Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
28/14.3NJLSB.L1-D.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: DECISÃO SINGULAR
Data da Decisão Sumária: 11/20/2024
Votação: - -
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO – ARTIGO 405.º DO CPP
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. O despacho – e a decisão sumária - do juiz relator, proferidos em recurso, não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

II. Não admite sempre recurso a decisão judicial que condena sujeito processual em taxa sancionatória excecional nos casos legalmente admissíveis – cfr. art. 27.º, n.º 6, do RCP (DL n.º 34/2008 de 26/02)

Decisão Texto Integral:

Reclamação – artigo 405.º do CPP (156/2024)

*

Relatório:

O arguido AA veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos despachos de 13 de maio e de 8 de julho proferidos pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa.

Despacho de 13 de maio: ----

(…) Na sequência da notificação do acórdão que decidiu das nulidades (refª ......59), o Exm° mandatário do recorrente AA, veio apresentar requerimento no sentido deste Tribunal ad quem “…mandar remeter o processo à Conferência, nos termos e para os efeitos (desde logo julgamento) para do seu requerimento de 20 de fevereiro (com a ref. Citius ....89), que dá por reproduzido e em que insiste, por se não mostrar ainda objeto da devida decisão, Argui, por isso, a nulidade do processo, e a respetiva reparação - que só por esse modo pode verificar-se”.

(…) Apreciemos a conduta processual do Exmº causídico.

• Em 7.02.2024 a então Srª Desembargadora Relatora, no âmbito do exame preliminar dos autos, fez o saneamento devido, e no que concerne aos pedidos de realização de audiência no quadro do artº. 411º n. 5 do CPP fez a sua avaliação e decidiu não admitir a requerida audiência de julgamento por não observância dos ónus prescritos no aludido nº 5 do artº 411º do diploma legal referido.

• No seguimento de tal notificação veio o Sr. Mandatário requerer prazo para reclamar para a conferência da improcedência do pedido de realização de audiência (refª......05).

• Mais acrescentou aderir ao requerimento do recorrente BB (refª ......50).

• Em 22.04.2022 veio o ilustre mandatário do arguido/recorrente AA reclamar para a conferência do despacho que a Srª Juiza Desembargadora Relatora proferiu de não admissão da realização de audiência (refª ......75).

•Pela Srª Juíza Desembargadora Relatora foram proferidos despachos a remeter a apreciação do requerido para a fase da elaboração do acórdão (refªs ......75 e ......69).

• Em sede de conferência (23.03.2022) foi apreciado e proferido acórdão (refª ......96) no âmbito do qual foi decidido o seguinte:

(…) Refere o arguido AA que o despacho que indeferiu o seu pedido de realização de audiência padece da nulidade prevista na al. e) do artº 119º do CPP porquanto a Relatora não tinha competência para proferir tal despacho tendo sido violadas as normas contidas nas alíneas a) e f) do artigo 73.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, no artigo 12.º n.ºs 1, 3 alínea e) e 4 do Código de Processo Penal e no artigo 417.º n.ºs 1 a 7 e 9 do mesmo Código.

Vejamos.

O artº 119º al. e) do Código de Processo penal considera uma nulidade insanável a violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º

O disposto no artº 12º do Código de Processo Penal apenas determina o funcionamento geral das Relações em matéria penal não se podendo retirar deste artigo, mormente dos seus nºs 1, 3 al. e) e 4, que a decisão de indeferir a realização de julgamento seja da competência do Tribunal Colectivo e não apenas do Relator.

Aliás, as normas invocadas são de índole genérico, referente apenas e tão só às Relações, e em relação às secções, sendo que as normas específicas, que definem os poderes do Relator, encontram-se previstas nos artºs 417º e ss do CPP.

Sendo que a actividade desenvolvida pelo Relator pode ser sindicado através de reclamação para a conferência.

Assim, nos termos do disposto no artº 12º nº 3 al. b) do CPP compete às secções criminais, compostas por três juízes, julgar os recursos e, o mesmo se diga em relação ao artº 73º da LOSJ, no entanto, nos termos do disposto no artº 417º nº 6 do CPP o Relator pode proferir decisão sumária, ou seja, pode até decidir sozinho o recurso, podendo esta decisão ser sindicada através de reclamação para a conferência nos termos do nº 8 do mesmo artº 417º.

