Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
913/11.4PBEVR.E3-A.S1
Nº Convencional: 5.ªSECÇÃO
Relator: JORGE DOS REIS BRAVO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PENA SUSPENSA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 11/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: VERIFICADA A OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário :

Existe oposição de julgados entre dois acórdãos de diferentes tribunais da Relação, que decidiram em sentido divergente a questão de saber se face ao quadro legal decorrente do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, a prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução tem um prazo de prescrição próprio, subsumível à alínea d) do citado artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal – de quatro (4) anos –, ou não tem um prazo de prescrição próprio, sendo tal prazo de prescrição aferido e indexado ao prazo que legalmente está previsto para a prescrição da pena principal substituída.

Decisão Texto Integral:

I. Relatório

1. AA, arguido e recorrente, melhor identificado nos presentes autos, veio, em 26-02-2024 (Ref.ª Citius ...40), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 437.º e 438.º CPP, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça (pleno das secções criminais), do acórdão do Tribunal da Relação de Évora (doravante, também TRE), datado de 18-12-2023 (Ref.ª Citius ...58), alegando encontrar-se em oposição com o acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto (doravante, também TRP), datado de 30-03-2022, transitado em julgado em 19-04-2022, proferido no Processo n.º 195/11.8GAFLG.P1, estando em causa a mesma questão de direito, com os fundamentos seguintes:

«1. No domínio da mesma legislação, o Tribunal da Relação do Porto e o Tribunal da Relação de Évora proferiram dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentaram em soluções opostas;

2. O Acórdão recorrido, com o n. 913/11.4PBEVR.E3, de 18/12/2023, da Secção Criminal – 1ª Subsecção do Tribunal da Relação de Évora encontra-se em oposição com o Acórdão n. 195/11.8GAFLG.P1, de 30/03/2022, da 1ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto que se encontra publicado em www.dgsi.pt, e para facilidade de consulta com o seguinte link:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto;

3. O acórdão recorrido entendeu que “as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída.” decidindo que “na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução.”

4. Enquanto que o identificado acórdão-fundamento interpretou a mesma questão, decidindo que “o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do 1 do artº 122º do Cód. Penal.”

5. Originando por isso um conflito de jurisprudência, porquanto, por um lado, o acórdão recorrido entende que “não encontramos igualmente nas finalidades que presidem à suspensão, quaisquer razões válidas que determinem a utilização de outro critério que não o da gravidade das penas. De outra sorte, parece-nos que ao juízo de prognose favorável, subjacente à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, que permite evitar o cumprimento imediato da prisão, se associa necessariamente a avaliação da gravidade do crime praticado na qual o princípio da culpa não poderá deixar de figurar como critério norteador para estabelecer o prazo da suspensão. Esta a razão pela qual, como lapidar e assertivamente se refere no acórdão do STJ 28.02.2018, acima referido, entendemos que aplicar a todas as penas de prisão suspensas na sua execução o prazo residual de 4 anos previsto na alínea d) do 1 do artigo 122º do CP “pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa”.”

enquanto que o acórdão-fundamento conhece da mesma questão de direito, entendendo em sentido contrário, que “Como tem sido entendido pela jurisprudência maioritária, "da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artº 122º nº 1 al. d) do Cód. Penal".

Com efeito, respeitando as restantes alíneas a) a c) a penas de prisão efetiva, a letra da lei não permite considerar os referidos prazos aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução.”

6. Com efeito refere que: “a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente mais de 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art.º 57º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.”.

7. Ambos os acórdãos já transitaram em julgado, tendo o recorrido transitado em 02/02/2024.

Donde o recorrente tem legitimidade e está em condições de requerer, como requer, que se considere interposto o competente recurso para fixação de jurisprudência, sem efeito suspensivo, mas sem prejuízo do disposto no artº 445º do C.P.P. seguindo-se os ulteriores termos, adiantando-se desde já que deve ser fixada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, no sentido seguinte:

O prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do 1 do artº 122º do Cód. Penal.»

2. Por despacho de 27-02-2024 (Ref.ª Citius ...84), da Senhora Desembargadora relatora no TRE, foi solicitado o envio do processo à 1.ª Instância e, uma vez recebido, fosse dado cumprimento ao disposto no art. 439.º, do CPP.

3. O Ministério Público junto do TRE respondeu ao recurso do arguido, em 25-03-2024 (Ref.ª Citius ...64), salientando-se os seguintes excertos da respetiva peça:

«(…)

No caso dos autos estamos no domínio da mesma legislação e o Acórdão deste Tribunal da Relação está em oposição com aqueloutro, precedente, proferido no Tribunal da Relação do Porto, sendo que do primeiro (ora recorrido) não é admissível recurso ordinário.

Há identidade substancial e formal nos dois Acórdãos em oposição.

No intervalo temporal que decorreu entre a prolação do Acórdão da Relação do Porto e o Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora não ocorreu qualquer modificação legislativa.

O recurso extraordinário foi interposto tempestivamente.

Mostra-se identificado o Acórdão fundamento e indicada, correctamente, a sua publicação.

