Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | AFONSO HENRIQUE | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO ATROPELAMENTO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANOS PATRIMONIAIS LESADO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO DANOS FUTUROS DANO BIOLÓGICO PRINCÍPIO DA IGUALDADE VEÍCULO AUTOMÓVEL | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA | ||
Sumário : | A quantificação do denominado dano biológico/existencial obriga, necessariamente, a um juízo de equidade em que o cotejo com outros casos similares é fundamental, mas sem nunca esquecemos a especificidade do caso concreto a decidir. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO) I - AA intentou acção declarativa comum contra LUSITANIA, Companhia de Seguros SA, alegando como causa do seu pedido a ocorrência de um acidente de viação da responsabilidade de segurado na R. e que lhe causou prejuízos. Em consequência, pede que a R. seja condenada: A indemnizar a A. pela IPP ou IPATH de que esta venha a sofrer mercê do acidente, a liquidar a final. Pagar à sinistrada 50.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras. Pagar ao sinistrado 30,00€ por dia de ITA (a liquidar a final). Pagar à A todo e qualquer dano futuro, quer moral, quer patrimonial, tais como medicamentos, dores, incómodos. Prestar à A. assistência médica futura, tais como consultas, operações, tratamentos adequados para repor a situação anterior e tratar lesões. Acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido. A R. apresentou contestação, na qual deduziu a excepção de prescrição e impugnou a factualidade alegada. Julgada procedente a excepção de prescrição, a A. interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação de ... revogado essa decisão, ordenando o prosseguimento dos autos. Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença – parte decisória: “Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em conformidade, condeno a R. LUSITÂNIA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à A. AA: A quantia de 18.000,00€ (dezoito mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da citação da R. para a acção (06-11-2020) até pagamento; A quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa aplicável às operações civis, fixada actualmente em 4% ao ano, desde a data da presente decisão até pagamento. Do mais vai a R. absolvida. Custas por A. e R. em proporção do decaimento, que fixo definitivamente na proporção de 40% para a A. e de 60% para a R.” II - A R. apelou desta sentença, tendo a Relação de Lisboa proferido o competente acórdão – parte decisória: “DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em: - Ordenar a reforma da sentença quanto a custas, por forma a que da mesma conste: “Custas por A. e R. na proporção do decaimento, cfr. art. 527º do CPC”; - Julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, atribuir à A. a quantia de € 15 000,00 (quinze mil euros), a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 10 000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais. No mais, confirma-se a decisão recorrida. Custas por ambas as partes na proporção do decaimento, cfr. art. 527º do CPC.” Deste acórdão/decisão veio a A recorrer de revista para este STJ, alegando para o efeito e formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1 - A A ficou com uma IPP de 2 pontos. 2 - No entanto, ficou afectado no joelho direito. 3 - Assim sendo, deve a A obter mais pontos e ser valorada esta situação. 4 - Ora, se assim é há lesões permanentes. 5 - Tais lesões são uma instabilidade da articulação com limitações e dores. 6 - Tais lesões são uma instabilidade da articulação com limitações e dores. 7 - A A tem dor, tem limitações ao joelho, tem dores ao trabalhar, não pode usar o joelho a 100%. 8 - Ela queixa-se muito do membro inferior, que tem limitações. 9 - Esta situação impede-a de trabalhar em trabalhos de pé. 10 - Toma medicamentos para as dores. 11 - Por isso, entendemos que o valor do dano moral, esforços acrescidos e deficitpermanente deve ser substancialmente superior. 