Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
84/22.0PFEVR.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Data do Acordão: 11/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :

I - O modo e locais de atuação do arguido, modo de vida em que persistiu durante 13 meses, até ser detido e preso preventivamente, apesar das duas anteriores detenções, a quantidade, natureza, qualidade e estado de preparação variadas e diferenciados do produto estupefaciente transacionado e apreendido, são, por si só, suficientes para evidenciar um grau da ilicitude incompatível com a condição de que depende a aplicação do artigo 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, traduzida numa imagem global de “ilicitude consideravelmente diminuída”.

II – Essas circunstâncias, combinadas com as regras da experiência comum ou do normal acontecer e sem beliscar o princípio do in dubio pro reo, transmitem uma imagem global da conduta do arguido insuscetível de consubstanciar a referida “ilicitude consideravelmente diminuída”, que não meramente diminuída como por ele alegado, antes a posicionam num grau de ilicitude cabível nos parâmetros normais da atividade ilícita relacionada com o tráfico de estupefacientes estabelecidos no tipo base do artigo 21º, por estar fora da órbita dos pequenos traficantes, designadamente dos chamados “dealers” de rua, que atuam na dependência de terceiros, pese embora se possa conceder próximo da referida “zona cinzenta ou intermédia” e/ou dos chamados “correios” de droga.

III - Como se viu no ponto relativo à questão da integração dos factos em apreço no crime de tráfico de menor gravidade ou no tipo de tráfico de base p. e p., respetivamente, pelos artigos 25º, al. a), e 21º, do Decreto-Lei n.º 15/93, pese embora se tenha concluído pelo segundo, não deixou de se considerar que a atuação do recorrente se situava na orla da designada “zona cinzenta ou intermédia”, daqueles dois tipos legais, é dizer, próximo do círculo delimitador da zona de sobreposição das respetivas molduras penais abstratas, entre os 4 e os 5 anos de prisão, em função da reduzida ou nula sofisticação organizacional na sua atuação, ainda que sem se confundir com o tradicional “dealer” de rua, por atuar com autonomia relativamente a terceiros e, por isso, ser o “dono do negócio” a que se dedicou, persistentemente e como modo de vida, durante cerca de um ano.

IV - Daí que, mesmo considerando também a natureza e quantidade do produto estupefaciente apreendido em três ocasiões, 32,698 g de heroína e 2,375 g de cocaína, o seu grau de pureza variado mas só numa dose superior a 50%, se afigure impróprio considerar “o grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das consequências, que é medianamente acentuada (,,,)”, antes se afigurando forçoso concluir pela sua baixa ou mediana ilicitude dentro do tipo base ou fundamental do artigo 21º.

V - Por outro lado, também a valoração dos antecedentes criminais registados do arguido, sem dúvida vastos e demonstrativos das elevadas exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, a par das também elevadas exigências de prevenção geral, já antes assinaladas, não pode deixar de levar-se em conta que, apesar deles, esta é a primeira situação em que o mesmo se confronta com o sistema de justiça pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, de que é comprovadamente consumidor desde a adolescência, frequentando em reclusão o programa de tratamento à dependência de “opióides”, no sentido do esbatimento da respetiva intensidade.

VI - Assim sendo e pese embora a culpa também intensa com que atuou, por razões de justiça absoluta e relativa, nomeadamente em face do referencial jurisprudencial do STJ para situações similares, afigura-se que a pena de 6 anos e 10 meses fixada no acórdão recorrido se mostra inflacionada, por desproporcional, merecendo por isso ser corrigida no sentido da respetiva diminuição para medida concreta condizente com essa praxis jurisprudencial, ou seja, para próximo da referida “zona cinzenta ou intermédia” da moldura penal abstrata ou legal, fixando-se nos 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, medida que, além de justa, se mostra suficiente e adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º. 84/22.0PFEVR.E1.S1

(Recurso per saltum)

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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

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I. Relatório

1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 4.07.2024, foi julgado parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, AA, nascido a ... de ... de 1968, do acórdão condenatório, de 27.06.2023, proferido pelo do Juízo Central Cível e Criminal de ... (JCC...) – J 2, do Tribunal Judicial da Comarca de ..., e, em consequência, determinada a prolação de novo acórdão pelo mesmo tribunal, com exclusão como meio de prova das declarações prestadas pelo arguido perante o juiz de instrução criminal no primeiro interrogatório judicial a que foi submetido na fase de inquérito, e reconfigurada a matéria de facto e respetiva matéria de direito em conformidade.

2. O JCC...– J2, em cumprimento do decidido pelo STJ, proferiu novo acórdão, em 5.09.2024, condenando o referido arguido, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:

«(…) IX. DECISÃO

Pelo exposto e em conformidade com as supracitadas normas legais, decidem as Juízas que compõem este Tribunal Colectivo:

A) CONDENAR o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de UM CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES, PREVISTO E PUNÍVEL PELO ARTIGO 21.º, N.º 1, DO DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO, por referência à tabela I-A e I-B do mesmo diploma legal, NA PENA DE 6 (SEIS) ANOS E 10 (DEZ) MESES DE PRISÃO.

B) ORDENAR a recolha de amostra de ADN ao arguido AA, atenta a pena em que foi condenado.

C) DECLARAR PERDIDO A FAVOR DO ESTADO:

- todo o produto estupefaciente apreendido à ordem dos autos, determinando-se a sua destruição;

- o dinheiro apreendido ao arguido.

D) DECLARAR A INAPLICABILIDADE DA LEI N.º 38-A/2023, DE 2 DE AGOSTO AOS PRESENTES AUTOS.

