Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO TREINADOR DESPEDIMENTO | ||
Data do Acordão: | 07/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DO AUTOR. NEGADA A REVISTA SUBORDINADA DA RÉ | ||
Sumário : |
I- Sendo a convenção coletiva fonte de direito a mesma e a respetiva aplicação é de conhecimento oficioso. II- O contrato de um treinador de futebol é um contrato necessariamente a termo, sendo que ao seu despedimento é aplicável o artigo 24.º da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho, ainda que o treinador não seja um praticante desportivo. III- O referido artigo 24.º tem natureza imperativa, não se podendo efetuar nas retribuições vincendas como valor mínimo da indemnização qualquer dedução de retribuições auferidas ao serviço de outras entidades empregadoras, mesmo que haja cláusula de convenção coletiva nesse sentido. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2283/20.0T8FNC.L1.S2 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, AA veio instaurar ação declarativa sob a forma de processo comum contra M... Futebol SAD, peticionando que se decida o seguinte: “a) Declarar-se a existência do contrato celebrado com a ré para a época 2019/2020, condenando-se a ré a reconhecer o mesmo; b) Declarar-se ilícito o despedimento de que foi vítima por parte da ré e por via dele condenar-se a ré a pagar-lhe a quantia de € 72.000,00 (setenta e dois mil euros), a título de indemnização; c) Condenar-se a ré a pagar-lhe a quantia de € 15.089,45 (quinze mil e oitenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), ainda em dívida, das remunerações salariais acordadas no âmbito do contrato de trabalho celebrado relativo à época desportiva 2018/2019; d) Condenar-se a ré a pagar-lhe a quantia de € 626,67 (seiscentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos) relativa ao valor das viagens entre o ..., no dia 1 e 2 de Julho de 2018; e) Condenar-se a ré a pagar-lhe os juros de mora referentes ao valor de € 87.715,67 (oitenta e sete mil setecentos e quinze euros e sessenta e sete cêntimos), valor que na data totaliza a quantia de € 1.939,80 (mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta cêntimos); f) Condenar-se a ré a pagar-lhe um valor não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.”. Fundamentou a sua pretensão alegando, em suma, que acordou com a Ré a celebração de um contrato de trabalho com início no dia 28.11.2018 e termo a 30.06.2020, para as épocas desportivas 2018/2019 e 2019/2020. Contudo, alega que aquando da assinatura dos contratos, assinou vários exemplares dos mesmos, não tendo, no entanto, verificado a sua duração, dado que posteriormente lhe seria entregue uma cópia destes. Posteriormente, apenas conseguiu obter, junto do Departamento de Registos de Contratos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o contrato de trabalho válido para a época 2018/2019, não se encontrando registado o contrato referente à época 2019/2020. Continuou, sustentando que, no dia 1 de Julho de 2019, a Ré comunicou-lhe a si e a BB, treinador adjunto, que estavam dispensados, com efeitos imediatos, não lhe tendo sido apresentada qualquer justificação para o efeito, o que considera configurar um despedimento ilícito. Frustrou-se a conciliação das partes. A Ré contestou, sustentando, em suma que apenas foi celebrado um contrato, para a época desportiva 2018/2019, não renovável, não tendo sido celebrado qualquer contrato para a época desportiva 2019/2020, descrevendo as circunstâncias em que tal contratação ocorreu. Proferiu-se despacho saneador. Foi proferida Sentença em 30.06.2021 na qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Declaro a existência de um contrato de trabalho celebrado entre o autor, AA, e a ré, M..., Futebol, SAD, para a época 2019/2020, condenando a ré a reconhecer o mesmo; b) Declaro a ilicitude do despedimento do autor, AA, levado a cabo pela ré, M..., Futebol, SAD, no dia 1 de Julho de 2019; c) Condeno a ré, M..., Futebol, SAD, no pagamento autor, AA, da quantia de € 2.451,31 (dois mil quatrocentos e cinquenta e um euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 1 de Julho de 2019, até integral e efetivo pagamento; d) Absolvo a ré M..., Futebol, SAD do pedido. “. Inconformada, a Ré interpôs recurso de Apelação. Foi proferido Acórdão em 11.05.2022, no qual se decidiu: “Em face do exposto, o Tribunal acorda em julgar improcedente o recurso do A. e parcialmente procedente o recurso da R. e, em consequência: a) Revogar a sentença recorrida na parte em que declarou a existência de um contrato de trabalho celebrado entre o autor, AA, e a ré, M..., Futebol, SAD, para a época 2019/2020; b) Revogar a sentença recorrida na parte em que declarou a ilicitude do c) Absolver a R. dos pedidos de reconhecimento da existência de um contrato d) Manter no mais a decisão recorrida, embora com fundamentação O Autor interpôs recurso de revista. Por Acórdão do STJ de 29.03.2023 foi decidido o seguinte “Decisão: Concedida a revista, devendo o Tribunal da Relação proceder a um novo julgamento do facto 17 e caso o dê como provado conhecer das questões que ficaram prejudicadas.”