Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | HOMICÍDIO QUALIFICADO EXEMPLOS-PADRÃO ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE AGRAVANTE CULPA MOTIVO FÚTIL IDENTIDADE DA VÍTIMA AUTORIA COMPARTICIPAÇÃO CO-AUTORIA PREMEDITAÇÃO FRIEZA DE ÂNIMO REFLEXÃO SOBRE OS MEIOS EMPREGADOS PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL PEDIDO LIMITES DA CONDENAÇÃO APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Data do Acordão: | 02/19/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIAS DAS NORMAS DE PROCESSO CIVIL - SENTENÇA. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1. - Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, pp. 20 e ss., 27. - Fernando Silva, Direito Penal Especial Crimes contra as pessoas, p. 60 e ss..; Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, 2.ª edição. - Jeschek, Tratado..., p. 245. - Maia Gonçalves, “Código Penal” Português Anotado e Comentado, Almedina, 2.ª edição, p. 224 - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 347, 348. - Manuel Teixeira de Sousa, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, p. 105. - Margarida Silva Pereira, Os Homicídios, p. 40. - Teresa Serra, Homicídio Qualificado, p. 66. - Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 109, p. 314. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 131.º, 132.º, N.º2, AL. E). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 661.º, N.º1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 3/6/1993, IN BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, N.º 428, P. 562; DE 4/10/2001, PROC. Nº 1675/01-5; DE 13/09/2006, DE 27/5/2010, PROC. N.º 58/04, COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, N.º 224, TOMO II/2010; DE 30/11/2011, DE 18/01/2012, PROC. N.º 306/10.0JAPRT.P1.S1. * ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, DE 26-11-1996 (DR 274/96, SÉRIE I-A ). | ||
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Sumário : | I - O art. 132.º do CP define o tipo de crime de homicídio qualificado, constituindo uma forma agravada de crime em relação ao tipo do art. 131.º. Objectivamente, o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no art. 131.º funcionando a qualificação na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos-padrão. II - A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, um tipo-de-culpa que se reconduz que é conformado pela especial censurabilidade ou perversidade da conduta. III -Fútil é o motivo de importância mínima, o motivo frívolo, leviano, a «ninharia» que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida; o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática. IV - O vector fulcral que identifica o «motivo fútil» não é, pois, tanto o que imprime a ideia de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva. V - No caso vertente, existe uma relação de causalidade facilmente perceptível entre a prévia agressão em que foi interveniente S e a posterior intervenção do arguido, procurando vingar a agressão de que seu irmão tinha sido alvo. O quadro factual descrito revela um primitivismo de reacções em que emergem pulsões primárias que indicam a desproporcionalidade entre o motivo que despoleta o itinerário criminoso, ou seja, entre a ofensa e a reacção, mas não se pode apontar a ausência de racionalidade ou, dito por outras palavras, uma ausência de um processo compreensível que, minimamente, convoque a lógica como explicação da conduta do arguido. Linearmente, a actuação do arguido convoca um dos motivos mais habituais neste tipo de crime que é a procura da vingança e esse propósito não é afectado pela circunstância de existir um erro sobre a identidade da vítima. Entende-se, assim, que os factos apurados são insusceptíveis de integrar aquele indício de qualificação do crime de homicídio, nomeadamente da al. e) do n.º 2 do art. 132.º do CP. VI - Quando vários arguidos realizam, em comum, um facto ilícito, todos são autores (a própria lei denomina neste caso os intervenientes como «co-autores»). A co-autoria também se baseia no domínio do facto. Porém, a partir do momento em que na sua execução intervêm vários autores o domínio do facto tem de ser comum, cada co-autor domina o processo total em união com outra ou outras pessoa, consistindo assim numa «divisão de trabalho», que torna possível o facto ou que facilita o risco e requer, no aspecto subjectivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma una resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto uma tarefa parcial mas essencial que o apresenta como co-titular da execução de todo o processo. VII - Se a acção do recorrente é fruto de um desígnio de vontade autónomo não se indicia a agravante da al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP [praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas]. VIII - Na al. j) do n.º 2 do art. 132.º do CP, sob o conceito da premeditação, o legislador reuniu a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 h. A agravante encontra-se conexionada com a actuação calma ou imperturbada reflexão, no assumir pelo agente da resolução de matar a que se alia a firmeza dessa mesma resolução criminosa. Pela negativa, a integração do conceito não se compagina com estados esténicos como tudo indicia que sucedeu no caso vertente. IX -Na verdade, o primeiro recontro ente o irmão do recorrente S e o também arguido G sucedeu pelas 4h30. O mesmo S telefonou para a sua mãe e contou-lhe o sucedido e nessa sequência o recorrente deslocou-se para o local onde, pelas 5h05, tiveram lugar os factos pelos quais foi incriminado. Falamos assim dum hiato temporal de cerca de 35 m e face à experiência comum é curial a conclusão de que o recorrente agiu sob o efeito do estado de espírito motivado pela comunicação de seu irmão, ou seja, sem que naquele período de tempo tivesse a possibilidade duma reflexão serena sobre o seu propósito. Não existe aquela frieza e imperturbabilidade perante os factos, mas sim um propósito tomado «a quente» motivado pelo intuito de vingar a agressão de que o seu irmão tinha sido alvo. Assim, inexiste a referida agravante qualificativa. X - O princípio do pedido é um princípio axial do processo civil e impõe-se a todos os tribunais, independentemente do seu grau. XI - O art. 661.º, n.º 1, do CPC, ao dispor que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium. XII - Desta disposição apenas interessa o limite estabelecido no aspecto quantitativo. Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial, correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum de pedido se possa decompor. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que o condenou nas seguintes penas: a)- Pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art.º 131.º, n.º 1, 132.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas h), 22.º e 23.º todos do Código Penal na pena de 3 (três) anos de prisão. b)-Pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art.º 131.º, n.º 1, 132.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas h) e j), 22.º e 23.º todos do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão. Em cúmulo jurídico foi o mesmo arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão. Igualmente o mesmo recorrente foi condenado no pagamento da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) ao demandante , acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, desde a data da prolação do presente acórdão até efectivo e integral pagamento; As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: O Tribunal condenou o Recorrente na totalidade do valor peticionado, correspondente ao estimado pelo Demandante para todos os danos alegados, mesmo não tendo provado grande parte desses danos. Há pois condenação ultra petita, ofensiva do art.615.º, n.º 1, alínea e) do CPC, anteriormente art. 668.º, aplicável por força do art.4 do CPP, disposições que são assim violadas. Ocorre assim nulidade da Sentença, que aqui se invoca e se deixa arguida para todos os legais efeitos, e que deve ser declarada com as suas legais consequências. Uma análise crítica da prova produzida não permite que se retire a conclusão jurídica de que o Recorrente tinha o propósito de matar o BB. O próprio Acórdão narra os factos de modo a perceber-se que a eventual intenção de matar se dirigia apenas ao CC, falando sempre o Recorrente (fls. 33, Facto Provado 17, fundamentação a fls. 27) numa só pessoa, nunca em duas. Qualquer eventual propósito dirigia-se ao CC, e nunca ao BB. Os dois ferimentos no BB não o revelam; nem a lógica do decurso dos acontecimentos permite que se conclua qualquer intenção de matar. Há ofensas à integridade física, mas não mais do que isso, como também resulta dos registos clínicos de fls. 107 a fls. 143, e dos relatórios de fls. 407 a fls. 410, que atestam lesões sem perigo para a vida, ou reserva de prognóstico ou necessidade de cuidados críticos, e que permitem a imediata alta. Não há pois um homicídio na forma tentada, nem sequer o ofendido assim o sentiu. Ao condenar o Arguido num crime de homicídio qualificado na forma tentada quanto ao ofendido BB, o Tribunal qualifica erradamente do ponto de vista jurídico os factos em causa, e que se provaram no julgamento, pois o crime praticado é o de ofensas à integridade física simples. Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou os artigos 132.º e 143.º do CP. Em nenhum dos casos porém, mesmo que se considerem ambos homicídio na forma tentada, há homicídio qualificado. Não há frieza de ânimo, pois foi dado como Não Provado (parágrafo 3º de Factos Não Provados) que o arguido pegou numa faca de cozinha ao levantar-se da cama e sair de casa (fls. 20 do Acórdão). O facto do arguido empunhar uma faca na altura dos factos, por si só, não pode constituir a agravante da alínea j) do n.º 2 do art. 132.º, pois não se provou que ele se munira previamente da faca quando se dirigiu para o local. A única coisa que factualmente resulta é de que no momento imediatamente anterior à agressão e depois de ver o seu irmão agredido, ele empunhava uma faca. O uso de uma faca em qualquer caso de homicídio, não pode nunca, por si só, transformar-se na base da qualificação da alínea j). O homicídio simples já é um crime grave, e por isso a sua qualificação corresponde a situações excepcionais. Em nenhum daqueles dois casos houve frieza de ânimo, ocorrendo tudo no calor do episódio. O homicídio nunca poderia ser qualificado pela al. j), não sendo mais que um homicídio simples. O mesmo se diga quanto à qualificativa da al. h), não obstante a alteração substancial de factos quanto aos arguidos DD e EE. Nada se provou que demonstre que os arguidos entre si gizaram o propósito comum de matar o CC ou o BB, que tivessem previamente concertado a sua actuação com esse fim; que todos se dispusessem a isso; que os meios usados pelo EE e pelo DD fossem idóneos a provocar a morte, ou que o DD e o EE soubessem, ao menos, que o AA no momento transportava consigo uma faca. Os pontapés que eles desferiram no CC são condutas que integravam, como o MP concluiu na sua Acusação, ofensas à integridade física. Não houve qualquer contribuição destas duas pessoas para o eventual resultado pretendido pelo Arguido AA, se esse fosse a morte do CC. Assim sendo, não se pode falar de cometimento deste crime por 3 pessoas, pelo que a qualificativa da alínea h) inexiste; e a conduta do AA reduz-se ao homicídio simples na forma tentada. Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou os art. 132.º, e art. 131.