12 - Devia ser atribuído um valor autónomo no que diz respeito à repercussão nas actividades de lazer e desportivas, considerando os factos que foram demonstrados consideramos equitativa a indemnização atribuída pela 1ª Instância. 13 – A A ficou afectada e com a necessidade e assistência, nem que seja para ir ao médico aviar analgésicos e ser acompanhada pelo mesmo. 14 - O facto de a A ser muito nova, estar sem trabalho e a estudar não pode implicar que não lhe sejam atribuídos danos patrimoniais. 15 – Atenta a esperança de vida a A vai ter décadas de dores e limitações valem mais do que 100 € por mês. Em suma, requer seja alterada a decisão e a R condenada a: - A título de danos não patrimoniais em € 30.000,00 na vertente de dano biológico/dano moral; e de € 30.000.00 pelos danos materiais respeitantes aos padecimentos passados, presentes e futuros; - A seguradora deverá ainda suportar a assistência médica e medicamentosa futura da A. III - DA ADMISSÃO DO RECURSO/REVISTA O presente recurso foi devidamente admitido como de revista, em conformidade com o estabelecido nos artºs 671º nº 1, 675º nº 1, 676º nº 1 e 629º nº1, todos do CPC. APRECIANDO E DECIDINDO Thema decidendum - Em função das conclusões do recurso temos que: A recorrente/A insurge-se, unicamente, quanto ao montante da indemnização que lhe foi estipulada pelo dano biológico sofrido na sequência do atropelamento de que foi vítima quando transitava numa passadeira para peões. DOS FACTOS PROVADOS: No dia ...-...-2011, pelas 07:40, BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-TN, pela R. ..., .... A faixa de rodagem onde a arguida circulava é uma estrada com dois sentidos de trânsito, com uma via afecta a cada um dos sentidos e sem separador central. Nesse local, existe uma passagem de peões, com sinalização vertical e marca rodoviária da mesma. No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, a A. iniciou a travessia a pé da via, utilizando para o efeito a passagem de peões ali existente, do lado direito para o lado esquerdo, atendo o sentido de marcha do veículo conduzido pela arguida. Como BB iniciasse a marcha sem total visibilidade por estarem os vidros ainda a “desembaciar”, foi embater com a parte frontal do veículo que conduzia, de matrícula .....-TN na A., que foi projectada para o solo, aí ficando imobilizada. Naquele dia, a visibilidade era boa e o piso estava seco. Tal atropelamento causou na A. traumatismo da região parietal direita, cotovelo esquerdo e joelho esquerdo. BB sabia que devia realizar uma condução mais acautelada, nomeadamente, certificando-se que só iniciava a marcha depois de ter plena visibilidade pelos vidros. A A. foi admitida no serviço de urgência do HOSPITAL ..., 08:27 do mesmo dia. Referia traumatismo craniano na região parietal direita, sem perda de conhecimento, do cotovelo esquerdo e do joelho direito. Ao exame objectivo apresentava bom estado geral, com pequena escoriação no cotovelo e dor no joelho direito, com impotência funcional do membro. Joelho estável, sem aumento de volume. Radiografia sem sinais de fractura. Recomendado repouso com descarga, gelo e anti-inflamatório. Alta para o domicílio, pelas 12:54 do mesmo dia. - doc. nº 3 junto pela A. que consta do processo de urgência da A. no referido hospital. A A. foi reobservada no serviço de urgência do HOSPITAL ..., a 22-11-2011, queixando-se de cefaleias diárias persistentes e dor ao nível do membro inferior direito e tronco, tomando paracetamol. Ao exame objectivo apresentava bom estado geral, sem hematomas aparentes, força e sensibilidade mantidas, marcha sem alterações. Dor à palpação da face plantar do pé direito e no tórax. Sem outras alterações. Acertadas doses de analgésicos, teve alta. - doc. nº 3 junto pela A. que consta do processo de urgência da A. no referido hospital. Observada na ... a 16-12-2011, a A. apresentava TC cranioencefálica, radiografia cervical e lombar sem alterações. Referia dor ligeira patelar direita. Realizou radiografia que não documentou alterações. Por manter queixas, realizou ressonância