. Os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação, o qual proferiu Acórdão, em 28.06.2023, no qual se decidiu: “Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso do A. e improcedente o recurso da R. e, embora com fundamentação diversa, confirmar a sentença recorrida.”. O Autor interpôs recurso de revista excecional. A Ré contra-alegou e requereu a ampliação do objeto do recurso. O Autor apresentou articulado de resposta. Por despacho do Relator foi admitido o recurso com efeito meramente devolutivo, nos termos gerais do artigo 671.º do CPC, por não existir dupla conformidade na decisão das instâncias, salvo no segmento decisório no que toca à decisão de não compensação dos danos não patrimoniais. Convolou-se o pedido da Ré de ampliação do objeto do pedido em recurso subordinado que se admitiu. Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista. A Ré respondeu ao Parecer. Ao abrigo do artigo 3.º do CPC foi aberto contraditório às Partes para evitar decisões surpresa quanto à argumentação jurídica, mormente quanto à aplicação ao caso de convenção coletiva e eventual nulidade de cláusula dessa convenção. A Ré reclamou do despacho junto da Conferência. Por Acórdão da Conferência, a Reclamação não foi admitida por tratar-se de despacho que não tomou qualquer decisão e que deve considerar-se de mero expediente. Fundamentação De Facto Foram os seguintes os factos provados nas instâncias: 1- A ré é uma sociedade anónima desportiva, cuja equipa ... de futebol sénior tem a designação M... Futebol, SAD. 2- A principal equipa de futebol sénior da ré, na época desportiva 2018/2019, tal como na época desportiva 2019/2020, integrava a ... (Liga ... por razões de patrocínio). 3- Em ... de ... de 2018, o M... Futebol, SAD estava sem vencer há ... jogos e com ... derrotas consecutivas. 4- Por isso, a administração da ré adotou medidas tendentes à asseguração da permanência da sua equipa de futebol na ..., entre elas a substituição da sua equipa técnica. 5- Para tanto decidiu entrar em contacto com o autor, mais conhecido por CC, com a intenção de contratá-lo como treinador principal. 6- A administração da ré optou por contratar o autor como treinador principal porque este tinha, em épocas anteriores e noutros clubes da ..., depois de contratado a meio ou nalguns casos já no último terço da época desportiva, conseguido assegurar a manutenção em conjunturas similares àquela que a ré experimentava em .... 7- Foram efetuados contactos entre a ré e o autor para serem acertados os termos do contrato a celebrar, designadamente respeitantes às condições remuneratórias e outras condições contratuais. 8- Durante as negociações, o autor fez saber à ré que a indicação de um seu adjunto lhe incumbiria a ele, por pretender trabalhar com pessoa da sua confiança, o que foi aceite. 9- Quanto aos demais elementos da equipa técnica, seriam o que transitariam da anterior equipa técnica. 10- A ré negociou e acordou com o autor o pagamento de um valor global retributivo deste e do adjunto por ele indicado, BB. 11- Uma vez concluídas as negociações, no dia ... de ... de 2018, o autor compareceu nas instalações da ré com BB para assinarem os contratos previamente negociados entre o autor e a ré. 12- O autor e a ré assinaram um escrito particular denominado “contrato de trabalho a termo certo”, no dia ... de ... de 2018, do qual consta, na cláusula primeira que o autor obriga-se a prestar a sua atividade de treinador principal da equipa ... de futebol da ré, sob direção e autoridade desta, mediante retribuição, em jogos oficiais ou particulares, bem como na direção dos treinos de apuramento técnico, tático ou físico, concentrações e deslocações e outras atividades de formação técnica e informativa. 13- E na cláusula quarta que o contrato tem início a ... de ... de 2018 e termo a 30 de junho de 2019. 14- E na cláusula quinta que a ré, na época desportiva 2018/2019 (parcial) pagaria ao autor a quantia global líquida de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros), repartida por sete prestações mensais, iguais e sucessivas, a primeira a ser paga até ao dia 25 do mês seguintes a que disser respeito e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes, valor que já incluía o subsídio de férias e de Natal. 15- BB e a ré assinaram um escrito particular denominado “contrato de trabalho a termo certo”, no dia ... de ... de 2018, do qual consta, na cláusula primeira que o autor obriga-se a prestar a sua atividade de treinador adjunto da equipa ... de futebol da ré, sob direção e autoridade desta, mediante retribuição, em jogos oficiais ou particulares, bem como na direção dos treinos de apuramento técnico, tático ou físico, concentrações e deslocações e outras atividades de formação técnica e informativa. 16- E na cláusula quarta que o contrato tem início a 1 de julho de 2019 e termo a 30 de junho de 2020. 