Consequentemente, mostram-se preenchidos todos os requisitos formais exigidos pelos preceitos transcritos.

O Acórdão recorrido dá nota da controvérsia jurisprudencial sobre a questão da prescrição da pena de substituição, como sendo uma pena autónoma da pena substituída, isto é, da pena principal.

Segue, porém, a tendência jurisprudencial mais recente evidenciada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 28.02.18) e que, reconhecendo a autonomia da suspensão da execução da pena principal, e logo que revogada esta por decisão transitada (como no caso dos autos) “…estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das als. do art. 122.º, n.º 1, do CP…”

Pelo que entendemos ser esta a solução adequada ao presente caso.

Em Conclusão

O recurso interposto é tempestivo e mostram-se preenchidos os requisitos formais e substanciais previstos nos artigos 437º e 438º do Código de Processo Penal.

No caso dos autos, a decisão de direito encontrada adequa-se à doutrina veiculada pelo Acórdão do S.T.J. de 28.02.18.»

4. O Senhor magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se em 18-04-2024 (Ref.ª Citius ...71), nos termos do art. 440.º, n.º 1, do CPP, emitindo circunstanciado parecer, e, após se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos formais do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, emitiu o seguinte parecer:

«(…)

A questão que se coloca é, assim, a de saber se face ao quadro legal decorrente do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, que de seguida se transcreve, “Artigo 122º Prazos de prescrição das penas 1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes: a) 20 anos, se forem superiores a 10 anos de prisão; b) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão; c) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão; d) 4 anos, nos casos restantes., a prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução tem um prazo de prescrição próprio, subsumível à alínea c)1 do citado artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal (4 anos), ou não tem um prazo de prescrição próprio, sendo tal prazo de prescrição aferido pelo prazo que legalmente está previsto para a prescrição da pena principal substituída.

(…)

Quanto à existência de julgamentos (soluções de interpretação ou aplicação explícitas) opostos da mesma questão de direito penal ou processual penal entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento.

Dando contexto à dissidência que fundamenta o presente recurso extraordinário, o acórdão recorrido foi prolatado na sequência do recurso interposto pelo arguido AA da decisão proferida em 1ª Instância, datada de 20.06.23, que revogou a suspensão de execução da pena única de prisão de 5 anos, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a condição.

O arguido fora condenado naquela pena pela prática, em cúmulo, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 1, alínea b), ambos do Código Penal (3 anos e 6 meses de prisão) e de um crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e), e n.º 3, do Código Penal (3 anos de prisão) por acórdão proferido em 02.07.2013 no Processo Comum Coletivo do então Círculo Judicial de ..., confirmado pelo Tribunal da Relação de Évora por acórdão de 08.04.2014, transitado em 21.05.2014.

No recurso que então interpôs da decisão de revogação da suspensão da pena de prisão, o arguido e ora recorrente sustentou que a pena aplicada havia prescrito por terem decorrido os 4 anos a que alude o artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, tendo esse prazo iniciado a sua contagem a partir do termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, a partir de 21–5–2019, pelo que decorridos os 4 anos referidos, a pena prescreveu em 21–5–2023.

Já quanto ao acórdão-fundamento, o aí arguido fora condenado em 1.ª instância na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. nos artºs. 203º nº 1 e 204º nº 2 al. a) do Cód. Penal.

Decorrido o período de suspensão, os autos continuaram a aguardar o trânsito em julgado do acórdão proferido no Proc. nº 258/14.8..., no âmbito do qual o arguido foi condenado na pena única de dois anos e 4 meses de prisão efetiva pela prática em ... de ... de 2014, de um crime de furto qualificado p. e p. nos artºs. 203º e 204º nº 2 al. a) do Cód. penal e um crime de furto simples p. e p. no artº 203º do Cód. Penal.

Por decisão proferida em 25.10.2021, foi declarada prescrita a referida pena e consequentemente extinta a responsabilidade criminal do arguido.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso perfilhando o entendimento de que o prazo de prescrição da pena de prisão de 2 anos suspensa na sua execução, por igual período, tem a prescrição de 10 anos e não 4 anos prevista na alínea d) do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal.

No acórdão recorrido foi negado provimento ao recurso tendo–se decidido o seguinte:

[…]

No caso dos autos, dado que a pena imposta ao recorrente é a de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução também por 5 anos, o prazo de prescrição é o de 15 anos previsto no artigo 122º, nº 1, al. b) do CP. Ora, tendo o acórdão condenatório transitado em julgado em 21.05.2014, a prescrição pelo decurso do prazo normal de prescrição – e sem prejuízo de eventuais causas de suspensão ou interrupção – nunca ocorreria antes do dia 21.05.2029, pelo que se impõe concluir que o prazo de prescrição da pena ainda não decorreu.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.”[…]”.

