Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ACORDÃO FUNDAMENTO ACÓRDÃO RECORRIDO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA TRÂNSITO EM JULGADO PRESSUPOSTOS INSTITUIÇÃO BANCÁRIA INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Sumário : | I - Não é admissível o recurso de revista da decisão interlocutória que decidiu a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial por não ter sido demonstrada a contradição entre esse acórdão e um outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental. II - Enquanto o acórdão recorrido decidiu sobre os pressupostos da suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial, o acórdão fundamento pronunciou-se sobre o caso julgado e o princípio da preclusão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, neste Supremo Tribunal de Justiça:
I - RELATÓRIO FUNDAÇÃO JOSÉ BERARDO – INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (FJB) e AA (AA), instauraram acção declarativa, com processo comum, contra: BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS SA (BCP), CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, (CGD) e NOVO BANCO, SA (NB), todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos: -Que se considere que se a FJB tivesse conhecimento da realidade das situações do sistema financeiro e dos réus, aquando do início da crise financeira de 2007 que, em erro, achou conjuntural, teria vendido as acções empenhadas e, com o produto dessa venda teria procedido ao pagamento integral dos créditos dos bancos réus; -Que uma vez que foram já vendidas todas essas acções empenhadas, quando os bancos réus entenderam e que constituíam a garantia dos financiamentos, revertendo para os bancos réus o produto dessas vendas com a repartição que entre eles acordaram, nada mais podem estes exigir à FJB em razão dos financiamentos contratados; - Subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem os bancos réus condenados no pagamento à FJB de indemnização pelos danos causados pelo incumprimento contratual, danos que correspondem à desvalorização das ações empenhadas em causa, desde o momento em que as mesmas deveriam ter sido alienadas em execução do penhor por não verificação dos rácios de cobertura até ao momento em que vieram a ser alienadas, ou seja, a diferença entre o preço pelo qual as ações empenhadas teriam sido vendidas nas datas de incumprimento dos rácios de cobertura e o preço pela qual vieram a ser efetivamente vendidas, acrescida dos juros e todos os demais encargos dos empréstimos a partir daquelas datas, de modo a reconstituir-se a situação que existiria, se não se tivesse verificado o incumprimento dos bancos réus (sublinhado nosso); - Tendo em conta que não é ainda possível determinar com rigor os valores que compõem a pedida indemnização e a sua repartição pelos bancos réus deverá a indemnização em que cada um será condenado ser objeto de liquidação ulterior, não sendo em qualquer caso o montante global da indemnização, face aos elementos já conhecidos, inferior a 800 000 000,00€; - Em qualquer caso, serem os bancos réus condenados solidariamente no pagamento a JB de indemnização por danos morais, no montante já calculado de 100 000 000€ e ainda naquele que for liquidado logo que conhecida a extensão total dos danos. Citadas as Rés, todas as Rés requereram a suspensão da instância, nos termos do disposto no art.º 272.º n.º1 do CPC. E tal pretensão veio a ser deferida, já que por despacho proferido em 26/05/2023, a 1ª instância decidiu, além do mais, a suspensão da instância, por pendência de causa prejudicial. Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão recorrida. Ainda inconformados, com a decisão que manteve a decretada suspensão da instância, os Autores vieram interpor recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça. Este recurso veio a ser julgado legalmente inadmissível nos termos do acórdão da Formação que antecede. * Apesar de não ser admissível a revista excepcional pelo facto de estarmos perante uma decisão interlocutória, foi apreciada a admissibilidade da revista, em termos gerais, em conformidade com o disposto no art.º 672.º n.º 5 e ao abrigo do disposto no art.º 671.º n.