17- Aquando da celebração do contrato referido sob 12, o autor acordou ainda verbalmente com a ré que prestaria a sua atividade de treinador principal da equipa ... de futebol da ré, sob direção e autoridade desta, mediante retribuição, em jogos oficiais ou particulares, bem como na direção dos treinos de apuramento técnico, tático ou físico, concentrações e deslocações e outras atividades de formação técnica e informativa, com início 1 de Julho de 2019 e termo a 30 de Junho de 2020, para a época desportiva de 2019/2020 (alterado pelo Tribunal da Relação). 18- No momento da celebração do contrato, o autor assinou vários exemplares do contrato de trabalho, não tendo verificado a sua duração. 19- Não foi entregue ao autor cópia de qualquer contrato aquando da sua assinatura. 20- O autor solicitou aos serviços administrativos da ré cópia do seu contrato de trabalho, não lhe tendo sido entregue a mesma. 21- O autor solicitou junto do Departamento de Registos de Contratos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional uma cópia do contrato de trabalho, tendo-lhe sido entregue o contrato de trabalho válido para a época 2018/2019. 22- Não se encontrava registado qualquer contrato de trabalho para a época 2019/2020 referente ao autor ou a BB. 23- No dia 1 de julho de 2019, o Presidente da Direção da ré disse ao autor e a BB que já não trabalhavam ali, mandando-os embora. 24- A ré pagou ao autor as seguintes quantias: - 25/12/2018 - € 757,55 (setecentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos); - 25/01/2019 - € 5.168,25 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos); - 25/02/2019 - € 4.668,25 (quatro mil seiscentos e sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos); - 25/03/2019 - € 4.646,94 (quatro mil seiscentos e quarenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos); - 25/04/2019 - € 5.168,25 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos); - 25/05/2019 - € 5.168,25 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos); - 30/06/2019 - € 5.168,25 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos); - 25/07/2019 - € 2.802,95 (dois mil oitocentos e dois euros e noventa e cinco cêntimos). 25- O autor despendeu a quantia de € 626,67 (seiscentos e vinte e seis euros e sessenta e sete cêntimos), na realização da viagem ..., nos dias 1 e 2 de Julho de 2019. 26- Quando o autor representava o Futebol ..., na época desportiva 2017/2018, foi instaurado contra o autor, pela Liga de Clubes, o processo disciplinar n.º ...-.../18. 27- No âmbito desse processo, a 4 de dezembro de 2018, a Liga de Clubes enviou ao autor, com conhecimento à ré e ao Futebol ..., a conta de custas no valor total de € 1.021,31 (mil e vinte e um euros e trinta e um cêntimos). 28- A ré efetuou o pagamento da quantia de € 1.021,31 (mil e vinte e um euros e trinta e um cêntimos), descontando tal quantia no vencimento do autor. 29- Quando o autor desempenhava as suas funções para a ré, na época desportiva 2018/2019, foi instaurado contra o autor, pela Liga de Clubes, o processo disciplinar n.º ...-.../19. 30- No âmbito desse processo, o autor foi condenado no pagamento de uma multa no valor de € 1.430,00 (mil quatrocentos e trinta euros). 31- A ré efetuou o pagamento da quantia de € 1.430,00 (mil quatrocentos e trinta euros), descontando tal quantia no vencimento do autor referente a junho de 2019. 32- Em ..., o autor tinha habilitações, competências e qualificações de treinador de Grau III. 33- Em ... de ... de 2018, o autor encontrava-se a frequentar o curso UEFA PRO, de Treinadores de Futebol (Grau IV), o que lhe permitia o desempenho do cargo de treinador principal da 1.ª Liga, pelo período de 6 meses. 34- A falta de qualificação do treinador da primeira liga tem motivado sanções por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, como multas por dar indicações de pé no banco de suplentes e dar indicações para dentro do terreno de jogo. 35- O autor é treinador principal da B......... SAD desde o dia ... de ... de 2019, tendo auferido as seguintes quantias: - 31/01/2020 - € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros); -20/02/2020 - € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros); -31/03/2020 - € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros); -30/04/2020 - € 3.700,31 (três mil e setecentos euros e trinta e um cêntimos); -31/05/2020 - € 6.948,01 (seis mil novecentos e quarenta e oito euros e um cêntimo); -30/06/2020 - € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros). Foram considerados não provados os seguintes factos: a- A ré, na pessoa do seu presidente, nos últimos meses da época desportiva 2018/2019, comunicou ao autor que os jogadores DD, EE e FF não poderiam jogar mais, nem serem utilizados na equipa. b- A ré criticou publicamente o autor na gala realizada no final do mês de Maio de 2019. c- No seio da ré era duvidosa a adequação do perfil do autor para assumir as funções de técnico principal na época seguinte, quer num cenário da manutenção, quer num cenário