No acórdão–fundamento foi também julgado improcedente o recurso e foi decidido, de modo oposto, o seguinte:

(…)

No caso em apreço a sentença condenatória que aplicou ao arguido a pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, transitou em julgado em 03.02.2014. Nos termos do nº 2 do artº 122º do C.Penal "o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena", pelo que o prazo de prescrição se iniciou naquela data de 03.02.2014. Porém, logo nessa data, o prazo de prescrição foi interrompido nos termos do artº 126º nº 1 al. a) "A prescrição da pena (...) interrompe-se com a sua execução", visto que, iniciando-se com aquele trânsito o período de suspensão da pena, deve considerar-se esse momento como aquele em que começa a execução da pena suspensa, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão. A pena suspensa esteve em execução durante dois anos, período fixado para a sua duração, pelo que a prescrição se interrompeu entre 03.02.2014 a 03.02.2016.

Não ocorreu qualquer outra causa de interrupção nem causa de suspensão da prescrição. Pelo que, descontando o período de interrupção, o prazo de prescrição completou-se em 03.02.2020, data em que a pena suspensa se extinguiu por prescrição, por ter entretanto decorrido o prazo de 4 anos, como muito bem se concluiu na decisão recorrida.

Improcede, assim, o recurso interposto.[…]”.

Para a mesma questão de direito, consistente em saber se, decorrido o prazo de suspensão da execução de pena de prisão, a pena prescreve decorridos 4 anos contados desse termo do período de suspensão fixado, conforme n.º 1, alínea d), do artigo 122.º, do Código Penal, ou, ao invés, se conta o prazo de prescrição correspondentemente em função da pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c), ou d) do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, o acórdão–fundamento e o acórdão recorrido são opostos.

Aqui chegados, resulta aparentemente evidente que o acórdão fundamento e o acórdão recorrido partem de situações jurídicas ou questões de Direito idênticas, aplicando o mesmo direito, a mesma norma ou segmento normativo coincidente (o artigo 122.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código Penal), e decidiram em sentido diverso, sendo também idêntica a situação de facto, como veremos mais detalhadamente.

Portanto, a latitude e natureza das questões decididas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento são coincidentes, similares ou equivalentes em termos jurídicos, evidenciando–se a oposição entre valorações jurídicas diversas, em consonância com a similitude dos factos, condutas e agentes, enquadrados no mesmo âmbito jurídico.

Por via disso, existe oposição de julgados para a economia exegética do disposto no artigo 437.º do Código de Processo Penal, pois estamos perante a mesma questão de Direito, a qual pressupõe que as decisões em oposição partam da mesma compreensão inferencial baseada em dois tipos de premissas – uma de natureza normativa e outra fática – e que a partir delas afirmem consequências jurídicas aplicáveis ao caso concreto de forma manifestamente oposta.

As soluções de Direito em ambos os julgados partem de pressupostos inferenciais similares para a aplicação do Direito, pelo que a oposição do que foi decidido num e noutro é uma oposição de soluções que viola a regra formal de justiça que impõe que casos idênticos devem ter soluções decisórias semelhantes.

(…)

Aqui chegados, o que vemos entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento é uma coincidência das razões da decisão num e noutro caso ou de coincidência no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, ou seja, o enquadramento jurídico foi-o em regimes normativos materialmente coincidentes, porém diferenciadamente aplicados.

Portanto:

1. - Há interpretação divergente sobre o mesmo regime normativo ou sobre as mesmas regras (princípios ou normas), i.e., o prazo de prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), que no acórdão recorrido não foi considerado aplicável, ao contrário do que sucedeu no acórdão–fundamento.

  - As situações materiais litigiosas são análogas.

  - Há divergência de soluções decisórias apoiada sobre o mesmo regime normativo convocado, interpretado e aplicado e, portanto, há divergência quanto à mesma ratio decidendi.

Em suma, existe oposição de julgamentos sobre a mesma questão de Direito, estando dado por certo que é o mesmo o quadro legislativo em vigor aquando das decisões em análise, pelo que existe o pressuposto material em apreciação, devendo assim proceder o recurso, pois está em causa o sentido interpretativo e o alcance da respetiva aplicação sobre a mesma questão de direito, pelo que o recurso interposto preenche a natureza normativa deste recurso excecional.

2. Quanto à oposição expressa e a partir da mesma situação de facto.

A identidade ou similitude substancial do núcleo essencial das situações de facto constitui uma das condições para identificar a oposição de julgados, como assumido, desde há muito, pela jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão fundamento e o acórdão recorrido assentam em soluções opostas, de modo expresso e a partir de situações de facto idênticas, como já atrás foi adiantado.

Quanto a esses requisitos:

- Em ambos os arestos, respetivamente, um e outro arguido foram condenados em pena de prisão suspensa na sua execução por determinado período de tempo.

- Num e noutro caso decorreu o prazo de suspensão da execução da pena.

- Perante a eventualidade de ser revogada a suspensão da execução da pena, não se reconheceram causas relevantes de suspensão ou interrupção do prazo prescricional da pena.

- Contados do termo do prazo de suspensão, decorreram os 4 anos a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, pelo que se passou a avaliar se a pena estava ou não prescrita.

- Escorando–se em entendimentos não coincidentes quanto à natureza da pena de suspensão da execução da prisão aplicada, num caso a pena foi declarada extinta nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, por ser pena autónoma e distinta da pena de prisão substituída; e no outro caso o mesmo normativo foi afastado, por se entender que o prazo prescricional incide sobre a pena de prisão substituída, ainda que tivesse sido salvaguardada a sua autonomia enquanto pena.

