Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | ALÇADA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE REVISTA REVISTA EXCECIONAL | ||
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Data do Acordão: | 05/29/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA. | ||
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Sumário : |
I- Correndo o incidente de exoneração do passivo restante nos autos do processo de insolvência, o acórdão que confirma decisão da primeira instância sobre tal matéria não é suscetível de revista excecional, nos termos do artigo 672º, n.º 1 do CPC, por a tal lhe ser aplicável o regime específico previsto no artigo 14º do CIRE. II- O recurso previsto no artigo 14º do CIRE não deixa de ser um recurso ordinário (art.º 627.º, n.º 2 do CPC), pelo que os requisitos gerais de recorribilidade exigidos pelo art.º 629.º, n.º 1 do CPC têm de estar presentes. Tendo o valor da causa sido fixado em em €5.000,01 a revista não é admissível. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 6569/17.3T8VNG.P2.S1 Recorrente-reclamante: AA Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1. Por decisão, de 05.04.2024, foi julgado findo o recurso de revista, por não haver que conhecer do seu objeto, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea h) do CPC (ex vi do artigo 679.º). 2. A recorrente, AA, em reação a essa decisão, veio apresentar o requerimento cujo teor se transcreve: «1. Entende a Recorrente que a Revista Excepcional deverá ser admitida, no limite, em observância do art.20º da Constituição da República Portuguesa e art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 2. A questão suscitada, oposição do Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, deste Venerando Tribunal, reveste objecto de elevada relevância, matéria sobre a qual, e salvo lapso da Recorrente, não teve, ainda, apreciação uniforme em termos de jurisprudência deste Tribunal, enquanto última instância. 3. Afigura-se, é certo, que se trata de recurso ordinário, contudo, e desde logo pelo seu teor literal, trata-se de revista excepcional. 4. Estamos em crer que o legislador ordinário, teve em mente, precisamente, dado os obstáculos, a que a dupla conforme veio a sobrepesar, não limitar as partes a que a sua pretensão se limitasse a uma questão, in casu, a alçada - ut., art.9º, do Código Civil. 5. Não cremos, com tal argumento, de forma alguma menosprezar tal requisito formal, mas, a ser assim, o caracter excepcional da revista, salvo melhor opinião, e na maioria dos casos, fica, desde logo, limitada, esvaziando o seu alcance e propósito, nomeadamente a da certeza e segurança jurídica. 6. Entendemos que o uso que a Recorrente faz do processo não é, de todo, anormal, mas, apenas, pretende ver a questão fundamental, objeto da revista excepcional, apoiada em Acórdão fundamento, ser definitivamente esclarecida. 7. Entendemos, assim, que deverá ser admitida a Revista Excepcional, sendo certo que a mesma deverá ser apreciada nos termos e para os efeitos do disposto no art.672º, n.º3, do CPC, o que se requer a V. Exa.» 3. Em rigor, a recorrente não requer que sobre a referida decisão recaia um acórdão, nos termos do artigo 652.º, n.º 3 do CPC. Limita-se a reafirmar a pretensão (formulada nas alegações de revista) no sentido de o recurso ser admitido como revista excecional, invocando o artigo 672.º do CPC. Todavia, como o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados (art.º 193.º, n.º 3 do CPC), entende-se que aquilo que a recorrente pretenderia seria a submissão do caso à Conferência para prolação de acórdão, nos termos do artigo 652.º, n.º 3. 4. Na decisão reclamada a tramitação dos autos havia sido sucintamente relatada nos termos que agora se transcrevem: «- AA foi declarada insolvente, por sentença de 25.08.2017. Por despacho de 15.05.2018 foi encerrado o processo, por insuficiência da massa insolvente, e foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, tendo sido fixado em 1SMN+1/2 o montante necessário ao sustento digno da insolvente. Em 23.02.2023 foi proferida decisão de recusa da exoneração do passivo restante, a qual, tendo sido objeto de recurso de apelação, veio a ser anulada por acórdão de 13.06.2023. Baixados os autos à 1.ª instância, em 11.09.2023 foi proferida nova decisão de recusa de exoneração do passivo restante. Novamente inconformada, a Insolvente interpôs recurso de apelação, com subida nos próprios autos. Porém, o TRP, por acórdão de 19.12.2023, confirmou a decisão da primeira instância. - Ainda inconformada, a insolvente interpôs recurso de revista que qualificou como de revista excecional, invocando o artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, entendendo existir oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ, de 09.04.2019, proferido no processo 279/13.8TBPCV.C1.S2 (relatora Ana Paula Boularot)1, e terminou pedindo a revogação do acórdão recorrido. Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: «1ª. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que mantém a decisão de 1.ª Instância no sentido de não conceder a exoneração do passivo restante; 2ª. Tal decisão não é suportada por jurisprudência uniformizada desse STJ e mostra-se em clara contradição com outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no âmbito da mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação (de 09.04.2019, processo 279/13.8TBPCV.