da descida de divisão. d- O fator qualificações era um aspeto importante para a ré, porque sem o grau necessário para treinar na Primeira Liga obrigava-a a manobras de gestão de recursos humanos na hora de preencher as fichas de jogo. e- A ré acordou com o autor que efetuaria o pagamento da multa de € 1.021,31 (mil e vinte e um euros e trinta e um cêntimos) e que descontaria a respetiva quantia no seu vencimento. f- A ré efetuou o pagamento da multa de € 1.430,00 (mil quatrocentos e trinta euros) com prévio conhecimento e consentimento do autor. De Direito Na presente revista, atendendo tanto ao recurso do Autor como ao recurso subordinado da Ré suscitam-se as seguintes questões: - O contrato a que se reporta o facto 17 é nulo, não se aplicando as regras respeitantes à cessação do contrato de trabalho, mormente as que respeitam à proteção contra o despedimento sem justa causa? - Sendo válido o contrato ou, em qualquer caso, aplicando-se as normas que proíbem o despedimento sem justa causa, qual o valor da retribuição? - Qual a lei aplicável ao despedimento de um treinador de futebol? - Aplicar-se-á a convenção coletiva entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol? - Deverá considerar-se enriquecido sem causa o trabalhador se na indemnização a que tiver direito não se deduzirem as retribuições auferidas ao serviço de outra entidade? Como se refere no Acórdão recorrido, "em 29.03.2023 o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Acórdão e decidiu conceder revista, devendo o Tribunal da Relação proceder a novo julgamento do facto 17 e, caso o dê como provado, conhecer das questões que ficaram prejudicadas” e “[n]o referido Acórdão foi entendido que face ao disposto no art. 110.º do CT uma convenção coletiva não pode exigir forma escrita para a celebração de contrato de trabalho (…) [e] o artigo 6.º, n.º2 da Lei dos Praticantes Desportivos é uma norma excecional que não é suscetível de aplicação analógica a um contrato de trabalho celebrado com um treinador que não é praticante desportivo”. Em conformidade com o decidido neste Tribunal, o Tribunal da Relação de Lisboa procedeu a novo julgamento do ponto 17 do elenco dos factos que tinham sido provados na 1.ª instância, tendo vindo a considerar assente sob o facto 17: “Aquando da celebração do contrato referido sob 12, o autor acordou ainda verbalmente com a ré que prestaria a sua atividade de treinador principal da equipa ... de futebol da ré, sob direção e autoridade desta, mediante retribuição, em jogos oficiais ou particulares, bem como na direção dos treinos de apuramento técnico, tático ou físico, concentrações e deslocações e outras atividades de formação técnica e informativa, com início 1 de Julho de 2019 e termo a 30 de Junho de 2020, para a época desportiva de 2019/2020”. O Acórdão recorrido subsequentemente considerou não ter resultado apurada a retribuição estipulada entre as partes e decidiu que “[a]tento o disposto no art. 272º, nº1 do CT, o Tribunal deverá atender à remuneração mínima prevista no contrato coletivo de trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (publicado no BTE no 20 de 29.05.2012)”, pelo que decidiu que a retribuição a que o trabalhador teria direito seria de € 69.160,00 correspondente a 8 vezes o salário mínimo nacional, remuneração mínima prevista na convenção coletiva atrás referida. O Acórdão recorrido decidiu, igualmente, que existiu um contrato de trabalho entre as partes para o período entre 1 de julho de 2019 e 30 de junho de 2020, e que tal contrato de trabalho não foi nulo, não o tendo sido, designadamente, em razão da alegada falta de qualificações necessária para o desempenho das funções de treinador principal, alegada pelo empregador, por este último não ter provado que “na data em que o contrato iria produzir efeitos (1 de Julho de 2019) o recorrente [o trabalhador] não estivesse devidamente habilitado para o efeito”. O Tribunal da Relação decidiu, ainda, que ocorreu um despedimento ilícito, desde logo porque sem precedência de procedimento disciplinar, ao qual seria aplicável o artigo 24.º da Lei nº 54/2017, de 14 de julho. Todavia, considerou que seriam igualmente aplicáveis as cláusulas 41.ª n.º 1 e 44.ª do contrato coletivo de trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (publicado no BTE no 20 de 29.05.2012) e por força destas cláusulas, mormente do n.º 1 da cláusula 41.ª, entendeu que ao valor das retribuições que seriam devidas ao trabalhador se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, haveria que deduzir as retribuições que este veio a auferir ao serviço de outros empregadores durante o período em causa. Concluiu, assim, que o despedimento era ilícito, mas que o trabalhador não teria direito a qualquer indemnização. E considerou igualmente que não haveria lugar a qualquer compensação de danos não patrimoniais, porquanto “não foram dados como assentes factos constitutivos desta obrigação”. Relativamente à invocação da nulidade do contrato feita pelo empregador, concorda-se com a afirmação do Acórdão recorrido, de que não foi feita prova suficiente de que as habilitações do trabalhador não eram suficientes legalmente para o exercício das funções para que foi contratado (vejam-se os factos 33 e 35; aliás decorre do facto 35 que o trabalhador esteve precisamente ao serviço de outro empregador como treinador futebol desde 1 de janeiro de 2019). Mas diga-se que mesmo que fosse nulo haveria que ter em conta o especial regime de invalidade do contrato de trabalho previsto na lei laboral, mais precisamente nos artigos 121.