Como compete ao Relator fazer o exame preliminar do recurso e, assim, decidir se a realização de audiência de discussão e julgamento é ou não admissível uma vez que se trata de uma decisão de mera conformidade com a norma ínsita no nº 5 do artº 411º do CPP e não uma decisão de mérito sobre o objecto do recurso.

Sob pena de não haver qualquer razão para o Relator ter um exame preliminar, e muito menos, elaborar o projecto de acórdão.

As normas invocadas pelo recorrente AA não permitem concluir-se pela falta de competência do Relator para proferir a decisão de indeferir a audiência de julgamento, que é um acto facultativo e delimitado no seu escopo como já vimos, pelo que não se verifica a nulidade prevista na al. e) do artº 119º do CPP suscitada por este recorrente.

Entende ainda o arguido AA que o despacho que indeferiu a realização de audiência padece da nulidade prevista na al. b) do artº 119º do CPP porquanto se verifica a ausência de facto do Ministério Público no Julgamento do Recurso.

Temos alguma dificuldade em compreender o escopo da arguição desta nulidade a não ser que o recorrente em apreço pretende litigar por litigar uma vez que o MºPº esteve presente na audiência de julgamento que foi realizada no âmbito deste processo.

Por outro lado, sendo a realização de audiência uma faculdade, se ela não ocorrer o MºPº não tem de estar presente em diligência que não se realiza.

Entende ainda o recorrente AA que o despacho que lhe indeferiu a realização de julgamento padece da nulidade de omissão de pronúncia uma vez que o “Despacho Reclamado contém implícita a decisão prevista na alínea b) do número 7 do mesmo artigo 417.º, no sentido de não haver lugar a renovação da prova.”

Mais “face ao disposto nos artigos 419.º n.º 3 alínea c) e 430.º do Código de Processo Penal, trata-se de questão sobre a qual não poderia ter deixado de haver decisão explicita, ou expressa, e devidamente fundamentada, mostrando-se quanto a essa questão o Despacho viciado de nulidade por omissão de pronúncia, precisamente por violação do disposto nos artigos 417.º n.º 6 alínea a), 419. n.º 3 e 430º citados.”

O Tribunal, seja ele de primeira instância, a Relação ou o STJ só tem de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas.

No caso dos autos, nenhum dos recorrentes que requereu a realização de audiência pediu a renovação da prova, por isso, não era assunto que tivesse de ser decidido no despacho em apreço.

Quanto aos artigos invocados afigura-se-nos que o arguido labora em erro quanto à sua respectiva interpretação uma vez que o artº 417º nº 6 al. a) do CPP diz respeito à situação em que o Relator profere decisão sumária sempre que alguma circunstância obsta ao conhecimento do mérito do recurso, o que não é o caso, pois nada obsta a que se conheça de todos os recursos interpostos no âmbito deste processo e não foi proferida qualquer decisão sumária nos termos do nº 6, tendo os autos seguido para julgamento e posterior decisão colectiva.

O artº 419º nº 3 do CPP apenas indica as situações em que o recurso é julgado em conferência, mas os presentes autos foram julgados após julgamento pelo colectivo de juízes desembargadores.

Por outro lado, não tendo sido requerida a renovação da prova não há que se pronunciar sobre algo que não é requerido.

Por fim, o artº 430º do CPP diz respeito a uma situação em que a Relação se depare com vícios do artº 410º do CPP em relação aos quais, se houver renovação de prova, evita-se o reenvio mas, isso só tem relevância se e quando a Relação constata a existência dos referidos vícios e se constatar que pode poupar um reenvio.

Ora, nada disso tem de constar de um despacho em que haja pronúncia acerca da admissibilidade ou não de julgamento requerido por um dos recorrentes.

Aliás, estranha-se que o recorrente entende que o Relator tem de se pronunciar acerca da renovação da prova, mesmo que esta não tenha sequer sido requerida, mas depois entende que o Relator já não tem competências para se pronunciar acerca da admissibilidade legal formal (e não de mérito) de um pedido de audiência.