magnética do joelho direito que revelou condromalácia da rótula e rotura parcial do ligamento cruzado anterior (LCA). A A. foi internada, entre 22-07-2012 e 25-07-2012, para realização de artroscopia e ligamentoplastia do LCA. doc. nº 4 junto pela A. que consta de resumo de enfermagem do hospital ... processo de urgência da A. no referido hospital. A 06-08-2012 apresentava-se bem. Retirou pontos, com indicação para iniciar fisioterapia. A 05-09-2012, realizava carga total, sem queixas. A 12-11-2012 registos de arco funcional mantido, sem derrame, com ligeira atrofia da coxa. A A. teve alta em 25-02-2013. A 03-06-2015, a A. realizou ressonância magnética do joelho direito, que revelou: "Integridade da ligamentoplastia do cruzado anterior. Aspetos decorrentes de prévia meniscectomia interna com alterações de difícil valorização sugestivas de eventual discreta ruptura degenerativa com topografia ao corpo do menisco na sua vertente marginal externa. Edema ósseo traumático trabecular subjacente. Discreto edema envolvendo o ligamento lateral interno sem expressão disruptiva. Líquido intra-articular não valorizável. Alterações decorrentes da prévia artroscopia.”. Como consequência directa e necessária do acidente, a A. apresenta, no membro inferior direito: 18.1. Três cicatrizes hipocrómicas na face anterior do joelho, uma vertical com 8 cm de comprimento; e as outras duas com 1 cm de diâmetro cada. 18.2. Sem amiotrofia dos músculos da coxa. 18.3. Sem derrame articular. 18.4. Dor ligeira à palpação da interlinha articular. 18.5. Ligeira instabilidade ligamentar anterior. 18.6. Cinésia articular do joelho preservada. A data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A. na sequência do acidente é fixável em 25-02-2013, tendo esta sofrido de: 19.1. Um período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 5 dias (16-11-2011 e entre 22-07-2012 e 25-07-2012); 19.2. Um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 463 dias (entre 23-04-2015 e 17-07-2015); 19.3. Um período de Repercussão Temporária na Actividade Formativa Total de 55 dias (entre 16-11-2011 e 24-11-2011, e entre 22-07-2012 e 05-09-2012); 19.4. Um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 413 dias (entre 25-11-2011 e 21-07-2012, entre 06-09-2012 e 25-02-2013); 19.5. De sofrimento físico e psíquico, de grau três, em sete de gravidade crescente, considerando tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, e os tratamentos efectuados. A A. ficou a padecer, em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo: 20.1. De um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 (dois) pontos de 100 (cem)1. “C) Membro inferior, 6 - Anquiloses e rigidez, Joelho, Instabilidades, anterior - código Mc0623, de 2 a 10 pontos”, TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES, Decreto-lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, Anexo II. 20.2. De Repercussão Permanente na Actividade Formativa/Profissional compatível com o exercício da actividade habitual actual, com esforços suplementares. 20.3. De Dano Estético Permanente, fixável no grau 1 (um), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes no joelho direito. A A. nasceu em ...-...-1996. Na sequência do sinistro, a R., em execução do contrato de seguro concernente ao veículo ..-..-TN, titulado pela Apólice nº .....32, do ramo automóvel declarou assumir 100% da responsabilidade na produção do acidente, por a condutora do mesmo BB não ter tomado as devidas precauções ao aproximar-se da passadeira. NÃO PROVADOS Da prova produzida, com relevo para a decisão, resultaram não provados os seguintes factos: Na altura do acidente chovia. A A. ficou em estado de choque. A A. recebeu os primeiros socorros pelo INEM. prova em contrário adveniente do doc. nº 3 junto pela própria A. do qual resulta que chegou ao serviço de urgência trazida pelos bombeiros. Quando foi levada para o hospital a A. chorava de dor. Do acidente resultaram dores na coluna cervical e lombar, esterno e ombro esquerdo. A A ficou com dores no pescoço e na coluna que duraram mais