º e seguintes, do Código do Trabalho que diverge substancialmente do regime geral da invalidade dos negócios jurídicos, previsto no Código Civil. Com efeito, e em regra, o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo em que seja executado (n.º 1 do artigo 122.º do CT). Só não será assim se o contrato de trabalho tiver por objeto ou fim uma atividade contrária à lei ou à ordem pública (artigo 124.º, n.º 1), por exemplo quando o trabalhador é contratado para a realização de atividades de contrabando ou de tráfego de armas ou estupefacientes. Este último preceito não se aplica ao caso vertente já que a atividade de treinador de futebol, obviamente, nada tem de ilegal ou de contrário à ordem pública. Por conseguinte, se as exigências de uma certa formação profissional do treinador desencadeassem a invalidade do contrato de trabalho, ainda assim haveria que aplicar o n.º 1 do artigo 123.º do CT: “a facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato de trabalho”. Havendo um contrato de trabalho válido sem forma escrita o mesmo seria normalmente um contrato de trabalho por tempo indeterminado, já que o contrato a termo em regra exige forma escrita. No entanto, aqui pode afirmar-se a existência de uma lacuna de regulamentação que justifica a aplicação da norma da Lei do Contrato Desportivo que impõe a contratação a termo. Como se sabe, o treinador não é um praticante desportivo e não há que lhe aplicar automaticamente todo o regime do praticante desportivo. Contudo e ainda que as razões para que o contrato de trabalho de praticante desportivo seja um contrato necessariamente a termo nem sempre se apliquem aqui com toda a plenitude – a profissão de praticante desportivo é, em regra, de desgaste rápido e de grande exigência no plano físico o que não se aplicará em igual medida ao treinador – também no caso do treinador e reconhecendo embora que a lei laboral evoluiu e conhece a figura da comissão de serviço, razões que se prendem com a necessidade de reagir perante os resultados desportivos que podem rapidamente alterar-se e a marcada natureza fiduciária do cargo desempenhado em que são extremamente importantes relações pessoais (com jogadores, outros quadros do clube) e até com o público explicam que o contrato do treinador seja também um contrato a termo. E coerentemente, como bem decidiu o Tribunal da Relação, haverá que aplicar o artigo 24.º da Lei dos Praticantes Desportivos. Relativamente à retribuição e já que as partes não a acordaram, haverá que atender, como fez o Tribunal da Relação, ao artigo 272.º n.º 1 do Código do Trabalho, o qual prevê que “[c]ompete ao tribunal, tendo em conta a prática da empresa e os usos do setor ou locais, determinar o valor da retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável”. A sentença de 1.ª instância considerou que o montante da retribuição anual seria de €36.000,00, mas sublinhe-se perante outra redação do facto 17 em que não constava a contratação do trabalhador como treinador principal e sim como adjunto. O trabalhador pretende no seu recurso que a retribuição anual seria de €72.000,00. A referência à prática da empresa permite utilizar como ponto de referência o contrato de trabalho imediatamente anterior celebrado entre as mesmas partes, mas não permite chegar ao valor pretendido pelo Autor. Com efeito, o valor de €36.000,00 líquidos a que se refere o facto 14 não se reporta a meio ano de trabalho, mas sim a 7 meses (de novembro a junho do ano seguinte) incorporando, ainda, o subsídio de Natal e o subsídio de férias1. Decorre, pois, da matéria de facto dada como provada uma retribuição mensal líquida de cerca de 4000,00 euros e, portanto, uma retribuição anual de cerca de € 56.000,00. O Acórdão recorrido aplicou também aqui o Contrato Coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012, mais precisamente a Cláusula 31.ª, que previa o direito ao mínimo de oito vezes o salário mínimo nacional e chegou assim ao valor de €69.160,00. Mesmo que tal contrato não seja aplicável é defensável que se atenda ao mesmo na aplicação do artigo 272.º, n.º 1. Face ao pedido formulado pelo Autor a questão do valor exato das retribuições vincendas carece, contudo, como se dirá, de relevância prática neste recurso. Como vimos, o Acórdão recorrido pronunciou-se pela existência de um despedimento ilícito, tendo aplicado a cláusula 41.ª n.º 1 do Contrato Coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012. O referido n.