Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1423/17.1PKLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LATAS
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
OBJETO DO RECURSO
CONCLUSÕES
PENA PARCELAR
DUPLA CONFORME
IRRECORRIBILIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I- Conforme vem sendo pacificamente entendido na jurisprudência e doutrina, o âmbito ou objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira da sua motivação (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), pelo que «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar.

II- Não é admissível recurso para o STJ da aplicação, pelas relações, de penas parcelares de medida igual ou inferior a 8 anos de prisão nos casos a que se reporta o artigo 400.º, n.º 1, al. f)) do CPP.

III- Este entendimento jurisprudencial, que seguimos, fundamenta-se essencialmente em razões de ordem teleológica, sistemática e literal: (i) No caso de recursos interpostos de decisões proferidas em recurso pelas relações, a que se reportam o artigo 432.º, n.º 1, al. b) e as alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º, está em causa um 2.º grau de recurso para o STJ, mostrando-se já satisfeito o 1.º grau de recurso constitucionalmente garantido com o anterior recurso para a Relação;

IV- (ii) O artigo 403.º, n.º 1 do CPP admite a cindibilidade do recurso quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas, pelo que nada obsta a que se conheça das matérias da pena única do concurso independentemente do decidido relativamente às penas parcelares, as quais transitam em julgado com o conhecimento do recurso, em 1.º grau, antes interposto para as relações;

V- (iii) As alíneas e) e f) do artigo 400.º, n.º 1 do CPP, não distinguem na sua letra entre pena parcelar e pena única e asseguram a mesma solução jurídica (irrecorribilidade) tanto para a pena não superior a 5 ou 8 anos de prisão aplicada isoladamente num dado processo, como na hipótese de igual pena ser aplicada num único processo, em cúmulo jurídico com outras penas, evitando, assim, solução diferente em função do circunstancialismo processual em que fosse aplicada a pena parcelar, sem justificação materialmente fundada.

VI- O entendimento do Tribunal Constitucional quanto à conformidade do artigo 400º nº 1 als ) e f), CPP, com o princípio da legalidade e com o direito ao recurso, consagrados na CRP, tem sido reiterado desde o Acórdão do Plenário nº 186/2013.

Decisão Texto Integral:

Acorda-se em conferência na 5ª secção (criminal) do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


i


relatório

1. O tribunal coletivo do Juiz ... do Juízo Central Criminal ... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por acórdão de 22/09/2022, decidiu:

"a) condenar o arguido, AA, pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, número 1 do Código Penal, com referência aos presentes autos, com o n.u.i.p.c. 1423/17.1..., na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

b) condenar o arguido, AA, pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.º, número 1 do Código Penal, com referência ao n.u.i.p.c. 1476/17.2..., na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) condenar o arguido, AA, pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, na forma tentada, em convolação do crime de roubo, na forma consumada, de que vinha acusado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 210.º, número 1 do Código Penal, com referência ao n.u.i.p.c. 153/18.1..., na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;

d) condenar o arguido, AA, pela prática, em autoria material, de um crime de sequestro, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 158.º, número 1, do Código Penal, com referência ao n.u.i.p.c. 1102/17.0..., na pena de 2 (dois) anos de prisão;

e) condenar o arguido, AA, pela prática, em autoria material, de um crime de sequestro, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 158.º, número 1, do Código Penal, com referência ao n.u.i.p.c. 1476/17.2..., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

(…)

h) proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelas supra referidas e aplicadas nestes autos ao arguido, AA, condenando-o na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;

2. Inconformado com aquela decisão, o arguido, AA, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que, por acórdão de 22.02.2023, julgou não provido o recurso e, consequentemente, manteve integralmente o acórdão do tribunal coletivo recorrido.

3. Inconformado com aquela decisão do TRL, o arguido veio agora interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), extraindo da sua motivação de recurso as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

«VI. Conclusões

1. O Arguido AA foi condenado, por acórdão do Juízo Central Criminal de Lisboa, proferido em 22 de setembro de 2022, pela prática, como autor material, de 3 crimes de roubo, 2 crimes de sequestro, e 2 crimes de furto, cujas penas parcelares aplicadas oscilavam entre 3 anos e 10 meses de prisão e 1 ano e seis meses de prisão, e que culminaram na aplicação de uma pena única de 8 anos e seis meses de prisão.


2. Atenta a vigência do princípio fundamental da recorribilidade e não se reconduzindo o Acórdão recorrido a qualquer previsão de irrecorribilidade resultante do disposto no artigo 400.º, n.º 1, do CPP, ou de qualquer outra norma legal, nenhuma dúvida pode restar quanto à sua recorribilidade (total).