E) CONDENAR o arguido nas CUSTAS CRIMINAIS as quais se fixam em 3 (três) UC de taxa de justiça e nos demais encargos do processo.

(…)»

3. De novo inconformado, interpôs o arguido, em 20.09.2024, recurso para o STJ, apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«Conclusões

As declarações do arguido prestadas no primeiro interrogatório judicial não foram lidas nem reproduzidas na audiência de julgamento (o TC já julgou inconstitucional, “por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, a norma extraída dos artigos 355.º, n.ºs 1 e 2, e 356.º, n.º 9, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual podem valer em julgamento as declarações do arguido a que se refere o artigo 357.º, n.º 1, alínea b), do referido Código, sem que tenha havido lugar à sua reprodução ou leitura em audiência, por decisão documentada em ata” (acórdão TC 770/2020)).

Ou seja, o tribunal recorrido expurgou a referência às declarações do arguido prestadas no primeiro interrogatório judicial mas não procedeu à fixação da matéria de facto sem a consideração dessas declarações.

Efetivamente, consideramos estar perante um crime de tráfico de menor gravidade, dado que a situação provada revela uma ilicitude diminuída relativamente às condutas que integram o tipo legal de crime base do crime de tráfico de estupefacientes, porquanto: não resulta da matéria de facto provada a utilização de meios sofisticados para a aquisição do produto estupefaciente e muito menos a utilização de quaisquer meios para os atos de venda; o produto estupefaciente tem reduzida qualidade, 5,086 gramas tinham apenas um grau de pureza de 28,3%, 3,802 gramas tinham apenas um grau de pureza de 24,2%, 0,028 gramas tinham apenas um grau de pureza de 72,5%, 23,810 gramas tinham apenas um grau de pureza de 19,9% e 1,923 gramas tinham apenas um grau de pureza de 49,4%; não resulta da matéria de facto provada qual o lucro que obteria com o produto; a duração e a intensidade da venda de estupefacientes são exíguas e genéricas bem como os consumidores finais.

Caso assim não se entenda, a pena aplicada deve ser reduzida substancialmente por o arguido consumir produtos estupefacientes desde a adolescência e, actualmente, frequentar programa de manutenção opióide, a reduzida qualidade do produto estupefaciente apreendido, primeira vez que o arguido pratica o crime de tráfico de estupefacientes apesar da extensão dos seus antecedentes criminais e a desestruturação do arguido ou ausência de projeto de vida.

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e em consequência decidir-se em conformidade.

V. EXAS. FARÃO CONTUDO MELHOR JUSTIÇA!

(…)».

4. O recurso foi admitido por despacho da Juíza presidente, de 3.10.2024, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo

5. O Ministério Público junto do JCC..., respondeu, em 13.10.2024, ao recurso do arguido, apresentando as seguintes concussões (transcrição):

«(…)C. Conclusões

Cumpre, por fim, formular as seguintes conclusões:

1.ª Como resulta claramente da motivação de facto vertida no Acórdão recorrido, para fundamentar a sua convicção, o Tribunal a quo não teve em consideração as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, mas sim, as prestadas em audiência de discussão e julgamento, fazendo uma análise crítica das mesmas.

2.ª No tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, a lei exige que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, devendo fazer-se uma “valoração global do facto”, considerando “complexivamente” todas as concretas circunstâncias do caso com vista à obtenção de um resultado final, qual seja o de saber se, objetivamente, a ilicitude da ação é de relevo menor que a tipificada nos artigos 21.º e 22.º;

3.ª Não se verifica uma ilicitude consideravelmente diminuta do facto se o arguido, como é o caso, trafica (adquire e depois vende e distribui) drogas ditas duras (cocaína e heroína) durante um período superior a um ano e desenvolve a sua atividade de tráfico em instituições destinadas ao tratamento da saúde dos seus utentes, nomeadamente nas imediações de um hospital e no Centro de Toxicodependência de ..., sendo, por isso, adequada a qualificação da sua conduta como tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, n.º 1, da Lei da Droga;

4.ª A determinação da medida da pena deve respeitar os critérios plasmados nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, nomeadamente, tendo como limite máximo a culpa do agente, fixar-se, dentro dos limites definidos na lei, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

5.ª A condenação do arguido na pena de pena de 6 anos e 10 meses de prisão, nos termos fixados na decisão recorrida pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, não só não se apresenta desproporcional, como respeita dos critérios legais de determinação da pena plasmados nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal;

Termos em que,

Negando provimento ao recurso, mantendo in totum a decisão condenatória recorrida, farão V. Exas. a esperada JUSTIÇA.

(…)»

6. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 18.10.2024, emitiu fundamentado parecer, de que se transcrevem os seguintes excertos:

«(…)

Começa o arguido por criticar o tribunal por não ter alterado a matéria de facto apesar de ter expurgado do acórdão a referência às declarações que prestou no primeiro interrogatório judicial (conclusões 1.ª e 2.ª).

Sucede que a matéria de facto foi preservada porque as declarações que o arguido prestou no julgamento – e apenas essas, conforme se enfatiza no acórdão, foram valoradas – «não mereceram qualquer credibilidade» e porque o tribunal a quo dispôs de outras provas, nomeadamente, testemunhas, relatórios de vigilância e autos de apreensão, que, analisadas e conjugadas entre si segundo as regras da experiência comum e do bom senso, permitiram reafirmar a conclusão anteriormente alcançada quanto à realidade de facto subjacente à condenação do arguido (v. as págs. 8 a 16 do ficheiro pdf do acórdão dedicadas à indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e que, por razões de economia expositiva, aqui da-mos por integralmente reproduzidas).

