do processo tutelar comum Tudo isto levaria a que deixassem de ser devidos alimentos, mas poucos dias após o falecimento o padrasto, pretendendo a residência e as responsabilidades parentais logo o padrasto instaurou o apenso B, tutelar comum, sendo fixado a ........2021 regime provisório de alimentos. E, não obstante o padrasto nada pedir na PI da ação tutelar comum, foram fixados alimentos pelo Tribunal, pelo que os mesmos são devidos e são devidos desde a entrada da ação tutelar comum, como resulta do regime geral dos alimentos (art. 2006 do CC), mas neste caso tal deverá ser conhecido no apenso B, como dissemos. Assim sendo, reconhecendo-se legitimidade ao A. os autos prosseguirão para a apreciação dos alimentos devidos até ao falecimento da progenitora, sendo que no apenso B se conhecerá do incumprimento do não pagamento dos alimentos provisoriamente fixados. Not. * No apenso B, sendo reconhecido o incumprimento será determinado o desconto em rendimentos periódicos quanto às pensões vincendas. Nestes autos, apenso C, após se liquidarem os valores em dívida até ao falecimento da progenitora, tentar-se-á em conferência um acordo de pagamento em prestações adicionais. E, na falta de acordo, caso os rendimentos do pai biológico o permitam será fixado um desconto adicional a somar às pensões vincendas. * Para conferência designo o dia ........2021 pelas 14:00. * Imprima e junte aos autos os despachos, documentos, vistas e requerimentos, tal como nos apensos. * Documento assinado eletronicamente na data constante da certificação." H - A primeira preocupação é que o Juiz Arguido confessa que lê as coisas com pouco cuidado - o que atenta a sua função é, no mínimo perigoso. Afinal, depois de todo este tempo, pelo Despacho de ........2021 que atrás se deixou transcrito, já a legitimidade do aqui Recorrente agora é inequívoca, já nem uma palavra se escreve sobre a ponderada litigância de Má-fé do ora Denunciante e Recorrente, e nada se fala do que lhe imputou inicialmente, e que se prende com o que referiu quanto ao Denunciante pretender "uma retribuição para si enquanto tutor". Pasmando-se novamente o ora Recorrente, pela total ausência de consideração, respeito e urbanidade que lhe deveria ser devida, mais que não sendo, pelo mero reconhecimento de que o que escrevera tivesse sido um lapso, pois que, não deixou de beliscar e incomodar, da forma como lhe foi dirigido o trato. I - Ao que parece, afinal o Arguido confessa que não tinha lido o processo com o devido cuidado. Mas tal dever de zelo e cuidado se lhe impunha funcionalmente. J - Mas o ora Recorrente foi ofendido na sua honra e no seu bom nome, e sentiu-se humilhado e enxovalhado, pela suspeita que lhe foi imputada, sem que existisse necessidade de tal, pois, não carecia de tanto, para se proferir tal Despacho. E isto é o decisivo e não se o Despacho foi ou não legitimo - o que nunca foi colocado em causa - o que está em causa Excas. são os termos ofensivos e difamatórios do referido Despacho, que afirma e insinua que o Recorrente não é sério, pede coisas para si às quais sabe não ter direito, atenta contra o progenitor e age de má fé - tudo sem que tal seja minimamente necessário para aferir da sua legitimidade. L - O Demandado que nada pedia para si, e pede apenas para a menor sua enteada. Que nenhuma retribuição reclamava como tutor, aliás, jamais o fez. Tudo na sequência de um regime que tinha sido fixado pelo próprio Demandado e Arguido. E ainda assim, o Demandado Arguido insinuou por escrito naquele D. Despacho que o Denunciante estava a pedir algo a que não tinha direito, sendo que, a sua responsabilidade e dever de cuidado, até deveria ser acrescida a qualquer pessoa, em face das funções que exerce, nem tendo tido a mínima preocupação, em volvidos todos estes meses, se ter retratado minimamente pelas imputações que fez, até tendo a humildade de assumir eventual lapso. O que não fez de todo. M - Quando até escreveu que o ora Recorrente o que pedia era para si próprio. Mais, que o Recorrente pedia o indevido. Quando o Denunciante só queria e sempre pretendeu defender os direitos da sua enteada menor. Que é ele que apesar de padrasto tudo tem suportado para que jamais falte algo a esta criança. N - O Recorrente é ... e pai, tem pois um bom nome e honra profissional a defender. E ainda que não o fosse e tivesse outra qualquer profissão não tinha de suportar jamais este tipo de trato, de imputação de suspeitas sobre factos desta natureza ofensiva, ainda por cima, por quem até tem dever acrescido de acautelar a posição de todo e qualquer cidadão, quanto mais, daqueles que tem na alçada dos seus processos. O - O Recorrente foi exposto por aquele Despacho do Arguido, e sentiu-se incomodado e atingido na sua honra, reputação e bom nome, tendo igualmente ficado melindrado pelo modo e pelo tipo de imputações que no dito Despacho do Arguido lhe foram dirigidas. Bem sabendo o Arguido que para tais imputações não havia qualquer sustentação, e que estas não lhe eram merecidas. P - O Recorrente foi exposto perante a parte contrária, e os demais que intervêm na tramitação dos autos. Foi o Recorrente a título de suspeita "acusado" de uma postura pouco honesta, de pedir o que sabia não ter direito. Foi o Recorrente exposto pelo Juiz Arguido perante o MP, os funcionários, os advogados. Tanto mais que como ali se lê o Juiz Arguido no Despacho difamatório determinou contraditório, ou seja, à Advogada das menores, à Advogada do progenitor e ao próprio advogado do Recorrente e após vista ao MP. Q - Porque os bens jurídicos protegidos são a consideração social e pessoal do visado, a sua dignidade, o seu bom nome e honra, bem como, a sua liberdade, reputação, e consideração social e profissional, será em função do conteúdo e extensão da lesão dos bens protegidos, que se aferirá da anti juridicidade da conduta do agente. E só disso aqui estamos a cuidar Exca.s e não se o Arguido se enganou ou deixou de se enganar por ter feito má aplicação do direito ou por desconhecer o Direito - não é esse erro que se lhe imputa e censura, mas antes a insinuação difamatória de que o Recorrente pedia algo que não devia para si próprio, sendo pouco honesto e agindo de má-fé. Ora o Arguido, nunca foi desconhecedor de que, colocando naquele Despacho que o aqui Recorrente reclamava o que não tinha direito e que o que queria era uma retribuição como tutor, certamente o ofendia. Como a qualquer um aconteceria!. Basta V. Exas colocaram-se em tal posição. Aliás a própria Sr. Juíza Desembargadora e a Sr.a Procuradora Geral Adjunta foram dizendo que se sentiriam incomodadas com tais expressões se lhe fossem dirigias e reagiriam como o Recorrente fez, simplesmente depois S. Exc.a a Sr.a Desembargadora depois de o dizer conclui mal; R - Escrevem Leal - Henriques e Simas Santos, "O Código Penal de 1982", Vol. II, 1986, pag. 196 "... a difamação compreende comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém..", constituindo a honra "a essência da personalidade humana" o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração "o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros. "A consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão - a opinião pública (...) a honra «objectivamente», é a opinião dos outros sobre o nosso mérito; subjectivamente...o nosso receio diante dessa opinião..". A defesa destes bens reveste dignidade penal não só porque são valores fundamentais porque normalmente, como bem se salienta no Ac. do STJ - CJ, Tomo III, pag. 149, "...o ataque a esses valores, por meio de difamação ou injúrias, despoleta uma expressão de ódios, aversões e ressentimentos causadora de perturbação e mau estar social"; E resulta de tudo o que escreveu naquele D. Despacho o ora Demandado e Arguido, que, ao realizar-se voluntariamente a ação aqui em apreço, se tenha dado conta da capacidade ofensiva das palavras públicas, isto é, que tenha conhecimento que a imputação dos factos, mesmo sob a forma de suspeita, é objetivamente ofensiva da integridade moral, pessoal e profissional da pessoa visada, não carecendo de qualquer outra finalidade ou motivação especial, tanto mais que o Demandado pela sua profissão tem um acrescido dever de cuidado, de reserva e de urbanidade e de fino trato que lhe é imposto pela Lei e pelo EMJ - tudo o que o Juiz arguido conscientemente não fez no Despacho difamatório; S - Como é sabido, existe em cada comunidade um sentimento comum, por todos ou por uma maioria aceite, do que razoavelmente se deverá ter por consentido ou do que será suscetível de ultrapassar limites mínimos de convivência social normal, numa perspetiva de respeito cívico, social e moral, e na verdade, o exercício das funções jurisdicionais não abrange nem permite que à sua luz, se falte à verdade, se enxovalhe, se agrida por escrito, se pratiquem crimes; O Arguido sobre a veste de um Despacho de ilegitimidade imputou ao ora Recorrente, factos que se comprovam não corresponderem minimamente à verdade, resultaram numa imagem essa sim, "gravíssima" para a pessoa e bom nome profissional do visado, que este era no mínimo pouco honesto e agia ou poderia estar a agir de má fé - o que dá no mesmo. O Arguido bem sabia que as afirmações e imputações que colocou no Despacho eram idóneas a ofender o visado que se mostra devidamente identificado no contexto dos seus relatos, e mesmo assim, não se absteve de o praticar. Ainda para mais num regime que tinha sido o próprio Demandado e Arguido a fixar. Justifica-se, pois, a intervenção do Direito Penal, por se indiciar suficientemente, já nesta fase processual, a prática pelo Demandado e Arguido, com este D. despacho e o que ali escreveu, dos factos objetiva e subjetivamente integradores do crime de Difamação, indícios que se prevêem, com acentuado grau de probabilidade, que, após a sua plena discussão em julgamento, se irão tornar em juízos de certeza idóneos a conduzir à condenação do aqui Demandado. T - O Demandado praticou assim um crime de difamação pp. pelo artigo 180.º, 182.º e 183.