- No acórdão recorrido a pena de suspensão da prisão não foi declarada extinta por prescrição, por se considerar não ser aplicável o artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, pelo que a responsabilidade criminal do arguido não foi julgada extinta; enquanto no acórdão–fundamento foi decidido que a pena de suspensão da execução da prisão estava prescrita pelo decurso do prazo legal, nos termos do mesmo normativo, tendo–se declarada extinta a responsabilidade criminal do arguido.

2. Quanto à verificação da identidade de legislação no âmbito da qual foram proferidas as decisões.

Por “identidade de legislação” deve entender-se a mesma ou mesmas regras de direito, desde que eventual alteração legislativa porventura ocorrida não interfira, direta ou indiretamente, na resolução da mesma questão de direito objeto de soluções jurisprudenciais opostas.

A legislação mobilizada no acórdão–fundamento e no acórdão recorrido é idêntica: artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal, em particular a alínea d) respetiva.

Tal quadro legislativo não sofreu modificação que, de forma direta ou indireta, tenha interferido na resolução da questão de direito controvertida no período de tempo que medeia entre os arestos em oposição.

2. Quanto à oposição referida à própria decisão e não aos fundamentos, no sentido de que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito.

A mesma questão fundamental de direito – que é a de saber se a prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução tem um prazo de prescrição próprio por via da sua natureza autónoma como pena, subsumível à alínea c) do citado artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal (4 anos), ou não tem um prazo de prescrição próprio, sendo tal prazo de prescrição aferido pelo prazo que legalmente está previsto para a prescrição da pena de prisão substituída, apesar da sua autonomia enquanto pena – mereceu decisões opostas no acórdão–fundamento e no acórdão recorrido, conforme se extraiu dos respetivos dispositivos.

3. CONCLUSÕES.

1. 3.1. O presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência foi interposto por quem tem legitimidade e interesse em agir, afigurando–se ainda ser tempestivo, embora não estejam cumpridos integralmente os ónus formais exigíveis, pois não se mostra junta certidão ou cópia do acórdão-fundamento, muito menos certidão do respetivo trânsito em julgado – ainda que seja indicado lugar de publicação –, nem se protestou fazer a respetiva e oportuna junção. Por outro lado, também o recorrente não apresenta conclusões no recurso interposto.

1. 3.2. A ser tido por relevante o desrespeito pelos pressupostos formais referidos, deve o recorrente ser interpelado a suprir os pressupostos em falta, no prazo legal, sob pena de rejeição do recurso – artigos 411.º, n.º 3, 412.º, n.º 1 e n.º 2, 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, ex vi artigo 448.º do Código de Processo Penal.

1. Sem prejuízo,

1. 3.3. Quanto à oposição de julgados que origina o conflito de jurisprudência, a questão de direito apreciada no acórdão fundamento e no acórdão recorrido consiste em saber se decorrido o prazo de suspensão da execução de pena de prisão, a pena prescreve decorridos 4 anos contados do termo do período de suspensão fixado, conforme alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, do Código Penal, ou, ao invés, se conta o prazo de prescrição correspondentemente em função da pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c), ou d) do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal.

  3.4. O acórdão–fundamento e o acórdão recorrido, sobre a questão assim enunciada, proferiram decisões opostas.

  3.5. O acórdão fundamento decidiu, de forma expressa, que a pena de suspensão da execução da pena de prisão prescreve no prazo de 4 anos, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.

  3.6. O acórdão recorrido decidiu de forma expressa que a pena de suspensão da execução da pena de prisão prescreve no prazo correspondente à pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c) ou d), do Código Penal.

  3.7. Há, pois, oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito.

  3.8. A par disso, o acórdão fundamento e o acórdão recorrido estão em oposição a partir de situações de facto idênticas: (i) Em ambos os arestos, respetivamente, um e outro arguido foram condenados em pena de prisão suspensa na sua execução por determinado período de tempo; (ii) Num e noutro caso decorreu o prazo de suspensão da execução da pena; (iii) Perante a eventualidade de ser revogada a suspensão da execução da pena, não se reconheceram causas relevantes de suspensão ou interrupção do prazo prescricional da pena; (iv) Contados do termo do prazo de suspensão, decorreram os 4 anos a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal, pelo que se passou a avaliar se a pena estava ou não prescrita; (v) Escorando–se em entendimentos não coincidentes quanto à natureza da pena de suspensão da execução da prisão aplicada, num caso a pena foi declarada extinta nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, por ser pena autónoma e distinta da pena de prisão substituída; e no outro caso o mesmo normativo foi afastado, por se entender que o prazo prescricional incide sobre a pena de prisão substituída, apesar de se reconhecer autonomia à pena de suspensão da prisão; (vi) No acórdão recorrido a pena de suspensão da prisão não foi declarada extinta por prescrição, por se considerar não ser aplicável o artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, pelo que a responsabilidade criminal do arguido não foi julgada extinta; enquanto no acórdão–fundamento foi decidido que a pena de suspensão da execução da prisão estava prescrita pelo decurso do prazo legal, nos termos do mesmo normativo, tendo-se declarada extinta a responsabilidade criminal do arguido.