3. Atenta a vigência do princípio fundamental da recorribilidade e não se reconduzindo o Acórdão recorrido a qualquer previsão de irrecorribilidade resultante do disposto no artigo 400.º, n.º 1, do CPP, ou de qualquer outra norma legal, nenhuma dúvida pode restar quanto à sua recorribilidade (total).


4. A orientação jurisprudencial segundo a qual, em caso de concurso de crimes, o âmbito do recurso está limitado negativamente pela medida das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes não é juridicamente sustentável.


5. Tal orientação jurisprudencial encontra logo na letra da lei um obstáculo intransponível, porquanto não é conciliável com as expressões “acórdãos” e “pena de prisão”, constantes do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP.


6. Também uma interpretação sistematicamente fundada dos preceitos legais em causa faz cair por terra a referida orientação jurisprudencial, uma vez que o artigo 400.º do CPP não regula o âmbito do recurso. O artigo 400.º do CPP regula apenas a matéria da admissibilidade do recurso, consagrando alguns dos casos de irrecorribilidade previstos na lei. Contudo, desse artigo, não decorre qualquer limitação ao âmbito de um recurso que seja admissível.


7. Quanto ao âmbito do recurso regem as normas legais vertidas nos artigos 402.º e 403.º do CPP, e delas não resulta a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça, no caso de concurso de crimes, restringir motu proprio o âmbito do recurso – admissível, nos termos da aplicação conjugada do artigos 399.º e 400.º do CPP – à pena conjunta, quando as penas parcelares sejam inferiores a 8 anos (ou a 5 anos). Diversamente, de tais normas resulta claro que a decomposição da decisão, para efeitos de recurso, é algo que apenas pode ser feito por quem recorre.


8. Sendo que o disposto no artigo 434.º do CPP não suscita qualquer problema no caso vertente, já que o recurso interposto pelo Arguido versa exclusivamente sobre matéria de direito.


9. Assim sendo, não se verificando, in casu, qualquer limitação legal ou voluntária dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, os mesmos terão de abranger necessariamente toda a decisão recorrida, nos termos definidos pelas conclusões do recurso interposto pelo Arguido.


10. Acresce que, utilizando o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o critério da pena concreta


aplicada para determinar a admissibilidade de recurso de primeiro grau para o Supremo Tribunal de Justiça, nos mesmos exactos termos em que o utiliza o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP, uma visão sistemática e integrada do processo penal não suportará uma interpretação destes artigos, para determinar a admissibilidade de recurso de segundo grau para o Supremo Tribunal de Justiça, que divirja dos critérios fixados no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2017.


11. Por fim, também por recurso ao elemento histórico da interpretação não se encontra autorizada a referida orientação jurisprudencial na medida em que a supressão legislativa da expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” tem de significar a indistinção, para efeitos de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça, entre as situações de pena singular e de pena única.


12. Assim: o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, é nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


13. A ausência de um estrito cumprimento das exigências de fundamentação próprias de qualquer sentença ou acórdão penal obstaculiza, entre o mais, o exercício, pelo Arguido, dos direitos de defesa e ao contraditório (cfr. artigo 32.º, n.ºs 1e 5, da Lei Fundamental).


14. Estamos, assim, perante um vício que, por si só, invalida toda a decisão judicial em apreço, a qual é nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma legal, nulidade que se deixa, desde já, expressamente invocada, para os devidos efeitos legais, e que deve ser reconhecida e declarada.


15. E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.


16. A norma que resulta da conjugação dos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso de crimes, não é obrigatório, na fundamentação da decisão final proferida em processo penal, subsumir os factos imputados ao arguido a cada um dos crimes de forma individualizada, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º, n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.


17. Todos os factos constantes da matéria assente, embora o comportamento do Arguido preencha dois tipos de crime, o que sucede é que a duração da privação da liberdade que ocorreu, não ultrapassou a estritamente necessária à prática do crime de roubo.


18. Sendo que a matéria de facto assente na decisão de 1.ª instância, que se manteve inalterada no Acórdão recorrido, se encontra dividida por referência a dois tipos de crimes, que no caso em concreto o crime de sequestro serviu estritamente como meio para a prática do crime de roubo.


19. Assim, o conteúdo ou substância criminosa é aqui tão esgotantemente abarcado pela aplicação ao caso de um só dos tipos violados, que os restantes devem recuar, subordinando-se perante uma tal aplicação.