Pelo que não se verifica, de todo, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

Insurge-se ainda este arguido quanto ao facto de ter havido um despacho de aperfeiçoamento proferido pela mesma Relatora que lhe indeferiu a realização de julgamento por entender que era nesse despacho que deveria também ter sido convidado a concretizar os pontos que pretendia ver debatidos em sede de julgamento.

Afigura-se-nos que o recorrente não leu convenientemente o disposto no artº 417º nº 3 do CPP pelo aqui o reproduzimos:

“Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Se a motivação do recurso não contiver as conclusões e não tiver sido formulado o convite a que se refere o n.º 2 do artigo 414.º, o relator convida o recorrente a apresentá-las em 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado.”

Em parte alguma se faz referência no citado preceito à obrigatoriedade de se notificar o recorrente para concretizar os pontos que pretende ver discutidos em sede de julgamento nos termos do artº 411º nº 5 do CPP.

Insurge-se ainda o arguido AA contra o despacho reclamado por entender “que em processos com mais do que um recorrente e um recurso interposto da mesma decisão, havendo lugar à realização de Audiência, por ter sido requerida ou por se mostrar necessária a renovação da prova nos termos do artigo 430.º, todos os recursos devem ser julgados em Audiência”.

Contudo não é isto que resulta da lei processual penal que atribuiu ao julgamento um carácter facultativo, e excpecional, não fazendo sequer qualquer sentido que, pelo facto de 8 de entre dezenas de arguidos recorrentes, que pediram realização de audiência se tenha de julgar todos os recursos em audiência.

Isso não só violaria o disposto no artº 411º nº 5 do CPP que exige que a audiência tenha um objecto já definido, o que faltaria se a Relação decidisse por moto próprio julgar todos os recursos em sede de julgamento, como desvirtuaria todo o sistema de recursos que foi implementado pelo legislador que “consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção. Para que a audiência tenha lugar no tribunal de recurso, o recorrente tem de manifestar a sua vontade nesse sentido.”

E, novamente se nos afigura que o recorrente não leu com a devida atenção o disposto no artº 414º nº 8 do CPP que diz o seguinte:

“Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.”

Ser julgado pelo mesmo Tribunal que julga a matéria de facto não é a mesma coisa que ser julgado em audiência.

Novamente o arguido labora em erro uma vez que é o mesmo Tribunal de Recurso, composto pelo mesmo colectivo de juízes desembargadores que vão decidir todos os recursos interpostos no âmbito deste processo, não sendo verdade que são tribunais diferentes.

Aliás, é proferido um único acórdão e a deliberação é só uma.

Por fim, entende o arguido AA que “a norma do artigo 411.º n.º 5 do Código, invocada no Despacho em fundamento da decisão aqui reclamada, é inconstitucional por violação do artigo 18.º n.º 2 da Constituição” o que já vimos não ser o caso.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou em inúmeras ocasiões, em exemplos que foram logo citados no despacho reclamado, acerca da alegada restrição do direito de recorrer.

Conforme também refere Paulo Pinto Albuquerque

“O abandono da regra da audiência no tribunal de recurso não viola as garantias de defesa, incluindo o direito do arguido ao recurso…porquanto o direito ao recurso não inclui necessariamente a realização de uma audiência de julgamento…”

Face ao exposto a realização de audiência nos termos do artº 411º nº 5 do CPP só podia ser indeferida em relação aos recorrentes BB e AA, motivo pelo qual se confirma essa decisão.

(…)

• Do acórdão proferido o ilustre mandatário veio arguir a nulidade, entre outras, sustentado na prolação da decisão sem prévio julgamento, no quadro da questão que tinha vindo a suscitar (refª ....95).

• Por acórdão proferido 13.07.2022 (refª ......70) foi decidido julgar improcedente as nulidades do acórdão entretanto suscitadas pelo Ilustre mandatário, como sejam o impedimento dos Srs. Magistrados que compõem o colectivo destes autos neste Tribunal ad quem.