  3.9. Estão verificados (quase) todos os pressupostos ou requisitos do recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência, parcialmente os formais [(i) A legitimidade do recorrente; (ii) A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar; (iii) O trânsito em julgado do acórdão recorrido, faltando comprovar o trânsito em julgado do acórdão–fundamento; (iv) Invocação no recurso do acórdão fundamento do recurso, embora sem junção de cópia do mesmo, mas com indicação do lugar da sua publicação; e (v) Justificação da oposição que origina o conflito de jurisprudência, embora sem formulação de conclusões], e de forma completa os substantivos [(i) A existência de julgamentos, da mesma questão de direito, entre dois acórdãos do STJ, dois acórdãos da Relação ou entre um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e um outro da Relação (o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento); (ii) Os acórdãos assentam em soluções opostas, de modo expresso e a partir de situações de facto idênticas; e (iii) São ambos proferidos no domínio da mesma legislação, ou seja, “quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida”].

1. Em conformidade, a serem preenchidos os pressupostos formais em falta, pronunciamo-nos, nessa condição, pela existência de oposição de julgados, devendo o recurso ser oportunamente admitido, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou eventualmente rejeitado, se aquelas condições formais não vierem a ser preenchidas.»

6. O recorrente foi notificado, por despacho do relator de 10-05-2024 (Ref.ª Citius ...45), do referido parecer do Ministério Público – ao qual não respondeu – e foi determinado que juntasse, em 10 dias, certidão do acórdão-fundamento, bem como certidão do respetivo trânsito em julgado (art. 440.º, n.º 2, do CPP) e indicação do local de publicação (para além do sítio www.dgsi.pt), convidando-se para, no mesmo prazo, formular conclusões do seu recurso.

7. Tal convite foi satisfeito pelo recorrente em 23-05-2024 (Ref.ª Citius ...03), tendo sido apresentadas as seguintes conclusões:

“1º. Ao condenado, ora recorrente, foi revogada a pena suspensa de 5 anos, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, que lhe havia sido aplicada, em 1ª instância.

2º. Tendo sido interposto recurso do mesmo, tendo o ora recorrente arguido a prescrição da pena porquanto decorreram mais de 4 anos após o termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão.

3º. O Acórdão recorrido entendeu que “as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída.” decidindo que “na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução.”

4º. O referido Acórdão recorrido encontra-se em oposição ao Acórdão 195/11.8GAFLG.P1 de 30/03/2022, da 1ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto publicado in CJ, Tomo II, Coletânea 2022, nº 317, págs. 214 a 217 e ainda em Diário da República in Acordão de 2022-03-30 (Processo nº 195/11.8GAFLG.P1) | DR (diariodarepublica.pt).

5º. O Acórdão-Fundamento, conhece da mesma questão de Direito, entendendo e decidindo que ““Como tem sido entendido pela jurisprudência maioritária, "da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artº 122º nº 1 al. d) do Cód. Penal".

6º. Ambos os Acórdãos já transitaram em julgado, tendo o Acórdão-Fundamento transitado em 19.04.2022 e o Acórdão recorrido em 02.02.2024.

7º. O recorrente tem legitimidade e está em condições de requerer, como requer, que se considere interposto o competente recurso para fixação de jurisprudência, sem efeito suspensivo, mas sem prejuízo do disposto no artº 445º do C.P.P. seguindo-se os ulteriores termos, adiantando-se desde já, ainda que não seja obrigatório, que deve ser fixada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, no sentido seguinte:

8º. O prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do nº 1 do artº 122º do Cód. Penal.»

8. Nos termos do disposto no art. 440.º, n.º 1 do CPP, foi realizado o exame preliminar.

9. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência, nos termos do disposto no art. 440.º, n.º 4, do CPP.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

10. Objeto do recurso:

Constitui objeto do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, tal como é configurado pelo arguido-recorrente, a questão de saber se face ao quadro legal decorrente do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, a prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução tem um prazo de prescrição próprio, subsumível à alínea d) do citado artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal – de quatro (4) anos –, ou não tem um prazo de prescrição próprio, sendo tal prazo de prescrição aferido e indexado ao prazo que legalmente está previsto para a prescrição da pena principal substituída.

11. Nos artigos 437.º a 48.º do CPP acha-se regulado o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, que se segmenta em três espécies: o recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito, o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, e, o recurso no interesse da unidade do direito.

No caso sub judice, estamos perante um recurso extraordinário de fixação de jurisprudência propriamente dito.

O recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito, previsto nos artigos 437.º a 445.º do CPP, visa «combater a jurisprudência por vezes flutuante e variável dos nossos tribunais superiores, geradora de incertezas no mundo do Direito e altamente desprestigiante para as instituições encarregadas da administração da justiça. (…) Uma interpretação uniforme da lei é, pois, o objetivo deste recurso»2.