20. O crime de sequestro é também um crime de resultado, ora, sendo assim, deve aplicar-se a teoria da adequação do resultado à conduta.


21. Adequando esta equação, deve o Tribunal ter em conta as características psíquicas e físicas da vítima, determinando se o meio utilizado era o idóneo para limitar a liberdade da vítima.


22. Com efeito, e considerando a prova produzida em sede de audiência de julgamento, e conforme o depoimento prestado pelas vítimas, não houve violência, nem tão pouco, privação da liberdade, a não ser na medida precisa para perpetrar o roubo.


23. “O crime de roubo consome o crime de sequestro quando a privação da liberdade da vitima é a necessária para a execução do roubo”, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direito do Homem, pág. 623, parf.


24. Não obstante o verdadeiro mar de factos constante da matéria assente – repete-se, por ser verdadeiramente impressivo – o Tribunal a quo não reservou uma única linha para a tarefa de subsunção dos factos aos crimes.


25. Ou seja, o Tribunal a quo abdica da (imprescindível) concretização jurídica dos factos que o Arguido por referência ao mesmo caso vem, condenado por diferentes crimes.


26. Ou, visto pela perspectiva contrária, o Tribunal a quo abdica da (imprescindível) concretização fáctica dos crimes que são imputados ao Arguido AA.


27. Também por essa razão, a Decisão final é nula, resultante da absoluta falta de fundamentação da medida das 70 (setenta) penas parcelares, e assim deve ser declarada, decorrendo tal nulidade da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 425.º, n.º 4, todos do CPP, o que se invoca para todos os efeitos.


28. E ainda que assim não se entenda – o que apenas se equaciona por mero dever de cautela de patrocínio –, sempre estaremos perante uma irregularidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, e com os mesmos fundamentos, a qual, para todos os efeitos, se deixa também desde já expressamente invocada.


29. A norma que resulta da conjugação dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea a), e artigo 425.º, n.º 4, do CPP, interpretada e aplicada no sentido de que, em caso de concurso


de crimes, não é obrigatório, na decisão final proferida em processo penal, fundamentar de forma individualizada cada uma das penas parcelares aplicada, independentemente da fundamentação relativa à determinação da pena única, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º, n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos legais.


30. Assim, por tudo isto, deve o Arguido ser absolvido da prática dos crimes de sequestro por que vem condenado, uma vez que o respectivo tipo legal de crime não se encontra preenchido.


Termos em que, e nos mais de Direito, deverão V. Ex.as:


a) Declarar a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea c), e 425.º, n.º 4, do CPP; e, cumulativamente,


b) Declarar a nulidade do Acórdão recorrido, por falta de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do CPP; e, em qualquer caso,


c) Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que declare a nulidade da decisão de 1.ª instância, por condenação por factos diversos dos constantes da Acusação, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, com as devidas consequências legais; e, cumulativamente,


d) Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que declare a nulidade da decisão de 1.ª instância, por preterição de acto legalmente obrigatório, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, com as devidas consequências legais; e, em qualquer caso,


e) Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva o Arguido dos crimes de sequestro por que vem condenado; ou, subsidiariamente,


f) Revogar o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que condene o Arguido num único crime, aplicando-lhe uma pena nunca superior a 5 anos e suspensa na sua execução; ou, subsidiariamente,


Por assim ser de JUSTIÇA!


4. O MP junto do TRL veio apresentar a sua resposta ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:


- «IV - CONCLUSÕES


1. O acórdão recorrido fundamentou, exaustivamente, as razões porque confirmou o acórdão proferido pelo Tribunal da 1ª Instância.


2. Relativamente à matéria de facto, podendo haver divergências relativamente ao que foi dado como provado, trata-se de uma questão de convicção do julgador que não se mostra abalada por qualquer meio de prova apresentada que imponha decisão diversa, em cumprimento do disposto na al. b), do n.º 3, do art.º 412º, do Código de Processo Penal.


3. Não se recorta do texto decisório quanto à matéria de facto qualquer daqueles vícios a que se reporta o nº 2, do artigo 410º, do Código Processo Penal e que podem ser conhecidos oficiosamente.


4. O acórdão recorrido teve em consideração todos os factores a que se deve atender na ponderação e determinação da medida concreta das penas parcelares e da pena única aplicadas, fundamentando a decisão de forma exaustiva relativamente a todos os crimes e dessa forma cumprindo todos os requisitos exigidos pelos artigos 40º, 50º, 70º e 71º, todos do Código Penal.