Donde que, quanto a esta primeira questão, não sendo invocados nem se detetando quaisquer vícios ou nulidades não sanadas de que o Supremo Tribunal de Justiça possa conhecer (arts. 410.º, n.ºs 2 e 3, 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º, todos do Código de Processo Penal), o acórdão recorrido não mereça censura.

O arguido bate-se ainda pela recondução dos factos ao tipo de tráfico de menor gravidade do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 (conclusão 3.ª) e pela redução «substancial» da medida concreta da pena (conclusão 4.ª).

Nessa parte damos por reproduzido o referido aquando do seu primeiro recurso [pontos 6.4. e 6.5. da ref.ª citius ...81 (10.05.2024)].

Aqui chegados, entendemos, tal como o Ministério Público na 1.ª instância, que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, por isso, o acórdão que dele é objeto.

(…)».

7. Observado o contraditório, o arguido não respondeu ao parecer do Ministério Público.

8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:

a) à nulidade do acórdão recorrido por produção e valoração de prova proibida [conclusões 1ª e 2ª];

b) à qualificação jurídica dos factos provados – tráfico base versus tráfico de menor gravidade [conclusão 3ª];

c) à medida da pena de prisão aplicada [conclusão 4ª].

III. Fundamentação

1. Na parte que aqui releva, é do seguinte teor o acórdão recorrido (transcrição, sem notas de rodapé):

«(…) III. FUNDAMENTAÇÃO

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

Uma vez instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos contemporânea com o mês de Novembro de 2021 e até à data da sua detenção em 14 de Dezembro de 2022, o arguido AA dedicou-se à compra, venda, distribuição e cedência de produtos estupefacientes a consumidores que, para esse efeito, o procuraram, designadamente, heroína e cocaína, substâncias que previamente obteve em quantidades significativas e em circunstâncias e a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar.

2. No âmbito dessa actividade o arguido privilegiou o contacto pessoal com os consumidores, combinando, pessoal e telefonicamente, os encontros destinados à transacção desses produtos que, em regra, tiveram lugar à porta e no interior da sua residência, nas suas imediações e em outros locais da cidade de ..., designadamente, no Largo da... e no Centro de Toxicodependência de....

3. Nomeadamente,

a) No período compreendido entre Novembro de 2021 e Abril de 2022, o arguido AA foi contactado pessoal e telefonicamente pelo consumidor BB, a quem vendeu, nos locais acima indicados e previamente combinados, pelo menos em oito ocasiões separadas no tempo, quantidades não concretamente determinadas de heroína, pelo preço de €10,00 cada dose individual, o que aconteceu nomeadamente em 16 de Dezembro de 2021, pelas 10:00 horas, no Largo ..., em ...;

b) Desde data não concretamente apurada e, pelo menos, até 13 de Abril de 2022, o arguido AA foi contactado pessoal e telefonicamente pelo consumidor CC, a quem vendeu, nos locais acima indicados e previamente combinados, com periodicidade praticamente diária, quantidades não concretamente determinadas de heroína, pelo preço de € 30,00 cada dose individual, o que aconteceu nomeadamente em 10 de Fevereiro de 2022, pelas 12:35 horas e em 02 de Março de 2022, pelas 09:45 horas, no parque de estacionamento do Hospital ..., em ...;

c) Desde Março de 2022 e até 14 de Dezembro de 2022, o arguido AA foi contactado pessoal e telefonicamente pelo consumidor DD, a quem cedeu, nos locais acima indicados e previamente combinados, quantidades não concretamente determinadas de heroína e cocaína;

d) Desde data não concretamente apurada e, pelo menos, até 03 de Março de 2022, o arguido AA foi contactado pessoal e telefonicamente pela consumidora EE, a quem cedeu e vendeu, nos locais acima indicados e previamente combinados, quantidades não concretamente determinadas de heroína, pelo preço de € 10,00 cada dose individual, o que aconteceu designadamente em 03 de Março de 2022, pelas 13:50 horas, no Largo ..., em ...;

e) Desde Novembro de 2021 e, pelo menos, até 04 de Janeiro de 2022, o arguido AA foi contactado pessoal e telefonicamente pela consumidora FF, a quem cedeu e vendeu, nos locais acima indicados e previamente combinados, com uma periodicidade de quatro ocasiões mensais, quantidades não concretamente determinadas de heroína, pelo preço de € 10,00 cada dose individual.

4. No dia 04 de Janeiro de 2022, pelas 22:45 horas, na Avenida ..., em ..., o arguido AA seguia no interior de uma viatura táxi, acompanhado por FF, a quem entregou, a fim de transportar em nome deste, acomodado na manga do casaco que trajava, 14 pacotes de plástico que continham no seu interior heroína com o peso líquido de 5,086 gramas, com o grau de pureza de 28,3%, que permitia preparar 14 doses diárias, bem como, dois pacotes de plástico, contendo no seu interior cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,424 gramas.

5. No dia 22 de Agosto de 2022, pelas 21:00 horas, no Terminal Ferroviário de ..., sito na Rua ..., concelho de ..., o arguido AA trazia consigo no bolso das calças que trajava, uma embalagem plástica, contendo no seu interior heroína com o peso líquido de 3,802 gramas, com o grau de pureza de 24,2%, que permitia preparar 9 doses diárias, bem como, fazia transportar dentro da máscara cirúrgica que trazia fixada ao queixo, uma embalagem plástica contendo no seu interior cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 0,028 gramas, com o grau de pureza de 72,5%, que permitia preparar 1 dose diária.