º do CP. Face ao que supra se alega, se os crimes que vierem a ser considerados de ofensas à integridade física simples na pessoa do ofendido BB; e homicídio simples na forma tentada quanto ao arguido CC, as penas em concreto nunca poderiam ir além de uma pena de 1 ano pelas ofensas à integridade física simples, e de 2 anos e 10 meses pelo homicídio simples na forma tentada, numa pena única nunca superior a 3 anos; e ainda que se considerassem os crimes como sendo os que o douto Acórdão classifica, ainda assim a pena decidida é elevada por excesso, atentas as condições concretas do facto e as condições pessoais do arguido (constantes nos pontos 59, 60, 62, 63, 64 e 65 dos factos Provados, fls. 11 e 12 do Acórdão). O arguido é jovem com vontade de reintegrar-se, tem hábitos de trabalho, família constituída, e está num estado de doença muito grave, com risco para a própria vida. O que nos termos do artigo 71.º do CP, justificaria que a pena em concreto a aplicar, mesmo se os crimes fossem os declarados no Acórdão, não fosse para além de 2 anos no que respeita ao ofendido BB; e 3 anos e 10 meses no que respeita ao ofendido CC, numa pena única nunca superior a 4 anos e 6 meses. Ao assim não decidir, o douto Acórdão violou os artigos 70 e 71 do CP. Qualquer daquelas penas que atrás se referem, deveriam sempre ser suspensas na sua execução, desde logo dada a situação clínica muito grave do arguido, que justifica uma prognose favorável de que a simples ameaça da pena de prisão constituiria por si censura e segurança suficiente para os fins de prevenção geral e prevenção especial. O PIC do demandante foi elaborado apresentando um conjunto de danos, para os quais ele próprio entendeu que, se se provassem todos aqueles danos, 20.000,00€ como suficiente para ressarcimento. Não se provou uma larga quantidade dos danos alegados (que ele ainda sinta dores passado um ano, que tivesse ficado receoso e desesperado por estar imobilizado, que teve dificuldade em voltar a andar, por ter perdido massa muscular nas pernas, que isso lhe causou sofrimento, que teve grande mágoa, angústia, vergonha e vexame e constrangimento, que vive em constante ansiedade com medo de represálias, que vive intranquilo, o que poderá ser para o resto dos seus dias, que vive em constante sobressalto, ansiedade, receio, o que tolhe a sua liberdade de determinação, que o sono não era reparador o que prejudicava os seus dias, que deixou de praticar desportos por 3 ou 4 meses, designadamente motocross, o que lhe causou tristeza, angústia e frustração). Ora, logicamente o total do pedido teria que ser reduzido em conformidade. Mas o douto Acórdão dá como não provado estes danos, e não obstante condena o demandado na totalidade. O que é uma condenação ultra petita, ofensiva do artigo 615.º, n.º 1 alínea e) do CPC, anteriormente artigo 668.º, aplicável por força do artigo 4 do CPP, disposições que são assim violadas. Ocorre assim uma nulidade da Sentença, nulidade que acima já se invocou, invocação que se reitera e aqui se deixa arguida para todos os legais efeitos. Mesmo que assim se não se considere, o que não se concede, sempre o valor da condenação é excessivo, nunca devendo esse valor ultrapassar 10.000,00€. Não fixando 10.000,00€ como condenação em PIC, o Tribunal violou os art. 71 a 84 CPP. Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, declarada a invocada nulidade da Sentença por condenação para lá do pedido, com todas as legais consequências; e se assim se não entender, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene o arguido por ofensas à integridade física simples e por homicídio simples na forma tentada em pena nunca superior a 3 anos; ou se se considerarem os crimes que o Acórdão declara, em pena nunca superior a 4 anos e 6 meses, suspendendo-se sempre essas penas na sua execução; e reduzindo-se a condenação do PIC para o máximo de 10.000,00€ Respondeu o Ministério Publico referindo, em termos conclusivos, que: 1.ª - O despacho exarado na acta da sessão de julgamento de 5 de Agosto de 2013, objecto de pedido de aclaração apresentado pelo recorrente e denegado pelo despacho recorrido de 19 de Agosto de 2013, é absolutamente explícito. 2.ª - Não se lobriga no texto do douto acórdão que o tribunal colectivo tenha cometido qualquer erro notório de apreciação da prova ao dar como provado que o arguido actuou com intenção de matar o ofendido BB. 3.ª - Os actos perpetrados pelo arguido AA contra o ofendido BB são subsumíveis ao tipo de homicídio simples na forma tentada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 23.º, 2, e 73.º, 1, als. a) e b), do Código Penal, em relação ao qual se afigura adequada uma pena de 2 anos de prisão. 4.ª - A pena parcelar de 5 anos de prisão do crime de homicídio qualificado na forma tentada em que é ofendido CC não é excessiva. 5.ª - Na procedência do referido na conclusão 3.ª desta resposta, o arguido deve ser condenado numa pena única não inferior a 5 anos e 6 meses de prisão. Igualmente o demandante veio responder ao recurso interposto referindo, em sede de conclusões, que: 1ª. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o Pedido de Indemnização Civil (PIC) não foi feito conjuntamente contra os três demandados nos autos. 2ª. O valor do PIC, de € 25.000,00, corresponde à soma dos pedidos de indemnização feitos contra cada um dos demandados, sendo € 20.000,00 relativamente ao demandado e ora recorrente AA, € 3.000,00 relativamente ao demandado DD e € 2.000,00 relativamente ao demandado EE. 3ª. Não se tratou, pois, de um PIC solidário, até porque a actuação de cada um dos arguidos, aqui demandados, foi diferente, como se alcança da douta acusação pública, na qual se imputam crimes distintos a cada um dos arguidos, com reflexos nas penas que se espera venham a ser-lhes aplicadas, de acordo com a culpa e o grau de ilicitude de cada um deles. 4ª. Na verdade, nos termos das disposições legais citadas na douta acusação do Mº Pº, o arguido DD está acusado e a ser julgado pela prática de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de ofensa à integridade física qualificada; o arguido EE vem acusado e está a ser julgado por um crime de ofensa à integridade física qualificada; enquanto o arguido e ora recorrente AA está acusado e, como tal, a ser julgado pela prática de dois crimes de homicídio qualificado sob a forma tentada. 5ª. Assim, sendo distintos os PIC, cai logo por terra o argumento do recorrente de violação do disposto no artº 79º, nº 2 do C.P.P.. 6ª. Tal argumento é falacioso e mais não representa do que mais um mero expediente dilatório de que o recorrente ilegitimamente se serve para embaraçar o bom andamento dos trabalhos processuais e protelar indefinidamente a prolação de uma decisão que o mesmo já antevê venha a ser-lhe desfavorável. 7ª. De resto, o requerimento do demandado AA, ora recorrente, que mereceu o douto despacho por que veio recorrer, é extemporâneo, pois podia e devia tê-lo feito logo aquando da notificação que lhe foi feita do PIC, com o rol de testemunhas, há muito transitado em julgado. 8ª. Ora, como muito bem se decidiu no douto despacho recorrido, “… estamos na presença de três pedidos de Indemnização Civil distintos não obstante constarem da mesma peça processual. Efectivamente, não foi efectuado um único pedido de indemnização solidária dos arguidos no pagamento de uma indemnização, mas sim de indemnização de cada um deles no pagamento de uma indemnização distinta...”. 9ª. Daí que seja inatacável o douto despacho recorrido, na melhor interpretação que o mesmo fez do artº 79º, nº 2 do C.P.P., que autoriza ao demandante a possibilidade de arrolar até 5 testemunhas por cada um dos pedidos, face ao valor do PIC. 10ª. Logo, o indeferimento do requerimento apresentado pelo recorrente não está ferido de qualquer nulidade ou sequer de irregularidade. 11ª. De nada vale também o argumento aduzido pelo recorrente de que as 5 testemunhas ouvidas o foram “quanto à globalidade dos danos e à globalidade dos demandados, sem especificação ou sem distinção entre eles”. 12ª. Na verdade, como é sabido, qualquer pedido de indemnização civil, mesmo em processo penal, deve obedecer aos requisitos enunciados nos artºs. 483º e 563º do Cód. Civil, a saber: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. 13ª. Ora, nem todas as 5 testemunhas ouvidas se pronunciaram quanto à ilicitude dos factos praticados por todos e cada um dos arguidos. 14ª. De facto, no PIC do demandante, os artºs. 1º a 22º mais não são do que a reprodução da acusação pública, na parte referente ao demandante, com uma descrição um pouco mais pormenorizada dos factos elencados naquele libelo acusatório; os artºs. 23º a 39º e 47º a 65º referem-se aos danos sofridos pelo demandante em consequência da actuação dos arguidos; e os artºs. 40º a 46º e 66º a 70º ou são conclusivos ou constituem matéria de direito, neles se invocando a culpa dos demandados e o nexo de causalidade entre os factos e os danos. 15ª. Assim sendo, as 5 testemunhas ouvidas, a saber, NMCF, GBG, AFSP, GJPF e FJCC, apenas se referiram aos factos constantes do libelo acusatório do Mº Pº, dado por reproduzido e completado nos artºs. 1º a 22º do PIC. 16ª. Mas tais testemunhas não foram inquiridas aos danos de que o demandante foi vítima, descritos nos artºs. 23º a 39º e 47º a 65º do PIC. 17ª. E nem tinham que sê-lo, pois tais testemunhas apenas presenciaram as agressões de que o demandante CC foi vítima, por banda dos arguidos AA, DD e EE, não tendo conhecimento dos danos sofridos pelo demandante, até porque os danos, como habitualmente acontece, são consequência das lesões. 18ª. Ora, quem teve conhecimento de tais danos não foram aquelas testemunhas mas sim as demais testemunhas indicadas no PIC, em especial as arroladas sob os nºs. 2, 3, 4 e 5, que são familiares do demandante e que, como tal, acompanharam a convalescença do demandante durante o seu internamento hospitalar e posteriormente a esse período e as arroladas sob os nºs. 6, 7, 8 e 9, que são os médicos e um enfermeiro a inquirir sobre os registos clínicos e os relatórios de internamento e de exames médico-legais constantes dos autos. 19ª. Caso tivesse sido impedido a inquirição de tais testemunhas, haveria, isso sim, um claro desfavor para a parte demandante, com prejuízo da descoberta da verdade material. 20ª. Face ao exposto, nada haverá que censurar ao douto despacho recorrido, pois o mesmo não está ferido de qualquer nulidade ou irregularidade, não se alcançando como pode a decisão recorrida, como o recorrente refere, ser um “ferimento nos direitos de defesa do arguido demandado”, ter “reflexo negativo claro nos direitos de defesa” ou representar “um claro desfavor para a parte demandada”! 21ª. Afinal, de que tem medo o recorrente? Defenda-se por meios lícitos e não se atemorize com a prova que o demandante tem direito a produzir com vista à descoberta da verdade material! 22ª. O demandado AA, ora recorrente, apenas visa escamotear a verdade dele conhecida, esquecendo-se que, segundo o Princípio da Verdade Material, na reconstrução da história dos factos o que interessa à boa decisão da causa não é aquilo que parece ser a verdade mas aquilo que, efectivamente, é verdade. 23ª. Além do mais, é obrigação do Tribunal – tendo-o cumprido o douto Tribunal “a quo” – na busca da verdade material, actuar no sentido de construir autonomamente os fundamentos da sua decisão, ouvindo as partes, as testemunhas, realizando perícias, exames e todas as diligências que entenda necessárias, “ex officio” ou a requerimento das partes, para atingir tal verdade. 24ª. As testemunhas do PIC não excedem o número legal previsto no artº 79º, nº 2 do C.P.P.. 25ª. Todavia, caso este Colendo Tribunal “ad quem” venha a entender que o excedem – o que por mera hipótese de raciocínio se admite – sempre o demandante poderá requerer a inquirição das testemunhas já arroladas no PIC, para além das 5 primeiras, comuns à douta acusação pública, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 340º, nº 1 do C.P.P., cujo depoimento é necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, normativo esse que aqui e desde já, subsidiariamente se invoca. 26ª. O recorrente invoca a nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d) do C.P.P., certo sendo que a mesma se refere às fases processuais do inquérito ou da instrução. 27ª. Porque os autos estão já na fase do julgamento, não se vislumbra a arguição de tal nulidade, para além de que a mesma não está expressamente cominada na lei, como se refere no artº 118º, nº 1 do C.P.P., mais uma razão porque a mesma não deverá ser declarada por este Douto Tribunal, conduzindo à improcedência do recurso. 28ª. E nem se diga que não se considerando haver nulidade – como o próprio recorrente admite – o acto ilegal deve ser considerado irregular nos termos do artº 118º, nº 2, com as consequências do artº 123º, ambos do C.P.P., pois o acto, como se referiu, nada tem de ilegal, uma vez que a douta decisão recorrida não violou o disposto no artº 79º, nº 2 daquele diploma legal. Termina referindo que não deve ser dado provimento ao recurso, por inexistência de quaisquer nulidades, mantendo-se o Acórdão recorrido em toda a sua extensão, quer quanto à condenação nas penas parcelares de 3 anos de prisão e de 5 anos de prisão, convertidas, em cúmulo, na pena única de 7 anos de prisão, quer quanto à condenação no PIC no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, desde a data da prolação do Acórdão recorrido