º 1 da cláusula 41.ª dispõe o seguinte: “A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 1 da cláusula anterior confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma atividade durante o período em causa”. Antes de mais, diga-se que a convenção coletiva é uma fonte de direito (artigo 1.º e 3.º do Código do Trabalho de 2009) que é do conhecimento oficioso pelos tribunais. Por outro lado, as condições da sua aplicação estão fixadas na lei – por outras palavras, não há, como pretendeu o empregador no exercício do contraditório que lhe foi concedido em respeito do artigo 3.º do Código do Processo Civil, que invocar a autonomia privada e afirmar que as partes estão de acordo no processo em aplicar uma convenção coletiva, já que ambas a invocaram, para pretender afastar os pressupostos legais da sua aplicação. No nosso sistema legal, qualquer convenção coletiva aplica-se, em princípio, aos empregadores outorgantes ou filiados em associações de empregadores outorgantes e aos seus trabalhadores, desde que filiados nos sindicatos outorgantes (princípio da filiação – artigo 496.º n.º 1 do CT). Não consta dos factos provados a filiação ou não filiação sindical do Autor; por outras palavras desconhece-se se o mesmo estava ou não filiado na Associação Nacional dos Treinadores de Futebol à data da ocorrência dos factos, mormente aquando do seu despedimento. Assim, não se pode afirmar que o Autor esteja diretamente abrangido pela Contrato Coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, por força do princípio da filiação. Como é sabido, no entanto, a aplicação da convenção coletiva aos não filiados pode ocorrer por exemplo por portaria de extensão e por escolha do não filiado. O mencionado Contrato Coletivo foi objeto de uma Portaria de Extensão, a Portaria de Extensão n.º 7/2018. Contudo resulta inequivocamente dessa Portaria que a mesma apenas estende a referida Convenção Coletiva no território do continente e não na ... (artigo 1.º n.º 1 da Portaria). Não existe na ... portaria de extensão do referido Contrato Coletivo que tenha sido publicada no JO... (Jornal oficial da ...). Finalmente do contrato referido no facto 12 consta, na cláusula 7.ª, que o Autor se obrigava ao cumprimento pontual e integral das tarefas a que estava adstrito, “de acordo com as necessidades de serviço e dentro dos condicionalismos estabelecidos pelo Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e nas demais disposições legislativas em vigor”. Todavia, mesmo que esta cláusula possa ser interpretada como uma remissão para a convenção coletiva, importa ter presente que o artigo 105.º do CT estabelece que “o regime das cláusulas contratuais gerais aplica-se aos aspetos essenciais do contrato de trabalho que não resultem de prévia negociação específica, mesmo na parte em que o seu conteúdo se determine por remissão para instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”. Não foi demonstrado no processo que tenham sido cumpridas as obrigações que resultam do regime das cláusulas contratuais gerais. Mas ainda que, como se afirma no Parecer do Ministério Público, se considere não estar aqui perante um aspeto essencial do contrato há que ter em conta dois outros aspetos: - em primeiro lugar, a interpretação da cláusula não permite, claramente, uma remissão global para a convenção, mormente no que toca aos efeitos de um despedimento ilícito, mas apenas uma remissão para concretização das tarefas e deveres do treinador; - em segundo lugar, as cláusulas de remissão não estendem propriamente os efeitos normativos de uma convenção coletiva a quem ela não estava sujeito; o que fazem é integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho através da remissão para a convenção coletiva. Mas esse conteúdo por remissão é conteúdo do contrato individual de trabalho e não se pode pelo contrato individual de trabalho derrogar o regime imperativo da cessação do contrato de trabalho (ainda para mais em prejuízo do trabalhador). Em suma, não há fundamento legal para que se considere aplicável à relação laboral entre Autor e Ré o Contrato Coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol. Mas mesmo que tal contrato coletivo fosse aplicável, a Cláusula 41.ª n.º 1 é hoje nula, ou, para quem não aceite a nulidade superveniente, terá caducado, por conflituar diretamente com lei imperativa. Como é sabido, muito embora o treinador não seja, em rigor, um praticante desportivo, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que se lhe aplica, ainda que não automaticamente, a Lei do Contrato de Trabalho Desportivo. O contrato coletivo em causa foi celebrado em 2012. À época a lei aplicável ao trabalho desportivo era a Lei n.º 28/1998 de 26 de junho. Tal Lei previa no seu artigo 27.º n.º 1 que “[n]os casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior [sendo que a alínea c) era precisamente o despedimento sem justa causa promovido pela entidade empregadora desportiva], a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo” e no n.