6. No dia 14 de Dezembro de 2022, pelas 17:45 horas, na Avenida ..., junto à Rotunda ..., no concelho de ..., o arguido AA seguia no interior do veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Opel, com a matrícula ..-LT-.., sentando no banco dianteiro, lugar do passageiro, transportando consigo, dentro de um maço de tabaco, localizado no bolso da camisa que trajava, uma embalagem plástica contendo produto estupefaciente, designadamente, heroína com o peso líquido de 23,810 gramas, com o grau de pureza de 19,9%, que permitia preparar 47 doses diárias, bem como, duas embalagens plásticas contendo cocaína com o peso líquido de 1,923 gramas, com o grau de pureza de 49,4%, que permitia preparar 32 doses diárias.

7. O arguido destinava aqueles produtos à cedência e venda a terceiros, mediante contrapartida em dinheiro previamente acordada.

8. O arguido actuou nos termos acima referidos conhecedor da natureza, composição, quantidade e características dos produtos que detinha, cedia e transaccionava, bem sabendo ser proibida a sua detenção fora de autorização legal, e, não obstante, quis deter, transportar fazer transitar tais substâncias com a finalidade de as ceder, vender e proporcionar a terceiros, bem sabendo que não estava legalmente autorizado a fazê-lo.

9. O arguido actuou, ainda, sabendo que as quantidades de droga cedida e vendida nas circunstâncias acima descritas se destinava a ser difundida por um número significativo de pessoas e, apesar disso, manteve-se insensível aos danos que originava na saúde de consumidores finais, apesar de estar ciente que com isso prejudicava de forma precoce e irreversível a saúde física e psicológica de tais consumidores, o que representou e concretizou.

10. Com a sua actuação o arguido visou angariar quantias avultadas de dinheiro através da venda e transacção do produto estupefaciente a consumidores, por um preço superior ao da sua aquisição, como já tinha anteriormente vendido, assegurando os seus gastos diários com os proventos decorrentes da referida actividade.

11. O arguido actuou em todos os momentos de modo livre, voluntário e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punida por lei penal.

MAIS SE PROVOU QUE:

12. O arguido é servente da construção civil, fazendo alguns biscates naquela área, daí retirando uma quantia diária de cerca de € 10,00 a 15,00.

13. Reside com a sua mãe numa casa cedida pela Câmara Municipal de ....

14. Tem o 2.ª ano de escolaridade, tendo este sido concluído, em fase adulta, em meio prisional.

15. É o quinto por ordem de nascimento de uma fratria de 6 irmãos, encontrando-se 4 autonomizados e organizados familiarmente, com quem não mantém relacionamento próximo, não possuindo apoio familiar no exterior.

16. O progenitor faleceu há cerca de 20 anos de doença oncológica.

17. Os pais dedicavam-se à venda ambulante de artigos para o lar/vestuário e deambulavam sistematicamente em feiras e mercados do distrito, o que terá condicionando a aquisição de competências escolares dos filhos.

18. O arguido evidencia desde a adolescência, problemas comportamentais aliados ao início do consumo de estupefacientes.

19. Em meio prisional encontra-se medicado com ansiolíticos, refere-se abstinente de drogas e álcool e mantém comportamento adequado às regras e normas institucionais sem registos transgressivos e possui ocupação estruturada, fazendo faxina num dos pátios.

20. Desde 16.12.2022 até à presente data, o arguido tem frequentado a equipa de tratamento de programa de manutenção opióide, com prescrição de 30 mg diários de Cloridrato de metadona.

21. O arguido tem registadas as seguintes condenações:

- no âmbito do processo n.º .../89, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., na 2.ª secção, 1.º juízo, por sentença proferida em 22.03.1989, pela prática em Março de 1987, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 296.º, do Código Penal, numa pena de 45 dias de prisão, e que foi extinta por amnistia;

- no âmbito do processo n.º .../89, perante Tribunal Colectivo, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., na 2.ª secção, 1.º juízo, por decisão proferida em 20.09.1989, pela prática em 21.01.1988, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 5.º e 297.º, n.º2, alíneas c), d) e h), ambos do Código Penal, numa pena de 3 anos de prisão.

- no âmbito do processo n.º .../90, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., na 2.ª secção, 2.º juízo, por decisão proferida em 09.07.1990, pela prática em 06.10.1986, de um crime de furto, previsto e punido pelos artigos 306.º, n.º1 e 307.º, ambos do Código Penal, numa pena de 45 dias de prisão substituídos por 45 dias de multa.

- no âmbito do processo n.º .../90, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., na 1.ª secção, 2.º juízo, por sentença datada de 17.01.1991, pela prática em 11.08.1987, de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, previsto e punido pelo artigo 144.º, n.º2, do Código Penal, numa pena de 1 ano de prisão que foi declarada perdoada.

- no âmbito do processo n.º .../91, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., perante Tribunal Colectivo, no 1.º juízo criminal, por acórdão datado de 20.06.1994, pela prática em 08.04.1991, de um crime de furto qualificado e de um crime de introdução em casa alheia, previstos e punidos pelos artigos 296.º e 297.º, n.º1, alínea i) e n.º2 alínea d), 176.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, numa pena única de 3 anos de prisão, a qual foi declarada perdoada sob condição resolutiva.

- no âmbito do processo n.º .../95, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., perante Tribunal Colectivo, no 2.º juízo criminal, por acórdão datado de 02.05.1995, pela prática em 13.10.1994, de um crime de furto qualificado e de um crime de introdução em casa alheia, previstos e punidos pelos artigos 296.º e 297.º, n.º1, alínea i) e n.º2 alínea d), 176.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, numa pena única de 2 anos de prisão.

- no âmbito do processo n.º.../97, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., perante Tribunal Colectivo, por acórdão datado de 03.07.1997, pela prática, em 15.01.1997, de 2 crimes de furto, previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º1 e 204.º, n.º1, alínea a) e n.º2, alínea e), ambos do Código Penal, numa pena única de 7 anos de prisão.