5. O crime de sequestro assumiu-se como autónomo do crime de roubo, considerando que o mesmo persistiu após a consumação deste último em cada uma das situações, de forma alguma se podendo afirmar que o sequestro foi meramente instrumental para a prática de crimes de roubo, desta forma improcedendo a argumentação do recorrente.


6. Não se mostram violadas nenhumas das normas legais e constitucionais indicadas pelo recorrente.


Atento o exposto, deverá o presente recurso ser considerado improcedente, confirmando-se, nos seus precisos termos, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.


Assim decidindo, farão Vªs Exªs»


5. O senhor Procurador Geral Adjunto no STJ a quem o processo foi com vista nos termos do art. 416.º do CPP, emitiu parecer em que, para além do mais, conclui que só a pena única aplicada ao recorrente, pelo seu quantum de 8 anos e 6 meses de prisão seria passível de apreciação e decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas esta parte da decisão recorrida não integra o objeto do recurso interposto pelo arguido, por não integrar as conclusões de recurso, pelo que o presente recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça deverá ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, nos sobreditos termos, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 414.º, n.º 2 e 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do C.P.P.

6. Cumprido o disposto no art. 417º nº2 CPP, o arguido e recorrente apresentou resposta àquele parecer, reiterando a sua alegação de que «…. é materialmente inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que, havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão …», concluindo que deve ser admitido o recurso interposto do Acórdão de 27 de fevereiro de 2023 na sua integralidade, que deverá ser julgado totalmente procedente.

7. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal.


ii


fundamentação


8. Objeto do recurso e sua admissibilidade.


8.1. Conforme vem sendo pacificamente entendido na jurisprudência e doutrina, o âmbito ou objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira da sua motivação (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), pelo que «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar», conforme pode ler-se, por todos, em Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed. 2000, p. 335. No mesmo sentido Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. 2007, p. 103, bem como o sumário do Ac. STJ de 17.09.97 citado na nota 116 daquela página e, ainda, do Ac. STJ de 13.03.1991, proc.41 694/3ª, citado em Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 9ª ed.-1998, p. 730 e dos Acs. STJ de 11.03.93, de 01.07.93 e de 29.02.1996, todos citados em Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, 2ª ed. 2000, pp. 804, 805 e 808.


Trata-se de corolário da aplicação do princípio dispositivo aos recursos, permitindo aos sujeitos processuais delimitar as questões a decidir e, concomitantemente, onerando-os com o ónus de proceder a tal delimitação nas conclusões extraídas da motivação, sob pena de não ser conhecido tudo o que não constar daquelas conclusões. Daí que sejam as conclusões a definir o âmbito do recurso a conhecer pelo tribunal ad quem.


8.2. No caso presente, o MP no STJ tem razão ao alegar que o arguido recorrente não inclui nas conclusões de recurso a pretensão de ver apreciada e decidida qualquer questão autónoma relativa à pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, aplicada em cúmulo jurídico. Com efeito, apesar de algumas referências feitas à determinação da pena única no corpo da motivação de recurso, o arguido e recorrente não as transpôs para as conclusões respetivas, optando por não recorrer autonomamente da aplicação da pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, sendo certo que foi este o sentido da resposta do arguido ao parecer do MP no STJ (artigo 417.º, n.º 2 CPP) em que se entendia expressamente, como referido, que o recurso não tinha por objeto matéria relativa à pena única autonomamente considerada.


Impõe-se, pois, concluir que o presente recurso não vem dirigido contra a determinação da pena única ou qualquer outra questão respeitante a esta mesma pena que, assim, não integra o objeto do recurso. Como se decidiu, por todos, no Ac. STJ 02-12-2021, 5.ª Secção, Rel. António Gama, “Quando só a pena única do concurso é superior a oito anos, apenas as operações relativas ao cúmulo jurídico e à pena única são sindicáveis em recurso. Mas isto é assim, se o recorrente questionar a medida dessa pena, pois essa não é questão de conhecimento oficioso.” - negrito nosso.


8.3. Diferentemente, resulta inequivocamente das conclusões que retira da sua motivação, que o arguido dirige o seu recurso à apreciação de diversas questões relativas às penas parcelares, fixadas entre 1 ano e 6 meses e 4 anos, de prisão.


8.3.1. Sucede, porém, que, conforme é entendimento reafirmado do STJ, que subscrevemos, apesar de o arguido ter sido punido com pena única superior a 8 anos e 6 meses de prisão, não é admissível recurso para o STJ da aplicação, pelas relações, de penas parcelares de medida igual ou inferiora 8 anos de prisão nos casos a que se reporta o artigo 400.º, n.º 1, al. f)) do CPP, segundo o qual “Não é admissível recurso … de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância [dupla conforme] e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos” pelo que apenas pode recorrer-se da pena única quando só esta pena tenha sido aplicada em medida superior a 8 anos de prisão.