º 3 que “[q]uando, em caso de despedimento promovido pela entidade empregadora, caiba o direito à indemnização prevista no n.º 1, do respetivo montante devem ser deduzidas as remunerações que, durante o período correspondente à duração fixada para o contrato, o trabalhador venha a receber pela prestação da mesma atividade a outra entidade empregadora desportiva”. O regime da cláusula 41.ª e a dedução das retribuições nele previstas à indemnização era compatível, como se vê, com o regime legal então vigente. Mas a Lei n.º 28/98 foi revogada pela Lei n.º 54/2017 de 14 de julho. Este novo diploma consagra outra solução quanto à indemnização por despedimento sem justa causa promovido por entidade empregadora desportiva. Reza o seu artigo 24.º n.º 1 que “[n]os casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior [a alínea c) corresponde ao despedimento promovido pela entidade empregadora desportiva], a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”, acrescentando o n.º 2 que pode ser fixada indemnização de maior montante se o lesado provar que sofreu danos posteriores. Ou seja, desapareceu qualquer referência a uma dedução das remunerações auferidas ao serviço de outros empregadores. JOÃO LEAL AMADO, depois de sublinhar a diversidade substancial de regime entre as duas legislações, observa que “[a]gora, ao invés, o valor das retribuições vincendas funciona como limite mínimo da indemnização a pagar pelo responsável, verba que este sempre deverá pagar por ter dado causa à cessação do contrato ou por ter desencadeado a rutura indevida do mesmo – não mais relevando, para este efeito, o chamado aliunde perceptum, isto é, as importâncias que o praticante venha a auferir de outra entidade empregadora pela atividade desportiva prestada após a cessação do contrato”2 Além disso, o artigo 3.º n.º 2.º da Lei n.º 54/2017 prevê que “as normas constantes desta lei podem ser objeto de desenvolvimento e adaptação por convenção coletiva de trabalho que disponha em sentido mais favorável aos praticantes desportivos e tendo em conta as especificidades de cada modalidade desportiva” (sublinhado nosso), o que parece afastar a validade de cláusulas da convenção coletiva desfavoráveis aos trabalhadores. É, precisamente, o que afirma JOÃO LEAL AMADO: “[e]m regra, as normas deste diploma possuem, pois, um caráter relativamente imperativo (normas semi-imperativas ou normas de imperatividade mínima), podendo ser afastadas por convenção coletiva desde que esta estabeleça um tratamento mais favorável para os trabalhadores do desporto”3. Deve concluir-se, assim, que a Cláusula 41.ª n.º 1 do Contrato Coletivo será, depois da entrada em vigor da Lei n.º 54/2017, nula (quando aplicada ao despedimento ilícito por remissão da Cláusula 44.ª), ou para quem não aceite uma nulidade superveniente, terá caducado, não devendo ser aplicada. No seu douto Parecer o Ministério Público veio, contudo, sustentar que a norma legal aplicável será a do Código do Trabalho e não o artigo 24.º da Lei n.º 54/2017. Desde logo, observe-se que o artigo 393.º do CT contém no seu n.º 1 uma remissão para as regras gerais de cessação do contrato de trabalho, mas com as alterações constantes do n.º 2. Em regra, havendo um despedimento ilícito o empregador é condenado na indemnização ao trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais (alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º) e na reintegração do trabalhador (alínea b) do n.º 1 do artigo 389.º). Mas a reintegração pode, ela própria, ser substituída, normalmente a pedido do trabalhador, mas por vezes em certos casos a pedido do empregador, por uma indemnização, frequentemente designada de “indemnização de antiguidade” por o seu valor depender designadamente da antiguidade do trabalhador. O artigo 390.º n.º 1 do CT esclarece, ainda, que “sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento” (sublinhado nosso). Trata-se, pois, de importâncias – vulgarmente designadas por salários de tramitação que acrescem à indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º. O fundamento da atribuição destes “salários de tramitação” reside em que foi a atuação ilícita do empregador que recusando a prestação de trabalho – e ressalvando-se os casos de suspensão judicial do despedimento – impediu o trabalhador de auferir tais retribuições. Trata-se de importâncias que serão pagas por um período em que o trabalhador não esteve a trabalhar, mas em que houve mora do credor, devendo ser o empregador, em regra, quem suporta o prejuízo que pode resultar do tempo despendido num processo judicial. Mas aqui a lei mitiga esta solução, no entanto, mandando deduzir nas retribuições que o trabalhador deixou de auferir, designadamente, “as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento” (alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º). Sublinhe-se, desde já, que as deduções não são feitas, em rigor, à indemnização a que o trabalhador tenha direito, mas a estes “salários de tramitação”. O artigo 394.º n.