- no âmbito do processo n.º .../98, que correu termos no Tribunal Judicial de ..., perante Tribunal Colectivo, 1.º Juízo Criminal, por acórdão datado de 19.10.1998, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º e 204.º, alíneas a) e e), ambos do Código Penal, numa pena única (que engloba pena aplicada no processo n.º .../97), de 8 anos de prisão, tendo sido extinta em 27.11.2007.

- no âmbito do processo n.º 186/04.5..., que correu termos no Tribunal Judicial de ..., 2.º Juízo Criminal, por acórdão datado de 06.12.2004, pela prática, entre 07.05.2003 e 15.11.2003, de 2 crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 204.º, n.º2, alínea e), 75.º e 76.º, todos do Código Penal, em 07/05/2003, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelos artigos 191.º, 75.º e 76.º, todos do Código Penal, e em 24/10/2003 de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º2, alínea e), 22.º, 23.º, 75.º e 76.º, todos do Código Penal, numa pena única de 8 anos de prisão.

- no âmbito do processo sumário, perante tribunal singular, com o n.º 37/13.0..., que correu termos no 2.ºJuízo Criminal do Tribunal Judicial de ..., por sentença proferida em 20.03.2013, transitada em julgado em 29.04.2013, pela prática, em 11.03.2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º1, do Código Penal, e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, numa pena única de 95 dias de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses, declaradas extintas em 15.07.2014 e 30.09.2013, respectivamente.

- no âmbito do processo comum, perante tribunal colectivo, com o n.º 828/13.1..., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de ... – Juiz 1, por Acórdão proferido em 08.07.2014, transitado em julgado em 23.09.2014, pela prática entre 31.07.2013 e 14.02.2014, de 2 crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º1, 184.º e 132.º, n.º2, do Código Penal, de 2 crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º e 155.º, n.º1, ambos do Código Penal, e de 1 crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1, do Código Penal, um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º1, do Código Penal, e um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º1, do Código Penal, numa pena única de 6 anos de prisão.

- no âmbito do processo comum, perante tribunal singular, com o n.º 673/13.4..., que correu termos no Juízo Local Criminal de ... – Juiz 2, por sentença proferida em 16.12.2014, transitada em julgado em 28.01.2015, pela prática, em 14.08.2013, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão.

- no âmbito do processo de cúmulo jurídico, perante tribunal colectivo, com o n.º 352/16.0..., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de ... – Juiz 1, por Acórdão proferido em 02.06.2016, transitado em julgado em 04.07.2016 (que englobou as penas aplicadas nos processos n.º 673/13.4... e 828/13.1...), na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.

*

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com relevância para a decisão e designadamente que:

a) O arguido fornecia produto estupefaciente duas a três vezes por mês a DD.

b) O arguido cedia produto estupefaciente a EE com periodicidade praticamente diária.

*

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, as declarações do arguido prestadas em audiência de discussão e julgamento2, os relatórios de exames periciais, os depoimentos das testemunhas e a restante prova documental junta aos autos, designadamente: Auto de apreensão de fls. 49 e 49v;Teste rápido de fls. 56; Teste rápido de fls. 57; Documento de fls. 58; Auto de notícia por detenção de fls. 4 a 5 (Proc. 53/21.8...); Auto de apreensão de fls. 8 8vº (Proc. 53/21.8...);Teste rápido de fls. 10 (Proc. 53/21.8...); Auto de notícia de fls. 21 e 21vº (Proc. 53/21.8...); Auto de notícia de fls. 35 e 35vº (Proc. 53/21.8...);Auto de apreensão de fls. 36 (Proc. 53/21.8...); Auto de notícia de fls. 39 e 39vº (Proc. 53/21.8...); Teste rápido de fls. 40 (Proc. 53/21.8...); Auto de apreensão de fls. 41 e 41vº (Proc. 53/21.8...); Relatório de vigilância de fls. 50 a 51 (Proc. 53/21.8...); Relatório de vigilância de fls. 52 a 53 (Proc. 53/21.8...); Relatório de vigilância de fls. 57 e 57vº (Proc. 53/21.8...); Auto de notícia por detenção de fls. 62 a 63 (Proc. 53/21.8...); Auto de apreensão de fls. 64 e 64vª (Proc. 53/21.8...); Teste rápido de fls. 71 (Proc. 53/21.8...); Teste rápido de fls. 71A (Proc. 53/21.8...); Relatório de vigilância de fls. 82-B e 82-C (Proc. 53/21.8...); Auto de notícia por detenção de fls. 4 a 5 (Proc. 57/22.3...); Auto de apreensão de fls. 6 e 6vº (Proc. 57/22.3...); Teste rápido de fls. 9 (Proc. 57/22.3...); Teste rápido de fls. 10 (Proc. 57/22.3...) e o certificado de registo criminal junto em 12.10.2023 [Ref.ª: ...95], prova esta que que se fez tendo por fundamento, ademais, o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

*

Concretizando.

O arguido prestou declarações negando a factualidade constante do libelo acusatório, tentando convencer o Tribunal que o produto estupefaciente apreendido nos autos era para seu próprio consumo.

Referiu que encontra(va)-se em vários locais de ..., designadamente, nos parques de estacionamento, pois é daí, além dos biscates que faz nas obras, que obtém os seus “proventos”. Mencionou que as pessoas identificadas na acusação são seus familiares ou amigos e iam para a sua residência consumir, negando que tenha retirado quaisquer lucros pois não procedia à venda de droga, apenas cedia para consumirem todos juntos.