O recurso de fixação de jurisprudência assume natureza excecional, “a interpretação das regras jurídicas que o disciplinam deve fazer-se com as restrições e o rigor próprios dessa excecionalidade, por forma a não ser transformado em mais um recurso ordinário3

Dispõe o artigo 437.º do CPP, sob a epígrafe “Fundamento do recurso”:

“1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos nºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.”

Por sua vez, dispõe o artigo 438.º do CPP, com a epígrafe “Interposição e efeito”:

“1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

3 – O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”

Das normas transcritas retira-se ser necessário o confronto de dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas. O artigo 437.º do Código de Processo Penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos e o artigo 438.º identifica o tempo, o modo e o efeito da interposição do recurso.

12. Dos artigos 437.º, n.os 1, 2 e 3 e 438.º, n.os 1 e 2, do CPP, resulta, tal como é entendimento pacífico da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende, antes de mais, da verificação dos seguintes pressupostos:

(a) formais (cfr., por todos, PEREIRA MADEIRA, Código de Processo Penal, Comentado, Coimbra: Almedina, 2016, p.1439):

- Legitimidade [e interesse em agir] do recorrente, o que se verifica no caso presente, porquanto o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, ora recorrido, não deu provimento ao recurso para ali interposto pelo arguido; existe legitimidade e interesse em agir do recorrente, face ao decaimento do mesmo, em tal recurso.

- Tempestividade, o que se verifica igualmente no caso presente, porquanto o arguido interpôs o presente recurso no prazo de 30 dias, contado do trânsito em julgado do acórdão do TRE – dado que, não cabe recurso ordinário do mesmo, e não foi apresentada reclamação nem foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o que só em dez dias poderia ter ocorrido (artigos 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11 e 105.º, n.º 1 e 379.º do CPP).

- Identificação do acórdão fundamento: o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontrará em oposição, ou seja, o acórdão proferido pelo TRP, transitou em julgado em data anterior à do trânsito do acórdão recorrido.

13. Preenchidos os apontados pressupostos de ordem formal impõe-se indagar ainda do preenchimento dos seguintes pressupostos

(b) substanciais:

- Que dois acórdãos do STJ, das relações ou de uma das relações e do STJ, hajam sido proferidos no domínio da mesma legislação;

- Que ambos os acórdãos hajam decidido a mesma questão de direito;

- Que a decisão de ambos os acórdãos assente em soluções opostas para a mesma questão de direito, requisito este que se desdobra em três outros pressupostos ou requisitos, conforme vem sendo entendido na jurisprudência e doutrina:

i) - Que as decisões em oposição sejam expressas e não meramente tácitas ou implícitas;

ii) - Que os dois acórdãos assentem em soluções opostas da mesma questão de direito e a partir de idêntica situação de facto.

iii) - Que a oposição se verifique entre duas decisões e não entre meros fundamentos ou entre uma decisão e meros fundamentos de outra, pressuposto a que se dedicará maior atenção.

Apreciemos, então, a verificação dos mencionados pressupostos substanciais no caso concreto.

14. Relativamente aos requisitos formais de admissibilidade:

- O recorrente AA, na qualidade de arguido, tem, obviamente, legitimidade para interpor o recurso (art. 437.º, n.º 5 do CPP);

- O acórdão recorrido foi proferido em 18-12-2023, tendo transitado em julgado em 02-02-2024. O recurso extraordinário foi interposto a 26-02-2024, sendo, pois, evidente, que esta interposição ocorreu depois do trânsito em julgado do acórdão recorrido e antes de decorridos 30 dias sobre o referido trânsito, pelo que, é tempestivo (art. 438.º, n.º 1, do CPP);

- O recorrente identificou o acórdão fundamento – acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30-03-2022, proferido no processo n.º 195/11.8GAFLG.P1 e indicou o lugar onde o mesmo se encontra publicado4;

- Acórdão recorrido e acórdão fundamento mostram-se transitados em julgado – em 02-02-2024 e 19-04-2022, respetivamente;

- O recorrente justificou a oposição de julgados que, no seu entendimento, causa o conflito de jurisprudência a dirimir.

Encontram-se, assim, preenchidos os requisitos formais de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência.

15. Quanto aos requisitos materiais de admissibilidade do recurso:

- Estão em causa, um acórdão do Tribunal da Relação de Évora – o acórdão recorrido –, proferido em 18-12-2023, no Proc. n.º 913/11.4PBEVR.E3, transitado em julgado em 02-02-2024, e um acórdão do Tribunal da Relação do Porto – o acórdão fundamento –, proferido em 30-03-2022, no Proc. n.º 195/11.8GAFLG.P1, transitado em julgado em 19-04-2022.

- Nem o acórdão recorrido, nem o acórdão fundamento, eram suscetíveis de recurso ordinário, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP;

- Acórdão recorrido e acórdão fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação;

Importa indagar se os acórdãos em confronto assentam, de modo expresso, em opostas soluções de direito, partindo de análogas situações de facto.