É esta a hipótese dos presentes autos, sendo certo que o STJ tem seguido o mesmo entendimento nos casos previstos no artigo 400.º, n.º 1, al. e), que não admite recurso de “Acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1ª instância.


Este entendimento jurisprudencial, que seguimos, fundamenta-se essencialmente em razões de ordem teleológica, sistemática e literal:


- (i) No caso de recursos interpostos de decisões proferidas em recurso pelas relações, a que se reportam o artigo 432.º, n.º 1, al. b) e as alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º, está em causa um 2.º grau de recurso para o STJ, mostrando-se já satisfeito o 1.º grau de recurso constitucionalmente garantido com o anterior recurso para a Relação. Nada obstando, pois, a que aquelas normas assim interpretadas permitam a intervenção do STJ num segundo grau de recurso apenas nos casos de «maior merecimento penal», diferentemente da hipótese de recurso per saltum sobre que recaiu o AFJ 5/2017 (com que argumenta o arguido na sua motivação de recurso e que é igualmente invocado por Helena Morão e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 5ª ed.- 2023, anotação 15ª, p. 576), pois aí tratava-se de assegurar um 1º grau de recurso, constitucionalmente garantido relativamente às penas parcelares de medida inferior ao limite de 5 anos previsto no art. 432º nº1 c);


- (ii) O artigo 403.º, n.º 1 do CPP admite a cindibilidade do recurso quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas, pelo que nada obsta a que se conheça das matérias da pena única do concurso independentemente do decidido relativamente às penas parcelares, as quais transitam em julgado com o conhecimento do recurso, em 1.º grau, antes interposto para as relações;


(iii) As alíneas e) e f) do artigo 400.º, n.º 1 do CPP, não distinguem na sua letra entre pena parcelar e pena única e asseguram a mesma solução jurídica (irrecorribilidade) tanto para a pena não superior a 5 ou 8 anos de prisão aplicada isoladamente num dado processo, como na hipótese de igual pena ser aplicada num único processo, em cúmulo jurídico com outras penas, evitando, assim, solução diferente em função do circunstancialismo processual em que fosse aplicada a pena parcelar, sem justificação materialmente fundada.


Como se escreveu no Ac. STJ de 28.09.2017, rel. Souto de Moura, a propósito da al. f) do n.º 1 do art. 400.º citado, “III (…) Entende-se, na verdade que, se os crimes determinantes de uma conexão de processos, nos termos dos art.s 24º e 25º do CPP, ou determinantes de uma conexão, para os quais se organizou um só processo, de acordo com o nº 1 do art. 29º do mesmo Código, foram punidos com penas que não excedem os 8 anos, então, nunca tais crimes seriam passíveis de recurso para o STJ, caso fossem julgados isoladamente, não concorrendo razões substanciais ou sequer processuais, que obriguem a que se beneficie o arguido com mais uma possibilidade de recurso, só porque, por razões de conexão, aconteceu que os vários crimes tenham sido julgados conjuntamente.”


8.3.2. No sentido da irrecorribilidade relativamente às penas parcelares não superiores a 5 anos de prisão (al. e)) ou a 8 anos de prisão (al. f), mesmo que a pena única aplicada em cúmulo jurídico seja superior a 5 ou 8 anos de prisão, respetivamente, podem ver-se, entre os mais recentes, os acórdãos do STJ de 29-02-2024, rel. Agostinho Torres, de 31-01-2024, rel. Ana Barata Brito, de 29-06-2023, rel. Sénio Alves, de 04-05-2023, rel. Pedro Branquinho Dias, de 13-04-2023, rel. Agostinho Torres, de 19-01-2023, rel. Carmo Silva Dias, de 12-01-2023, Proc. n.º 757/20.2PGALM.L1.S1 - 5.ª Secção, Rel. Orlando Gonçalves.