Mais referiu que consome cerca de 5 a 7g de heroína por dia e já tinha marcado uma consulta no CAT para o Natal, para aumentar a dose de metadona.

Que se deslocava para o ... para adquirir produto estupefaciente mas para seu próprio consumo.

Ora, tais declarações não mereceram qualquer credibilidade, porque contraditórias e incoerentes com a demais prova produzida nos autos, resultando antes numa tentativa malograda de criar a convicção do Tribunal que se trata de mero consumidor de produto estupefaciente.

Foram inquiridos os agentes da Polícia de Segurança Pública que investigaram o ilícito em causa nos presentes autos e descreveram as situações em que tiveram intervenção directa, tendo ainda declarado já conhecer o arguido de outras situações anteriores e o mesmo já ser referenciado por outros ilícitos pelos Órgãos de Polícia Criminal.

Foram ainda inquiridos alguns consumidores que testemunharam os contactos estabelecidos com o arguido.

Assim, a factualidade aposta nos pontos 1 a 3 resultou provada dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE, GG, HH, II e JJ e que foram conjugados com os documentos juntos aos autos e que infra se discriminarão.

Inquirido BB [amigo do arguido há cerca de um ano], pelo mesmo foi referido que é consumidor de heroína e foi cerca de oito vezes à residência do arguido para consumir. Que por vezes deixava uma nota de € 5,00 ou € 10,00 ao arguido, porque este dizia que não tinha “comida”.

Esclareceu que no dia 16.12.2021, tinha 3 pacotes consigo, tenho previamente adquirido ao arguido aquele produto estupefaciente na residência deste, pelo qual pagou € 20,00, sendo € 10,00 o pacote. Mais disse que se deslocava a casa do arguido porque “ia de ressaca”.

Foi ainda inquirida a testemunha JJ [agente da Polícia de Segurança Pública, que prestou depoimento isento, objectivo e sem contradições e por isso mereceu credibilidade para o Tribunal], que referiu que se encontrava em patrulha quando se apercebeu que (a testemunha) BB contactou com o arguido e visualizou uma transacção que não foi perceptível apurar no momento, pelo que seguiram a testemunha. Abordado o mesmo procedeu à entrega de três embalagens de produto estupefaciente que se veio a apurar ser heroína. Tal depoimento foi ainda corroborado por HH [agente da Polícia de Segurança Pública, que pela forma isenta e objectiva como prestou depoimento mereceu credibilidade].

No que diz respeito ao depoimento da testemunha BB, refira-se apenas que relativamente aos motivos pela qual “deixava” o dinheiro ao arguido, os mesmos não se revelaram credíveis porque contraditórios com as regras da experiência comum e da lógica quanto a este tipo de ilícitos, tanto mais que, se existisse de facto necessidades alimentares por parte do arguido, não se compreende por que motivo a testemunha não tenha diligenciado pelo “pagamento” com quaisquer géneros alimentares, ao que acresce o facto de nenhuma das restantes testemunhas, designadamente, consumidores, ter relatado qualquer carência alimentar do arguido.

Somos assim a crer que tais valores correspondiam, de facto, à contrapartida da cedência do produto estupefaciente pelo arguido.

Os depoimentos das testemunhas foram ainda conjugados com o aditamento n.º 5 a fls. 17, auto de apreensão de fls. 18, teste rápido de fls. 19, auto de notícia de fls. 21 (Proc. 53/21.8...), pelo que não suscitaram quaisquer dúvidas ao tribunal em dar a factualidade aposta no ponto 3, alínea a), como provada.

O Tribunal formou ainda a sua convicção quanto ao ponto 3, alínea b), no depoimento da testemunha CC, que referiu conhecer o arguido há cerca de 1 ano e encontrar-se com este no parque de estacionamento, tentando daí retirar alguns “proventos” como arrumadores de carros. Referiu ser consumidor de heroína e cocaína e consumir com o arguido, na casa deste. Que se deslocou algumas vezes com o arguido ao ..., para aquisição da droga, por ser mais barato. Mais disse que consumia cerca de 2 pacotes por dia (que custavam em média € 20,00) e deslocava-se ao ... duas vezes por mês para comprar dois pacotes, pois o “resto das vezes comprava” [em ...].

Confrontado com o teor do depoimento prestado em 26.01.2023 [e 13.04.2022, na medida em que se tratava de reprodução do depoimento que prestou nessa data] - auto de inquirição de fls. 160 e 94 - confirmou o seu teor, resultando do mesmo que comprava a heroína ao arguido, uma vez por dia, pelo valor de € 30,00, o que fazia com os valores angariados a arrumar veículos, sendo que, após 13.04.2022, comprou uma vez, heroína ao arguido, pela quantia de € 30,00.

Pese embora tenha sido notória a renitência com que a testemunha referiu que comprou heroína ao arguido, a verdade é que acabou por admitir o teor do seu depoimento em 26.01.2023 de forma serena e tranquila, tendo sido consentâneo, com o facto por si relatado na audiência de discussão e julgamento, isto é, que ia duas vezes ao ... e o resto das vezes comprava (ao arguido), o que levou ao Tribunal a dar o seu depoimento como credível e sincero.

Tal depoimento foi ainda conjugado com o relatório de vigilâncias de fls.52 a 53, 57 e 57v, e o depoimento dos agentes da Polícia de Segurança Pública, designadamente, GG e II, que referiram que o mesmo já era vigiado há algum tempo e havia suspeitas que o mesmo ia ao ... para adquirir o produto estupefaciente.