• Deste acórdão, o Ilustre Mandatário interpôs recurso para o STJ (refª ....69) invocando o não reconhecimento do impedimento dos Srs. Juízes Desembargadores que compõem este colectivo, e onde foi expressamente solicitado pela junção do despacho proferido pela Srª Juiz Desembargadora que não admitiu a realização da audiência do Julgamento requerida pelo arguido/recorrente ao abrigo do disposto no artº. 411º, nº 5 do CPP.

• Foi admitido o recurso para o STJ (refª ......92) e foi proferido acórdão a julgar improcedente o invocado impedimento do ora relator, sendo que a Srª Juiz Desembargadora titular à altura, por força da sua transferência para o TRG, foi entendido estar tal matéria extinta por inutilidade superveniente (refª .......69).

• Em 17.04.2024 (refª ......59) foi proferido acórdão por este Tribunal ad quem no qual foram julgadas improcedentes todas as reclamações deduzidas ao acórdão proferido em 23.03.2022.

• Notificado o Ilustre causídico do acórdão proferido veio apresentar requerimento, novamente, a invocar a nulidade do processado por violação do disposto no artº 411, nº 5 do CPP, conforme mencionado ab inicio.

Ora, sobre tal requerimento, como é óbvio, remete-se para o já decidido em sede de acórdão, tornando-se despiciendo tecer qualquer outra argumentação sobre tal matéria.

Quanto ao mais:

Como se deixou transparecer das ocorrências processuais supra elencadas, o Ilustre Mandatário teima em deduzir a nulidade do despacho proferido pela Srª Juiz Desembargadora à altura, que não admitiu a realização da audiência por inobservância do disposto no artº. 411º, nº 5 do CPP.

Tal conduta processual não resulta que se deva a ignorância da lei.

Tal actuação é manifesta dolosa e contra legem e visa, no mínimo retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão.

Trata-se de um comportamento altamente censurável e que no domínio do direito processual civil enquadraria uma situação de nítida litigância de má-fé.

Acontece que estamos no âmbito do processo penal e neste ramo do direito, atenta a sua especificidade e os interesses que tutela, há dúvidas legítimas de que possam ser aqui aplicadas subsidiariamente, ex vi do art.° 4º do CPP, as regras da litigância de má-fé, ainda que apenas em parte.

A maioria da jurisprudência entende que não existe qualquer lacuna e que o CPP é auto-suficiente para regular os abusos processuais, designadamente por via da aplicação da taxa sancionatória excepcional, prevista no art.° 521° do CPP.

Estabelece o artigo 521° do CPP que:

1- À prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional.

Por outro lado, a taxa sancionatória excepcional é fixada, pelo art. 10° do RCP, entre 2 e 15UC.

A sanção em causa é aplicada, nos termos do art. 531° do CPC, quando o requerimento, reclamação ou incidente seja, manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a diligência devida. No caso não estamos em presença de uma situação de falta de diligência ou de negligência, mas duma actuação manifestamente dolosa, porquanto era conhecido pelo requerente a manifesta falta de fundamento legal da sua pretensão e apesar disso usou o meio como expediente e com intuito meramente dilatório, entorpecendo a acção da justiça.

Impõe-se, pois, a sua condenação na taxa sancionatória excepcional, que se fixa em 6 Ucs.

Mais se adverte que, caso o ilustre mandatário persista neste tido de conduta processual temerária e dolosa para o andamento regular do processo será usado o mecanismo inserto no artº. 670º do CPC, aplicável ex vi artº 4º do CPP.”

Despacho de 8 de julho: ------

Nada a apreciar ou a ordenar face aos despachos já anteriormente proferidos sobre matéria repetidamente suscitada.

In casu, a intenção de interpor recurso do despacho proferido a anteceder, não tem qualquer validade jurídica que não seja informar essa intenção.

Assim sendo, aguarda-se, pois, que seja interposto o intencional recurso no prazo legal.”