Cumpre decidir. Em sede de decisão recorrida encontram-se provados os seguintes factos: 1) No dia 9 de Setembro de 2011, pelas 04H30, no parque de campismo do Festival Jovem 2011, na Vidigueira, DD envolveu-se numa discussão verbal com CC. 2) Na sequência da discussão verbal, DD desferiu um soco na face de CC, tendo este, de imediato, desferido um soco na face daquele, tendo-se ambos envolvidos em luta. 3) Decorridos breves instantes, DD abandonou o recinto onde decorria o Festival Jovem 2011, na Vidigueira. 4) Junto da entrada do recinto, DD telefonou para a sua mãe e contou-lhe o sucedido. 5) AA, irmão do arguido DD, deslocou-se para a Vidigueira, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “PEUGEOT”, modelo “S9HZ 407”, de matrícula ...-FE-.... 6) Pelas 05H05, DD regressou ao parque de campismo do Festival Jovem 2011, na Vidigueira, já acompanhado por AA, que era seguido por EE. 7) Então, DD e AA começaram a caminhar na direcção de CC e de BB, sendo ambos seguidos por EE. 8) Acto contínuo, DD e AA começaram a insultar e a ameaçar CC. 9) Ao reparar que AA empunhava uma faca, enquanto gritava “onde é que ele está? Onde é que ele está?”, CC tentou fugir. 10) Subitamente, sem que nada o fizesse prever ou justificasse, AA aproximou-se de BB, e desferiu, com a faca que empunhava, duas facadas no corpo do mesmo. 11) Nessa altura DD gritou para o seu irmão AA :”não é esse!”. 12) Acto contínuo, AA, DD e EE começaram a correr atrás de CC, que, entretanto, se tinha colocado em fuga. 13) A, aproximadamente, vinte metros da entrada do parque de campismo do Festival Jovem 2011, na Vidigueira, CC caiu ao chão. 14) De imediato, AA debruçou-se e sentou-se sobre CC e desferiu, com a faca que empunhava, quatro facadas no corpo do mesmo, a primeira na zona abdominal e as restantes nas costas. 15) Enquanto isso, DD e EE, actuando em conjugação de esforços e de vontades, desferiram diversos pontapés na cabeça e corpo de CC. 16) Então, NMCF, GBG, FJCC e AFSP puxaram por CC até o conseguirem retirar do local e afastá-lo de AA, DD e EE. 17) Nesse instante, AA dirigiu-se a DD e EE e disse aos mesmos “(…) vamos embora que já o matámos”. 18) Acto contínuo, AA, DD e EE puseram-se em fuga, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de marca “PEUGEOT”, modelo “S9HZ 407”, de matrícula ...-FE-..., que se encontra registado em nome de ---, mãe de AA e DD. 19) BB e CC foram assistidos no local pelo INEM e, de imediato, transportados para o Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja. 20) Em consequência directa da descrita conduta do arguido CC, DD sofreu de fractura do dente incisivo esquerdo superior e de ferida do lábio inferior, de dores e de mal-estar físico e psicológico, lesões que determinaram oito dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho. 21) Em consequência directa e necessária da conduta de AA, BB sofreu de duas feridas perfurantes ao nível da grelha costal esquerda posterior, enfisema celular subcutâneo nas parede postero-lateral esquerda da base do tórax e região lombar esquerda, de pneumotórax esquerdo, anterior ao mediastino e supra diafragmático e de pequena condensação linear no terço inferior, posterior e externo do hemitoráx esquerdo, de três cicatrizes lineares, duas na região lateral dorsal esquerda, uma vertical e outra horizontal, com 1,5 x 0,8 centímetros cada, e uma puntiforme infra umbilical esquerda, bem como de dores e de mal-estar físico e psicológico, lesões que determinaram um período de quinze dias de doença, oito com incapacidade para o trabalho em geral para o trabalho profissional. 22) Igualmente, em consequência directa e necessária da conduta de AA, CC sofreu de feridas incisas a sangrar no tórax e ombro direito, de traumatismo toraco-abdominal, com lesão no fígado, rim e dois pulmões, de hematoma subdural de pequenas dimensões, de enfisema celular subcutâneo na face posterior do tórax, na região lombar e nos flancos, de pneumotórax bilateral, mais abundante à esquerda, de foco de hemorragia activa junto à solução de continuidade observada no terço inferior da face postero interna do hemitórax direito, de laceração da pleura, com densificação discreta do parenquima pulmonar, de pequena lâmina líquida perihepática, de pequena quantidade de ar e líquido retroperitoneal na região lombar direita, de seis cicatrizes lineares, duas bilaterais torácicas a nível do quinto espaço intercostal, à direita obliqua para cima e para a esquerda, com 2 centímetros, e à esquerda horizontal com 2,5 centímetros, uma epigastrica paramediana lateral direita, obliqua para baixo e para a esquerda, com 1,5 centímetros, duas posteriores, uma dorsal direita e outra lombar direita, ambas obliquas para baixo e para a direita, com 2 centímetros ada, uma torácica lateral esquerda ao nível do sexto espaço intercostal, horizontal com 2 centímetros, bem com de dores e de mal-estar físico e psicológico e de perigo de vida, lesões que determinaram setenta e quatro dias de doença, trinta e um dos quais com afectação da capacidade para o trabalho em geral e para o trabalho profissional. 23) Em consequência directa e necessária da conduta dos arguidos DD e EE, CC sofreu ainda de escoriações e hematomas na face e de escoriação no ombro direito. 24) Ao desferir um soco na face de CC, DD sabia que iria provocar as lesões e o mal-estar físico e psíquico de que aquele veio a sofrer, resultado que desejou e logrou alcançar. 25) Ao desferir um soco na face de DD, CC sabia que iria provocar as lesões e o mal-estar físico e psíquico de que aquele veio a sofrer, resultado que desejou e logrou alcançar 26) Ao desferir, fazendo uso da força muscular e da faca que empunhava, duas facadas nas costas de BB e quatro facadas no corpo de CC, AA agiu com o propósito de retirar a vida aos mesmos, o que só não logrou alcançar por motivos alheios à sua vontade. 27) Ao desferirem, em conjugação de esforços e de vontades, diversos socos e pontapés na cabeça e no corpo de CC, enquanto o mesmo se encontrava prostrado no chão com AA sobre ele a desferir facadas no seu corpo, DD e EE sabiam que iriam provocar as lesões e o mal-estar físico e psíquico de que aquele veio a sofrer, resultado que desejaram e que lograram alcançar e admitiram como possível que tal comportamento fosse susceptível de lhe causar a morte, resultado que aceitaram e que só não se verificou por circunstancias alheias à sua vontade. Mais se provou: 28) Tendo o arguido DD chegado às tendas de campismo onde se encontravam os ofendidos, que integravam um grupo de cerca de 20 amigos, começou por cortar as fitas que cercavam tais tendas. 29) Apesar de o demandante o ter advertido de que aquele espaço era reservado e que não podia invadi-lo e tendo atado as fitas que o arguido DD cortara, este voltou a cortar as fitas uma segunda vez, ao mesmo tempo que desferiu um soco no demandante CC. 30) Após as agressões referidas em 14) a 16), CC levantou-se e deu alguns passos, até que caiu ao chão. 31) Nessa altura sentia a boca seca, queixava-se de sede e gritava com dores, que sentia especialmente na barriga e nas costas, bem como na cabeça e nos ombros, onde tinha sido agredido a socos e pontapés. 32) Foi assistido no local, onde lhe prestaram os primeiros socorros. 33) Nessa altura o demandante CC continuava a esvair-se em sangue e a queixar-se de dores, apresentava um estado de debilidade e manifestava receio de vir a morrer em consequência das facadas com que fora atingido. 34) Foi transportado para o Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja. 35) Chegado ao hospital foi de imediato assistido no serviço de urgência, tendo-lhe sido suturadas as feridas que apresentava, foi entubado e foram-lhe colocados drenos nos pulmões. 36) E ficou internado nos cuidados intermédios durante 4 dias, donde transitou para a enfermaria, só tendo tido alta clínica ao fim de 31 dias após os factos. 37) Durante todo este período sofreu fortes dores, queixou-se aos familiares e amigos que o visitaram não só das dores como do receio que sentiu de perder a vida em consequência das agressões que lhe foram infligidas em especial das decorrentes das 4 facadas que lhe foram desferidas pelo demandado AA. 38) O demandante continuou a sofrer de dores, especialmente nas zonas lombares e nos ruins, especialmente enquanto esteve nos cuidados intermédios e durante as duas primeiras semanas em que esteve na enfermaria, queixando-se das mesmas. 39) Quando o demandante se desloca a Cuba, em visita a sua mãe, receia voltar a ser surpreendido por ataques dos demandados. 40) Foram-lhe ministrados vários fármacos para as dores, para combater as infecções, bem como antibióticos e outros medicamentos. 41) Enquanto nos cuidados intermédios, esteve numa posição de total imobilização. 42) E já na enfermaria esteve praticamente todo o tempo sem poder levantar-se da cama pois poderia retardar o processo de cura do rim direito. 43) Foram várias as noites durante o período de hospitalização do demandante, em que o mesmo quase não conseguiu pernoitar, tendo sentido muita dificuldade em conciliar o sono. 44) Nas poucas horas em que conseguiu dormir, revelava um sono muito agitado, mexia-se, falava, virava-se, roncava e acordava sobressaltado a intervalos curtos. 45) Sujeitou-se ainda a tratamentos de fisioterapia torácica, enquanto esteve hospitalizado, durante os quais experimentou dores na zona pulmonar, especialmente quando respirava fundo. 46) Mais se sujeitou a vários tratamentos incómodos, designadamente quando era lavado pelo pessoal de enfermagem ou quando, já em cadeira de rodas, ia à casa de banho para se lavar. 47) Por fim, durante pelo menos 1 mês após a alta hospitalar, deixou o demandante de poder praticar “motocross”, modalidade a que se dedicava habitualmente nos seus tempos livre. Provou-se ainda que: 48) Da assistência hospitalar prestada a CC nos serviços hospitalares da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EP resultou um débito, ainda não liquidado, no valor de € 93,85. 49) Da assistência hospitalar prestada a BB nos serviços hospitalares da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EP resultou um débito, ainda não liquidado, no valor de € 53,65. Mais se provou relativamente ao arguido AA: 50) AA cresceu, assim como, os seus dois irmãos, numa família culturalmente diferenciada, o pai, professor universitário e a mãe, professora do ensino básico. 