º 2 do CPC. Feita uma análise prévia, afigurando-se não estar verificado o fundamento com base no qual foi interposto o recurso de revista, não podendo, por conseguinte, conhecer-se do objecto do recurso, foi determinada a notificação das partes, por despacho de 03-07-2024, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC. As partes vieram pronunciar-se no sentido já constante dos autos, após o que, em 17-09-2024, foi proferido despacho de não admissibilidade do recurso de revista. Ainda inconformados com esta decisão, a FUNDAÇÃO JOSÉ BERARDO – INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL e AA, vêm dela reclamar para a conferência e requerer que sobre a mesma recaia um acórdão, nos termos do art.º 652º, nº 3, do CPC. Alegam o seguinte: “1 - No acórdão fundamento decidiu-se não ser aplicável à execução o art.º 573º, nº 1, do CPC, isto é, não existir para o executado o ónus de concentrar na petição de embargos toda a sua defesa e, em consequência, ser-lhe possível, em processo posterior, vir invocar meios de defesa que podia ter invocado (e não invocou) nos embargos que opôs à anterior execução e, a partir daqui, obter a restituição do pagamento que, no âmbito da anterior execução, houvesse efetuado ao ali exequente. 2 - No acórdão recorrido decidiu-se ser aplicável à execução o art.º 573º, nº 1, do CPC e, em consequência, que a suspensão desta ação por causa prejudicial deverá manter-se. Não foi a consideração de uma precedência lógica dos embargos de executado em relação a esta ação que determinou a decisão, uma vez que, consoante alegado, a haver uma relação de precedência lógica entre as duas ações, sempre tal precedência pertenceria a esta ação, enquanto nela é posto em causa o próprio negócio que constitui o título executivo na execução em que foram deduzidos os embargos de executado e nestes se trata da alteração das circunstâncias posteriores à celebração do negócio e do incumprimento e abuso de direito dos exequentes. Foi antes a consideração de haver um ónus do executado de concentração de toda a defesa nos embargos, em direta decorrência desta interpretação do art. 573º, nº 1, do CPC, da qual resultaria não poder esta ação produzir efeitos na execução, que determinou a consequência de manutenção da suspensão desta ação. Assim, afigura-se não poder dizer-se, como na decisão reclamada, que “a referência à citada doutrina teve em vista, tão somente, apurar da existência de precedência lógica dos embargos de executado em relação à presente ação”, pois, claramente, não se tratou de uma mera referência, mas de uma decisão no sentido de tal doutrina, e se retirou da mesma a verificação da prejudicialidade. Só e exclusivamente “a esta luz”, isto é, por força da interpretação dada no acórdão recorrido ao art.º 537º, nº 1, do CPC, foi possível concluir que esta ação não pode produzir efeitos na execução e que seria de suspender devido à prejudicialidade dos embargos de executado. 3 - A questão fundamental de direito decidida em ambos os acórdãos foi, assim, a da aplicabilidade ou não à execução do art.º 573º, nº 1, do CPC, verificando-se frontal contradição entre os dois acórdãos. Num como no outro caso, as interpretações do art.º 573º, nº 1, do CPC constituem a essência, o núcleo essencial das decisões, são intrínsecas às mesmas, são decisivas para as soluções encontradas, das quais não são assim meros fundamentos.” As Recorridas pronunciaram-se no sentido da manutenção da decisão singular ora em reclamação. II - O DIREITO Cumpre, assim, apreciar pelo Colectivo de Juízes deste STJ, da admissibilidade do recurso de revista. Tal como consta do despacho singular proferido: “Nos termos do art.º 671.º n.º 2, “os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objecto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”. Os Recorrentes invocam precisamente a contradição entre a decisão recorrida e o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 03-05-2023, proferido no âmbito do Processo n.º1704/21.0T8GRD.C1.S1. Importa, pois, analisar, como condição de admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no art.º 671.º n.