º todos do CP, pelo que mal concluiu o D. Despacho do TRL ora sob impugnação. O Demandado e aqui Arguido bem sabia que a sua conduta era ilícita e punida por Lei e atuou com dolo, pois até, após ter reconhecido que a final o ora Recorrente já era parte legítima para o pedido requerido, que inicialmente tinha concretizado, não assumiu qualquer engano, e muito menos se retratou minimamente das imputações de suspeitas que havia feito na pessoa do ora Denunciante e aqui Recorrente. Bem sabia o Arguido/Demandado que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei. U- A liberdade de expressão dos magistrados judiciais no exercício das suas funções e, em particular, na fundamentação das decisões proferidas, é ainda mais restrita, dada a natureza e a responsabilidade da função jurisdicional. A cada juiz, no acto de julgar, compete manifestar a contenção, a ponderação e a moderação inerentes ao exercício da função judicial, de modo a salvaguardar um justo equilíbrio entre os vários direitos e interesses em confronto. Assim, a restrição à liberdade de expressão, em sede de fundamentação da decisão judicial, tem de ser a necessária para salvaguardar outros princípios fundamentais (como a imparcialidade do tribunal) e para assegurar a defesa dos direitos de personalidade de outrem. De modo que tal restrição seja adequada à tutela dos direitos em confronto e proporcional, isto é, razoável e de acordo com uma justa medida. Estes princípios de adequação e de proporcionalidade são igualmente inerentes ao n.º 2 do artigo 10.° da CEDH, sendo que o TEDH vem considerando, em variadíssimas matérias, que é possível estabelecer restrições à liberdade de expressão em caso de abuso do direito. De acordo com a jurisprudência consolidada do Contencioso do STJ, se se verificar que o conteúdo das decisões judiciais integra a violação de deveres funcionais, designadamente do dever de correcção, a que o juiz se encontra adstrito, a efectivação da responsabilidade disciplinar, constitucionalmente cometida ao CSM, não colide com o princípio da independência do poder judicial nem com a independência dos juízes, desde que seja plenamente acautelada a não valoração, pelo mesmo órgão disciplinar, do mérito de tais decisões. As expressões utilizadas nas sentenças judiciais têm de ser consideradas em função da dupla dimensão justificativa da sua fundamentação, ou seja, em função não apenas da repercussão de tais decisões sobre os intervenientes processuais (dimensão intraprocessual ou endoprocessual) mas também em função da sua valoração pela comunidade em geral (dimensão extraprocessual). Pelo que, no exercício da função jurisdicional, está cometida ao juiz a obrigação de projectar uma imagem de ponderação e de moderação nas decisões proferidas, quando valoradas tanto pelos intervenientes processuais como pela comunidade, podendo a falta de respeito por tal obrigação originar responsabilidade disciplinar e criminal. V - Ora, no caso concreto a utilização de tais expressões e o plasmar no D. Despacho de tais insinuações, foi não só totalmente desnecessário à fundamentação do Despacho, como excede o princípio da necessidade e proporcionalidade. Para dizer que o Recorrente não era parte legítima tal bastava. Não era necessário ao Arguido para decidir a questão da legitimidade insinuar e gracejar, que o Recorrente pedia retribuição para si, sem qualquer fundamento e que agia aparentemente de má fé, como o fez o Arguido, o que lesa sem necessidade a honra e o bom nome do Recorrente, cometeu assim o Arguido como dolo o crime do qual vem acusado e como tal deve ser pronunciado e submetido a Julgamento. X - Ao contrário no vertido no D. Despacho aqui impugnado, não está em causa o Despacho do Arguido ser infeliz ou errado, ou revelador do desconhecimento do Direito, mas os termos do mesmo, que imputam, ou, no mínimo, insinuam pouca honestidade e boa fé do Recorrente e que não eram nem necessários nem são proporcionais. E da leitura atenta da RAI resulta que o Juiz Arguido não gostava do Recorrente, por este ser rico, por este estar contra o pai biológico, por este ser alegadamente pedófilo, o que desenvolve no seu RAI e não só nada se demonstrou, feitas as perícias, como é novamente difamatório e preconceituoso. Y - Não pronunciar o Arguido significa atribuir-lhe um tratamento violador do princípio da igualdade que se imporia a qualquer outro cidadão - com violação do artigo 13.° da CRP e ainda com violação do princípio de um Julgamento justo a que o Recorrente tem direito que o Arguido seja sujeito - por violação do artigo 6.° e por extravasar o artigo 10.° ambos da CEDH. Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de v. Exas que se impetra, deve ser revogado o D. Despacho de não pronúncia de fls.. e ser proferido Despacho de Pronúncia pelos factos constantes da acusação Particular, de fls,. sendo o Arguido submetido a julgamento pela prática de um crime de difamação, p.p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1 b) e 184.º todos do CP, com as legais consequências.» 7. Responde o Ministério Público pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação, dizendo, em conclusões: «1. As frases insertas no despacho judicial, de 28/12/2022, "O A não é tutor nem tem direito a ser remunerado pela sua motivação, contrária à família biológica e, em concreto ao progenitor. Não se vê igualmente qual a legitimidade para o A vir aos autos pedir alimentos" e "se ponderar a eventual condenação do A. Como litigante de má fé" não contêm mensagens atentatórias da honra e consideração devidas ao recorrente, nem o arguido as redigiu perspetivando, e querendo, esse efeito. 2. Quer lendo todo o texto do despacho, quer lendo apenas estas frases, não se retira que o recorrente seja um oportunista por querer aproveitar-se de uma das menores estar consigo para obter proveitos para ele próprio. 3. O que se retira é a existência de uma situação que tem a ver com a guarda de uma menor e que tem de ser esclarecida para que seja tomada uma decisão que defenda os interesses daquela. 4. O arguido proferiu o despacho no exercício legitimo da sua atividade de magistrado judicial, fê-lo quando o processo lhe foi concluso, norteado pela defesa e no interesse dos menores e sem perspetivar, e querendo, esse efeito. 5. Não proferiu o despacho abusando dos poderes ou violando os deveres que lhe assistiam no exercício das suas funções, nem o fez em benefício de si próprio ou de terceiro ou em prejuízo de alguém ou por que o recorrente era ... 6. Bem andou o Tribunal da Relação ao decidir não pronunciar o arguido pela autoria de um crime de difamação, p.p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, al. b) e 184.º, todos do CP. 7. A entender-se que as frases utilizadas são objetivamente atentatórias da honra e consideração devidas ao recorrente e que o arguido atuou com esse conhecimento e querendo esse efeito, exorbitando dos poderes ou violando os deveres que lhe assistiam no exercício das suas funções ou por que o recorrente é ..., não pode ser pronunciado pelo crime pelo qual o recorrente deduziu acusação particular. 8. Assim, o inquérito teve por objeto a investigação da eventual autoria, pelo arguido, de um crime de difamação, p. e p. pelos 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, todos do C. Penal, crime este de natureza particular, competindo ao assistente a dedução de acusação particular que o Ministério Público pode, ou não, acompanhar. 9. Ora, o recorrente, notificado para deduzir acusação pelo crime particular, e formular pedido de indemnização cível, deduziu acusação por crime distinto. 10. Crime esse de natureza semi-pública, atento o disposto no art. 188.º, n.º 1, al. a), do C.P., competindo ao Ministério Público a dedução de acusação ou a prolação de despacho de arquivamento. 11. Desta forma, o recorrente não tem legitimidade para, por si só, deduzir acusação pelo crime de difamação de natureza semi-pública, como fez. 12. Circunstância que determina a nulidade da acusação e, necessariamente, a não pronúncia do arguido por esse crime. 13. Pelo exposto, não merece o recurso provimento.» 8. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer de concordância com o Ministério Público na Relação, nos seguintes termos: «(…) O Ministério Público junto daquele Tribunal da Relação apresentou resposta muito bem fundamentada e que acompanhamos na íntegra. Com efeito, da leitura do processo resulta, com total clareza, que, como referiu a Veneranda Juiz de Instrução Criminal, o texto do aludido despacho de 10/09/2020 não é objetivamente atentatório da honra e consideração devidas ao aqui recorrente, sendo que, para além disso, ao redigi-lo, o arguido não ponderou que o mesmo fosse idóneo à produção daquele efeito e, como tal, não atuou com dolo. Para além disso, importa sublinhar que, como refere o meu Exmº Colega (o qual não formulou acusação, nem acompanhou a apresentada pelo Assistente- cfr. despachos de 25 de fevereiro de 2022 e de 12 de maio de 2022), os factos em causa jamais poderiam ser subsumíveis ao disposto no artigo 184º do Código Penal já que o despacho em causa: • não é subsumível ao disposto na alínea l) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, uma vez que o Recorrente não intervém no processo em nenhuma das qualidades nele referidas (v.g. como docente) e, muito menos, tal acontece “no exercício das suas funções ou por causa delas”; • não foi proferido com “grave abuso de autoridade” Assim, não querendo alongar-nos, por absolutamente desnecessário, limitamo-nos a concluir que o douto despacho de não pronúncia não merece censura e deve ser confirmado.» 9. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o assistente nada disse. 10. Remetido o processo a vistos e à conferência, cumpre decidir. II. Fundamentação 11. O recurso tem, pois, por objeto uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação, em 1.ª instância – artigos 12.º, n.º 6, do CPP e 73.º, al. g), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto. Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. a), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito). 12. De acordo com as conclusões da motivação, o que está em causa é saber se da instrução resulta a existência de indícios suficientes (artigo 308.º, n.º 1, do CPP) para pronunciar o arguido pela prática do crime que lhe é imputado na acusação particular. Dispõe o artigo 380.º, n.º 1, do CPP que «Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia». Nos termos do n.º 2 do artigo 283.º, aplicável pela remissão operada pelo n.º 2 do artigo 308.º, «Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança». 13. A decisão recorrida, corrigida por despacho de 16.1.2023, encontra-se assim fundamentada (transcrições em itálico): 13.1. Da acusação particular «Da acusação particular resulta 1.9 - O Demandado é Juiz de .... 