51) O seu percurso vivencial foi sendo marcado por alguns aspetos negativos. Relevam-se os problemas acentuados de relacionamento com os pais, iniciados na sua adolescência, que determinaram acompanhamento em consultas de psicologia; os consumos de substâncias estupefacientes, com início aos 16 anos e agravados com o tempo até à situação de toxicodependência que viria a manter por diversos anos e que o levaram a iniciar acompanhamento terapêutico nos serviços de saúde competentes de Beja em 2004, na altura, com 20 anos de idade, até à atualidade próxima. Durante este processo foi tendo algumas recaídas nos consumos, apresentando, durante esses períodos, inconstância na frequência às consultas na Equipa de Tratamento de Beja (Ex. CAT) sem, contudo, se desvincular totalmente do tratamento. 52) Aos 16 anos tinha saído de casa por incompatibilidades maiores com o pai e viveu, por sua conta, durante algum tempo, numa rulote em Peniche. Posteriormente, em 2004, os pais separaram-se e o arguido passou a viver com a mãe em Cuba, altura em que procurou ajuda para o seu problema de toxicodependência. 53) A vivência com a progenitora continuou problemática. Na sequência do estabelecimento duma relação marital do arguido com Soraia Brinca em 2006, em que passou a existir co-habitação, com a qual, segundo aquele, a mãe não concordaria, esses problemas acentuaram-se e apresentaram contornos de violência. De facto, AA foi condenado pelo Tribunal de Cuba, por sentença transitada em julgado em 30/04/09, numa pena de prisão suspensa e numa pena de multa substituída por trabalho comunitário (medidas acompanhadas por esta DGRSP), pela prática, em 2006 e 2007, dos crimes de ofensas à integridade física qualificada e ameaça, em que a vítima foi a mãe. 54) Em 2010, o arguido passa a viver em Beja com a companheira, desligando-se do agregado da mãe, com quem vinha mantendo uma relação sem grande proximidade afetiva. 55) O relacionamento com a companheira também não foi isento de problemas. Pautou-se pela conflituosidade, envolvendo situações de agressividade física entre o casal, o que motivou várias separações e reconciliações, bem como, a instauração de alguns processos penais, inclusive, por queixa e contra-queixa. Esta relação, da qual, resultou uma filha com a idade atual de 5 anos encontra-se em rutura, desde há uns meses. 56) Apesar dos seus problemas relacionais com a família, o arguido tem mantido uma relação afetiva próxima ao irmão, seu coarguido no presente processo. 57) Com o 12º ano de escolaridade como habilitações literárias, o arguido tem desenvolvido alguma atividade laboral, embora com caráter temporário e de forma irregular. O último trabalho foi como comercial da empresa PT. 58) Depois do período de prisão preventiva que cumpriu desde 28/03/12, no estabelecimento Prisional de Beja, até 15/04/13, passando pela situação de internamento no Hospital Prisional de Caxias, devido à leucemia aguda que lhe sobreveio, AA encontra-se sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, vivendo na morada dos autos, sozinho, com o apoio continuado da sua mãe, com quem reatou uma ligação afetiva importante, de forma gradual ao longo do tempo e intensificada com a determinação da sua prisão preventiva e, mais tarde, com o surgimento da sua grave doença oncológica. 59) À data da entrevista realizada no seu domicílio, em 15/07/13, o arguido aguardava chamada hospitalar para sujeição a novo ciclo de quimioterapia. Mantém-se em lista médica de espera para transplante de medula óssea. Encontra-se fisicamente fragilizado, precisando, por vezes, de apoio físico para realizar as suas atividades de vida diária, beneficiando dessa ajuda por parte da sua mãe. Encara a sua situação de saúde com realismo, e mantém-se esperançado em melhoras. 60) Recebe com regularidade as visitas da sua filha, que vive com a respectiva mãe e, também, da restante família. 61) Subsiste do apoio económico dos pais, não tendo rendimentos próprios. 62) Tem-se dedicado à leitura e escrita, ocupações que preza. Concluiu a escrita de um livro que pensa remeter a diversas editoras literárias do País. 63) À data dos factos denunciados, AA estava separado, de novo, da sua companheira e encontrava-se em casa da mãe, por alguns dias. 64) Estava desempregado, a auferir o subsídio de desemprego, que lhe foi suspenso com a sua entrada em prisão preventiva. Tinha efetuado candidatura ao ensino superior no qual, veio a ser colocado, concretamente, no Instituto Politécnico de Beja, no Curso Superior de Serviço Social. Veio a iniciar este curso e a manter-se em frequência até à sua prisão preventiva. 65) Mantinha-se em cumprimento da pena de trabalho comunitário e da pena suspensa, referidas atrás. 66) Apresentou dificuldades de cumprimento das medidas, registando-se diversas situações de incumprimento (faltas a entrevistas e ao trabalho comunitário; ausência de informação sobre alterações de residência e incomunicabilidade). Estas situações determinaram a prorrogação da suspensão da execução da pena por mais um ano, depois do relatório de anomalias desta DGRSP e da audição do arguido. 67) Durante o período em que se encontrou em prisão preventiva, anteriormente à emergência da sua doença, o arguido apresentou problemas disciplinares, tendo-se envolvido em agressões a um outro recluso. Continuou a beneficiar de acompanhamento da Equipa de Tratamento de Beja, incluindo tomas de metadona, que já vinha mantendo em liberdade. 68) A instauração do presente processo trouxe, sobretudo, a perda de liberdade do arguido com as implicações normais na vida pessoal, destacando-se a interrupção do seu projeto académico e a suspensão de rendimentos económicos próprios. 69) Tem caraterísticas marcadas de impulsividade que o fazem agir, muitas vezes, sem pensar, de forma agressiva face aos outros. 70) Por sentença transitada em julgado no dia 02.03.2007, proferido nos autos de processo comum singular n.º 980/05.0TABJA do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Beja foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços numa pena 30 dias de multa, à razão diária de € 4, por factos praticados em 06-07.2005. 71) Por sentença transitada em julgado no dia 30.04.2009, proferida nos autos de processo comum singular n.º 34/06.1GACUB do Tribunal Judicial de Cuba foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada praticado em 10.06.2006 numa pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita a regime de prova e um crime de ameaça praticado em 2007 numa pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 6. 72) Por sentença transitada em julgado no dia 20.06.2011, proferida nos autos de processo comum singular n.º 15/065GACUB do Tribunal Judicial de Cuba foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de furto qualificado numa pena de 240 dias de multa, à razão diária de € 4, por factos praticados em 02.04.2006. Mais se provou relativamente ao arguido DD: 73) O arguido DD integrou o agregado familiar de origem, composto pelos pais e pelos irmãos mais velhos. 74) Em 1999, o agregado decidiu deslocar-se para Cuba, por questões profissionais do pai. Os irmãos mais velhos, habituados ao meio urbano, não tiveram um processo de adaptação harmonioso ao meio sócio-residencial, não se conseguindo ajustar às vivências da vila de Cuba, caracterizada pelo seu ambiente rural. 75) Face a esta situação, iniciaram-se as desavenças familiares, o que levou à ruptura conjugal dos pais há cerca de 11 anos, vivendo o pai, professor universitário, na cidade de Évora. Este possui casa em S. João do Estoril, local onde o agregado viveu antes de se mudar para Cuba e onde DD tem passado alguns períodos de visitas ao pai. 76) A família tem vivenciado situações de grande conturbação ao longo do tempo, tendo DD crescido num ambiente familiar desarmonioso, pela ruptura entre o pai e o filho mais velho, com ocorrência de momentos de grande agressividade, incompatibilidades e conflitos no seio da família. 77) Desde então, DD passou a residir apenas com a sua mãe em Cuba, esta técnica de turismo, uma vez que os dois irmãos decidiram viver fora do agregado. Ao longo dos anos, o arguido tem visitado o pai e a irmã com alguma regularidade, aos fins-de-semana e férias lectivas, beneficiando também, do seu apoio. 78) Ao nível da escolaridade, o arguido DD frequentou o Externato António Sérgio, em Beringel e, posteriormente, integrou o ensino secundário em Beja. 79) Até ao 11.º ano de escolaridade, o arguido integrou-se ajustadamente no meio escolar, não tendo problemas de relacionamento com os colegas e professores. 80) Contudo, com 17 anos, procurando novas experiências, decidiu residir com o pai em Évora, juntamente com a companheira do mesmo, contexto a que não se conseguiu adaptar. 81) Um ano depois, tentou outra experiência, regressando então ao meio de origem para residir com a irmã, em São João do Estoril. 82) Sem ter alcançado os objectivos que motivaram a sua deslocação para a zona de Lisboa, DD regressou para Cuba, para o agregado da mãe. 83) À data da instauração do presente processo judicial, DD integrava o mesmo agregado familiar, em Cuba. 84) A nível escolar, o arguido estava inactivo, pois decidira fazer uma paragem nos estudos, confessando-se indeciso nas opções escolares. 85) Familiarmente, a mãe teve um problema de saúde (partiu um membro inferior), facto esse que reforçou tal decisão, optando assim, por dedicar-se na totalidade aos cuidados àquela. 86) Economicamente, mantém uma situação modesta, uma vez que as despesas são suportadas pelo rendimento da mãe. 87) O arguido continua a visitar o pai e a irmã com alguma regularidade, beneficiando do seu suporte emocional. 88) Desde Novembro do presente ano, o arguido frequenta um curso CET (ano zero) de Olivicultura e Viticultura em Beja. 89) Os tempos livres são ocupados em casa, ou no convívio com amigos em espaços recreativos, sem ter actividades estruturadas. 90) No meio social onde reside referenciado negativamente por supostos desacatos em espaços nocturnos. 91) Familiarmente, está a passar por uma fase conturbada da sua vida, uma vez que, tanto o pai, como o irmão, encontram-se doentes (doença oncológica). 92) Após a instauração do presente processo judicial, a mãe identifica em DD um comportamento social mais recatado. 93) O arguido DD verbaliza constrangimento face a toda a situação, reconhece a existência de vítimas e os danos decorrentes da conduta delituosa implicada. 94) Para os familiares (mãe), a situação jurídico-penal actual do arguido desencadeou intensa angústia, e ansiedade face ao desfecho da mesma. Contudo, mantém o apoio ao filho. 95) No meio de residência, os acontecimentos relatados foram avaliados com alguma estranheza e perplexidade que desencadearam algum constrangimento no arguido, situação que, actualmente, já se encontra mais esbatida. 96) O arguido DD não tem antecedentes criminais. Mais se provou relativamente ao arguido EE: 97) O arguido EE integrou o agregado familiar de origem composto pelo pai (guarda nocturno), a mãe (doméstica) e dois irmãos (irmã, 28 anos, irmão, 31 anos, actualmente). 98) Com apenas 4 anos de idade ficou órfão de pai (vítima de acidente de viação). Face a esta situação a relação familiar ficou afectada não só em termos afectivos, como também a nível monetário, dado que a mãe não estava activa laboralmente e residiam em casa arrendada. Sem grandes condições de subsistência, passaram a beneficiar de ajudas por parte dos avós paternos. 99) O arguido EE frequentou o espaço escolar até aos 14 anos, concluindo apenas o 7º ano de escolaridade. Esta fase coincidiu com o diagnostico de doença oncológica da mãe, acabando por falecer pouco tempo mais tarde. Esta fase foi muito conturbada pois afectou-o psicologicamente, atendendo à ligação afectiva forte com a progenitora. Perante o sucedido o arguido, bem como os irmãos, passaram a residir com uma tia paterna, em Cuba. 100) Afectivamente, mesmo com o apoio de familiares, o arguido EE sentiu-se revoltado, vivenciando estado emocional instável, face à condição de órfão aos 14 anos. 101) Durante a adolescência, com os amigos, iniciou consumos de haxixe e desde então os mesmos foram-se intensificando, passando a consumir drogas mais pesadas (cocaína e heroína), das quais se tornou dependente. 