Decorre do acórdão recorrido que:

- O arguido, ora recorrente, foi condenado, no processo comum coletivo que correm termos no Juízo Central Cível e Criminal, com o n.º 913/11.4..., pela prática, em concurso efetivo e em coautoria material, de:

- Um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º, 1, alínea b), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Um crime de falsificação de documento, p.p. artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e e) e n.º 3 do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, com sujeição à condição de o arguido, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e ao regime de prova que resultasse do plano de reinserção social a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.

- Por decisão proferida em 20-06-2023 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido havia sido condenado e determinado o seu cumprimento.

- Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 18-12-2023, negou provimento ao recurso, pronunciando-se oficiosamente sobre a questão da prescrição da pena, que tinha sido invocada pelo arguido em 1.ª instância e sobre o qual não houve qualquer pronúncia, com o entendimento segundo o qual:

“Com efeito, pese embora a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão assente sempre na realização de uma prognose favorável ao arguido, a sua natureza de verdadeira pena determina que a sua medida seja necessariamente valorada à luz dos critérios gerais de determinação da pena concreta estabelecidos pelo artigo 71.º do CP. Somos assim a concluir que as penas de prisão suspensas na sua execução, pese embora na sua qualificação dogmática assumam a natureza de penas de substituição, autónomas da pena principal, não têm um prazo de prescrição próprio, devendo antes o seu prazo de prescrição aferir-se pelo prazo legalmente previsto para a pena substituída. Daqui decorre que, em nosso entender, na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CP cabem todas as penas não abrangidas nas alíneas a), b) e c), naquelas se incluindo, pois, no que às penas de prisão diz respeito, apenas as inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução. *

No caso dos autos, dado que a pena imposta ao recorrente é a de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução também por 5 anos, o prazo de prescrição é o de 15 anos previsto no artigo 122º, nº 1, al. b) do CP. Ora, tendo o acórdão condenatório transitado em julgado em 21.05.2014, a prescrição pelo decurso do prazo normal de prescrição – e sem prejuízo de eventuais causas de suspensão ou interrupção (6) – nunca ocorreria antes do dia 21.05.2029, pelo que se impõe concluir que o prazo de prescrição da pena ainda não decorreu.”

Por seu turno, resulta do acórdão fundamento que:

- O ali arguido foi condenado, no processo com intervenção do Tribunal Singular que correram termos no Juízo Local Criminal de ... – Tribunal Judicial da Comarca de ..., com o n.º 195/11.8..., por sentença transitada em julgado em 03-02-2014, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. nos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. a), do CP.

- Decorrido o período de suspensão, os autos continuaram a aguardar o trânsito em julgado do acórdão proferido no Proc. n.º 258/14.8..., no âmbito do qual o arguido foi condenado na pena única de dois anos e 4 meses de prisão efetiva pela prática em ... de ... de 2014, de um crime de furto qualificado, p. e p. nos arts. 203.º e 204.º, n.º 2, al. a), do CP e um crime de furto simples p. e p. no art 203.º, do CP.

- Por decisão proferida em 25-10-2021, foi declarada prescrita a referida pena e consequentemente extinta a responsabilidade criminal do arguido.

- Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 30-03-2022, negou provimento ao recurso, confirmando decisão recorrida, com o seguinte entendimento:

“Com efeito, começando o prazo de prescrição a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (artº 122º nº 2 do CP) e interrompendo-se com a respetiva execução (artº 126º nº 1 al. a), considerar que o prazo de prescrição é o previsto nas als. a) a c) do nº 1 do artº 122º (quando a pena for suspensa por período igual ou superior a dois anos), traduzir-se-ia em manifesto prejuízo para o condenado já que, se lhe tivesse sido aplicada uma pena de prisão efetiva o prazo de prescrição seria, respetivamente, de 10, 15 ou 20 anos e, no caso de condenação em pena de prisão suspensa, àquele prazo teria de acrescer o período da suspensão - isto é, 10,15 ou 20 anos + o período de 1, 2, 3, 4 ou 5 anos correspondente à suspensão da pena. A que acresceria, naturalmente, novo período de prescrição de 10, 15 ou 20 anos, relativamente à pena principal de prisão, caso a suspensão viesse a ser revogada.
Manifestamente não foi essa a intenção do legislador.

Concluímos, assim que o prazo de prescrição das penas de prisão suspensas, independentemente do período de suspensão, é sempre de 4 anos, previsto na al. d) do nº 1 do artº 122º do Cód. Penal.

Por isso, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção, ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art.º 57º, n.º 1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.

Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente mais de 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art.º 57º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

No caso em apreço a sentença condenatória que aplicou ao arguido a pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, transitou em julgado em 03.02.2014. Nos termos do nº 2 do artº 122º do C.Penal "o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena", pelo que o prazo de prescrição se iniciou naquela data de 03.02.2014.

Porém, logo nessa data, o prazo de prescrição foi interrompido nos termos do artº 126º nº 1 al. a) "A prescrição da pena (...) interrompe-se com a sua execução", visto que, iniciando-se com aquele trânsito o período de suspensão da pena, deve considerar-se esse momento como aquele em que começa a execução da pena suspensa, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.