de 8 meses. A A. tem dificuldades em andar e subir escadas. A A. não consegue correr e praticar desporto com movimento. A A. não tem posição para dormir por causa de dores no joelho quando muda o tempo. A A. tem limitação de movimentos e de mobilidade. E não conseguiu dormir bem desde que teve o acidente. A A. ainda hoje acorda com o pânico do acidente. A A. padece de stress pós-traumático. A A. ainda hoje chora com medo. Não consegue estar muito tempo em pé. A A. sente-se diminuída perante os seus pares. A A. ficou deprimida e procurava o isolamento. Perdeu a alegria e jovialidade que lhe eram características. A A. por causa deste acidente engordou.”. DO DIREITO O presente recurso/revista como decorre do thema decidendum supra delimitado, circunscreve-se ao questionamento dos valores das indemnizações fixadas, quer a título dos danos patrimoniais quer no que se reporta aos danos não patrimoniais. A recorrente/A refere no corpo das suas alegações que: “o valor do dano moral, esforços acrescidos e deficit permanente deve ser substancialmente superior, devendo ser atribuído um valor autónomo no que diz respeito à repercussão nas actividades de lazer e desportivas”; e que, “considerando os factos que foram demonstrados, consideramos equitativa a quantia atribuída pela 1º Instância a título de indemnização.” Estamos, pois, no domínio do intitulado dano biológico. Em contradição com a citada adesão à indemnização estipulada pela 1ª Instância conclui deste modo: “sejam revistos para valor justo a indemnização a título de danos não patrimoniais para € 30.000, na vertente de dano biológico e dano moral e de € 30.000.00 para danos materiais, que indemnize os padecimentos passados, presentes e futuros do A de forma equitativa e justa; - e seja a seguradora condenada a suportar as consultas e assistência médica e medicamentosa futura do A.” Face à contradição detectada, há que esclarecer que verdadeiramente a recorrente/A pugna pela repristinação dos valores estabelecidos pela 1ª Instância, sendo certo que os aceitou ao não recorrer daquela sentença. Lembremos o que se escreveu no acórdão recorrido e que determinou a alteração dos valores das indemnizações arbitradas à A na sentença proferida em 1ª Instância: “(…) Defende a apelante (agora recorrida/R) que os factos provados de 9 a 20 (cfr. supra factos provados) não podem servir para fundamentar a indemnização por dano biológico, mas apenas a dos danos não patrimoniais e ainda que a indemnização a esse título já incluiu a indemnização por eventual perda de capacidade de ganho. Não lhe assiste razão, já que, como se expôs, as consequências do dano biológico tanto podem ser patrimoniais, como não patrimoniais, podendo os mesmos factos serem valorados para ambas. No que diz respeito à indemnização atribuída a título de dano biológico na vertente de danos patrimoniais, entendeu o tribunal recorrido que a mesma deve ser fixada em € 18.000,00, atendendo aos seguintes factores: «A A. nasceu em ...-...-1996, pelo que, à data do sinistro tinha 15 anos. Como consequência directa e necessária do acidente a A. apresenta as seguintes sequelas no membro inferior direito: - Três cicatrizes hipocrómicas na face anterior do joelho, uma vertical com 8 cm de comprimento; e as outras duas com 1 cm de diâmetro cada. - Sem amiotrofia dos músculos da coxa. - Sem derrame articular. - Dor ligeira à palpação da interlinha articular. - Ligeira instabilidade ligamentar anterior. - Cinésia articular do joelho preservada. - Não foi alegado pela A. o que esta fazia à data do acidente, mas, atenta a sua idade e partindo do princípio que iniciou o ensino em idade regular, que não reprovou e que cumpriu o ensino obrigatório, seria estudante do 10º ano de escolaridade. - As sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual actual, com esforços suplementares. - A esperança média de vida para um indivíduo do sexo feminino à data do nascimento do A. em 1996 era de 79 anos. - A idade da A. à data do sinistro é de molde a afectar a sua potencialidade de ganho futuro, sendo que terá à sua