102) Laboralmente ao longo dos anos o arguido EE desempenhou trabalhos temporários na área da construção civil e hotelaria. Aos 24 anos deslocou-se para o Algarve na tentativa de obter melhores condições de vida. Realizou então trabalhos provisórios na área da restauração, em bares, cafés e na hotelaria. Com a sua ida para o Algarve, os consumos intensificaram-se face à integração em grupo de pares que também revelava problemática aditiva. Sem ter alcançado os objectivos que motivaram a sua deslocação para o Algarve, o arguido EE regressou para Cuba para o agregado da tia. 103) O arguido prosseguiu os consumos excessivos de estupefacientes e, em 2009, face ao cenário de degradação em que vivia, de intensa instabilidade, na decorrência da prática de risco, decidiu pedir ajuda terapêutica especializada na Equipa de Tratamento do IDT de Beja. Encontra-se em tratamento há 3 anos e durante o primeiro ano e meio revelou dificuldades em atingir as completa reabilitação face à problemática aditiva. 104) À data de instauração do presente processo o arguido EE integrava o agregado familiar composto pela tia e pelos irmãos, em Cuba. 105) A nível laborar, o arguido EE frequentava o 1º ano do curso de formação profissional de cozinha, na Vidigueira, acabando por desistir face à instauração da presente acção judicial, com medo de represálias. 106) Os seus tempos livres eram ocupados em casa ou em convívio entre os amigos, em espaços recreativos, sem ter actividades estruturadas. 107) Actualmente o arguido EE integra o mesmo agregado familiar, à excepção de um dos irmãos, que se autonomizou residencialmente. 108) Frequenta presentemente um curso de formação profissional de pintura de construção civil, em Cuba, com equivalência ao 9º ano, com duração até Novembro de 2013, mantendo até à data um comportamento assertivo com os colegas, bem como com os professores. 109) Economicamente beneficia de bolsa de formação (€400), continuando a tia a ser o grande suporte económico do agregado. 110) Mantem-se sujeito a terapia de substituição com metadona. 111) No meio social de residência o arguido EE não aparece referenciado negativamente. Após a instauração do presente processo, o arguido adoptou um comportamento mais recatado. 112) O arguido EE não se revê na totalidade da prática dos factos mas faz auto-crítica e reconhece a existência de vítimas bem como os danos decorrentes da conduta delituosa implicada. 113) Para os familiares (tia) a situação jurídico-penal actual desencadeou preocupação face ao desfecho do mesmo, contudo, mantem o seu apoio ao arguido. 114) O arguido sentiu algum constrangimento decorrente da crítica social no meio da residência. Contudo reconhece que tal impacto se encontra mais esbatido, não sentindo quaisquer implicações negativas actualmente. Mais se provou relativamente ao arguido CC: 115) CC vive com o pai e as suas duas irmãs no enquadramento familiar e comunitário em que cresceu, apesar da mãe se ter separado do agregado quando ele tinha dezasseis anos de idade, facto que aparenta ter aceitado sem grande dificuldade. 116) Apresenta competências profissionais e académicas que aparenta valorizar, designadamente um curso de informática tirado na Escola Profissional da Vidigueira, com equivalência ao 9º ano de escolaridade, e um curso profissional de “Banca e Seguros”, com equivalência ao 12ºano de escolaridade e a duração de três anos, ministrado por uma escola de seguros em Faro (INETESE). 117) Na sequência desta formação, o arguido fez um estágio profissional na Companhia de Seguros Zurique em Beja que não terminou em virtude dos incidentes que estiveram na origem do processo em apreciação. 118) Após a recuperação das ofensas sofridas nestes incidentes, que exigiram o seu internamento durante um mês nos cuidados intermédios do Hospital Distrital de Beja, CC reintegrou a empresa de fabrico de pão e pastelaria do pai, onde lhe era exigida rectidão no desempenho e cumprimento escrupuloso dos horários, o que o arguido tentou infringir, pelo que foi dispensado desde há dois meses, até repensar a sua atitude, situação que o mesmo geriu de forma passiva/demitida. 119) Presentemente Gonçalo está inactivo e na dependência do pai, dispondo de 50€ por semanada para os seus gastos pessoais. 120) Embora acatando os reparos e os limites que o pai lhe estabelece, o arguido tende a impor-se por vezes de forma incorrecta, nomeadamente excedendo-se em brincadeiras perigosas com o carro que o pai lhe disponibilizou, consumindo com regularidade bebidas alcoólicas. 121) Quando confrontado com esta sua atitude reconhece que não é a mais correcta mas justifica-a como sendo uma característica da sua faixa etária e como necessidade de integração entre os pares. 122) Pese embora estes comportamentos, é considerado um jovem educado, com bom trato e sem adições, imagem que ele próprio preserva e que lhe reforça a auto estima. Demonstra ainda uma identificação positiva com a figura paterna, valorizando a capacidade empreendedora do pai e o mérito da sua empresa. 123) Relativamente aos restantes familiares também evidencia vínculos afectivos fortes e uma atitude protectora designadamente em relação à namorada. 124) Após os danos sofridos na decorrência dos incidentes acima referidos, o arguido tornou-se mais prudente, afastando-se de situações de tensão e evitando ambientes propícios a conflitos. 125) Hoje admite que algumas das suas atitudes têm sido uma forma de evitar o controlo da família e de expandir a sua vontade, reconhecendo que a exposição gratuita a perigos e a situações de desprotecção potencia por vezes danos irreparáveis. 126) O arguido CC não tem antecedentes criminais. III - FACTOS NÃO PROVADOS: O arguido DD iniciou uma discussão verbal com BB. O arguido DD telefonou seu irmão, AA, que se encontrava em Cuba, a dormir, e contou-lhe o sucedido. De imediato AA levantou-se da cama, vestiu-se, pegou numa faca de cozinha. Os arguidos AA e DD insultaram BB. BB apercebeu-se que AA tinha uma faca e começou a fugir. BB encontrava-se virado de costas quando foi atingido pelo arguido AA. CC tropeçou numa tenda. DD e EE desferiram socos no corpo de CC quando este se encontrava no chão. E o certo é que apesar da pronta e eficiente assistência médica e do pessoal de enfermagem do hospital de Beja, nos primeiros dias de internamento, nos cuidados intermédios, o demandante chegou a sofrer paragens cardíacas que, por pouco puseram em risco a sua vida, tendo o demandado temido pela própria vida. E ainda presentemente decorrido mais de um ano sobre a data das agressões, o demandante sente dores, especialmente aquando da mudança de tempo, ao nível do rim e do pulmão direito. Ficou receoso e desesperado por estar imobilizado e teve alguma dificuldade para voltar a andar pois perdeu massa muscular nas pernas, face ao longo período de imobilização, o que também lhe causou algum sofrimento. Para além das dores físicas, foi grande a mágoa, a angustia, a vergonha e o vexame por que passou a ter que explicar a toda a gente que teve conhecimento destes crimes que foi esfaqueado, sovado e agredido selvática e gratuitamente pelos arguidos, o que lhe causou constrangimento pois o demandante não é pessoa para se envolver em desacatos. O medo de represálias de que poderá vir a ser vítima, faz com que o demandante viva em constante ansiedade, se sinta intranquilo e tenha que levar possivelmente o resto dos dias a espreitar os passos dos arguidos de cada vez que pretende sair de casa, esperando não voltar a cruzar-se com eles. Vive o demandante assim num constante sobressalto, ansiedade, angustia e receio, que lhe tolhem os normais movimentos e a sua liberdade de determinação. Como o sono das noites não era reparador, durante o dia o demandante mostrava-se sonolento, com certa irritabilidade, incapacidade para raciocinar com facilidade, com lentidão de reflexos e bocejava constantemente. O demandante deixou de praticar desportos durante 3 ou 4 meses, designadamente motocross, o que lhe causou tristeza, angustia e frustração. O arguido AA nunca teve qualquer intenção de tirar a vida fosse a quem fosse. O arguido AA não transportou consigo, desde Cuba, nenhuma faca. Nunca o arguido AA disse a ninguém, nessa noite, “vamos embora que já o matámos. O arguido AA está profundamente arrependido do mal que causou. O arguido CC não teve qualquer intenção de causar lesões ou mal-estar físico ou psíquico de DD
I Recursos Interlocutórios O recorrente AA veio interpor recurso do despacho que indeferiu o pedido de aclaração por si formulado em relação a decisão que indeferiu o pedido de notificação da decisão de alteração substancial de factos. Importa referir no que concerne que o incidente de aclaração constante do nº2 do artigo 666º do Código de Processo Civil vigente no momento do pedido formulado[1]– aqui aplicável “ex vi” do disposto no artigo 4 do Código de Processo Penal e 716º – pressupõe a ininteligibilidade da decisão a aclarar. A decisão terá de ser incompreensível para a parte o que implica que o visado não aceite o seu teor como consequência das premissas do silogismo judiciário. A ininteligibilidade cujo remédio consta do citado artigo 666º da lei adjectiva reporta-se não ao conteúdo, ou mérito, do julgado mas sim, e tão-somente, à sua exteriorização formal, ao discurso “qua tale”. Aqui, podem perfilar-se situações de ambiguidade expositiva, de obscuridade, de excessivo gongorismo impeditivo de univocidade ou, no limite, de meros lapsos de escrita. Em suma, situações que tornam a decisão “ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equivoco ou indeterminado” (Acórdão STJ de 20 de Julho de 2006 – 06P1246), quando “não se sabe o que o juiz quis dizer” (Acórdão do STJ de 27 de Novembro de 2003 – 03P2721), “quando podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes” (Acórdão do STJ de 21 de Outubro de 1997 – Pº 88/97), “quando não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo” (Acórdão do STJ, de 28 de Março de 2000 – Pº 457/99), se “se registarem situações de significação inextrincável ou de dupla significação” (Acórdão do STJ de 13 de Abril de 1994 – 084387), “se não se sabe o que se quis dizer” (…) ou “se hesita entre dois ou mais sentidos, porventura, opostos” (Acórdão do STJ de 25 de Junho de 1992 -080853) quando se gera hesitação sobre qual dos sentidos afirmados deve prevalecer (Acórdão do STJ de 8 de Outubro de 1997 – 975030) ou quando for ininteligível ou “se prestar a interpretações diferentes” (Acórdão do STJ de 23 de Janeiro de 1996 – 087122). É o que, claramente, resulta da alínea a) do nº1 do artigo 669º do Código de Processo Civil ou referir a “obscuridade” ou “ambiguidade”. Igualmente é exacto que o incidente de aclaração não pode ser usado quando resulta do requerimento que o deduz que a parte alcançou o sentido da decisão, compreendeu o seu conteúdo mas pretende, apenas, “reagir contra desacertos em pontos concretamente tomados e isolados, para os rebater e sustentar outros diversos do decidido” (Acórdão do STJ de 12 de Março de 1998 – 097B895), ou procurar “ainda que por via oblíqua, a modificação do julgado” (Acórdão do STJ de 24 de Abril de 1991 – 002680), ou traduzir discordância sobre a decisão (Acórdão do STJ de 13 de Maio de 1992 – 0151599 – “inter alia”). No caso vertente é manifesto que o recorrente teve perfeito entendimento da decisão proferida não se deparando com qualquer obscuridade ou ambiguidade na análise da mesma. O objectivo do requerimento formulado é a manifestação de discordância relativamente aos pressupostos da decisão o que não está compreendido dentro da definição legal. Desta forma, não há lugar a aclaração se a decisão em causa “se apresenta perceptível e dotada de coerência lógica” ( ).A decisão recorrida não é susceptível de crítica.