O recurso interposto pelo arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça não foi admitido por despacho de 17 de setembro de 2024 que se transcreve:

“Recurso interposto pelo arguido/recorrente AA:

1. Do acórdão da Relação de Lisboa 23 de Março de 2022, e no que ao recorrente respeita – ao confirmar a condenação imposta pela 1ª instância nas penas parcelares de 3 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão e na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão –, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 400º, nº 1, f) e 432º, nº 1, b) do C. Processo Penal). Não sendo o acórdão da Relação susceptível de recurso ordinário, o meio processual disponível para qualquer dos sujeitos processuais invocar a existência de nulidades no mesmo, é o da respectiva arguição perante o tribunal que proferiu a decisão, portanto, a via da reclamação para a conferência (art. 615º, nº 4 do C. Processo Civil, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal).

Foi este o caminho trilhado pelo recorrente, segundo texto constante do acórdão já proferido pelo STJ, proc. n. 28/14.3NJLSB.L1-A. S1, e ora junto por apenso aos autos principais.

Não obstante o ora recorrente persiste continuar nesta conduta que, mais que evidente, pretende protelar o trânsito da decisão.

Neste quadro, e porque não é admissível recurso da questão já decidida em conferência, quanto à questão da suscitada “nulidade absoluta e insanável da audiência e do acórdão de 23 de março e dos ulteriores actos deste processo” não se amite o recurso interposto pelo arguido/recorrente AA para o STJ, nesta parte.


*


2. Quanto à matéria da condenação na taxa sancionatória excepcional, que se fixou em 6 Ucs, conforme despacho proferido em 13.05.2024, o prazo de 30 dias há muito que se encontra ultrapassado, pelo que, por extemporâneo, não se admite o recurso para o STJ.”

O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, invocando, em síntese, que nos autos se mostra declarada a excecional complexidade (despacho de 25.01.2017) sendo o prazo de interposição de recursos de 60 dias, nos termos do artigo 107.º n.º 6 do CPP, não sendo aplicável o prazo de 30 dias previsto no artigo 411, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Mais refere, que ao contrário, do que parece fundamentar o despacho reclamado, “a questão da suscitada nulidade absoluta e insanável da audiência e do acórdão de 23 de março e dos ulteriores actos deste processo por não ter sido realizada a Conferência de Julgamento de Recurso Penal prevista no artigo 419.º do Código de Processo Penal, nunca foi apreciada nem decidida, o que faz enfermar o Julgamento em Audiência e o Acórdão de 23 de março de 2022 de graves invalidades:

- Inexistência de julgamento; e consequentes

- nulidade absoluta e insanável do julgamento realizado em audiência e do Acórdão e decisões nele tomadas;

- nulidade também todos os atos subsequentes deste incidente de Recurso – que todos dependem desse Acórdão e nenhum pode ser salvo da declaração da sua nulidade.”

Para depois acrescentar: “que o que está em causa consubstancia, também evidentemente, uma questão prejudicial a tudo o mais questionado relativamente ao Acórdão, nomeadamente nos recursos interpostos e admitidos – e por isso causa a sua absoluta e insanável nulidade:

Sem ter sido realizado o julgamento em Conferência, não podia ter sido realizado o julgamento em Audiência, nem proferido Acórdão.”

- Deduz ainda a inconstitucionalidade da interpretação efetuada no despacho reclamado, do artigo 400.º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal, por violação do artigo 18.º da CRP:


*


Cumpre decidir.

*


Fundamentação:

1. O reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 9 de setembro de 2024 dos dois despachos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, acima transcritos, de 13 de maio e 8 de julho de 2024.

Na reclamação vem referido que os autos foram qualificados de excecional complexidade, mesmo que assim seja, para que o reclamante pudesse beneficiar de um prazo mais extenso para recorrer, tinha que o ter requerido, com esse fundamento e o Exmo. Juiz Desembargador relator tinha que se pronunciar sobre a prorrogação do prazo para interpor recurso, nos termos do artigo 107.º, n.º 6, do CPP, o que não se verificou.

Porque o incumprimento do requisito da tempestividade precede e faz precludir o conhecimento dos fundamentos adjetivos – o recurso foi interposto muito para além do prazo legal de 30 dias contados da notificação do primeiro dos despachos recorridos.

Efetivamente, o primeiro despacho recorrido, datado de 13 de maio, foi notificado ao mandatário do arguido no dia 16 de maio.