Pelo exposto, não é admissível in casu o recurso interposto pelo arguido relativamente às penas parcelares que integram o cúmulo jurídico, todas elas aplicadas em pena inferior a 5 anos de prisão, por força do estabelecido no artigo 400.º, n.º 1, al.s e) e f), irrecorribilidade que implica o não conhecimento das diversas questões suscitadas pelo recorrente a propósito dessas mesmas penas parcelares, sejam elas as alegadas nulidades ou irregularidades do acórdão recorrido, a determinação das penas parcelares, a incorreta ou inexistente subsunção dos factos aos tipos penais, as alegadas inconstitucionalidades das normas relativas aos crimes e penas parcelares, ou quaisquer outras invocadas pelo recorrente. Assim, entre outros, o Ac. STJ de 14-10-2020, Rel. Manuel Augusto de Matos e o Ac. STJ de 23.03.2022, Rel. Sénio Alves.


Concluímos, pois, que por não ter ido interposto recurso relativamente à pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, como vimos, e ser irrecorrível tudo o que respeita às penas parcelares aplicadas pela 1ª instância e mantidas pelo TRL, em medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, impõe-se a rejeição total do presente recurso. Conforme pode ler-se, por todos, no Ac. STJ de 30.11.22, Rel. Lopes da Mota, “(…) II - Tendo sido aplicadas penas de multa, penas de prisão singulares não superiores a 5 anos e uma pena única de 7 anos de prisão e tendo o acórdão da Relação confirmado, sem qualquer alteração, a decisão da 1.ª instância que aplicou essas penas, é rejeitado o recurso para o STJ, por inadmissibilidade (art. 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).”


8.4. Todavia, o arguido recorrente vem invocar ainda a inconstitucionalidade material do artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, quando interpretado no sentido de não permitir o recurso da decisão que aplicou pena parcelar igual ou inferior a 8 anos de prisão inserida em cúmulo jurídico punido com pena única superior a 8 anos de prisão, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da garantia de acesso aos tribunais, do processo justo e equitativo, da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


8.4.1. O recorrente não concretiza minimamente a referida inconstitucionalidade normativa por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, de Restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da Garantia de acesso aos tribunais e do Processo justo e equitativo, nem vislumbramos em que medida tais princípios podem ser violados pelo artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, quando interpretado no sentido de não ser admissível recurso de acórdão condenatório proferido em recurso pelas relações que tenha aplicado pena parcelar de prisão não superior a 5 anos ou 8 anos, mesmo quando tenha aplicado, em cúmulo jurídico, pena única superior a 5 ou 8 anos de prisão (como sucede no caso presente).


8.4.2. O arguido individualiza, porém, razões de ordem jurídico-constitucional que fundamentarão a alegada violação dos princípios da legalidade criminal e do direito ao recurso, com consagração expressa nos artigos 29.º e 32.º, n.º 1, da CRP, e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


Vejamos.


8.4.2.1. Quanto à pretendida violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º n.º 1, da CRP, o Tribunal Constitucional tem negado tal entendimento, nos termos que podem ler-se (por todos), na motivação do Acórdão do Plenário nº 186/2013, de 04-04-2013:


- « […] 8. Na revisão da Constituição, em 1997, consagrou-se no seu artigo 32.º, n.º 1, que 'O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso', devendo extrair-se da norma aí plasmada que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente acauteladas, impondo, consequentemente, que, em direito penal, o direito de defesa apenas se satisfaça com a existência de um 'duplo grau de jurisdição', como era já jurisprudência deste Tribunal (cfr., neste sentido, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, página 516). Por isso que se entenda que a inadmissibilidade legal de um triplo grau de jurisdição se não afigure desconforme com o direito ao recurso consagrado naquela norma constitucional, desde que dela se não possa concluir por uma excessiva e intolerável limitação do direito ao recurso suscetível de colocar em crise manifesta as 'garantias de defesa’ do arguido (cfr. os acórdãos n.ºs 189/01, 264/04, 64/06 e 640/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).


Ora, como se explicita no acórdão recorrido (na parte supra citada), o legislador ordinário elegeu, no sistema de recursos vigente em processo penal, a gravidade da pena aplicada como critério primordial para que seja admissível 'um triplo grau de jurisdição' (duplo grau de recurso), reservando, desta forma, o acesso ao STJ para os casos de, no seu entendimento, maior importância e gravidade. No caso em apreço - artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP - o legislador, no âmbito dos seus poderes de conformação, tendo subjacente a norma resultante do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, entendeu que, na interpretação impugnada - “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” -, não é admissível recurso para o STJ, afigurando-se-nos que não resulta à evidência que tal limitação possa ser considerada excessiva ou intolerável e, consequentemente, injustificável, havendo, por isso, que ser considerada conforme à Constituição.(…) ». FIM DE CITAÇÃO.