frente cerca de 50 anos de vida activa a partir da data do acidente, ponderando a idade da reforma aos 66 anos e 4 meses8 e a conclusão pela A da escolaridade obrigatória (12º ano de escolaridade) aos 18 anos. (…) Discorda a apelante (agora recorrida/R) do montante atribuído, entendendo que o mesmo é excessivo, porque não respeitou a equidade e não procedeu ao desconto de 1/3 em função do imediato recebimento de modo a evitar vantagem patrimonial ilícita da sinistrada. (…) Com interesse para a fixação do montante indemnizatório em causa, teremos que atender à idade da A. à data do acidente (15 anos); as lesões decorrentes do acidente e cirurgia subsequente, bem como os tratamentos a que foi submetido; as sequelas existentes; os períodos de incapacidade temporária e constantes do ponto 19., ou seja, “Um período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 5 dias (16-11-2011 e entre 22-07-2012 e 25-07-2012; Um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 463 dias (entre 23-04-2015 e 17-07-2015); um período de Repercussão Temporária na Actividade Formativa Total de 55 dias (entre 16-11-2011 e 24-11-2011, e entre 22-07-2012 e 05-09-2012)”; as limitações existentes no dia-a-dia; um dano estético fixável de Grau 1/7 e um “quantum doloris” de Grau 3/7; o défice funcional permanente de 2% fixado à A. e que apenas afecta o exercício da actividade habitual actual, com esforços suplementares, bem como a data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A.. Ora, confrontando o montante arbitrado na sentença recorrida a título de dano biológico, e a fundamentação efectuada quanto a esse montante, parece-nos excessiva, como defende a apelante, a quantia atribuída. Considerando tudo o que se expôs, bem como os factos concretos atendidos pelo tribunal recorrido, entende-se mais adequado fixar a indemnização devida a título de dano biológico em € 15 000,00, assim procedendo, parcialmente, a apelação. No que se refere aos danos não patrimoniais e a que a sentença recorrida atribuiu uma indemnização de € 15 000,00, defende a apelante que esse montante não é adequado, não é proporcional, não é justo, não respeita a previsibilidade, não assegura a ideia de segurança. (…) No caso dos autos, entendeu a sentença recorrida que “na fixação de danos não patrimoniais cumpre ponderar, na consideração dos factos provados, os seguintes elementos: «Os tratamentos necessários para tratar as lesões sofridas pela A. e a evolução das mesmas, uma vez que se provou que: - A A. foi admitida no serviço de urgência do HOSPITAL ..., 08:27 do mesmo dia. Referia traumatismo craniano na região parietal direita, sem perda de conhecimento, do cotovelo esquerdo e do joelho direito. Ao exame objectivo apresentava bom estado geral, com pequena escoriação no cotovelo e dor no joelho direito, com impotência funcional do membro. Joelho estável, sem aumento de volume. Radiografia sem sinais de fractura. Recomendado repouso com descarga, gelo e anti-inflamatório; - Alta para o domicílio, pelas 12:54 do mesmo dia. - doc. nº 3 junto pela A. que consta do processo de urgência da A. no referido hospital; - A A. foi reobservada no serviço de urgência do HOSPITAL ..., a 22-11-2011, queixando-se de cefaleias diárias persistentes e dor ao nível do membro inferior direito e tronco, tomando paracetamol. Ao exame objectivo apresentava bom estado geral, sem hematomas aparentes, força e sensibilidade mantidas, marcha sem alterações. Dor à palpação da face plantar do pé direito e no tórax. Sem outras alterações. Acertadas doses de analgésicos, teve alta. - doc. nº 3 junto pela A. que consta do processo de urgência da A. no referido hospital; - Observada na ... a 16-12-2011, a A. apresentava TC cranioencefálica, radiografia cervical e lombar sem alterações. Referia dor ligeira patelar direita. Realizou radiografia que não documentou alterações. Por manter queixas, realizou ressonância magnética do joelho direito que revelou condromalácia da rótula e rotura parcial do ligamento cruzado anterior (LCA); - A A. foi internada, entre 22-07-2012 e 