Mas o requerimento do arguido a interpor o recurso só foi apresentado em 9 de setembro de 2024.

Assim, o seu recurso de 19 de setembro de 2024, se outra razão não houvesse, não poderia ser admitido, por extemporaneidade, porque o recurso do despacho recorrido de 13 de maio foi apresentado muito para além do prazo de 30 dias.

Razão pela qual não poderia admitir-se o recurso na parte em que visa do referido despacho.

2. Deve acrescentar-se, obiter dictum, que ainda que por mera hipótese o argumento formal procedesse, mesmo assim o recurso não seria admissível.

O que vale igualmente, para o despacho de 8 de julho de 2024.

Decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, por remissão da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do mesmo Código, que a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões em matéria penal afere-se pela natureza das mesmas, só admitindo recurso:

- acórdãos condenatórios do tribunal coletivo ou do júri que tenham aplicado pena superior a 5 anos de prisão;

- acórdãos da Relação quando funciona como tribunal de 1.ª instância;

- acórdãos da Relação proferidos em recurso que:

- conheçam, a final do objeto do processo;

- revertendo decisão da 1.ª instância apliquem inovatoriamente medida coativa grave (privativa da liberdade);

- revertendo decisão absolutória da 1.ª instância condenem o arguido;

- agravando a condenação apliquem pena de prisão superior a 5 anos;

- confirme condenação que aplicou pena superior a 8 anos de prisão.

Nenhum dos despachos recorridos é subsumível a qualquer dessas situações.

Com efeito, os despachos de que se recorre - meramente incidentais - não são acórdãos e não conheceram a final do objeto do processo.

Assim sendo, e independentemente da classificação das decisões de que se pretende recorrer, não há recurso para o STJ dos referidos despachos proferidos pelo Tribunal da Relação, por não se incluírem em qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 432.º do CPP que fixam a recorribilidade para o Tribunal da cúspide da ordem judiciária comum.

Acresce que só os acórdãos a que se refere o artigo 432.º do CPP, e entre eles os acórdãos que não sejam irrecorríveis, nos termos do artigo 400.º do mesmo diploma legal, são passíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. E os despachos recorridos, proferidos pelo juiz relator, não constituem um acórdão, único tipo de decisão suscetível de recurso para o STJ.

3. No respeitante ao segmento do despacho de 13 de maio que condenou o arguido em taxa sancionatória excecional, também o recurso não seria admissível.

Com efeito, resulta textualmente da norma do artigo 27.º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais que “cabe sempre recurso” da condenação em “taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis”.

Assim, a decisão somente seria recorrível se tivesse aplicado taxa sancionatória excecional fora de caso legalmente admissível.

No caso, a taxa sancionatória excecional foi aplicada em situação legalmente prevista. Concretamente, em conformidade com o estabelecido no artigo 521.º do CPP, com remissão para o disposto no artigo 531.º do CPC.

Não caberia recurso, da decisão visada, porque aplicou taxa sancionatória excecional em caso legalmente admissível.

Com a especificidade que o prazo de recurso é de 15 dias contados da “notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa”.

Prazo que há muito tinha transcorrido quando foi interposto recurso despacho recorrido que condenou o arguido ora reclamante na taxa sancionatória excecional, fixada em 6 UCs.

4. Quanto à inconstitucionalidade imputada à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, por violação do artigo 18.º da CRP, não se conhece desta questão porquanto a referida norma não constituiu o fundamento para indeferir a presente reclamação. Isto, porque o carácter instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional, impede este de apreciar aquela questão de inconstitucionalidade por não ter qualquer influência sobre o julgamento da causa.

III - Decisão:

5. Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido AA.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Notifique-se.


*


Publique-se com o seguinte sumário:

1. O despacho – e a decisão sumária - do juiz relator, proferidos em recurso, não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Não admite sempre recurso a decisão judicial que condena sujeito processual em taxa sancionatória excecional nos casos legalmente admissíveis – cfr. art. 27.º, n.º 6, do RCP (DL n.º 34/2008 de 26/02)


*


Lisboa, 20 de novembro de 2024

O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Nuno Gonçalves