No caso presente está em causa recurso para o STJ de acórdão condenatório proferido em recurso pelas relações, pelo que a pretensão do ora recorrente em ver admitido para o STJ recurso das penas parcelares aplicadas em via de recurso pelas relações (em medida inferior a 5 ou 8 anos de prisão), traduz-se efetivamente na pretensão a um terceiro grau de jurisdição (duplo grau de recurso), relativamente à qual valem integralmente as considerações do Ac. TC 186/2013 ora transcritas, que vêm suportando o entendimento aí seguido quanto a conformidade constitucional da limitação a um duplo grau de jurisdição (um grau de recurso).


Improcede, pois, a invocada inconstitucionalidade das normas contidas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º CPP.


8.4.2.2. Também no que concerne à invocada violação do princípio da legalidade afirmado no artigo 29.º, n.º 1, da CRP, não tem o arguido razão pelos fundamentos aduzidos no trecho (que passamos a transcrever) do citado Ac. do Plenário do TC nº 186/2013 que decidiu a divergência de julgamento entre o Ac. TC 590/2012 de 5.12.2012 e o Ac. TC 649/2012, a propósito da questão de saber “… se é constitucionalmente conforme ‘interpretar o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal’.


Com efeito, como pode ler-se na motivação do Ac. TC 186/2013 supracitado:


- «… a validade da interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso há de depender, bem entendido, da sua não desconformidade com o princípio da legalidade criminal, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da CRP. Admitindo-se (…) a vigência daquele princípio também no direito processual penal, é mister concluir que a questão de constitucionalidade a apreciar passa por apurar se o segmento normativo extraído da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP consubstancia uma situação de analogia in malam partem, logo, constitucionalmente vedada.


O acórdão recorrido considerou que do processo hermenêutico empreendido pelo tribunal a quo resultou uma norma que não é reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, um sentido que, porque não tendo na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, extravasava o domínio da mera interpretação jurídica, reconduzindo-se ao domínio da analogia e – in casu – da analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal.


No entanto, apesar das limitações impostas pelo princípio constitucional da legalidade criminal, nem o direito penal nem o direito processual penal se encontram subtraídos aos cânones da hermenêutica jurídica, à luz dos quais há que proceder ao apuramento do sentido vertido nas suas normas. Assim sendo, cumpre esclarecer que a transição da interpretação para a analogia, ao abrigo dos cânones tradicionais, é determinada pela letra da lei (elemento gramatical ou literal). (…) obtidos os significados ainda compatíveis com o teor verbal da norma, a conclusão do processo hermenêutico faz-se com o auxílio dos outros elementos da interpretação – os elementos histórico, sistemático e racional (ou teleológico).


Sucede que o sentido vertido na interpretação normativa extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP – nos termos da qual “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” – ainda se afigura cabível na letra daquele preceito. Não é de excluir, na verdade, que a referência à “pena de prisão” que nele se encontra possa ser entendida tanto como “pena devida pela prática de um único crime”, quanto como “pena parcelar em caso de concurso de crimes”. Na realidade, este sentido revela-se – ainda assim – tolerável à luz do teor verbal do preceito, resultando a solução hermenêutica encontrada da conjugação dessa tolerância ou cabimento com outros elementos da interpretação, designadamente com o elemento sistemático. (…)» aí que cumpra concluir pela não inconstitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, impondo-se, consequentemente, a revogação do acórdão recorrido. (…)”. FIM DE CITAÇÃO.


8.4.2.3. Conforme vem sendo pacificamente entendido na jurisprudência e doutrina, o âmbito ou objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente retira da sua motivação (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), pelo que «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar», Trata-se de corolário da aplicação do princípio dispositivo aos recursos, permitindo aos sujeitos processuais delimitar as questões a decidir e, concomitantemente, onerando-os com o ónus de proceder a tal delimitação nas conclusões extraídas da motivação, sob pena de não ser conhecido tudo o que não constar daquelas conclusões. Daí que sejam as conclusões a definir o âmbito do recurso a conhecer pelo tribunal ad quem.