2.9 - O ora Demandado exerce funções no Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Família e Menores do ... - Juiz 2. 3.5 - É o Juiz titular do Processo: 7201/13.0..., Espécie: Processo com data Autuação: .../.../2019 4.5 - No referido processo o ora Denunciante que é ... é Requerente. 5.9. - No âmbito do PROCESSO TUTELAR COMUM ACTA DE CONFERÊNCIA DE PAIS, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, e que, para comodidade (…), se reproduz na parte com interesse para a economia da presente queixa, o ora Demandado decidiu o seguinte: "Data: .../.../2019 Hora: 14:00h Processo: 7201/13.0... Requerente: AA Mandatário: Dr. FF Requerido: CC Mandatária: Dr.ª GG Menores: DD: EE Juiz de ...: Dr. BB Curadora de Menores : Dr.ª HH Oficial de Justiça : II Ali se tendo decidido o seguinte: decide-se por ora e sem prejuízo de se rever e ajustar a qualquer momento o regime agora fixado, o seguinte: A menor EE residirá por ora com o autor AA o qual exercerá as responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente, b) Enquanto se avaliam a competências (parentais e as motivacionais) do autor, bem como o seu empenho em que realmente se fomentem os convívios com a demais família da menor, em especial com o seu pai, e tendo em conta, e apenas por isso, o actual quadro familiar e a integração da menor no agregado de AA e o convívio com os irmãos uterinos e irmã germana, e ainda porque objectivamente tem sido AA quem tem participado com a mãe nas principais decisões da vida da menor, as responsabilidades em questões de particular importância ficam por ora a cargo de AA, o qual deverá obrigatoriamente consultar o progenitor antes de tomar qualquer decisão e deverá informar o progenitor das decisões que forem sendo tomadas. Deverá ainda fazer chegar regularmente ao progenitor todos os factos relevantes da vida da menor, desde as avaliações escolares, para que o pai possa querendo estar presente e também as actividades extracurriculares que a menor desenvolve, os dias em que a menor atua na ginástica com indicação dos locais onde a mesma estará, bem como informar do estado de saúde, da pediatra que acompanha e se as vacinas estão em dia e tudo o que for relevante. O autor fica especialmente incumbido de promover de forma proactiva os convívios de EE com demais família biológica, dando aliás seguimento ao que a progenitora já tinha iniciado. Mantêm-se os convívios já determinados, só que atentas as circunstancias dramáticas ligadas ao recente falecimento da progenitora a um recrudescer de conflitos entre autor e demais família das menores, e a necessidade de todos reprocessarem e reorganizarem a sua vida e ainda o facto de DD atingir maioridade e claramente não estar disponível para participar nestes convívios e ajudar a viabiliza-los, o que seria de grande vantagem, mas que infelizmente não vai ser possível, o que também se diga que o tribunal compreende e não pretende com isto censurar DD mas simplesmente constatar mais este escolho na resolução desta complexa situação familiar, entendemos que: - As visitas deverão nos primeiros três meses serem acompanhadas, de preferência no modelo do CAFAP e de preferência aos fins-de-semana pelas limitações escolares da menor e laborais do progenitor e devem igualmente tentar encaixar os eventos desportivos que a menor tem aos fins-desemana. - As visitas deverão tender para uma frequência pelo menos semanal, ainda que num primeiro momento, nesta fase de readaptação e relançamento dos convívios se admita que possam ser mais espaçadas. Para tanto e com urgência, solicite à EMAT que junte aos autos um plano de convívio da menor EE dentro das directrizes definidas e caso o MDV continue sem vagas ou não possa viabilizar visitas ao fim de semana se opte pelos CAFAP a quem se tem recorrido à volta da comarca do .... Do autor e do progenitor o que se espera é que colaborem de forma efectiva e não por palavras, pensando nos superiores interesses da menor EE. O pai, tendo em conta que a menor EE vive com o autor, passará a pagar a pensão a favor do autor que deverá juntar o IBAN em 10 dias. Quanto a DD, o regime a fixar é apenas por uns dias e tendo em conta todo o circunstancialismo que antecede: a) Fixa-se a residência com o autor que exercera as responsabilidades parentais de particular importância e actos da vida corrente, b) O autor deverá auscultar a menor DD sobre uma actividade extracurricular que a mesma pretenda praticar o que à partida será desportiva e procurará, na medida do possível, viabilizar a concretização com a brevidade possível de tal actividade. c) O autor deverá ainda remeter ao progenitor até à maioridade da menor todos os elementos recolhidos quanto a DD e mais referentes aos últimos meses. O pai pagará igualmente a pensão de DD nos mesmos termos. a) O despacho que antecede foi notificado aos presentes. 6.2. - Como o ali Requerido não lhe pagava o determinado pelo ora Demandado, o aqui Denunciante e Demandante foi forçado a intentar competente apenso de incumprimento, o qual, correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., sob o n.º Processo: 7201/13.O..., do Juízo de Família e Menores do ... - Juiz 2, Espécie: Incumprimento das Responsabilidades Parentais, com Data Autuação: .../.../2020. 7.2. - O Denunciante e Demandante é ali Requerente e o Demandado é igualmente o Mmo. Juiz titular do referido processo. 8.2 - Ora, após o Denunciante dar instruções a um dos seus Advogados, para ser proposto o referido incumprimento, o que se verificou, o Mmo, Juiz ora Demandado, proferiu, no Apenso C, em ...-...-2020, o seguinte Despacho: "Proc. n.º 7201/13.O... Incumprimento das Responsabilidades Parentais .......08 CONCLUSÃO - ...-...-2020 (Termo eletrónico elaborado por Escrivão Auxiliar JJ) =CLS= Segundo a Constituição (art. 36, ns. 5 e 6 e art. 68, n. 2) e 0 CC (art. 1904) EE e DD deveriam durante a sua menoridade estar a cargo do progenitor, agora aqui requerido. Uma das principais razões pelas quais não residiam (e EE não reside) deve-se à oposição do A. que não quer que EE viva com o pai biológico, o progenitor sobrevivo, oposição que se está a avaliar se é ou não legítima. Por melindrosas circunstâncias, o Tribunal abriu uma exceção ao regime constitucionalmente consagrado e atribuiu a residência e as responsabilidades parentais ao aqui A. e que correspondia igualmente a um forte desejo deste. O A. não é tutor nem tem direito a ser remunerado pela sua motivação, contrária à família biológica e, em concreto ao progenitor. Não se vê igualmente qual a legitimidade para o A. vir aos autos pedir alimentos, nomeadamente alimentos de 2020 (sendo que a serem fixados a favor do A. implicariam obviamente uma avaliação das condições financeiras deste bem como do progenitor), e mais a mais num processo tão melindroso, sendo que obviamente esta iniciativa processual do aqui A. não só não vai melhorar o já de si doloroso processo de reabilitação e reatamento dos laços familiares e biológicos, sendo que o regime provisório enfatiza que incumbe ao A. uma proactiva no reatamento e restabelecimento desses laços e convívios, como vai contribuir precisamente para o contrário e para uma actividade processual evitável e desnecessária. Assim sendo, e por se projectar indeferir liminarmente o que vem peticionado, e se ponderar a eventual condenação do A. como litigante de má fé, dão-se 20 dias ao A. e ao aqui R. para, querendo, se pronunciarem sobre o projectado despacho. Após mútuo contraditório, em igual prazo, abra vista. 9.2 - O ora Denunciante e Demandante ao tomar conhecimento do referido Despacho, na sequência de não conseguir crer no que lhe explicava o seu Advogado, sentiu-se atónito e enxovalhado, pois, os alimentos que pedia não eram para si, eram para a menor. 10.2. Para mais, numa Ação de incumprimento e na sequência de um regime, fixado pelo próprio Demandado, como acima igualmente ficou transcrito. 11.2. Sendo que, e após o decidido por si próprio, veio no Despacho datado de 10.09.2020 o aqui Demandado escrever o dito por não dito, considerando a posição decisória que tinha tomado na Ata do Apenso B de 15.02.2019, apelidando o ora Denunciante de parte ilegítima, como se pretendesse este beneficiar do que não lhe era devido, e ainda, "ponderando" vir a condenar o Denunciante como litigante de má-fé - ofendendo naturalmente o Demandante na sua honra e bom nome, o que queria e conseguiu com as referidas insinuações. 12.2. Ora, em face desta posição do Tribunal, passou o ora Denunciante a sentir que estava a ser visto como aproveitador de algo que não lhe assistia e que pretendia tirar as filhas ao Pai biológico, o que jamais sucedeu, não fosse este, e não tinham quem lhes desse de comer e as cuidasse. Teve como único e exclusivo propósito, garantir os direitos das Crianças na sequência do que o Tribunal tinha decidido anteriormente, por sinal, o próprio Juiz ora Demandado, que depois, de decidir o que decidiu, lhe imputa sob a forma de suspeita uma atuação de má-fé, e por conseguinte, de irresponsável, e menos digno. 13.2. - incrédulo e inconformado com o tratamento que lhe tinha sido dado pelo Despacho datado de 10.09.2020, foi o ora Denunciante e Demandante aos autos, por via do seu Advogado, à data, em tal processo, explicar e novamente enquadrar o seu pedido, invocando que, o que requeria, era obviamente, sem qualquer má-fé, e não era para reverter para si, mas sim, para as Crianças, e, em consonância com anterior Decisão Judicial, por sinal, sua, do ora Demandado, no âmbito do Apenso B, a 15.02.2019. O que ocorreu por requerimento dirigido aos autos a 16.09.2020, ante tão grande demora dos autos, por requerimento de 20.11.2020, e ainda, por requerimento de 01.12.2020 a reiterar-se o esclarecimento do pedido e a intenção efetiva do ora Denunciante, e ainda, se reforçando a demora dos autos, ante o seu caráter urgente. 