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt), o que justifica e legitima a presente Revista Excepcional – art.º 672.º n.º 1 al. c) do CPC; 3ª. Ademais, o douto acórdão recorrido incorreu em erros no julgamento da questão de facto e na questão de direito que por si só justificam a sua revogação; 4ª. A Doutrina e Jurisprudência entendem por comportamento culposo, nomeadamente, Assunção Cristas, “Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante” (…), p. 171, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 09.04.2019, processo 279/13.8TBPCV.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt,; 5ª. O comportamento da Insolvente não preenche, de forma alguma, o conceito de dolo; 6ª. A Insolvente não causou prejuízo grave causado aos Credores, que, aliás, nunca se manifestaram – alguém que depende do Rendimento Social de Inserção, que habita numa casa camarária, que tem a seu cargo quatro filhos, três deles menores; 7ª. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 239º, n.º 4, alíneas a) e d) do CIRE, pelo que se impunha, assim, ter proferido despacho final a conceder a exoneração do passivo restante. 8ª. Na douta decisão recorrida violaram-se as disposições legais supra citadas. Termos em que, na procedência do recurso, deve ser revogado o Acórdão recorrido, julgando-se, assim, a concedida a exoneração do passivo restante.» - Distribuídos os autos no STJ, e prefigurada a inadmissibilidade do recurso de revista, foi a recorrente notificada, nos termos do artigo 655.º do CPC (aplicável ex vi do art.º 17.º do CIRE).» 5. De seguida, a relatora proferiu decisão de não conhecimento do objeto do recurso, nos termos do artigo 652.º, n.º 1 alínea h) do CPC, com a seguinte fundamentação: «A decisão recorrida foi proferida no incidente de exoneração do passivo restante, que corre nos próprios autos do processo de insolvência. Assim, tem aplicação ao recurso de revista o regime específico previsto no art.º 14.º do CIRE, e não o regime geral dos recursos. Determina o art.º 14.º, n.º 1 do CIRE: «No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.» Decorre desta norma que, em regra, os tribunais da Relação são a última instância em matéria insolvencial, só sendo admissível recurso para o STJ a titulo excecional, tendo em vista a orientação da jurisprudência face à constatação de aplicações divergentes do mesmo quadro normativo. Assim, para que o STJ admita o recurso e se pronuncie sobre o seu mérito é necessária a verificação cumulativa de todos os requisitos enunciados no art.º 14.º, os quais acrescem aos requisitos gerais de recorribilidade, exigidos pelo art.º 629.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao processo de insolvência ex vi do art.º 17º do CIRE. - Apesar de a recorrente ter sustentado a admissibilidade do recurso no art.º 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, a errada qualificação do recurso não é, por si só, um obstáculo à admissibilidade do mesmo, dado que o tribunal procede oficiosamente à adequada qualificação do recurso, de acordo com o disposto no art.º 193.º, n.º 3 do CPC. Deste modo, o acórdão fundamento que a recorrente junta para efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC sempre poderia ser considerado para efeitos do disposto no art.º 14.º do CIRE. - Todavia, antes de se entrar na análise destinada a apurar a oposição de acórdãos para efeitos do art.º 14.º do CIRE, tem de se concluir que estão presentes os pressupostos gerais de recorribilidade exigidos pelo art.º 629.º, n.º 1 do CPC, nomeadamente o valor da causa. No caso concreto, o valor do recurso foi fixado, por despacho de 21.11.2023, em 5.000,01 Euros, não tendo sofrido qualquer alteração, pelo que essa decisão se encontra definitivamente estabilizada. Dispõe o art.º 629.º, n.º 1 do CPC que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Nos termos do art.º 44.º da Lei n.º 63/2013 [Lei de Organização do Sistema Judiciário], em matéria cível, a alçada do Tribunal da Relação é de 30.000,00 Euros. Assim, e como a jurisprudência deste tribunal tem reiteradamente entendido, o presente recurso não pode ser admitido, porque o valor da causa não excede o valor da alçada do tribunal recorrido. Veja-se, a título exemplificativo, o Ac. do STJ, de 19.06.2018 (relator Henrique Araújo), no proc. n.4426/16.0T8OAZ.P1.S2: «O recurso de revista interposto nos termos do art.14º, n.1 do CIRE não prescinde da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso, entre os quais o do valor da causa. Não cabe recurso do acórdão da Relação para o STJ se o valor da ação foi fixado em €5.000,01, que é valor inferior à alçada do tribunal recorrido.» - Em rigor, a subida do recurso nem devia ter sido admitida. Independentemente de o recorrente invocar o regime previsto no art.º 14.º do CIRE ou alguma hipótese de revista excecional, nos termos do art.º 672.º do CPC, estará sempre em causa um recurso ordinário (art.º 627.º, n.º 2 do CPC), pelo que os requisitos gerais de recorribilidade exigidos pelo art.º 629.º, n.º 1 do CPC têm de estar presentes (com salvaguarda das exceções previstas no n.º 2 desse artigo, que não se aplicam ao caso concreto). Assim, no presente caso, para que o recurso de revista fosse admissível, teria de ter, desde logo, valor superior à alçada do Tribunal da Relação. Esta é uma condição prévia para se passar à etapa seguinte, ou seja, à analise da eventual oposição de acórdãos que determinará, definitivamente, a admissibilidade, ou não, do recurso nos termos do art.