não é admissível recurso para o STJ da aplicação, pelas relações, de penas parcelares de medida igual ou inferiora 8 anos de prisão nos casos a que se reporta o artigo 400.º, n.º 1, al. f)) do CPP, - (i) No caso de recursos interpostos de decisões proferidas em recurso pelas relações, a que se reportam o artigo 432.º, n.º 1, al. b) e as alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º, está em causa um 2.º grau de recurso para o STJ, mostrando-se já satisfeito o 1.º grau de recurso constitucionalmente garantido com o anterior recurso para a Relação. Nada obstando, pois, a que aquelas normas assim interpretadas permitam a intervenção do STJ num segundo grau de recurso apenas nos casos de «maior merecimento penal», diferentemente da hipótese de recurso per saltum sobre que recaiu o AFJ 5/2017 (com que argumenta o arguido na sua motivação de recurso e que é igualmente invocado por Helena Morão e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 5ª ed.- 2023, anotação 15ª, p. 576), pois aí tratava-se de assegurar um 1º grau de recurso, constitucionalmente garantido relativamente às penas parcelares de medida inferior ao limite de 5 anos previsto no art. 432º nº1 c);


(ii) O artigo 403.º, n.º 1 do CPP admite a cindibilidade do recurso quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas, pelo que nada obsta a que se conheça das matérias da pena única do concurso independentemente do decidido relativamente às penas parcelares, as quais transitam em julgado com o conhecimento do recurso, em 1.º grau, antes interposto para as relações;


As alíneas e) e f) do artigo 400.º, n.º 1 do CPP, não distinguem na sua letra entre pena parcelar e pena única e asseguram a mesma solução jurídica (irrecorribilidade) tanto para a pena não superior a 5 ou 8 anos de prisão aplicada isoladamente num dado processo, como na hipótese de igual pena ser aplicada num único processo, em cúmulo jurídico com outras penas, evitando, assim, solução diferente em função do circunstancialismo processual em que fosse aplicada a pena parcelar, sem justificação materialmente fundada.


não é admissível in casu o recurso interposto pelo arguido relativamente às penas parcelares que integram o cúmulo jurídico, todas elas aplicadas em pena inferior a 5 anos de prisão, por força do estabelecido no artigo 400.º, n.º 1, al.s e) e f), irrecorribilidade que implica o não conhecimento das diversas questões suscitadas pelo recorrente a propósito dessas mesmas penas parcelares, sejam elas as alegadas nulidades ou irregularidades do acórdão recorrido, a determinação das penas parcelares, a incorreta ou inexistente subsunção dos factos aos tipos penais, as alegadas inconstitucionalidades das normas relativas aos crimes e penas parcelares, ou quaisquer outras invocadas pelo recorrente. por não ter ido interposto recurso relativamente à pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, como vimos, e ser irrecorrível tudo o que respeita às penas parcelares aplicadas pela 1ª instância e mantidas pelo TRL, em medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, impõe-se a rejeição total do presente recurso. Este entendimento do Tribunal Constitucional quanto à conformidade do artigo 400º nº 1 als ) e f); CPP, com o princípio da legalidade e com o direito ao recurso, consagrados nas referidas normas da CRP, tem sido reiterado desde o Acórdão do Plenário 186/2013 até ao presente, conforme pode ver-se entre muitas outras decisões, do Acórdão nº 58/2023, Rel. Lino Rodrigues Ribeiro, Acórdão nº 400/2022, Rel. Afonso Patrão, Acórdão nº 659/2018, de Rel. Lino Rodrigues Ribeiro e, inter alia, Acórdão n.º 32/2018, de 31-01-2018, Rel. Joana Fernanda Costa, todos disponíveis no site do Constitucional.


Não tem, pois, o arguido e recorrente razão ao invocar a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, al. f), por violação do direito ao recurso e do princípio da legalidade, acolhidos respetivamente no art. 32.º, n.º1 e 29.º n.º 1, da CRP, pelo que improcede a invocada inconstitucionalidade material daquelas normas quando interpretadas no sentido de não poder ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 5 ou 8 anos de prisão (consoante esteja em causa a al. e) ou a al. f) do n.º 1 do artigo 400.º CPP), nada obstando, pois, à decidida inadmissibilidade do presente recurso relativamente aos crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 e 8 anos de prisão (todas elas, no caso presente) e à consequente rejeição total do presente recurso, de cujo objeto não faz parte a apreciação da pena única de 8 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo TRL, pelas razões antes expostas.


III Dispositivo


Nesta conformidade, acorda-se na 5ª Secção (Criminal) do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar totalmente o presente recurso, por inadmissibilidade legal, pelo que se mantém integralmente o decidido no acórdão do TRL de 22.02.2023, ora recorrido.


Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, – artigo 513.º CPP e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III do RCP, aprovado do DL 34/2008 de 26 de fevereiro -, o qual vai ainda condenado na importância de 3 UC nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP.


STJ, 4 de junho de 2024


Os Juízes Conselheiros,


António Latas (Relator)


Leonor Furtado (1ª Adjunta)


Vasques Osório (2º Adjunto)