14.2. Agora, o Mmo. Juiz Demandado, volvidos todos estes meses, veio em 02-03- 2021, a proferir, no apenso C, o seguinte Despacho: "Impressos os autos, verifica-se com maior cuidado que na conferência de 15.02.2019 no apenso B foi fixada provisoriamente a cargo do progenitor uma pensão a favor das filhas e a pagar ao aqui A. A legitimidade do A. é assim inequívoca face ao incumprimento do regime provisório. Porém, em rigor, tal incidente deverá ser deduzido nos autos onde foi fixada a pensão, a título provisório, e é aí que deverá ser apreciado o incidente, eventualmente alterado ou revogado, conforme o evoluir dos autos, e caducará com a decisão final sobre tal matéria. Nestes autos apenas se cuidará do incumprimento de alimentos antes do regime provisório fixado no apenso B. É que, como parece cristalino, e não se viu na leitura da PI, há que considerar três momentos distintos: a) Desde a fixação ao falecimento da progenitora O regime originário de regulação do exercício das responsabilidades parentais, incluindo de alimentos, foi fixado tendo em conta as capacidades do progenitor e as necessidades do agregado familiar das menores, onde se incluía a falecida progenitora. Do que não tenha sido pago nessa altura pode colocar-se a questão de saber se é o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da mãe/credora quem tem legitimidade para deduzir a ação de incumprimento (e eventualmente o cabeça-de-casal poderá não ser o aqui padrasto), pois que os alimentos eram atuais e deveriam ser entregues à progenitora que sustentaria as menores ou se as prestações de alimentos em dívida devem ser pagas ao atual representante legal das menores, que é o padrasto, por decisão do apenso B (sendo certo que o agregado da falecida progenitora incluía padrasto na altura em que os alimentos alegadamente não foram pagos) que por isso tem assim legitimidade para os pedir em nome das menores. Propendemos para a tese de que terá de ser o atual representante legal das menores, sendo ainda certo que chocaria que fosse o aqui R., pois sempre este teria interesses conflituantes, pois o R. seria simultaneamente o devedor e o representante das credoras e em conflito com quem detém as atuais responsabilidades parentais e tem as jovens a seu efetivo cargo, importando por isso a nomeação de curador especial (art. 1881, n. 2 do CC) às menores que, muito provavelmente seria o aqui A. Assim, os autos prosseguirão, b) Desde o falecimento da progenitora até à entrada do processo tutelar comum O segundo momento dá-se com o falecimento da progenitora. Falecendo esta o exercício das responsabilidades parentais passou para o progenitor, nos termos do art. 1904, n. 1 do CC, pelo que caducou o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que o padrasto e aqui A. pretendia fazer valer na PI. Logo, passando a ser o progenitor quem teria a residência e as responsabilidades parentais e falecida a progenitora a quem este deveria pagar alimentos, logo cessou a obrigação do progenitor de pagar alimentos a quem quer que fosse, c) Desde a entrada do processo tutelar comum Tudo isto levaria a que deixassem de ser devidos alimentos, mas poucos dias após o falecimento o padrasto, pretendendo a residência e as responsabilidades parentais logo o padrasto instaurou o apenso B, tutelar comum, sendo fixado a 15.02.2021 regime provisório de alimentos. E, não obstante o padrasto nada pedir na PI da ação tutelar comum, foram fixados alimentos pelo Tribunal, pelo que os mesmos são devidos e são devidos desde a entrada da ação tutelar comum, como resulta do regime geral dos alimentos (art. 2006 do CC), mas neste caso tal deverá ser conhecido no apenso B, como dissemos. Assim sendo, reconhecendo-se legitimidade ao A. os autos prosseguirão para a apreciação dos alimentos devidos até ao falecimento da progenitora, sendo que no apenso B se conhecerá do incumprimento do não pagamento dos alimentos provisoriamente fixados. Not. * No apenso B, sendo reconhecido o incumprimento será determinado o desconto em rendimentos periódicos quanto às pensões vincendas. Nestes autos, apenso C, após se liquidarem os valores em dívida até ao falecimento da progenitora, tentar-se-á em conferência um acordo de pagamento em prestações adicionais. E, na falta de acordo, caso os rendimentos do pai biológico o permitam será fixado um desconto adicional a somar às pensões vincendas. * Para conferência designo o dia 21.04.2021 pelas 14:00. * Imprima e junte aos autos os despachos, documentos, vistas e requerimentos, tal como nos apensos. * Documento assinado eletronicamente na data constante da certificação." 15.2. Afinal, depois de todo este tempo, pelo Despacho de 02.03.2021 que atrás se deixou transcrito, já a legitimidade do A. e aqui Denunciante agora é inequívoca, já nem uma palavra se escreve sobre a ponderada litigância de Má-fé do ora Denunciante e Demandante, e nada se fala do que lhe imputou inicialmente, e que se prende com o que referiu quanto ao Denunciante pretender "uma retribuição para si enquanto tutor". Pasmando-se novamente o ora Denunciante, pela total ausência de consideração, respeito e urbanidade que lhe deveria ser devida, mais que não sendo, pelo mero reconhecimento de que o que escrevera tivesse sido um lapso, pois que, não deixou de beliscar e incomodar, da forma como lhe foi dirigido o trato. 16.9. Ao que parece, afinal o Demandado não tinha lido o processo com o devido cuidado. Mas tal dever de zelo e cuidado se lhe impunha. 17.9. Mas o ora Denunciante e Demandante foi ofendido na sua honra e no seu bom nome, e sentiu-se humilhado e enxovalhado, pela suspeita que lhe foi imputada, sem que existisse necessidade de tal, pois, não carecia de tanto, para se proferir tal Despacho. - O Demandado que nada pedia para si, e pede apenas para a menor sua enteada. - Que nenhuma retribuição reclamava como tutor, aliás, jamais o fez. - Tudo na sequência de um regime que tinha sido fixado pelo próprio Demandado. . E ainda assim, o Demandado insinuou que o Denunciante estava a pedir algo a que não tinha direito, sendo que, a sua responsabilidade e dever de cuidado, até deveria ser acrescida a qualquer pessoa, em face das funções que exerce, nem tendo tido a mínima preocupação, em volvidos todos estes meses, se ter retratado minimamente pelas imputações que fez, até tendo a humildade de assumir eventual lapso. O que não fez de todo. - Quando até escreveu que o ora Denunciante o que pedia era para si próprio. - Mais, que pedia o indevido. . Quando o Denunciante só queria e sempre pretendeu defender os direitos da sua enteada menor. . Que é ele que apesar de padrasto tudo tem suportado para que jamais falte algo a esta criança. O Denunciante e Demandante é ..., tem pois um bom nome e honra profissional a defender. E ainda que não o fosse e tivesse outra qualquer profissão não tinha de suportar jamais este tipo de trato, de imputação de suspeitas sobre factos desta natureza ofensiva, ainda por cima, por quem até tem dever acrescido de acautelar a posição de todo e qualquer cidadão, quanto mais, daqueles que tem na alçada dos seus processos. . O Demandante foi exposto por aquele Despacho do Demandado, e sentiu-se incomodado e atingido na sua honra e bom nome, tendo igualmente ficado melindrado pelo modo e pelo tipo de imputações que no dito Despacho lhe foram dirigidas. Bem sabendo que para tais imputações não havia qualquer sustentação, e que estas não lhe eram merecidas. - Foi exposto perante a parte contrária, e os demais que intervêm na tramitação dos autos. Foi a titulo de suspeita "acusado" de uma postura pouco honesta, de pedir o que sabia não ter direito. . Foi exposto perante o MP, os funcionários, os advogados. . Porque os bens jurídicos protegidos são a consideração social e pessoal do visado, a sua dignidade, o seu bom nome e honra, bem como, a sua liberdade, reputação, e consideração social e profissional, será em função do conteúdo e extensão da lesão dos bens protegidos, que se aferirá da antijuridicidade da conduta do agente. . ora o Demandado, nunca foi desconhecedor de que, colocando naquele Despacho que o Denunciante reclamava o que não tinha direito e que o que queria era uma retribuição como tutor, certamente o ofendia. Como a qualquer um aconteceria!; . Escrevem Leal - Henriques e Simas Santos, "O Código Penal de 1982", Vol. II, 1986, pag. 196 "... a difamação compreende comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém..", constituindo a honra "a essência da personalidade humana" o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração "o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros. "A consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão - a opinião pública (...) a honra «objectivamente», é a opinião dos outros sobre o nosso mérito; subjectivamente...o nosso receio diante dessa opinião..". A defesa destes bens reveste dignidade penal não só porque são valores fundamentais porque normalmente, como bem se salienta no Ac. do STJ - G, Tomo III, pag. 149, "...o ataque a esses valores, por meio de difamação ou injúrias, despoleta uma expressão de ódios, aversões e ressentimentos causadora de perturbação e mau estar social"; 34.2- E resulta de tudo o que participou o ora Demandado, que, ao realizar-se voluntariamente a ação aqui em apreço, se tenha dado conta da capacidade ofensiva das palavras públicas, isto é, que tenha conhecimento que a imputação dos factos, mesmo sob a forma de suspeita, é objetivamente ofensiva da integridade moral, pessoal e profissional da pessoa visada, não carecendo de qualquer outra finalidade ou motivação especial, tanto mais que o Demandado pela sua profissão tem um acrescido dever de cuidado; 35.2. Como é sabido, existe em cada comunidade um sentimento comum, por todos ou por uma maioria aceite, do que razoavelmente se deverá ter por consentido ou do que será suscetível de ultrapassar limites mínimos de convivência social normal, numa perspetiva de respeito cívico, social e moral, e na verdade, o exercício das funções jurisdicionais não abrange nem permite que à sua luz, se falte à verdade, se enxovalhe, se agrida por escrito, se pratiquem crimes; 36.2. o Demandado sobre a veste de um Despacho de ilegitimidade imputou ao ora Queixoso, factos que se comprovam não corresponderem minimamente à verdade, resultaram numa imagem essa sim, "gravíssima" para a pessoa e profissional visado. 37.2- O Demandado sabia que as afirmações e imputações que colocou no Despacho eram idóneas a ofender o visado que se mostra devidamente identificado no contexto dos seus relatos, e mesmo assim, não se absteve de o praticar. Ainda para mais num regime que tinha sido o próprio Demandado a fixar. 38.2 - Justifica-se, pois, a intervenção do Direito Penal, por se indiciar suficientemente, já nesta fase processual, a prática pelo Demandado dos factos objetiva e subjetivamente integradores do crime de Difamação, indícios que se preveem, com acentuado grau de probabilidade, que, após a sua plena discussão em julgamento, se irão tornar em juízos de certeza idóneos a conduzir à condenação do aqui Demandado. 