II Ainda em sede de decisão interlocutória o recorrente suscita a questão do excesso de testemunhas admitidas a depor sobre o pedido de indemnização cível. Formula, a propósito, as seguintes conclusões: I-0 demandante/requerente do PIC deduziu o seu pedido contra três demandados, fazendo-o conjuntamente numa única peça e com um valor global de 25.000,00€. Indicou como prova um total de 14 testemunhas (5 comuns a acusação e mais 9 indicadas no final do PIC). II- Atento o valor global do PIC (25.000,00), nos termos do artigo 79, n,º 2 do CPP, as testemunhas não poderiam exceder o número de 5, Ao ser excedido tal número limite, e pretendendo o demandante continuar a ouvir testemunhas, foi requerido em acta de julgamento, pelo ora Recorrente, que tal não fosse admitido, por isso violar o artº 79, n,º 2 do CPP, ocorrendo assim nulidade/irregularidade III- O Tribunal a quo" despachou no sentido de que não havia essa nulidade/irregularidade por violação do referido art. 79, nº 2 do CPP e por entender que era possível a continuação da inquirição pelo que o ora recorrente arguiu a nulidade e/ou irregularidade que desse Despacho decorria, por violação do disposto no art.79.º n.º 2 do CPP. IV- Por segundo despacho: de que ora se recorre o Tribunal "a quo" indeferiu tal arguição de nulidade/irregularidade, ordenando de imediato a audição das demais testemunhas arroladas no PIC. V- Nestes termos, ao permitir que as demais testemunhas, para lá das 5 ouvidas, fossem também inquiridas, o Tribunal a qua" incorreu em nulidade/ irregularidade, vícios que ferem o Despacho recorrido em que tal consentimento se concedeu. VI- . A decisão Recorrida é pais nula, por admitir uma inquirição para lá do limite legal, representando um claro desfavor para a parte demandada, e uma violação das regras do processo, em flagrante violação dos artigos 79,º,e 118º do CPP. VII- Ante isso, o' Tribunal "a quo" deveria tão ,logo fossem ouvidas as 5 primeiras testemunhas comuns, efectuar a diligencia de considerar não escritas no rol as demais testemunhas e ordenar que as mesmas não fossem ouvidas. VIII- Essa diligencia era necessária para a boa decisão da causa, pelo que não a praticando o Tribunal ocorreu na nulidade do artigo 120,º, nº 2 alínea d) do CPP. O que se deixa aqui de novo arguido, agora em sede de recurso, para que assim seja declarado. IX- Se porventura se entender que não ocorre essa nulidade, o acto ilegal tem de ser considerado irregular nos termos do artigo 118 do CPP. X-Com as consequências do artigo 123.º do mesmo, qual sejam a da invalidade do acto.
De acordo com o disposto no artigo 71 do Código de Processo Penal o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei. Consequentemente tal pedido tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime ou seja tem de ter na sua base uma conduta criminosa, que determina o funcionamento do princípio da adesão. Por outro lado importa ter em atenção que, de acordo com o disposto no artigo 79 do mesmo diploma cada requerente, demandado ou interveniente pode arrolar testemunhas em número não superior a 10 ou a 5, consoante o valor do pedido exceda ou não a alçada da relação em matéria cível. Apelando para o artigo 377º, nº 1, do CPP dir-se-á que, pedido fundado, significará pedido que tem a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que constituem também pressuposto da responsabilidade criminal. Como sustenta Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1996, volume I, p.111, «Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo». No caso concreto temos pedidos autónomos formulados em relação a cada um dos arguidos sendo certo que, em relação ao ora arguido, tal pedido se fundamenta em factos distintos daqueles que são imputados aos restantes arguidos. É, assim, liminar a conclusão de que sendo diversos os pedidos formulados a indicação da prova testemunhal deve ser autónoma em relação a cada um dos arguidos pelo que não se demonstra a existência de qualquer patologia na decisão recorrida Consequentemente, nesta sede, também improcede o recurso interposto.
III No que toca ao recurso da decisão final o recorrente vem apostrofar pela incorrecção da materialidade considerada provada. O recorrente não está de acordo como os factos provados e pretende que os mesmos sejam reexaminados por este Supremo Tribunal o que traduz uma incorrecta compreensão do objecto do presente recurso. Na verdade, reavivando posição já expressa em plurimos Acórdãos desta Secção Criminal, o recurso para o Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame das questões de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2 do CPP. Assim, relembrando conceitos por demais sedimentados, em relação ao invocado vicio da sentença importa precisar que o C.P.P. de 1987 trata os vícios previstos no artigo 410 nº2 do Código Penal como vícios da decisão, e não de julgamento. Nesta disposição estamos em face de vícios da decisão recorrida, umbilicalmente ligado aos requisitos da sentença previstos no artigo 374 nº2 do Código de Processo Penal, concretamente á exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal. Consubstancia-se, assim, o mesmo recurso num recurso de revista ampliada, configurando a possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária á exposta pelo tribunal. Não vislumbramos na análise da decisão recorrida, e só ela releva para o fim em vista, onde é que exista qualquer uma daquelas patologias. Substancialmente o que o recorrente pretende é reavivar a questão inerente á materialidade considerada provada o que não é admissível dentro dos parâmetros que delimitam o recurso interposto.
IV Suscita o recorrente a questão da qualificação dos crimes de homicídio que lhe são imputados. Como tivemos ocasião de afirmar em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010 a qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa.[2] Refere Silva Dias[3] que a verificação do exemplo padrão do n° 2 do art. 132° não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício, e não mais do que isso, tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. Indubitavelmente que o apelo a exemplos padrão, como exemplificadores de uma intensidade qualitativa da culpa, reflecte uma técnica de tipos abertos que apenas pode ser compreendida dentro dos limites por alguma forma propostos pelo princípio da legalidade. Assim, o julgador deverá subsumir à qualificação do artigo em causa apenas as condutas que, embora não abrangidas pelo perfil especificado, normativamente correspondem á estrutura de sentido e ao conteúdo de desvalor de cada exemplo padrão. Outro entendimento não podia decorrer do pressuposto de que nos encontramos perante uma qualificação assente no tipo de culpa. O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível. Nas palavras de Margarida Silva Pereira[4] a caracterização do art. 132° do CP passa pela intersecção de três eixos fundamentais, a saber: a exclusão da aplicação automática; a aferição da qualificação por um critério de culpa no sentido de que se utilize os parâmetros consagrados e tipificados para aquilatar se no caso concreto existe de igual forma uma culpa especial e a permissão do recurso á analogia pois que ao juiz cabe sempre a possibilidade de construir em concreto os pressupostos da afirmação de uma especial censurabilidade, ou perversidade, os quais, embora não subsumíveis aos exemplos padrão, constituem, ainda assim, a demonstração de uma especial intensidade da culpa. Todavia, importa salientar que a valoração da culpa operada pelo art. 1321 do CP não aparece desligada de uma ilicitude qualitativamente mais intensa. Como refere a Autora citada o que o legislador comanda não é que se considere uma culpa sem suporte de ilicitude aumentada, mas sim que de tal ilicitude maior não se retirem quaisquer efeitos a menos que se acompanhe de um acréscimo de culpa. A ilicitude superior é aqui um pressuposto de culpa[5]
O artigo 132 do Código Penal define o tipo de crime de homicídio qualificado constituindo uma forma agravada de crime em relação em relação ao tipo do artigo 131 do mesmo diploma. Objectivamente o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no artigo 131 funcionando a qualificação assente na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos padrão. O critério da qualificação está definido no nº1 do artigo 132 e consiste em tirar a vida a outrem em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Algumas das circunstâncias que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade, ou perversidade, estão enumeradas no nº1 do mesmo normativo. A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contem elementos da culpa que integra factores relativos á actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento. O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar á especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e á especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação [6] * Importa agora subsumir tal entendimento abstracto à policromia que nos apresenta o caso vertente. No que toca a decisão recorrida considera que: Ora tendo em consideração a factualidade dada como provada é entendimento deste Tribunal que a conduta do arguido AA preenche as alíneas h) e j) do supra citado preceito, já que, da mesma é possível concluir não só pela frieza de ânimo demonstrada pelo arguido na prática dos dois crimes como também indiscutivelmente a tentativa de homicídio de que foi vítima CC foi praticado conjuntamente com mais duas pessoas. Com efeito, a circunstância de o arguido AA ter saído de sua casa, após saber que o irmão tinha estado envolvido numa luta, ter chegado ao local munido de uma faca, ter esfaqueado BB sem sequer se ter assegurado ter sido ele o interveniente na contenda com o seu irmão e, quando se apercebeu, ter ido logo atrás de CC, esfaqueando-o da forma descrita, ao mesmo tempo que este era pontapeado pelos restantes revela manifestamente uma total insensibilidade pela vida humana. Esta conduta que preenche os exemplo-padrão das als. h) e j) do n.º 2 do art. 132º do C. Penal é reveladora pois de uma especial censurabilidade e perversidade, impondo-se pois a qualificação do crime nos termos descritos. Já quanto à circunstância prevista na alínea e), é entendimento deste Tribunal que os factos provados não permitem concluir pela sua verificação.
Tal ordem de considerações interpela-nos, assim, para a consideração da integração da qualificativa ao abrigo de qualquer uma daquelas alíneas e relativamente a cada um dos crimes de homicídio tentado que são imputados ao recorrente No que concerne à existência do denominado motivo fútil, referido na decisão recorrida, entendemos que, na esteira de decisões já proferidas,[7] o mesmo é o motivo de importância mínima. Será, também, o motivo "frívolo, leviano, a “ninharia” que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida", o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática. O vector fulcral que identifica o "motivo fútil" não é pois tanto o que imprime a ideia de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas sim, aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou:- no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva (Ac. do STJ de 4/10/2001, proc. nº 1675/01-5). Efectivamente, o crime de homicídio constitui uma violação do bem mais precioso de qualquer pessoa que é a própria vida e, como tal, será sempre inadmissível. Porém, o processo causal que leva á consumação de tal crime, isto é, a dinâmica de emoções e sentimentos que lhe esta associada assume uma policromia por tal forma plurifacetada que, necessariamente, terá de lhe corresponder uma maior, ou menor, compreensão da sua génese. Por outras palavras dir-se-á que, sendo sempre o objecto da mais viva reprovação jurídico criminal, o homicídio pode ter na sua origem uma situação que face á experiência comum poderia conduzir àquele desenlace (v.g. o confronto extremo para desagravo da honra: a defesa de bens que se consideram essenciais). Porém, casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável porquanto os motivos que lhe estão na causa são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis. No caso vertente é evidente a censurabilidade da conduta do recorrente procurando, através da lesão do bem fundamental, tirar desforço da ofensa corporal de que seu irmão tinha sido vítima. Todavia, a vingança pelas próprias mãos que é procurada em termos de imediação temporal não se afigura como algo de incompreensível ou portador duma carga de culpa ou de ilicitude que exceda aquela que normalmente está inscrita neste tipo legal de crime. Existe uma relação de causalidade facilmente perceptível entre a prévia agressão em que foi interveniente o DD e a posterior intervenção do arguido, procurando vingar a agressão de que seu irmão tinha sido alvo. É evidente que o quadro factual descrito revela um primitivismo de reacções em que emergem pulsões primárias que indicam a desproporcionalidade entre o motivo que despoleta o itinerário criminoso, ou seja, entre a ofensa e a reacção, mas, a nosso ver, não se pode apontar a ausência de racionalidade ou, dito por outras palavras, uma ausência de um processo compreensível que, minimamente, convoque a lógica como explicação da conduta do arguido. Linearmente a actuação do arguido convoca um dos motivos mais habituais neste tipo de crime que é a procura da vingança e esse propósito não é afectado pela circunstância de existir um erro sobre a identidade da vítima Entende-se, assim, que os factos apurados são insusceptíveis de integrar aquele indício de qualificação do crime de homicídio nomeadamente a integração na alínea e) do artigo 132 do Código Penal.