º2 alínea b), se o acórdão recorrido está em contradição com o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação. O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça decidiu a questão de saber se, “julgados improcedentes embargos opostos a uma execução, o ali executado pode, em processo posterior (como é o caso da acção em que foi proferido o acórdão), vir invocar meios de defesa que podia ter invocado (e não invocou) nos embargos que opôs à anterior execução e, a partir daqui, obter a restituição do pagamento que, no âmbito da anterior execução, haja efectuado ao ali exequente.” A esta questão, o acórdão mencionado deu resposta positiva, ou seja, decidiu que “o ali executado pode vir invocar meios de defesa que podia ter invocado (e não invocou) nos embargos que opôs à anterior execução.”1 E, assim, aquilo que foi decidido no referido acórdão ficou deste modo sintetizado: “I - Julgados improcedentes embargos opostos a uma execução, o ali executado pode, em processo posterior, vir invocar meios de defesa que podia ter invocado (e não invocou) nos embargos que opôs à anterior execução e, a partir daqui, obter a restituição do pagamento que, no âmbito da anterior execução, haja efetuado ao ali exequente. II - Efetivamente, não existe no CPC um qualquer preceito legal que estabeleça o ónus de embargar e tal ónus também não é extraível, por interpretação, dos artigos 728.º/1 e 2 e 732.º/6, ambos do CPC, o que significa, não estando consagrado tal ónus de embargar, que não ficam precludidos os fundamentos não invocados (e que não há preclusão decorrente da não dedução de embargos). III - O sentido do atual art.º 732.º/6 do CPC é o de deixar claro que uma decisão de mérito proferida nos embargos é dotada da força geral do caso julgado material em relação à causa de pedir e aos fundamentos que ali foram invocados (não impedindo nova ação de apreciação baseada em outra causa de pedir), ou seja, o caso julgado que se constitui é restrito à causa de pedir invocada e, em consequência, não há preclusão em relação ao que não foi invocado/discutido nos embargos.” Ao invés, vejamos qual a questão de direito analisada no acórdão recorrido: Foi a questão de saber “se há fundamento para revogar a decisão que ordenou a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial”. E foi considerado no acórdão recorrido que se verificavam todos os requisitos legais da existência de “causa prejudicial”, pois, além do mais , “ a decisão desta causa depende da decisão que vier a ser proferida nos embargos à execução e, por isso, aqueles embargos constituem causa prejudicial relativamente a esta acção, visto que o que vier a ser decidido nos embargos pode condicionar a decisão desta acção. Não está em causa neste momento analisar se, no caso presente, se verifica uma situação de prejudicialidade entre as duas causas, ou outro “motivo justificado” para decretar a suspensão da instância. O que está em causa, nesta sede, é tão só apreciar se existe uma oposição de julgados de forma a garantir a admissibilidade do presente recurso de revista da decisão interlocutória recorrida. Ora, do cotejo entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento resulta por demais evidente que não existe qualquer oposição de julgados. É que, ao contrário do que os Recorrentes alegam, a questão que foi decidida no presente processo não é “a aplicabilidade ou não à defesa do executado do disposto no art.º 573º nº 1, (…), nos termos do qual, se aplicável, existiria um ónus do executado de embargar e de concentrar toda a sua defesa nos embargos”. Essa é a questão efectivamente analisada no acórdão fundamento. E a questão colocava-se, precisamente, porque, julgados improcedentes os embargos de executado, este veio instaurar nova acção invocando outros fundamentos não invocados nos embargos anteriormente julgados. Ora, na presente acção, os fundamentos aqui invocados são os mesmos, ou pelo menos, parcialmente comuns em relação aos invocados nos embargos ainda pendentes, deduzidos em relação à execução movida contra os ora Recorrentes e considerados “causa prejudicial”. Não se trata, por isso, de preclusão do direito dos ora Autores, mas de evitar que o Tribunal seja confrontando com a necessidade de julgar questões idênticas, prevenindo, aqui sim, a hipótese de contradição de julgados. Ainda