39.2. O Demandado praticou assim um crime de difamação pp. pelo artigo 180.2 ,182.2 e 1832 todos do CP. 40.2. - O Demandado bem sabia que a sua conduta era ilícita e punida por Lei e atuou com dolo, pois até, após ter reconhecido que a final o ora Demandado já era parte legítima para o pedido requerido, que inicialmente tinha concretizado, não assumiu qualquer engano, e muito menos se retratou minimamente das imputações de suspeitas que havia feito na pessoa do ora Denunciante. 41.2. Bem sabia o Arguido/Demandado que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei. Nestes termos e nos Demais de Direito, o Arguido incorreu na prática de um crime de difamação p.p. pelo artigo 180.9, 183.9, n.9 1 al. b) e 184.9, parte final do CP, devendo por este ser condenado e, como consequência, o pedido ser julgado procedente por provado e as Denunciadas condenadas a pagar ao Demandante a quantia de € 5000, 00, sendo a título de danos não patrimoniais, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências. Nestes termos e nos demais de Direito deve o Demandado ser condenado pela prática do crime de difamação p.p. pelo artigo 180º, 183º, nº 1al. b) e 184.º, parte final do CP. E ainda, ao abrigo do preceituado no artº 189º do CP e bem assim, nos seus termos e para os seus efeitos legais, desde já se requer o conhecimento público da sentença que venha a ser proferida.» 13.2. Apreciação e decisão «Cumpre apreciar e decidir. É o despacho de ........2020 que nos interessa e sem dúvida a configuração ou não de um crime de difamação relativamente ao assistente que nos importa tratar e, em relação ao qual cumpre decidir pronunciar ou não. Toda a prova necessária resulta inserida nos autos porque é apenas documental. A prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º1 CCP) e é, normalmente apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127° CPP). A prova não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência (cf. v.g. Ac. da Relação de Coimbra no Processo n.° 2447/99), uma certeza absoluta, lógico-matemática ou apodítica, nem se basta, por outro lado, com a mera probabilidade de verificação de um facto. Na verdade, a prova pressupõe: a) O alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida (cf. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil" p. 191; Antunes Varela, "Manual de Processo Civil", p. 421); b) O grau de certeza que as pessoas mais exigentes da vida reclamariam para dar como verificado o facto respetivo (Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratório, III", p. 345); c) A consciência de um elevado grau de probabilidade - convicção - assente no raciocínio lógico do juiz e não em meras impressões (Castro Mendes, "Do Conceito de Prova em Processo Civil" p. 306 e 325); d) Na convicção - objetivável, raciocinada (baseada na intuição e na reflexão e motiváveis - para além de toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida, mas apenas a dúvida fundada em razões adequadas (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I," p. 205). Divide-se atualmente a doutrina entre duas posições sobre o que são indícios suficientes: a) A que entende que o juiz deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que tenha cometido o crime do que não o tenha feito e que, portanto, a lei não impõe a mesma convicção requerida pelo julgamento, bastando-se com um juízo de indiciação (Prof. Germano Marques da Silva); b) A que parece equiparar a convicção de quem acusa ou pronuncia com a convicção de quem julga e condena (Dr. Carlos Adérito Teixeira). Perfilhamos, porém, a primeira destas posições, isto é, a de que existem indícios suficientes quando é maior a probabilidade de o arguido vir a ser condenado do que o de vir a ser absolvido. Na fase de inquérito e para consideração como imputável a determinada pessoa infração criminal a Lei exige a existência de fortes indícios. No caso presente existirão fortes indícios da prática do requerente de abertura de instrução de um crime de difamação ao assistente que contra ele deduziu acusação particular por esse mesmo crime? Os crimes de difamação e de injúria constam do capítulo VI do Código Penal – Dos crimes contra a honra. Com esta incriminação a lei procurou tutelar o bem jurídico honra entendido como bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade quer a sua própria reputação ou consideração exterior – neste sentido, cfr. Leal Henriques e Simas Santos in “Código Penal Anotado”, vol. 2, pág. 329. Protege-se não apenas a dignidade pessoal mas também o sentimento daquilo que os outros pensam e veem em si, independentemente de corresponder à verdade, dando assim cumprimento ao estipulado no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa que tutela autonomamente a inviolabilidade da integridade moral das pessoas e a sua consideração social mediante reconhecimento a todos do direito ao bom nome e reputação. Trata-se de um crime de perigo. Diz-nos Beleza dos Santos que: “a lei não exige, como elemento do tipo criminal, em nenhum dos casos, um dano efetivo do sentimento de honra ou de consideração. Basta, para a existência do crime, o perigo de que aquele dano possa verificar-se.” Como elemento objectivo do tipo legal supra mencionado exige-se que a imputação feita ou palavras dirigidas sejam ofensivas do carácter, rectidão e dignidade de qualquer um pondo em causa o bom-nome, o crédito e confiança. Face aos princípios da legalidade e tipicidade que norteiam o Direito Penal não se pode considerar ofensivo da honra e consideração toda e qualquer imputação de factos ou juízos apenas e só porque o visado entende que se sente lesado. A determinação do que seja ofensivo da honra e consideração terá que ser feita, não em termos subjectivos, em função dos caprichos e sensibilidade de cada um, mas em moldes objectivos, tendo em conta aquilo que na generalidade das pessoas de bem deverá considerar-se ofensivo dos valores sociais e individuais de respeito. Considerando a honra como sendo o “(…) elenco de valores éticos que cada pessoa possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um” e a consideração como sendo “o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública”, obra citada pág. 196 – teremos que concluir que toda e qualquer imputação de um facto ou juízo ofensivo da honra ou consideração, ao lesar os valores acima referidos, comportará necessariamente conotação eticamente reprovável à qual a sociedade não se pode mostrar indiferente, reclamando, para tal, a intervenção do Direito Penal – neste sentido, Acórdão da Relação de Évora de 02.07.96. Subjectivamente pressupõe o crime de difamação que o agente actue dolosamente, isto é, que tenha consciência de que os factos ou juízos que imputa a outrem são, em termos objectivos, ofensivos da sua honra e consideração e, mesmo assim, queira actuar da forma descrita. Não se exige que o agente tenha intenção de ofender a honra e consideração, bastando a consciência de que as expressões ou factos que dirige ou imputa são objectivamente lesivos da honra e consideração. Para estabelecer a diferenciação essencial dentro das infracções contra a honra – distinção entre difamação e injúria – o legislador empregou uma técnica legislativa baseada na imputação directa ou indirecta dos factos ou juízos desonrosos. Forma de perceber o fenómeno da violação do bem jurídico da honra que, manifestamente, apresenta uma lógica material interna e que, por isso, se reflecte na definição das molduras penais abstractas de uma e de outra daquelas infracções: uma coisa é a violação da honra perpetrada de maneira directa (na forma mais simples e comum, isto é, perante a vítima), outra será levar a cabo aquela mesma ofensa fazendo intervir uma terceira pessoa, operando uma tergiversação instrumentalizando um terceiro para conseguir os seus intentos. Utilizando uma linguagem de sabor geométrico diremos que a difamação pressupõe uma relação tipicamente triangular enquanto a injúria se basta por uma conexão bipolar. Ponto nevrálgico da difamação centra-se na imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos efectuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros - vide José Faria da Costa in “Comentário Conimbrisense do Código Penal”, vol. I, página 601 a 634. Para haver difamação é imprescindível que a imputação de facto ou formulação de juízos desonrosos se processe através de um terceiro enquanto que para a injúria tais condutas devem operar-se de forma imediata. Como bem salienta o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 28 de Junho de 2018: “o artigo 180º do Código Penal estabelece um modus operandi que se pauta pela imputação a outrem, ainda sob a forma de suspeita, de um facto, ou então pela formulação de um juízo sobre ela, sempre dirigindo-se a terceiro. Mas tal conduta tem que ter a potencialidade de ofender a honra ou consideração dessa pessoa. O bem jurídico protegido pelo crime é a honra, a qual pode ser abordada numa perspetiva simplesmente fáctica. Então, será de distinguir entre uma honra subjetiva, interior, de cada um para si próprio, que se analisará no juízo valorativo positivo, ou boa imagem, que cada um tem de si mesmo, Já a honra objetiva respeita à opinião favorável ou consideração que os outros têm de cada um, à reputação da pessoa no meio social em que se movimenta. A ofensa á honra em qualquer das modalidades causará, em princípio, ao seu portador, sofrimento. Haverá então que ter em conta situações de hipersensibilidade ou exagerada auto-estima, ou, no extremo oposto, de incapacidade para sentir a ofensa. (…) Mas claro que a honra que pode ser ofendida, ou seja, a potencialidade de certas afirmações lesarem a honra, exige o traçar uma linha demarcadora aquém da qual tais afirmações se devem considerar inócuas. Assim há que recorrer a um sentimento e a uma ideia, médios, de honra, próprios da comunidade em que o ofendido se insere e que deve partilhar. Na formulação clássica de Beleza dos Santos como já supra dissemos, “não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais”. Não basta que o ofendido se tenha sentido ofendido na sua honra, é necessário que tais afirmações atinjam o núcleo essencial das suas qualidades morais, avaliadas segundo critérios objetivos de razoabilidade. O despacho, ou parte do despacho, que deu causa à acusação particular e agora ao RAI é o seguinte: Segundo a Constituição (art. 36, ns. 5 e 6 e art. 68, n. 2) e 0 CC (art. 1904) EE e DD deveriam