Definido este primeiro ponto importa agora considerar a existência de factos susceptíveis de integrar a restante qualificativa imputada no que toca ao crime de tentativa de homicídio em que foi ofendido CC e, nomeadamente, a circunstância de h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; Na sua aparente simplicidade a questão em apreço convoca-nos para um tema particularmente relevante no âmbito da dogmática penal que é a coautoria. No que concerne importa reavivar que a decisão recorrida é impressiva no apontar de que: 1) De imediato, AA debruçou-se e sentou-se sobre CC e desferiu, com a faca que empunhava, quatro facadas no corpo do mesmo, a primeira na zona abdominal e as restantes nas costas. 2) Enquanto isso, DD e EE, actuando em conjugação de esforços e de vontades, desferiram diversos pontapés na cabeça e corpo de CC. Tal matéria de facto imprime a ideia da existência de duas dinâmicas distintas, ou seja, por um lado o recorrente desferindo os golpes com a faca e, por outro, os restantes arguidos desferindo pontapés na cabeça e no corpo. Tanto é assim, isto é, tanto são segmentadas, e autonomizadas, as duas ordens de condutas que a mesma decisão se viu na necessidade de sublinhar que o DD e o EE agiam em conjugação de esforços e de vontades o que, todavia, já não sucedeu em relação ao recorrente. Importa aqui sublinhar, tal como já o fizemos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2006, que para a coautoria todos os intervenientes devem comparticipar na decisão conjunta de realizar o facto, porque só de esta forma podem participar no exercício do domínio do facto. Para além disso cada um deverá adicionar objectivamente una contribuição para o facto que, pela sua importância, resulte qualificado para o resultado e caracterize, em todo o caso, mais além de una mera acção preparatória. Sem embargo, importa referir que, atendendo á "divisão de papeis" mais apropriada ao fim proposto, ocorra na coautoria que também uma contribuição ao facto que não entre formalmente no marco da acção típica resulte suficiente para castigar por autoria. Basta que se trate de una parte necessária da execução do plano global dentro de una razoável "divisão de trabalho (domínio funcional do facto) Na verdade, quando vários arguidos realizam, em comum, um facto facto ilícito, todos são castigados como autores. A própria lei denomina neste caso os intervenientes como "coautores". A coautoria é, como a autoria mediata, una forma de autoria. Sem embargo não é inequívoca a definição sobre os requisitos e a delimitação da coautoria e, para tanto, é necessário que se refira que: - A coautoria também se baseia no domínio do facto. Porém, a partir do momento em que na sua execução intervêm vários autores o domínio do facto tem de ser comum. Cada coautor domina o processo total em união com outra ou outras pessoas. A coautoria consiste assim numa "divisão de trabalho". que torna possível o facto ou que facilita o risco. Requer, no aspecto subjectivo que os intervenientes se vinculem entre si mediante una resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto uma tarefa parcial mas essencial que o apresenta como cotitular da responsabilidade pela execução de todo o processo. A resolução comum de realizar o facto é o elo que une num todo as diferentes partes. No aspecto objectivo, a contribuição de cada coautor deve alcançar uma determinada importância funcional, de modo que a cooperação de cada qual no papel que lhe correspondeu constitui uma peça essencial na realização do plano conjunto (domínio funcional) O necessário componente subjectivo da coautoria é a resolução comum de realizar o facto. Unicamente através da mesma se justifica a imputação recíproca de contribuições fácticas. Não basta um consentimento unilateral, senão que devem "actuar todos em cooperação consciente e querida" No acordo de vontades em que fixar-se a distribuição de funções graças á qual deve obter-se, com as forças unidas o resultado perseguido em comum. Aliás, a forma como se faz a repartição de papéis deverá revelar que a responsabilidade pela execução do facto impende sobre todos os intervenientes No caso vertente a existência de tal acordo apenas é sublinhada em relação aos dois co arguidos, e não em relação ao arguido recorrente, o que faz considerar a sua actuação como fruto dum desígnio de vontade autónomo e como tal insusceptível de fazer considerar a existência da referida agravante. Sem embargo, existe uma outra dimensão na actuação do arguido que nos faz considerar a existência duma especial censurabilidade da sua conduta e que se reconduz á circunstância de a vítima encontrar-se prostrada no chão e sujeita aos pontapés dos co arguidos desferidos em partes nobre do corpo humano. O arguido necessariamente que se aproveitou de tal especial situação de indefensibilidade e desferiu golpes com o instrumento de que se tinha munido sentado em cima da vitima o que dá uma ideia da sua situação de superioridade. Relembremos que, de acordo com a matéria considerada provada: 13) A, aproximadamente, vinte metros da entrada do parque de campismo do Festival Jovem 2011, na Vidigueira, CC caiu ao chão. 14) De imediato, AA debruçou-se e sentou-se sobre CC e desferiu, com a faca que empunhava, quatro facadas no corpo do mesmo, a primeira na zona abdominal e as restantes nas costas. 15) Enquanto isso, DD e EE, actuando em conjugação de esforços e de vontades, desferiram diversos pontapés na cabeça e corpo de CC. Consequentemente, embora não se possa considerar que o mesmo crime de homicídio sob a forma tentada foi cometido por todos os arguidos o certo é que a especial vulnerabilidade em que se encontrava a vítima, proveniente da actuação da globalidade dos arguidos, configura em nosso entender uma situação em que a especial intensidade da culpa associada á coautoria está também patente e é susceptível do mesmo juízo de valoração.
Anote-se, ainda, lateralmente que não foi considerada quer em sede acusatória e, consequentemente, na decisão recorrida, a circunstância de, para além das circunstâncias que se inscrevem no citado artigo 132 do Código Penal, surgir uma outra qualificativa de carácter geral cominada no artigo 86 da Lei 5/2006 que dispõe que as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.
Por ultimo importa apreciar a denomina frieza de ânimo que consubstancia a qualificativa do crime de homicídio a que se reporta a alínea j) do artigo 132 do Código Penal . Reportando-nos à síntese doutrinal constante de Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2011 [8] acentuava Maia Gonçalves[9], que «…É que, diz-se, tal firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada revela uma forte intensidade da vontade criminosa. Efectivamente, a circunstância de mediar um grande intervalo de tempo entre o momento em que, definitivamente, a resolução criminosa se formou e a sua execução, ou seja a pertinácia da resolução, a mora habens, mostra não só que o criminoso teve uma larga oportunidade, que não aproveitou, para se deixar penetrar pelos contra-motivos sociais e ético-jurídicos de forma a, pelo menos transitoriamente, desistir do seu desígnio, mas ainda que a paixão lhe endureceu totalmente a sensibilidade e sobretudo que a força de vontade criminosa é de tal forma intensa que o agente sem hesitação, como mero “déclancher” da decisão tomada prévia e longinquamente». Por seu turno, pronunciando-se sobre o mesmo conceito, Figueiredo Dias reconduz-se ao denominador comum da premeditação referindo que o Código Penal de 1982 reuniu sob o conceito de premeditação alguns dos entendimentos conferidos por diversos ordenamentos: a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas. Para o mesmo Autor importa aferir da utilização alternativa dos três critérios, ou seja, a afirmação de que qualquer das aludidas manifestações da “premeditação” – e outras estruturalmente análogas (incluída a persistência da intenção de matar por 23 horas!) – é, por si mesma, susceptível de indiciar um tipo de culpa agravado, sem todavia o determinar por necessidade. Para Fernando Silva “A ideia fundamental nesta circunstância é a da premeditação. Pressupondo uma reflexão da parte do agente. O que acontece é a influência do factor tempo, e o facto de se ter estudado a forma de preparar o crime, demonstram uma atitude de maior desvio em relação à ordem jurídica. O decurso do tempo deveria fazer o agente cessar a sua vontade de praticar o crime, quanto mais medita sobre a sua prática mais exigível se torna que não actue desse modo”. “Nestes casos o agente prepara o crime, pensa nele, reflecte sobre o acto, e mesmo assim decide matar, combatendo a ponderação que se lhe impunha. A premeditação surge materializada em três situações: 1 - frieza de ânimo - traduzido numa actuação calculada, em que o agente toma a sua deliberação de matar, e firma a sua vontade de modo frio, denotando um sangue frio e alguma indiferença ou insensibilidade perante a vítima. No fundo, o agente teve oportunidade de reflectir sobre o seu plano, e ponderou toda a sua actuação mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto”. (…). [10] Na vasta jurisprudência que incidiu sobre a integração do conceito em causa o mesmo encontra-se conexionado com a actuação calma ou imperturbada reflexão no assumir o agente a resolução de matar a que se alia a firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa. Pela negativa pode-se afirmar que a integração do conceito não se compagina com estados esténicos como tudo indicia que sucedeu no caso vertente. Na verdade, importa precisar que o primeiro recontro ente o irmão do recorrente-DD- e o também arguido CC sucedeu pelas 04H30. O mesmo DD telefonou para a sua mãe e contou-lhe o sucedido e nessa sequência o recorrente deslocou-se para o local onde pelas 05H05 tiveram lugar os factos pelos quais foi incriminado. Falamos assim dum hiato temporal de cerca de trinta e cinco minutos e face á experiência comum é curial a conclusão de que o arguido e recorrente agiu sob o efeito do estado de espirito motivado pela comunicação de seu irmão, ou seja, sem que naquele espaço de tempo tivesse a possibilidade duma reflexão serena sobre o seu propósito. Não existe aquela frieza e imperturbabilidade perante os factos mas sim um propósito tomado “a quente” motivado pelo intuito de vingar a agressão de que seu irmão tinha sido alvo. Assim, entende que inexiste a referida agravante qualificativa.