25-07-2012, para realização de artroscopia e ligamentoplastia do LCA. doc. nº 4 junto pela A. que consta de resumo de enfermagem do hospital ... processo de urgência da A. no referido hospital: - Em 06-08-2012 apresentava-se bem. Retirou pontos, com indicação para iniciar fisioterapia. - Em 05-09-2012, realizava carga total, sem queixas. - Em 12-11-2012 registos de arco funcional mantido, sem derrame, com ligeira atrofia da coxa. - A A. teve alta em 25-02-2013. - Em 03-06-2015, a A. realizou ressonância magnética do joelho direito, que revelou: Integridade da ligamentoplastia do cruzado anterior. Aspetos decorrentes de prévia meniscectomia interna com alterações de difícil valorização sugestivas de eventual discreta ruptura degenerativa com topografia ao corpo do menisco na sua vertente marginal externa. Edema ósseo traumático trabecular subjacente. Discreto edema envolvendo o ligamento lateral interno sem expressão disruptiva. Líquido intra-articular não valorizável. Alterações decorrentes da prévia artroscopia. - O grau do quantum doloris, ou seja, o sofrimento da A. em consequência dos factos (acidente, tratamentos e convalescença), que foi fixado em 3 pontos em 7; - A existência de dano estético que foi fixado em 1 ponto em 7; - A duração dos tratamentos e a sua natureza. - A duração dos vários défices temporários: funcional temporário total de 5 dias, funcional temporário parcial de 463 dias, Repercussão Temporária na Actividade Formativa Total de 55 dias. - O grau do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, fixado em 2 pontos em 100, sendo que as sequelas permanentes são compatíveis com o exercício da actividade habitual da A.. - O valor das indemnizações por danos não patrimoniais que vêm sendo fixadas pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Face a estes elementos que resultaram provados, tendo presente a não demasiada gravidade dos danos sofridos pela A. e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares e a equidade, afigura-se-nos equilibrado arbitrar a título de dano não patrimonial o valor de 15.000,00€ (quinze mil euros). Também aqui se tem de concordar com a apelante quando refere o carácter excessivo da indemnização atribuída em primeira instância. Não olvidando ou menosprezando o sofrimento da apelante, entende-se que os factos provados e, como se refere na sentença recorrida, “a não demasiada gravidade dos danos sofridos pela A. e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares e a equidade”, conduzem a que o valor justo e adequado para a indemnização por danos não patrimoniais seja, no caso vertente, de € 10 000,00, assim procedendo, nesta parte, parcialmente a apelação. (…)” - Que dizer? Importa, desde já, esclarecer que a matéria de facto está definitivamente fixada, uma vez que a impugnação da decisão de facto deduzida pela agora recorrida/R foi rejeitada pela Relação – cfr. artº 674º nº 3 do CPC. In casu, o que está verdadeiramente em discussão é a quantificação do denominado dano biológico, a qual como bem foi expresso no acórdão recorrido, tanto pode ter uma vertente patrimonial como não patrimonial. Senão vejamos. O conceito de dano biológico resultou inicialmente, duma decisão do Tribunal Constitucional de Itália, compaginando o artº 2043º do Código Civil italiano com o artº32º da Constituição desse País. Considerou aquele Tribunal Constitucional que impunha-se indemnizar as vítimas, pelo dano na sua saúde, corpo ou integridade física (dano evento), independentemente dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes estejam associados – para maior desenvolvimento doutrinal, vide, o artigo de Rita M. Soares, sobre o dano biológico quando não resulte perda de capacidade de ganho, in Revista Julgar nº33, pags. 111 a 135. Doutrinalmente, Graça Trigo explica que: “o dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais” – in, ADOPÇÂO DO CONCEITO DE “DANO BIOLÓGICO” PELO DIREITO PORTUGUÊS – Pesquisa Google – cfr., particularmente análise crítica e exaustiva da jurisprudência então conhecida (fls.151 a 170) e conclusões. Manuel