º 14.º do CIRE.» 6. A recorrente-reclamante não apresenta no seu requerimento qualquer argumento destinado a demonstrar que a decisão reclamada não tivesse feito a correta aplicação do direito. Limita-se a reiterar a sua pretensão no sentido de que a revista deveria ser admitida como revista excecional, com base no artigo 672º, n.º 1, alínea a). É manifesto que não lhe assiste razão. A exoneração do passivo restante apresenta-se como um incidente processado nos autos do processo de insolvência, pelo que lhe é aplicável o regime do art.º 14.º do CIRE como tem sido entendido pela jurisprudência pacífica e uniformizada do STJ. Nos termos do AUJ n.º 13/2023 proferido no processo n. 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1-A, publicado no Diário da República em 21.11.2023: «A regra prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, restringe o acesso geral de recurso ao STJ às decisões proferidas no processo principal de insolvência, nos incidentes nele processado e aos embargos à sentença de declaração de insolvência.» E como tem sido reiteradamente entendido pela jurisprudência do STJ (particularmente a desta 6ª Secção, à qual cabe a competência em matéria de insolvência), o regime específico de revista previsto no artigo 14º do CIRE não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade previstos no artigo 629º, n.º 1 do CPC. Veja-se, neste sentido, exemplificativamente, as seguintes decisões: - Acórdão do STJ, de 15.03.2022 (relator José Raínho)2, no processo n. 1097/21.5T8LRA.C1.S1: «Em sede do art. 14.º do CIRE o recurso para o STJ só é admissível se estiverem verificados os requisitos gerais dos recursos, entre estes o de o valor da causa exceder a alçada do tribunal de que se recorre.» -Ac. do STJ, de 27.02.2018 (relator Fonseca Ramos), no proc. n.10411/15.1T8VNF.G1.S1: «A decisão proferida em processo de insolvência com o valor de €2.000 não é passível de recurso de revista – art.14º, n.1 e 17º, n.1 do CIRE, e 629º, n.1 do CPC» - Ac. do STJ, de 27.02.2018 (relatora Ana Paula Boularot), no processo 1747/17.8T8ACB-A.C1.S1: «Independentemente da ocorrência de oposição jurisprudencial, têm de estar verificados concomitantemente os demais requisitos gerais processualmente exigíveis nesta sede, v.g. o do valor, tendo em atenção o disposto no artigo 629º, nº1 do CPCivil, aplicável por força do artigo 17º, nº1 do CIRE, o qual a conter-se dentro da alçada do Tribunal da Relação impede a impugnabilidade em sede de Revista.»3 Improcede, assim, a pretensão da recorrente-reclamante. * 7. No seu requerimento, vem ainda a recorrente afirmar que a revista excecional deveria ser admitida ao abrigo do artigo 20º da CRP e do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humano. Trata-se de uma pretensão absolutamente vaga e infundada, pois a recorrente bem saberá que tais instrumentos legais não consagram o direito ao recurso de forma ilimitada. E em matéria cível o direito ao recurso não é sequer constitucionalmente garantido. Acresce que, no caso concreto, o direito ao recurso já lhe foi concedido, e efetivamente exercido, quando interpôs recurso de apelação. Não existe, portanto, qualquer violação do artigo 20º da CRP, nem do artigo 6º da CEDH. Como tem sido reiteradamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, o legislador é livre de estipular limitações ao direito de recurso, tendo presentes interesses relacionados com a necessidade do emprego racional dos escassos meios disponibilizados para a administração da Justiça e com a valorização da intervenção do STJ4. Nem no domínio do processo penal existe uma garantia constitucional do direito a um terceiro grau de jurisdição, pois a exigência constante do n.º 1 do artigo 32.º da CRP confina-se ao duplo grau recursivo5. * Em resumo, não se verifica qualquer fundamento para que a decisão de não conhecimento do objeto do recurso pudesse ser alterada, pelo que improcede totalmente a pretensão da reclamante. DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a pretensão da recorrente-reclamante e confirma-se a decisão reclamada. Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC’s (art.7º, n.4 e Tabela II, penúltima linha, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do apoio judiciário. Lisboa, 29.05.2024 Maria Olinda Garcia (Relatora) Ricardo Costa Amélia Alves Ribeiro
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1. Publicado em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9087938aabaf6680802583d70052a855?OpenDocument↩︎ 2. Publicado em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9e08a66e08d615a18025880700337893?OpenDocument↩︎ 3. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2b0f9536cdd2e97c80258241005cfdae?OpenDocument↩︎ 4. LOPES DO REGO, O Direito fundamental de acesso e a Reforma do Processo Civil – Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, pág. 764.↩︎ 5. Assim, entre outros, vd. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 31/87, de 28 de janeiro de 1987, e 163/90, de 23 de maio de 1990, ambos acessíveis, respetivamente, em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870031.html http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19900163.html↩︎ |