durante a sua menoridade estar a cargo do progenitor, agora aqui requerido. Uma das principais razões pelas quais não residiam (e EE não reside) deve-se à oposição do A. que não quer que EE viva com o pai biológico, o progenitor sobrevivo, oposição que se está a avaliar se é ou não legítima. Por melindrosas circunstâncias, o tribunal abriu uma exceção ao regime constitucionalmente consagrado e atribuiu a residência e as responsabilidades parentais ao aqui A. e que correspondia igualmente a um forte desejo deste. O A. não é tutor nem tem direito a ser remunerado pela sua motivação, contrária à família biológica e, em concreto ao progenitor. Não se vê igualmente qual a legitimidade para o A. vir aos autos pedir alimentos, nomeadamente alimentos de 2020 (sendo que a serem fixados a favor do A. implicariam obviamente uma avaliação das condições financeiras deste bem como do progenitor), e mais a mais num processo tão melindroso, sendo que obviamente esta iniciativa processual do aqui A. não só não vai melhorar o já de si doloroso processo de reabilitação e reatamento dos laços familiares e biológicos, sendo que o regime provisório enfatiza que incumbe ao A. uma proactiva no reatamento e restabelecimento desses laços e convívios, como vai contribuir precisamente para o contrário e para uma actividade processual evitável e desnecessária. Assim sendo, e por se projectar indeferir liminarmente o que vem peticionado, e se ponderar a eventual condenação do A. como litigante de má fé, dão-se 20 dias ao A. e ao aqui R. para, querendo, se pronunciarem sobre o projetado despacho. Após mútuo contraditório, em igual prazo, abra vista. Resulta dos autos que o regime de alimentos tinha sido fixado pelo mesmo Juiz, aqui demandado, o qual ao despachar como despachou não teve em conta o já decidido relativamente às mesmas menores, ao mesmo pai biológico e ao mesmo A, aqui assistente. Atentos os factos apurados, verifica-se que existe uma série de circunstâncias processuais que, todas juntas, dão origem a lapsos e desembocam numa situação que o ofendido, ora assistente entende como ofensiva da sua honra e consideração, que o deixou atónito como uma eventual condenação como litigante de má fé, quando, na verdade o que o tribunal fez foi dizer que se lhe afigurava possível fixar uma condenação por litigância de má fé mas antes, dava a palavra aos intervenientes no processo para que se pronunciassem. Acresce que tal condenação não veio a ter lugar. Quanto às expressões escritas, atento o que já supra dissemos no que ao crime de difamação, e à honra, bem protegido pelo dispositivo legal, não se colhe na verdade, nada que seja suscetível de atingir a honra e a consideração do assistente. A única coisa que o tribunal diz é que “o A. não é tutor nem tem direito a ser remunerado pela sua motivação, contrária à família biológica e, em concreto ao progenitor. Não se vê igualmente qual a legitimidade para o A. vir aos autos pedir alimentos, (...) Assim sendo, e por se projetar indeferir liminarmente o que vem peticionado, e se ponderar a eventual condenação do A. como litigante de má fé, dão-se 20 dias ao A. e ao aqui R. para, querendo, se pronunciarem sobre o projetado despacho “ Nada disto é ofensivo. Faz parte de um despacho normal emanado de um titular de um órgão de soberania no exercício das suas funções em defesa dos direitos de duas menores, esquecido que estava, pelas várias démarches processuais que já tinha arbitrado os pedidos alimentos. Mas mesmo isso não é ofensivo. Faz parte do normal exercício da profissão de um juiz ou juíza, que dispensam a muitos e numerosos processos, também volumosos alguns, a atenção necessária, sendo que nos processos desta natureza, o objetivo é sempre a defesa do superior interesse dos menores. E esta afirmação que agora se faz, não se faz a jeito de desculpa de nada, de justificação para nada, porque na verdade, nada existe que possa atingir a honra e consideração do assistente. As afirmações supra transcritas e alvo da indignação do assistente, não contém em si, aos olhos do normal cidadão, nenhum “atentado” à sua honra e consideração. Objetivamente, nada nelas, diz a quem quer que seja, que se “imputa sob a forma de suspeita uma atuação de má-fé, e por conseguinte, de irresponsável, e menos digno O Tribunal só diz, de forma objetiva, ainda que errada, tendo em conta o já anteriormente decidido pelo próprio tribunal na pessoa do Sr. Juiz, ora arguido, que o requerente não tem como pensa direito ao que requer lhe seja entregue, e, para melhor decidir, de uma eventual condenação como litigante de má fé, ou seja, para não se precipitar, para melhor avalaira a questão, para decidir em consciência, manda notificar quer o requerente quer o pai biológico. E tanto assim é que, a eventual condenação como litigante de má fé não teve lugar após os esclarecimentos prestados nos autos. E tanto assim é que o próprio assistente, que deduziu como é de ver a acusação particular, diz o seguinte na mesma ao explicar que veio, em obediência à notificação ordenada pelo Tribunal, novamente enquadrar o seu pedido, invocando que, o que requeria, era obviamente, sem qualquer má-fé, e não era para reverter para si, mas sim, para as Crianças, e, em consonância com anterior Decisão Judicial, por sinal, sua, do ora Demandado, no âmbito do Apenso B, a ........2019. O que ocorreu por requerimento dirigido aos autos a ........2020, ante tão grande demora dos autos, por requerimento de ........2020, e ainda, por requerimento de ........2020 a reiterar-se o esclarecimento do pedido e a intenção efetiva do ora Denunciante, e ainda, se reforçando a demora dos autos, ante o seu caráter urgente. E acrescenta com a maior clareza transcrevendo despacho do Mmº Juiz alvo da sua acusação particular: “142. Agora, o Mmo. Juiz Demandado, volvidos todos estes meses, veio em ..., a proferir, no apenso C, o seguinte Despacho: "Impressos os autos, verifica-se com maior cuidado que na conferência de ........2019 no apenso B foi fixada provisoriamente a cargo do progenitor uma pensão a favor das filhas e a pagar ao aqui A. A legitimidade do A. é assim inequívoca face ao incumprimento do regime provisório. Porém, em rigor, tal incidente deverá ser deduzido nos autos onde foi fixada a pensão, a título provisório, e é aí que deverá ser apreciado o incidente, eventualmente alterado ou revogado, conforme o evoluir dos autos, e caducará com a decisão final sobre tal matéria. Nestes autos apenas se cuidará do incumprimento de alimentos antes do regime provisório fixado no apenso B. É que, como parece cristalino, e não se viu na leitura da PI, há que considerar três momentos distintos: a) Desde a fixação ao falecimento da progenitora O regime originário de regulação do exercício das responsabilidades parentais, incluindo de alimentos, foi fixado tendo em conta as capacidades do progenitor e as necessidades do agregado familiar das menores, onde se incluía a falecida progenitora. Do que não tenha sido pago nessa altura pode colocar-se a questão de saber se é o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da mãe/credora quem tem legitimidade para deduzir a ação de incumprimento (e eventualmente o cabeça-de-casal poderá não ser o aqui padrasto), pois que os alimentos eram atuais e deveriam ser entregues à progenitora que sustentaria as menores ou se as prestações de alimentos em dívida devem ser pagas ao atual representante legal das menores, que é o padrasto, por decisão do apenso B (sendo certo que o agregado da falecida progenitora incluía padrasto na altura em que os alimentos alegadamente não foram pagos) que por isso tem assim legitimidade para os pedir em nome das menores. Propendemos para a tese de que terá de ser o atual representante legal das menores, sendo ainda certo que chocaria que fosse o aqui R., pois sempre este teria interesses conflituantes, pois o R. seria simultaneamente o devedor e o representante das credoras e em conflito com quem detém as atuais responsabilidades parentais e tem as jovens a seu efetivo cargo, importando por isso a nomeação de curador especial (art. 1881, n. 2 do CC) às menores que, muito provavelmente seria o aqui A. Assim, os autos prosseguirão, b) Desde o falecimento da progenitora até à entrada do processo tutelar comum O segundo momento dá-se com o falecimento da progenitora. Falecendo esta o exercício das responsabilidades parentais passou para o progenitor, nos termos do art. 1904, n. 1 do CC, pelo que caducou o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que o padrasto e aqui A. pretendia fazer valer na PI. Logo, passando a ser o progenitor quem teria a residência e as responsabilidades parentais e faleci da a progenitora a quem este deveria pagar alimentos, logo cessou a obrigação do progenitor de pagar alimentos a quem quer que fosse, c) Desde a entrada do processo tutelar comum Tudo isto levaria a que deixassem de ser devidos alimentos, mas poucos dias após o falecimento o padrasto, pretendendo a residência e as responsabilidades parentais logo o padrasto instaurou o apenso B, tutelar comum, sendo fixado a ........2021 regime provisório de alimentos. E, não obstante o padrasto nada pedir na PI da ação tutelar comum, foram fixados alimentos pelo Tribunal, pelo que os mesmos são devidos e são devidos desde a entrada da ação tutelar comum, como resulta do regime geral dos alimentos (art. 2006 do CC), mas neste caso tal deverá ser conhecido no apenso B, como dissemos. Assim sendo, reconhecendo-se legitimidade ao A. os autos prosseguirão para a apreciação dos alimentos devidos até ao falecimento da progenitora, sendo que no apenso B se conhecerá do incumprimento do não pagamento dos alimentos provisoriamente fixados. Not. * No apenso B, sendo reconhecido o incumprimento será determinado o desconto em rendimentos periódicos quanto às pensões vincendas. Nestes autos, apenso C, após se liquidarem os valores em dívida até ao falecimento da progenitora, tentar-se-á em conferência um acordo de pagamento em prestações adicionais. E, na falta de acordo, caso os rendimentos do pai biológico o permitam será fixado um desconto adicional a somar às pensões vincendas. * Para conferência designo o dia ........2021 pelas 14:00. * “ Ou seja, é o próprio assistente que “faz a defesa” daquele a quem acusa de ser autor de um crime de difamação. E não se diga que “há total ausência de consideração, respeito e urbanidade que lhe deveria ser devida, mais que não