Já no que respeita à factualidade aposta nos pontos 3, alínea c) e 6 da rubrica dos “factos provados”, a mesma resulta do depoimento da testemunha DD [que referiu conhecer o arguido por ser primo da sua mãe], que admitiu ser toxicodependente e ter tido uma recaída. Que nessa altura terá contactado o arguido e o mesmo mencionou não ter produto estupefaciente mas sabia onde adquirir. Por esse motivo, acordaram deslocar-se ao ... para o arguido adquirir o produto e, no regresso, consumir na casa deste. Que durante o percurso ...– ... nada consumiram e foram abordados pela Polícia de Segurança Pública.

Esclareceu ainda que nunca pagou qualquer contrapartida ao arguido pela cedência do produto estupefaciente.

Ora, a testemunha prestou depoimento credível atenta a forma como o fez, mormente, coerente e sem contradições, respondendo espontaneamente a todas as questões que lhe foram colocadas, exceptuando quanto à ausência de contrapartida que não mereceu credibilidade para o Tribunal. Na verdade, a determinando momento do seu depoimento a testemunha referiu “não entreguei dinheiro nenhum porque não tinha dinheiro comigo”, o que formou a convicção do Tribunal em considerar que a falta de pagamento se referiu aquele momento em concreto em que se deslocaram ao ..., pois que, o normal proceder neste tipo de ilícitos é que os consumidores procedam de alguma forma ao pagamento do produto, inexistindo quaisquer razões para que o arguido cedesse, de forma gratuita, o produto estupefaciente à testemunha.

Inquirida a testemunha GG [agente da Polícia de Segurança Pública], pelo mesmo foi dito recorda-se do dia 14.12.2022 [por ser o dia do jantar de Natal da sua Esquadra] tendo-se apercebido que o arguido circulava num veículo – pois já era do conhecimento da PSP que o arguido desconfiava que a polícia andava atrás de si e, nessa medida, tinha alterado a sua forma de adquirir o produto estupefaciente - abordou o mesmo e fez uma revista à testemunha DD e ao arguido, tendo encontrado no bolso da camisa deste um maço de tabaco com todo o produto estupefaciente que o mesmo adquiriu.

Tal depoimento foi corroborado pelas testemunhas HH e II, agentes da Polícia de Segurança Pública, que acompanharam o colega GG naquele dia.

Os depoimentos das testemunhas que se revelaram credíveis, pois com razão de ciência sobre a factualidade em causa, foi ainda conjugado com o teor do auto de notícia de fls. 43, auto de apreensão de fls. 49 – na qual resulta que foi apreendida, além do mais, a quantia de 24,63 gramas de heroína e 2,26 g de cocaína, teste rápido de fls. 56 a 58.

Em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo arguido foi referido que deslocou-se com o seu primo DD para o ..., para adquirirem produto estupefaciente que seria dividido pelos dois e para consumo dos próprios.

As declarações prestadas em audiência de julgamento não mereceram minimamente credibilidade para o Tribunal, pois que contraditórias e incongruentes, demonstrando uma clara tentativa de desresponsabilização relativamente ao produto apreendido. Na verdade, pelo arguido foi referido que tratou de toda a aquisição do produto estupefaciente mas “ali não dava jeito para dividir” e que, durante o percurso, consumiram algum produto. Ora, tais declarações revelam-se contraditórias com o referido pela testemunha DD que referiu especificamente o “acordo” firmado com o arguido e que não saiu do veículo quando o arguido adquiriu o produto estupefaciente. Na verdade, somos a crer que, de facto, a testemunha apenas procurou o arguido porque teve uma recaída [o que acontecia de 3 em 3 meses], e que a aquisição do produto estupefaciente foi integralmente adquirido por este, não se vislumbrando em que medida poderia a testemunha deter “metade” de um produto que nem sequer viu a ser adquirido (quer quanto à sua natureza quer quantidade) quando teve oportunidade de o fazer ou mesmo porque é consabido que os consumidores saibam exactamente a quantidade que é adquirida e que cabe a cada um, o que não se revela consentâneo com o mencionado pelo arguido.

O Tribunal formou ainda a sua convicção quanto ao ponto 3, alínea d), do depoimento da testemunha EE, que referiu conhecer o arguido há cerca de um ano, por ser consumidora de cocaína e heroína e ter comprado a este heroína pois “ele precisava de dinheiro e eu precisava de um pacote por € 10,00”. Mais referiu que, umas vezes comprava o produto estupefaciente e outras vezes este cedia, ficando a consumir juntos. Que geralmente o arguido tinha dinheiro.

Ora, a testemunha que se apresentou em audiência de julgamento depois da emissão de mandados de detenção, apresentou um depoimento marcado por alguma confusão pois se por um lado refere que o arguido precisava de dinheiro por outro referiu que este geralmente tinha dinheiro, tendo, ainda deixado a convicção que pretendia minimizar a sua participação e a do arguido na actividade ilícita praticada por este.

Confrontada com o depoimento prestado a fls. 181, a testemunha confirmou o seu teor, designadamente, ter-se encontrado com o arguido que seguia de bicicleta, no largo ..., tendo este cedido um pacote de heroína pelo valor de € 10,00, através da janela do veículo onde seguia a testemunha.

Tal depoimento foi conjugada com o relatório de vigilância de fls. 82-B.

Conjugada assim a prova, não suscitaram dúvidas ao Tribunal em dar a factualidade aposta no ponto 3, alínea c), como provada.

A factualidade inserta no ponto 3, alínea e) e 4, resultou demonstrada dos depoimentos das testemunhas FF, HH e II conjugada com a demais prova documental junta aos autos.