que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação- normas do código civil vigente -claramente não se pronunciam sobre a a mesma questão fundamental de direito. Enquanto que o acórdão recorrido decidiu sobre os pressupostos da suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial, o acórdão fundamento pronunciou-se sobre o caso julgado e o princípio da preclusão. E não releva nem prejudica esta análise o argumento dos Recorrentes que se baseia no seguinte excerto do acórdão recorrido: “(…) essa precedência lógica dos embargos à execução resulta de esta (nossa) acção não produzir efeitos na execução; apenas a procedência dos embargos levaria à obtenção da pretensão material que a FJB visa alcançar: inexigibilidade da quantia exequenda. Na verdade, como ensina Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 409 e segs) “…a necessidade de segurança jurídica e a autorresponsabilidade do executado justificam que a petição de oposição se reja pelo princípio da concentração da defesa, previsto no artº 573º nº 1: toda a defesa do executado deve ser deduzida na oposição à execução. (…) A invocação do nº 1 do artº 537º não é despicienda: além de evitar quaisquer dúvidas que a mera consideração dos nºs 1 e 2 do artº 728º pudesse levantar – e portanto só há um momento da defesa do executado ao pedido executivo (…) Pelo contrário, os dados legais que decorrem implicitamente do nº 2 do artº 728º são de que, esgotada a oportunidade processual dada pelo nº 1, apenas se admite matéria superveniente, conquanto seja matéria dos artºs 729º a 731º e não outra; a contrario, não pode o opoente trazer factos, impugnações e excepções peremptórias e dilatórias, cuja alegação omitira.” De resto, no mesmo sentido, veja-se o comentário de Teixeira de Sousa ao acórdão do STJ, de 03/05/2023 (Blog do IPPC, A eficácia preclusiva da não dedução de embargos pelo executado, 14/11/2023) A esta luz devemos concluir que a decisão desta causa depende da decisão que vier a ser proferida nos embargos à execução e, por isso, aqueles embargos constituem causa prejudicial relativamente a esta acção, visto que o que vier a ser decidido nos embargos pode condicionar a decisão desta acção.” Socorrem-se os Apelantes deste excerto para concluir que no acórdão recorrido se defendeu a aplicabilidade do princípio da concentração de defesa à contestação dos embargos de executado, tese oposta àquela que foi defendida no acórdão fundamento. Sucede, porém, que tal como bem resulta da leitura do transcrito excerto, a referência à citada doutrina teve em vista, tao somente, apurar da existência de precedência lógica dos embargos de executado em relação à presente acção e assim concluir que os primeiros constituem causa prejudicial. O acórdão recorrido não se pronunciou nem tomou posição sobre o princípio da preclusão ou do caso julgado, pelo que não procede o argumento dos Recorrentes neste âmbito. Não se verifica, pois, o fundamento com base no qual foi interposto o recurso de revista. Tão pouco se verifica qualquer das circunstâncias em que o recurso é sempre admissível (art.º 629.º n.º2)”. Sucede que os Reclamantes ao requererem a prolação de acórdão não apresentaram quaisquer argumentos novos que devam ser analisados. Insiste em defender uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento que já foi demonstrado à saciedade não existir. Assim, não resta a esta Conferência senão confirmar a decisão singular, sem necessidade de apresentar novos fundamentos.2 III - DECISÃO Pelos motivos referidos, acordamos, em conferência em julgar o presente recurso de revista legalmente inadmissível, pelo que não pode ser conhecido o respectivo objecto. Custas pelos Reclamantes. Notifique. Lisboa, 14 de novembro de 2024 Maria de Deus Correia (relatora) Barateiro Martins Ferreira Lopes _________
2. Vide Acórdão do STJ de 14-10-2021, Processo 54843/19, disponível em www.dgsi.pt , assim sumariado: “Quando, na reclamação da decisão singular prevista no artigo 652.º, n.º 3, do CPC, a reclamante não apresenta nenhum argumento novo, limitando-se a requerer que sobre a matéria recaia um acórdão, pode a Conferência manter aquela decisão singular sem necessidade de apresentar novos fundamentos ou sequer de os reproduzir.” |