A. C. Frade, indo mais longe, refere que o conceito de “dano existencial” permite compreender “o impacto da lesão que a pessoa sofreu na sua integridade física na sua realidade mais global”, transcendendo-se, pois, o “nível meramente biológico, o nível daquilo que é passível de uma averiguação ou testificação médica, para nos situarmos no plano dinâmico da vida da pessoa e das suas condições concretas (atingida que foi por uma lesão da saúde)”- in, “Nos 40 anos do Código Civil Português – Tutela da Personalidade e Dano Existencial”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, pags. 289 e ss., em particular, pag.298. A nível jurisprudencial há que relevar a jurisprudência existente, a qual, acompanha a evolução da sociedade em que estamos inseridos, nomeadamente, quanto ao valor das coisas. Como se escreveu no Acordão do STJ, de 6-6-2023 (pº nº9934/17.2T8SNT.L1.S1-7ª Secção, publicitado in www.dgsi.pt: “De acordo com a orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo os danos patrimoniais indetermináveis fixados segundo juízos de equidade - art. 566 nº 3, do CCivil - não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente verificar os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto, sem embargo de a sindicância do juízo equitativo não afastar a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto” – vd. ac. STJ de 24-2-2022 citado e a jurisprudência do STJ aí mencionada. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o STJ tem entendido que o controlo da fixação equitativa da indemnização, designadamente em sede de recurso de revista, deve concentrar-se em quatro aspetos “[E]m primeiro lugar, deve averiguar-se estarem preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, terem sido consideradas as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados – v.g. no caso da indemnização por danos não patrimoniais se foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado -. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade – e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável” – ac. STJ de 12-11-2020 no proc. 317/12.1TBCPV.P1.S1 in www.dgsi.pt. E como também já o afirmámos “A equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adotados numa jurisprudência evolutiva e atualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.” – ac. STJ de 19-10-2021 no proc. 7098/16.8T8PRT.P1.S1 in www.dgsi.pt”. Concordamos com a recorrente/A quando refere que a aferição do dano não se esgota na avaliação resultante da aplicação da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil – DL 352/2007 de 23-10 - que representa uma tabela médica destinada a avaliar e pontuar as incapacidades resultantes de ofensa na integridade física e psíquica das vítimas de acidentes – vide ainda, DL 291/2007, de 21-8, e Portaria 377/2008, de 28-5, em particular, o seu artº3º respeitante ao dano biológico. Na impossibilidade de se averiguar a totalidade dos danos há que recorrer à equidade, enquanto solução de harmonia com o caso concreto - cfr. artºs. 562º, 564º, 4º/566º nº 3, todos do Código Civil/CC. A compensação a atribuir pelo dano biológico/existencial, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, deve ter em conta a sua repercussão em todas as actividades do lesado, com repercussão nos danos futuros e danos não patrimoniais. A Relação diminuiu o que chamou de dano biológico patrimonial de €18.000,00 para €15.000,00, e os danos não patrimoniais de €15.000,00 para €10.000,00. E fê-lo também com base na equidade e partindo da mesma factualidade. Na sequência dum atropelamento por uma viatura ligeira numa passadeira de peões, a A teve as seguintes sequelas físicas e morais: “três cicatrizes hipocrómicas na face anterior do joelho, uma vertical com 8 cm de comprimento; e as outras duas com 1 cm de diâmetro cada; Sem amiotrofia dos músculos da coxa; sem derrame articular; dor ligeira à palpação da interlinha articular; ligeira instabilidade ligamentar anterior; cinésia articular do joelho preservada. À data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela A. na