A pena suspensa esteve em execução durante dois anos, período fixado para a sua duração, pelo que a prescrição se interrompeu entre 03.02.2014 a 03.02.2016.

Não ocorreu qualquer outra causa de interrupção nem causa de suspensão da prescrição.

Pelo que, descontando o período de interrupção, o prazo de prescrição completou-se em 03.02.2020, data em que a pena suspensa se extinguiu por prescrição, por ter entretanto decorrido o prazo de 4 anos, como muito bem se concluiu na decisão recorrida.”

A antecedente exposição conduz à verificação de uma identidade das situações de facto com que foram confrontadas as Relações do Porto e de Évora, respetivamente.

Em ambas foi suscitada a questão de saber se, decorrido o prazo de suspensão da execução de pena de prisão, tal pena prescreve decorridos 4 anos contados desse termo do período de suspensão da execução fixado – que funciona como causa de interrupção –, conforme n.º 1, alínea d), do artigo 122.º, do Código Penal, ou, ao invés, se se conta o prazo de prescrição correspondentemente em função da medida da pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c), ou d)5 do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, o acórdão-fundamento e o acórdão-recorrido são opostos.

Enquanto o acórdão recorrido, do TRE, é tributário deste último entendimento, o acórdão fundamento subscreve a posição primeiramente enunciada.

Ambos, o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, partem de situações jurídicas ou questões de direito idênticas, aplicando o mesmo direito, a mesma norma ou segmento normativo coincidente (in casu o art. 122.º, n.º 1, als. b), c) e d), em especial esta última disposição, do CP), e decidiram em sentido diverso, sendo também idêntica a situação de facto.

O acórdão recorrido do TRE decidiu que a pena de suspensão da execução da pena de prisão prescreve no prazo correspondente à pena de prisão substituída, nos termos das alíneas b), c) ou d), do Código Penal, e a pena de suspensão da prisão não foi declarada extinta por prescrição, por se considerar não ser aplicável o artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal, pelo que a responsabilidade criminal do arguido e a pena (única, de cinco anos) aplicada não foram julgadas extintas.

Ao invés, o acórdão fundamento do TRP decidiu, de forma expressa, que a pena de suspensão da execução da pena de prisão prescreve no prazo de 4 anos, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal – preceito cuja norma julgou aplicável a uma pena de prisão substituída de dois anos –, tendo sido decidido que a pena de suspensão da execução da prisão estava prescrita pelo decurso do prazo legal, tendo sido declarada extinta a responsabilidade criminal do arguido.

Mostra-se, assim, verificada a oposição de julgados.

Nestes termos, concluindo-se pela verificação de todos os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário de jurisprudência, deve o presente recurso prosseguir, nos termos do art. 441, n.º 1, in fine, do CPP.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes Conselheiros que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar verificada a oposição de julgados e, em consequência, determinam o prosseguimento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, interposto por AA, nos termos do disposto no art. 441.º, n.º 1, do CPP.

Sem tributação.

Notifique-se.

*

Lisboa, data e assinaturas supra certificadas

(Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos - art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP)

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (relator)

Agostinho Torres (1.º adjunto)

Celso Manata (2.º adjunto)


_______________________________________________________

1. Aqui se afigurando que pretenderia dizer «(…), subsumível à alínea d)».↩︎

2. Manuel Simas Santos e Manuel Leal- Henriques, “Recursos Penais”, 9.ª Ed., Rei dos Livros, pp. 200-201.↩︎

3. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., p. 201. Neste sentido, Acórdãos do STJ de 26-09-1996, Proc. n.º 47.750, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 143; de 26-04-2007, Proc. n.º 604/07-5.ª; de 05-09-2007, Proc. n.º 2566/07-3.ª; de 14-11-2007, Proc. n.º 3854/07-3.ª; de 23-01-2008, Proc. n.º 4722/07-3.ª; de 12-03-2008, no Proc. n.º 407/08-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253; de 26-03-2008, Proc. n.º 804/08-3.ª; de 19-03-2009, Proc. n.º 306/09-3.ª; de 15-09-2010, Proc. n.º 279/06.4GGOAZ.P1-A.S1-3.ª; de 30-01-2013, Proc. n.º 1935/09.0TAVIS.C1-A.S1-3.ª; de 21-10-2015, Proc. n.º 1/12.6GBALQ.L1-A.S1-3.ª; de 20-04-2016, Proc. n.º 22/03.0TELSB.L1-A.S1-3.ª; de 21-09-2016, Proc. n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1-3.ª, de 9-11-2016, Proc. n.º 196/14.4JELSB – G - L1.S1- 3.ª Secção, todos in www.dgsi.pt.↩︎

4. In http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/8ff6fedab02367018025884b0045a11d?OpenDocument.↩︎

5. Já que as penas cuja medida concreta recaem na alínea a) do n.º 1 do art. 122.º, do CP são insuscetíveis de serem suspensas na sua execução. Mesmo a hipótese de o prazo de prescrição da alínea b) do preceito poder funcionar só ocorre relativamente às penas de suspensão (substitutivas) da execução de penas iguais a cinco anos de prisão (e não superiores).↩︎