sendo, pelo mero reconhecimento de que o que escrevera tivesse sido um lapso” uma vez que no seu despacho o Mmo Juiz escreve: “É que, como parece cristalino, e não se viu na leitura da PI, há que considerar três momentos distintos:” (...) Ou seja, o Mmº Juiz admite não ter lido o processo com a atenção desejada e admite que era cristalino não haver da parte do assistente qualquer litigância de má fé. O erro é seu e ele próprio o admite. Mas é unicamente um erro, e não é claramente, parece-nos também cristalino, uma difamação, ainda que o assistente, cidadão que certamente nunca terá visto a sua dignidade beliscada, sentiu que fosse, e tomou como tal, mas que na verdade, também aqui não se pode considerar beliscada a não ser pelo próprio. É que o despacho alvo de todas estas páginas não é mais do que um acto processual, seco e objetivo, no exercício de uma função, a de decidir e administrar a lei e a justiça, sem qualquer objetivo ou intenção de beliscar a honra de quem quer que seja. Não será uma mera correção de uma prova universitária, em que o ... coloca um risco, por vezes a vermelho, ou um comentário mais seco, sobre uma resposta que não estando errada, não está ao nível de um estudante de direito que quer concluir o seu curso de Direito ou outra qualquer licenciatura, mas que, a um aluno menos avisado, poderá ser sentido como que uma ofensa á sua capacidade criativa de resposta e aos seus conhecimentos. Não é a melhor comparação para dizer que a difamação não o é só porque a sentimos no nosso âmago como tal. Os despachos dos juízes não prevêem sempre as sensibilidades dos seus destinatários, e normalmente não o fazem. Limitam-se a aplicar a lei e a determinar o andamento processual, a decidir, a condenar ou absolver e a socorrerem-se dos mecanismos legais necessários a cada caso concreto. E, se atentarmos nos vários actos processuais, requerimentos, confusões e tomadas de posição, até do próprio assistente, reparamos sem dificuldade que, o mesmo no apenso C incorre em lapso, quando ao ser notificado para apresentar liquidação dos valores dos alimentos ás menores em divida face ao falecimento da mãe das menores, vem por requerimento datado de ... março de 2021 mostrar-se perplexo perante essa notificação por entender, mal, que seriam os valores a pagar por ele ao pai biológico, para logo á frente o assistente ressalvar o erro ou lapso por ter percebido mal o conteúdo do despacho. São andamentos normais nos processos, a que os juízes estão habituados. Acresce que as afirmações produzidas são despersonalizadas, dirigidas não ao Sr. ... A ou B mas ao requerente, que o Juiz não tem de saber quem é na realidade mas, apenas, que é o assistente ou o arguido, ou o ofendido, ou a vítima que produziu determinado requerimento que se “encaixa”, ou não, no andamento normal do processo e na aplicação da norma. Há que ver que quanto ao elemento subjetivo do crime de difamação, a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efetiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se, com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira "ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efetiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respetivas. Ora, não pode haver consciência, nem sequer genérica, quanto a uma conduta que não existe, quanto a uma conduta que configura apenas um despacho de mero expediente, do qual não resulta qualquer ilicitude que possa de alguma forma ser punida. Não existe na verdade elemento subjetivo como não existe elemento objetivo já que as conclusões, afirmações e ordens escritas emanadas com base numa errada análise do processo, não têm em si força suficiente para atingirem a honra e consideração do assistente em abstrato nem em concreto. Tendo em conta que, nos termos do artigo 308º, n.º 1, do Código de Processo Penal, «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos». E, nos termos artigo 283°, n° 2, ex vi do artigo 308º, nº2, ambos do Código de Processo Penal, «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança». Que são suficientes os indícios quando a probabilidade de condenação é superior à probabilidade de absolvição, concluímos que o Mmo Juiz não imputou ao Sr. ..., muito menos sob a forma de suspeita, um facto, não formulou um juízo sobre ele que fosse ofensivo da sua honra e consideração, limitou-se a atribuir-lhe uma actuação que resultava a seu ver dos autos, por meio de um despacho de mero expediente que não pode ser punido já que mesmo que fosse passível de atingir a honra e consideração do assistente, o que não se verifica, estaria com ela a realizar interesses legítimos das menores. Os crimes de difamação e injúria supõem a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa, não a formulação de juízos sobre factos, atuações, obras, prestações ou realizações. A afirmação constante do despacho objeto de toda a polémica que deu origem a estes autos, a que o assistente pretende reagir, poderá não ser justa, até não estava certa, mas não deixa de ser atípica - neste sentido, Manuel da Costa Andrade, op. cit., pg. 236 pelo que não pode em relação ao despacho e seu conteúdo, reagir no âmbito judicial e jurídico-criminal. O art.º 202.º CRP subordinado à epígrafe “função jurisdicional” determina: “1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. 3. No exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades. 4. A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.” Ora, sé é pilar de um Estado de Direito democrático a existência de Tribunais imparciais que julguem as causas de acordo com a lei, e apenas de acordo com a lei, subtraído a quaisquer subjetivismos, não é menos importante perceber que a sindicância das decisões judiciais se faz segundo regras processuais específicas sob pena de se desvirtuar todo o sistema e subverter a própria independência dos Tribunais. Ou seja, a ter havido qualquer constatação séria de que o Mmº Juiz a quo agira contra os seus deveres legais, enquanto magistrado, e contra uma imparcialidade ou urbanidade que lhe são impostas o incidente próprio para suscitar essa desconfiança é o incidente de recusa, previsto no art.º 43.º do CPP, devendo ter sido acionado até à prolação da decisão instrutória, nos termos do art.º 44º do CPP, ou a participação ao CSM se entendeu teve lugar um comportamento que possa ser integrado na prática de crime ou traduz a prática de violação dos seus deveres deontológicos, o que realmente aconteceu não havendo no entanto matéria disciplinar. Assim sendo e terminando, porque um despacho de pronúncia ou de não pronúncia apenas visa determinar se um arguido deve ou não ser sujeito a julgamento, com base na existência de indícios, e não factos provados, que se revelem minimamente seguros para permitirem submeter uma pessoa ao escrutínio de um tribunal judicial, tendo em conta o disposto no art.º 308.º do Código de Processo Penal “1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. 2 - É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos n.ºs 2,3 e 4 do artigo 283.º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior. 3 - No despacho referido no n.º 1 o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.” Tudo analisado, entendemos que, na verdade, não se mostram preenchidos os pressupostos conducentes à consideração de que está suficientemente indiciado o crime de difamação, sendo clara a probabilidade da absolvição do aqui constituído arguido, caso fosse submetido a Julgamento, pelo que, só pode ser proferido um despacho de não pronúncia nos termos dos art°s 286.º, 287.º e 308.º, n.º 1 e 3 todos do CPP. Assim sendo, e porque o Mmº Juiz proferiu o despacho no exercício legitimo da sua atividade de magistrado judicial, fê-lo quando o processo lhe foi concluso e fê-lo norteado pela defesa e no interesse dos menores, aplicando ao caso concreto a letra da lei que se lhe afigurou correta, empregando expressões legais, corrigindo o seu despacho de imediato, logo que, após a notificação por si ordenada para ponderar a condenação em litigância de má fé, os interessados e notificados se pronunciaram, admitindo e evidenciando, o seu erro, não existem indícios suficientes que permitam sujeitar o mesmo a julgamento por não existirem expressões atentatórias da honra e consideração do Sr. ... AA, pelo que Não pronuncio o Sr. Juiz de ... BB, pela prática de um crime de difamação p.p.p. artº. 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1 b) e 184.º, todos do C. P. com as necessárias e legais consequências.» Apreciação 14. Como se refere na fundamentação da decisão instrutória, o crime de difamação confere proteção penal ao bem jurídico «honra», que corresponde a um direito fundamental da pessoa constitucionalmente garantido (assim, Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª ed., Tomo I, Coimbra Editora, 2012, p. 904, comentário ao artigo 180.º), nas suas expressões mais simples (artigo 180.º do CP) ou agravadas (artigos 183.º e 184.º do CP), Nos termos do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, a todos é reconhecido o direito ao «bom nome e reputação», o qual, tendo «um alcance jurídico amplíssimo, situando-se no cerne da dignidade humana» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 289), «consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação, por outrem» (Vital Moreira/Canotilho, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 466). O artigo 180.º do Código Penal dispõe que: «1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.» O artigo 182.º equipara a difamação feita por escrito à difamação verbal. O artigo 183.º, n.º 1, al. b), eleva de um terço nos seus limites mínimo e máximo as penas do crime do artigo 180.º no caso de, tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação. E ao artigo 184.º agrava a pena prevista no artigo 180.º de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade. 15. É geralmente reconhecido que, diferentemente do que sucede com outros tipos de crime que protegem direitos de personalidade (que correspondem a direitos fundamentais), a definição do conceito de «honra», como bem jurídico-penal, revela particulares dificuldades, dada a historicidade, plasticidade, polissemia e equivocidade que lhe são intrínsecas, concorrendo para a sua determinação elementos de natureza fáctica e normativa, que lhe conferem natureza eclética, em que se costuma distinguir entre «honra interior» – opinião ou sentimento de uma pessoas sobre si própria e sobre o seu valor – e «honra exterior» – representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, a sua reputação ou o seu bom nome (cfr. Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, 1996, pp. 76-88, Faria Costa, ob. cit. pp. 905-910, e Noções Fundamentais de Direito Penal, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2015, p. 130, Oliveira Mendes, O Direito à Honra e sua Tutela Penal, Almedina, 1996, pp. 11-24 e acórdão deste STJ de 6.4.2007, Proc. 29/15.4TRLSB, cit.). O direito da pessoa a não ser ofendida na sua honra (CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 466), constitui um limite a outros direitos de consagração constitucional, como o direito à liberdade de expressão (artigo 37.º da Constituição), que, para além da imputação de factos, comporta a liberdade de opinião ou de formulação de juízos de valor. Por definição, a tutela penal do direito à honra não abrange a imputação de factos desvaliosos ou formulação de juízos de valor negativos, em conformidade com os procedimentos legalmente previstos para realização de finalidades inerentes à realização de interesses públicos merecedores de tutela, como sucede, desde logo, no âmbito do um processo, seja ele de natureza penal ou disciplinar, ou, com menor intensidade de um processo de outra natureza. Impondo-se, em qualquer caso, e em todas as fases, um dever de fundamentação com vista ao estabelecimento da «verdade processual» que, de forma contraditória, o procedimento visa estabelecer, pelo órgão com competência para a decisão, o exercício do direito à liberdade de expressão, assim condicionado neste âmbito, só poderá dar lugar à prática de infrações penais nas situações expressa e tipicamente previstas na lei, por violação das regras aplicáveis. Não se tratando, quer no caso do direito à honra, quer no caso do direito à liberdade de expressão, de direitos absolutos e não prevalecendo nenhum deles sobre o outro (assim, Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.: «os direitos em colisão devem considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infravaloração abstrata»; cfr. também Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 325), a não observância do equilíbrio ou balanceamento (“concordância prática”) que, neste quadro, se impõe poderá dar lugar à prática de infrações, como sucederá no caso de esta não observância conduzir, perante as circunstâncias do caso concreto, no exercício do direito à liberdade de expressão, a uma ofensa do direito ao bom nome e consideração ou reputação de uma pessoa, por violação dos limites impostos por este direito. Aponta-se, pois, a necessidade de, na consideração do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, se limitar a «área de tutela típica» do crime de difamação, de que se excluem juízos de apreciação e valoração prestações funcionais ou de «realizações profissionais» «cuja relevância jurídico-penal está à partida excluída por razões de atipicidade», «na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objetiva – isto é: enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às realizações e prestações em si, não se dirigindo diretamente à pessoa dos seus autores»; «aqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a difamação» (Costa Andrade, ob. cit. p. 232-233). Como nota Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª ed., 2015, pp. 725-726) o juízo de valor desonroso não é ilícito quando a crítica é dirigida à atividade profissional: «nestes casos de crítica legítima, o visado pela crítica não pode apelar à tutela da sua reputação como parte integrante da sua “vida privada” pelo artigo 8.º da CEDH», citando o caso Karako c. Hungria, no. 39311/05, de 28 Julho 2009, salvo tratando-se de um «ataque pessoal gratuito», «porque não é acompanhado de uma explicação objetiva»; «a condição essencial da legitimidade do juízo de valor é a que se dirija às obras, realizações ou prestações do visado e não ao visado em si mesmo, como pessoa (…)». 16. Neste sentido, citando Costa Andrade (loc. cit., p. 232ss), afirma-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18.1.2016 (Oliveira Mendes), Proc. 05P4221 (em www.dgsi.pt), que se acompanha: «(…) estribando-se em certo sector da doutrina alemã e na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, vem defendendo deverem-se considerar atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espetáculo, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objetiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si, não se dirigindo diretamente à pessoa dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoal do cientista, do artista ou do desportista, etc., nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. (…) a atipicidade da crítica objetiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os atos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania (…). Por outro lado, entende que a atipicidade da crítica objetiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como atos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objetiva. Certo é que parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sufragando a orientação acabada de aludir (…), sendo que, de acordo com a mesma, entendemos que o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa à honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e de humilhar.» No mesmo sentido podem ver-se também os acórdãos de 7.3.2007, Proc. 07P440, do mesmo relator, de 03-06-2009 (Arménio Sottomayor), Proc. 08P0828, e de 23.5.2012 (Pires da Graça), Proc. 6/09.4TRGMR.S1 (todos em www.dgsi.pt), bem como, na doutrina, Iolanda R. Brito, Liberdade de Expressão e Honra de Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, pp. 302ss e 309. É, pois, neste quadro, que importa apreciar a situação sub judice. 17. Da decisão recorrida resulta apenas que a afirmação que o assistente considera ofensiva da sua honra é parte de um despacho proferido num processo de natureza civil em que está em causa o não cumprimento de obrigações pecuniárias a que o progenitor das crianças ficou obrigado perante o assistente, avô dessas crianças, a quem foi atribuída judicialmente a sua guarda e que a afirmação da ilegitimidade em pedir os alimentos devidos se encontrava em oposição a essa obrigação anteriormente estabelecida pelo mesmo juiz, aqui arguido. Tal afirmação expressa um juízo de valor sobre o comportamento processual do assistente, que tinha a posição processual de autor, com advogado constituído no processo, revelado na intenção de indeferimento liminar do pedido do aqui assistente, no âmbito desse processo, com a sua eventual condenação como litigante de má-fé, em conformidade com as leis do processo, embora não expressamente invocadas. É esse juízo que determina a notificação do autor e do requerido para, querendo, se pronunciarem sobre o projetado despacho de indeferimento liminar, com eventual condenação em litigância de má fé, a qual, na definição do artigo 542.º do CPC, e perante a situação em apreço, se expressaria na dedução «com dolo ou negligência grave», de «pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar» (n.º 2, al. b), deste preceito). Perante a resposta a este despacho, que recordou a decisão anterior que estabelecia a obrigação de pagar que agora o autor (aqui assistente) vinha judicialmente exigir, veio o juiz proceder a uma verificação da situação, «com maior cuidado», após a impressão dos autos em papel, e, a concluir, mediante o exame mais cuidado do processo, ser «inequívoca» a legitimidade do autor «face ao incumprimento do regime provisório» para exigir o pagamento das importâncias não pagas, que eram dúvidas. Afastando-se, assim, o pressuposto do que poderia ser a base para a anunciada condenação como litigante de má fé. Tudo leva, pois, a crer que o texto do despacho que o assistente considera ofensivo ocorreu apenas em resultado de um exame menos cuidadoso do processo e a nada mais que isso. Independentemente do efeito que possa ter provocado na pessoa do assistente, que, na sua avaliação, se considerou ofendido com a afirmação dele constante, não se surpreende qualquer elemento que permita fundar a conclusão de que, por essa via, o senhor juiz titular do processo quisesse pôr em causa a honra do assistente, a sua reputação ou integridade. Sendo a afirmação produzida no âmbito da prática de um ato processual, da competência do juiz, dirigido às partes intervindo no processo através de advogado constituído, em aplicação da lei, no exercício dos seus poderes funcionais e processuais – o que, independentemente do acerto e do grau de conformidade legal desse ato, o afastaria do âmbito da tipicidade da norma incriminadora do artigo 180.º do CP (supra, 15 e 16) – não se identifica qualquer indício que permita a conclusão de que houve uma utilização abusiva do processo em função de um interesse centrado num ataque pessoal à honra do autor (assistente). 18. A afirmação pretensamente ofensiva refere-se à conduta processual do assistente, tecnicamente dirigida por advogado que o representava, não à sua pessoa, ao seu bom nome e reputação enquanto valores intrinsecamente inerentes à pessoa; dá conteúdo a uma apreciação que faz da sua pretensão processual e é dirigida a uma finalidade única e específica, que é a decisão do seu indeferimento liminar e eventual condenação como litigante de má-fé. Esta avaliação crítica não constitui um ato gratuito dirigido à pessoa da assistente, ao seu bom nome e reputação, nem uma afirmação que, na sua formulação, deva considerar-se incluída naquela área de tutela. Pelo que, em conformidade com o decidido na decisão instrutória, se conclui que não se mostram verificados indícios de que o arguido praticou o crime que lhe é imputado na acusação particular. Quanto a custas 19. Nos termos do disposto no artigo 515.º do CPP (responsabilidade do assistente por custas), é devida taxa de justiça se o arguido não for pronunciado por todos ou alguns dos crimes constantes da acusação que haja deduzido, em conformidade com o disposto no artigo 8.º do Regulamento das Custas Procssuias e 4 tabela II em anexo. III. Decisão 20. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso do assistente AA, mantendo-se a decisão de não pronúncia. Condena-se o assistente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Supremo Tribunal de Justiça, 11 de julho de 2024. José Luís Lopes da Mota (Relator) Maria do Carmo Silva Dias (Adjunta) Antero Luís (Adjunto) |