sequência do acidente é fixável em 25-02-2013, tendo esta sofrido de: um período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 5 dias (16-11-2011 e entre 22-07-2012 e 25-07-201); um período de Défice Funcional Temporário Parcial, fixável em 463 dias (entre 23-04-2015 e 17-07-2015); um período de Repercussão Temporária na Actividade Formativa Total de 55 dias (entre 16-11-2011 e 24-11-2011, e entre 22-07-2012 e 05-09-2012); um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 413 dias (entre 25-11-2011 e 21-07-2012, entre 06-09-2012 e 25-02-2013); de sofrimento físico e psíquico, de grau três, em sete de gravidade crescente, considerando tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, e os tratamentos efectuados. A A. ficou a padecer, em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo: de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 (dois) pontos de 100 (cem)1. “C) Membro inferior, 6 - Anquiloses e rigidez, Joelho, Instabilidades, anterior - código Mc0623, de 2 a 10 pontos”, TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES, Decreto-lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, Anexo II; de Repercussão Permanente na Actividade Formativa/Profissional compatível com o exercício da actividade habitual actual, com esforços suplementares; de Dano Estético Permanente, fixável no grau 1 (um), numa escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes no joelho direito; a A. nasceu em ...-...-1996 (15 anos de idade na altura do acidente); na sequência do sinistro, a R., em execução do contrato de seguro concernente ao veículo ..-..-TN, titulado pela Apólice nº .....32, do ramo automóvel declarou assumir 100% da responsabilidade na produção do acidente, por a condutora do mesmo não ter tomado as devidas precauções ao aproximar-se da passadeira.” O recurso à equidade tem particular relevância na aferição dos danos não patrimoniais e quando é impossível averiguar o valor exacto dos danos – artºs 4º a), 496º nº 4 e 566º nº 3, todos do CC. A comparação com outros casos já julgados é fundamental para se conseguir fazer justiça equitativa à aqui lesada e sem culpa. Tomemos como exemplo o Acórdão do STJ, de 8-9-2021 publicitado, in www.dgsi.pt, em linha com os parâmetros/critérios definidos nos indicados Acordãos do STJ, de 25-5-17 (pº 868/ 10. 2TBALR.E1.S1), de 7/4/16 (pº 237/13.2TCGMR.G1.S1), de 10/12/19 (pº 327/14.1TBMTR.G1.S1) e de 2/1/2021 (pº 1307/14.5T8PDL.L1.S1), igualmente publicitados em www.dgsi.pt. Naquele aresto verifica-se a atribuição duma indemnização por danos morais no valor de €60.000,00 a uma ofendida com igual afectação permanente da integridade física (dois/2 pontos), mas com um quantum doloris e um dano estético de grau 4 em 7. Cada caso é um caso e há que valorar particularmente a menor idade da lesada aquando do acidente (15 anos comparativamente aos 28 anos de idade da aludida ofendida) e um défice funcional temporário parcial, de 463 dias, enquanto a referenciada ofendida foi da ordem dos 142 dias. Tudo ponderado reputamos de justa, por equitativa, a indemnização total de trinta e três mil euros (€33.0000,00) arbitrada em sede de 1ª Instância, sendo o dano biológico /dano existencial no montante de €18.000,00 em termos patrimoniais e €15.000,00 no que se reporta aos danos não patrimoniais. Concluindo e sumariando: - A quantificação do denominado dano biológico/existencial obriga, necessariamente, a um juízo de equidade em que o cotejo com outros casos similares é fundamental, mas sem nunca esquecermos a especificidade do caso concreto a decidir. DECISÃO - Assim e pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a revista e consequentemente condena-se a R a pagar à A, a título de indemnização a quantia total de trinta e três mil euros (€33.0000,00) sendo o dano biológico /dano existencial no montante de €18.000,00 na sua vertente patrimonial e de €15.000,00 no que respeita aos danos não patrimoniais. - Custas pelos A e R, na proporção do respectivo decaimento. Lisboa 14-11-2024 Afonso Henrique (relator) Fernando Baptista Catarina Serra |