º 2, por seu turno, contém, a respeito do contrato de trabalho a termo, um regime especial muito distinto deste. A reintegração só poderá ter lugar, desde logo, caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão judicial (alínea b) do n.º 2 do artigo 394.º). E o empregador deve ser condenado ao pagamento de uma indemnização (que não é substitutiva da reintegração) “dos danos patrimoniais e não patrimoniais que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente”. Atende-se, assim, ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir não como um montante que acresce à indemnização, mas como uma forma de cálculo da própria indemnização a qual não pode ser inferior ao montante das referidas retribuições não auferidas. Não pode, pois, aplicar-se a este regime especial a regra da alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º, tal como, de resto, não são aplicáveis as regras das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 390.º, já que não há que fazer tais deduções ao montante da indemnização propriamente dita. Mas deve também atender-se a que o regime da cessação do contrato de trabalho é imperativo (artigo 339.º n.º 1 do CT). A lei permite é certo que o IRCT possa regular, designadamente, os critérios de definição de indemnizações (n.º 2 do artigo 339.º do CT) e “dentro dos limites deste Código” os valores das indemnizações (n.º 3). Como refere PEDRO ROMANO MARTINEZ4, “como normalmente são limites mínimos, por convenções colectivas não se podem estabelecer montantes inferiores”. E não pode resultar da aplicação da convenção que um despedimento ilícito num contrato a termo acabasse por não implicar o pagamento de qualquer indemnização porque esta despareceria ao deduzirem-se retribuições auferidas ao serviço de outras entidades… Mas, e em todo o caso, a norma aplicável ao caso é o artigo 24.º n.º 1 da Lei do Contrato de Trabalho Desportivo, Lei n.º 54/2017 que prevê, no segmento que agora importa, que “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”, sem quaisquer deduções. O artigo 24.º n.º 2 da Lei n.º 54/2017 permite uma indemnização superior ao que resulta do número anterior, mas só se o trabalhador provar que sofreu um prejuízo superior, o que não é o caso. O pedido do Autor de compensação de danos não patrimoniais não pode ser conhecido por haver dupla conformidade quanto a este segmento decisório. O empregador invoca, no entanto, que a não realização das deduções acarretaria um enriquecimento sem causa do Autor. Como se assinalou o despedimento ilícito de um praticante desportivo dá lugar a uma indemnização que terá como valor mínimo as retribuições vincendas sem qualquer dedução de retribuições auferidas ao serviço de outras entidades. Assim, o enriquecimento tem a sua causa na lei, a qual, por assim dizer, tem um dano mínimo tabelado. A solução proposta pelo empregador é que conduziria a que um despedimento ilícito desprovido de qualquer indemnização. Assim, há que condenar a Ré ao pagamento de todas as retribuições que não pagou e que corresponderiam como atrás se viu a €36.000,00 para a sentença de 1.ª instância e a €69.160,00 para o Tribunal da Relação. Sucede, no entanto, que o pedido do Autor é de € 31.351,68, como resulta da Conclusão O do seu recurso: “Os valores acordados não superam, nem nunca poderiam superar o valor a que tem direito a receber no valor de 31.351,68 € valor esse, que lhe é devido, por LEI e DIREITO, devendo a sentença ser alterada no sentido de condenar a Ré no pagamento dessa quantia (de 31.351,68 €)” (negritos no original). Sublinhe-se que tão pouco se encontra no pedido uma condenação em juros. Como estamos no domínio de direitos disponíveis, não pode este Tribunal condenar além do pedido. Decisão Concede-se parcialmente a revista do Autor, condenando-se a Ré, M... Futebol, SAD, ao pagamento da quantia de € 31.351,68 (trinta e um mil, trezentos e cinquenta e um euros e sessenta e oito cêntimos) de indemnização pelo despedimento ilícito do Autor, a que acrescem juros de mora desde a citação até ao integral e efetivo pagamento. Negada a revista da Ré. Custas pelo Autor e pela Ré na proporção do respetivo decaimento. Lisboa, 3 de julho de 2024 Júlio Gomes (Relator) Ramalho Pinto Domingos José de Morais
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1. Facto 14: “na época desportiva 2018/2019 (parcial) pagaria ao autor a quantia global líquida de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros), repartida por sete prestações mensais, iguais e sucessivas, a primeira a ser paga até ao dia 25 do mês seguintes a que disser respeito e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes, valor que já incluía o subsídio de férias e de Natal”↩︎ 2. JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho Desportivo, Lei n.º 54/2017 de 14 de julho Anotada, Almedina, Coimbra, 2018, p. 150.↩︎ 3. JOÃO LEAL AMADO, ob. cit., p. 37.↩︎ 4. Anotação ao artigo 339.º, Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e Outros, Almedina, Coimbra, 12.ª ed., 2020, p. 793.↩︎ |