IV No que concerne refere a decisão recorrida que: Escolha e Determinação das penas parcelares: O crime de homicídio qualificado na forma tentada é punido com uma pena que varia entre os 2 anos, 4 meses e 24 dias e os 16 anos e 8 meses de prisão (arts. 132, n. 1, 23º, n. 2, e 73º, ns. 1, a) e b), todos do CP). O crime de ofensa à integridade física simples é punido com prisão até 3 anos ou multa até 360 dias. O artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal refere que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, o qual reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena. O juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico. A culpa é que decide na medida da pena, pois a mesma afirma-se como limite máximo daquela, funcionando depois a prevenção. A culpa é assim o fundamento ético da pena e um limite inultrapassável da sua medida. Na determinação da medida concreta da pena e nos termos do disposto nos artigos 71.º e 47.º do citado diploma ter-se-á em consideração a sua culpa, as exigências de prevenção de futuros crimes e as circunstâncias do caso agora em apreço que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra e em seu favor, sem prejuízo dos limites mínimos e máximos das penas aplicáveis. Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, e no entendimento do Prof. Figueiredo Dias "a culpa é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial" (Acta n.º 8 da CRCP, de 29 de Maio de 1989). Relativamente à medida da pena refere a decisão recorrida que: No caso concreto e no que concerne ao arguido AA há que considerar que: o grau de ilicitude do facto que é extremamente elevado atentos os bens jurídicos violados e o modo de execução dos crimes – o arguido AA desferiu duas facadas no corpo de BB e, após se ter apercebido que não era aquele que havia tido a contenda com o seu irmão, foi em perseguição do CC, no qual desferiu 4 facadas, sentado sobre o seu corpo; a motivação do arguido: desejo de vingança face aos factos ocorridos anteriormente com o seu irmão; as lesões sofridas por cada uma das vítimas (bastante mais extensas no caso de CC); a intensidade do dolo que se considera elevada, dado que o arguido agiu com dolo directo; a personalidade do arguido: as condições de vida do arguido à data dos factos e actualmente (padece de uma doença do foro oncológico, encontrando-se em tratamento); os antecedentes criminais do arguido, ainda que pela prática de crimes de diversa natureza do que está em causa nos presentes autos e a circunstancia de os presentes factos terem sido praticados no período de suspensão de execução de uma pena de prisão. as exigências de prevenção geral que são bastante elevadas. Assim entende este Tribunal adequadas as penas de 3 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada praticado na pessoa de BB e 5 anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada praticado na pessoa de CC. É necessário proceder, em seguida, ao cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, de forma a fixar uma pena unitária, nos termos do art. 77.º, números 1 e 2, CP. Tendo em conta o disposto no n.º 2, a pena unitária a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 5 anos de prisão e máximo de 8 anos de prisão. O n.º 1 estabelece que, na medida da pena, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Ora considerando os factos provados relativos à conduta do arguido e aqueles relativos à sua personalidade e condições sócio-económicas - o arguido AA tem apresentado fatores de risco que favorecem a prática ilícita, nomeadamente, a situação de dependência de substâncias psicoativas, desde a adolescência; a desarmonia familiar, com períodos de desvinculação mais marcada e, como mais relevante, caraterísticas de personalidade que apontam para um défice significativo do controlo dos impulsos, sobretudo, os de natureza agressiva. O comportamento prisional corrobora, também, esta tendência do arguido, sem esquecer, as atitudes de incumprimento das medidas probatórias que lhe foram aplicadas e a inconstância do seu tratamento à toxicodependência. Revela, contudo, presentemente, capacidade para reaver os laços familiares de origem, aceitando o apoio próximo da mãe, muito embora, em parte, e sem perder o seu valor, tenha sido condicionada pela sua situação jurídico-penal e pelo surgimento de doença grave, que o fragiliza, física e psicologicamente, no momento. É um individuo com capacidades intelectuais que lhe podem proporcionar adequadas promoção pessoal e integração social, desde que, consiga resolver a dependência de drogas, consiga controlar a sua impulsividade, contatar e resolver os seus conflitos internos– e tendo em consideração o limite mínimo e máximo da pena, condena-se o arguido AA numa pena única de 7 anos de prisão. * Como se referiu entende-se que no que toca ao crime de homicídio tentado em que figura como vítima BB nos encontramos perante um crime de homicídio simples sob a forma tentada a que se reporta o artigo 131 do Código Penal e punido com pena de 1 ano 7 meses e seis dias a 10 anos e oito meses de prisão. No que concerne ao mesmo tipo legal de crime em que figura como vítima CC entende-se que o mesmo se encontra qualificado nos termos do artigo 132 alínea h) do mesmo diploma. Relativamente á questão da medida da pena, e como questão prévia da sua definição, importa que se reitere, no que concerne á finalidade, o entendimento, que já ficou expresso em decisões deste Supremo Tribunal de Justiça, da importância fundamental que assume a justa retribuição do ilícito, e da culpa, compreendendo o princípio da culpa quer uma função fundamentadora, quer uma função limitadora da mesma pena. Ao mesmo nível que a retribuição justa situa-se o fim da prevenção especial. Dentro deste quadro e com relevância para a decisão do caso vertente impõe-se a consideração vincante das necessidades de prevenção geral expressas na perturbação comunitária que provoca este tipo de infracções em que estão em causa valores nucleares da vida em sociedade. Na verdade, não estão em causa bem jurídicos situados na periferia da personalidade, mas a própria Vida. É imperioso que a comunidade esteja certa de que as violações dos laços mais básicos de interacção social sejam penalizadas com adequada punição e, por tal forma, se tenha a noção de que vida humana é um valor intocável. Não se deixa, ainda, de salientar a forma primitiva como o arguido dá vazão aos sentimentos mais primários e procura o desforço sem que sequer coloque a racionalidade de procurar identificar objectivamente o seu alvo. Perante crimes desta gravidade só um quadro bem preciso de circunstâncias atenuativas poderá justificar a perspectiva mais benévola da actuação do recorrente. Todavia, neste segmento atenuativo, não se vislumbra qualquer referência digna de nota. É certo que a doença grave de que o arguido é portador inculca uma ideia de adequação da pena a tal situação. Importa, porém salientar que tal adequação se deve situar essencialmente em sede de execução da medida da pena e, nomeadamente artigo do Código de Execução das Penas Assim, não obstante a desqualificação do crime de homicídio em que é vitima BB entende-se que qualquer uma das punições se encontra adequada, nomeadamente as penas de três e cinco anos de prisão. Igualmente sem motivo de censura se afigura a pena conjunta encontrada ou seja sete anos de prisão.
V Ainda em sede de recurso da decisão recorrida o recorrente pronuncia-se sobre o pedido cível formulado referindo que: O PIC do demandante foi elaborado apresentando um conjunto de danos, para os quais ele próprio entendeu que, se se provassem todos aqueles danos, 20.000,00€ como suficiente para ressarcimento. Não se provou uma larga quantidade dos danos alegados (que ele ainda sinta dores passado um ano, que tivesse ficado receoso e desesperado por estar imobilizado, que teve dificuldade em voltar a andar, por ter perdido massa muscular nas pernas, que isso lhe causou sofrimento, que teve grande mágoa, angústia, vergonha e vexame e constrangimento, que vive em constante ansiedade com medo de represálias, que vive intranquilo, o que poderá ser para o resto dos seus dias, que vive em constante sobressalto, ansiedade, receio, o que tolhe a sua liberdade de determinação, que o sono não era reparador o que prejudicava os seus dias, que deixou de praticar desportos por 3 ou 4 meses, designadamente motocross, o que lhe causou tristeza, angústia e frustração). Ora, logicamente o total do pedido teria que ser reduzido em conformidade. Mas o douto Acórdão dá como não provado estes danos, e não obstante condena o demandado na totalidade. O que é uma condenação ultra petita, ofensiva do artigo 615.º, n.º 1 alínea e) do CPC, anteriormente artigo 668.º, aplicável por força do artigo 4 do CPP, disposições que são assim violadas. Ocorre assim uma nulidade da Sentença, nulidade que acima já se invocou, invocação que se reitera e aqui se deixa arguida para todos os legais efeitos. Mesmo que assim se não se considere, o que não se concede, sempre o valor da condenação é excessivo, nunca devendo esse valor ultrapassar 10.000,00€. Não fixando 10.000,00€ como condenação em PIC, o Tribunal violou os art. 71 a 84 CPP. Por seu turno a decisão recorrida aponta que: Ante a factualidade dada como assente designadamente aquela referente às lesões sofridas pela vítima, o receio, o período de internamento e ainda as circunstâncias em que ocorreram os factos, a ilicitude da conduta de cada um dos demandantes, a sua concreta actuação (sendo certo que não foi pedida a condenação solidária) e as suas condições de vida, entende este Tribunal adequado condenar os demandados no pagamento da quantia peticionada, ou seja, o demandado AA na quantia de € 20.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela sua actuação ilícita e culposa, o arguido DD a quantia de € 3.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela sua actuação ilícita e culposa e o arguido EE a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela sua conduta ilícita e culposa.*
No que concerne importa considerar que uma das traves mestras do nosso processo civil declaratório é o princípio dispositivo pelo qual as partes dispõem do processo, como da relação jurídica material (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 347).Corolários deste princípio são, entre outros, a necessidade de impulso processual (Código de Processo Civil, artigo 264.º, n.º 1), quer o inicial quer o subsequente, e a correspondência entre o requerido e o pronunciado, expressão de Calamandrei, ut M. de Andrade (ob. cit., p. 348), sem esquecer a necessária relação entre a causa de pedir e o pedido (Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 109, p. 314) exigida pelo disposto nos artigos 193.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 498.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Como se refere em Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 26-11-1996 (DR 274/96 SÉRIE I-A ) o princípio do pedido, como se pronunciou este Supremo Tribunal (v. Acórdão de 3 de Junho de 1993, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 428, p. 562), é um princípio axial que atravessa todo o processo civil e se manifesta em diversos preceitos do Código de Processo Civil [designadamente os artigos 3.º, n.º 1, 193.º, n.º 2, alínea a), 467.º, n.º 1, alínea d), e 661.º, n.º 1] e se impõe a todos os tribunais, independentemente do seu grau hierárquico. O artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao dispor que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium. Desta disposição apenas interessa aqui o limite estabelecido no aspecto quantitativo. Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial, correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum pedido se possa decompor. Pedido é a pretensão do autor [Código de Processo Civil, artigo 467.º, n.º 1, alínea d)], «é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar», «o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judiciária requerida)» (autor e ob. cit., p. 107). O autor, ao concluir a sua petição (isto sem prejuízo da sua posterior modificabilidade, em sentido amplo, onde e quando for admitida), deve formular o pedido, «dizer com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção» (A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1)Sem pedido não existe requisição da tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada, como escreveu M. Teixeira de Sousa, citando Schönge-Schröeder-Niese (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, p. 105). Decorre daqui que, em princípio, não pode o tribunal ultrapassar quantitativamente o pedido. Porém tal pedido é o pedido globalmente considerado e não as diversas parcelas que o integram como argumenta o recorrente. Improcede, assim, a argumentação do recorrente no que concerne.
Igualmente o recorrente se refere ao quantitativo encontrado para indemnizar pelos danos não patrimoniais que sofreu o CC. É evidente que, tendo o mesmo demandante formulado um pedido indemnizatório em função de determinados danos morais que invocou-20.000 Euros- e não se demonstrando parcialmente os factos que o suportavam, tal circunstância, salvo existindo motivação excepcional, que inexiste no caso vertente, tem reflexos no montante a arbitrar. Considerando os elementos aludidos na decisão recorrida e, dentro destes, o tipo de ferimentos infligidos e dores sequentes, bem como o período de internamento de que necessitou, considera-se adequada a indemnização de 15.000 Euros.
Nestes termos julga-se improcedente o presente recurso no que concerne aos recursos interlocutórios, bem como em relação à decisão final no que toca ao segmento penal, e procedente no que toca ao pedido de indemnização por danos morais formulado por CC que se fixa em 15.000 Euros. Custas a cargo do recorrente que se fixa em 4 UC Santos Cabral (relator) ----------------------------------------------
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