Ouvida a testemunha FF [que conhece o arguido há cerca de 20 anos, pelo facto de ambos serem consumidores], pela mesma foi referido que foi ao ... com o arguido onde adquiriram produto estupefaciente. No regresso, o arguido solicitou a FF que guardasse o produto estupefaciente deste pois que a polícia andava “muito em cima dele e era abordado”, tendo a testemunha acedido ao solicitado e colocada o produto na sua manga. Trazia assim uma bolsa com 11 pacotes de cocaína/heroína.

Mais referiu que chegou a ir a casa do arguido, pelo menos uma vez por semana e várias vezes, onde comprava cerca de 1 pacote (cerca de ¼) pela quantia de € 10,00.

A testemunha prestou depoimento de forma coerente, objectiva e sem contradições tendo, por isso, merecido credibilidade, para o Tribunal.

Inquiridos os agentes da Polícia de Segurança Pública HH e II, os mesmos revelaram ter tido intervenção no dia 04.01.2022, onde verificaram que o arguido e FF se dirigiram de “forma apressada” para o táxi quando decidiram abordar os mesmos. Nesse momento, verificaram que o arguido encontrava-se tranquilo, pois não trazia nada consigo.

Repare-se que o arguido referiu em sede de audiência de discussão e julgamento desconhecer o que FF trazia consigo, o que não se revela minimamente credível, pois não só não contraditório com o depoimento prestado por aquela [que, como já referido, mereceu credibilidade para o Tribunal], mas também porque revelou um discurso confuso e incoerente, referindo mesmo que consumiu todo o produto estupefaciente durante o percurso até ... e não conseguiu explicar em que medida necessitava de apanhar o táxi e ir com FF. Por outro lado tais declarações [prestadas em audiência de julgamento] também se revelam incoerentes com o comportamento por si adoptado e percepcionado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, na medida em que terá saído em passo acelerado da estação ferroviária para apanhar o táxi, revelando na verdade a sua preocupação em sair do local porque tinha produto estupefaciente consigo e o deu a FF, revelando-se, pois, coerente a sua entrega a esta, que justificou o motivo pela qual aquele o fez.

Para prova daqueles pontos o Tribunal teve ainda em consideração os documentos juntos aos autos, mormente, o auto de notícia de fls.62 a 63, auto de apreensão de fls.64 (Proc. 53/21.8...); Teste rápido de fls. 71 (Proc. 53/21.8...); Teste rápido de fls. 71A , 72 e 73 (Proc. 53/21.8...).

Já no que concerne aos factos apostos no ponto 5 da rubrica dos factos provados resultaram demonstrados do depoimento da testemunha GG que esclareceu que viu o arguido a sair “de forma apressada” do comboio e, abordado, procedeu à entrega voluntária do produto estupefaciente que se encontrava no bolso das calças. Posteriormente, pelos Senhores Agentes, foi verificado que o arguido trazia uma máscara no queixo que trazia no seu interior a maior parte de produto estupefaciente apreendida. Tal depoimento foi conjugado com o auto de notícia de fls.4 e auto de apreensão de fls. 6, onde se pode atestar a quantidade e natureza do produto estupefaciente que o arguido trazia consigo e foi apreendida.

O depoimento daquela testemunha foi ainda corroborado pelo depoimento da testemunha II, que participou na abordagem realizada ao arguido.

Pese embora o arguido tivesse negado destinar o produto estupefaciente que lhe foi aprendido para venda, mas antes para o seu consumo individual e cedência gratuita aos seus “amigos” [testemunhas ouvidas nestes autos], tal versão não mereceu a mínima credibilidade, não só, porque as testemunhas (à excepção de FF) referiram que conhecem o arguido há cerca de um ano e por todas elas, foi confessado entregar quantias ao arguido (à excepção de DD, cujo depoimento a essa parte não se revelou credível] – repare-se a esse propósito o referido por CC que procurava o arguido com uma frequência quase diária e pagava pelo produto estupefaciente cerca de € 30,00. Por outro lado, a quantidade significativa das substâncias que detinha: no dia 04.01.2022 – 14 pacotes de plástico que continham no seu interior heroína com o peso líquido de 5,086 gramas, com o grau de pureza de 28,3%, que permitia preparar 14 doses diárias, bem como, dois pacotes de plástico, contendo no seu interior cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,424 gramas (que como já referimos, não se suscitam dúvidas que eram do arguido); no dia 22.08.2022, uma embalagem plástica, contendo no seu interior heroína com o peso líquido de 3,802 gramas, com o grau de pureza de 24,2%, que permitia preparar 9 doses diárias, e uma embalagem plástica contendo no seu interior cocaína (éster metílico) com o peso líquido de 0,028 gramas, com o grau de pureza de 72,5%, que permitia preparar 1 dose diária; no dia 14.12.2022, uma embalagem plástica contendo produto estupefaciente, designadamente, heroína com o peso líquido de 23,810 gramas, com o grau de pureza de 19,9%, que permitia preparar 47 doses diárias, bem como, duas embalagens plásticas contendo cocaína com o peso líquido de 1,923 gramas, com o grau de pureza de 49,4%, que permitia preparar 32 doses diárias – substâncias e quantidades essas confirmadas pelos relatórios periciais de fls.119, 129 (processo 53/21.8...), 167 e 215 - circunstâncias reveladoras de que o arguido destinava tais substâncias também à cedência a terceiros, actividade, aliás, que o arguido admitiu.

De salientar a forma dissimulada onde o arguido colocou o produto estupefaciente em diferentes partes do corpo com vista a ocultá-lo da polícia.

Concluindo, da conjugação crítica e conjugada de todos os elementos de prova não temos quaisquer dúvidas em como o arguido adquiria o produto estupefaciente por valores monetários mais baratos, não só para o seu consumo, resultando que as quantidades adquiridas visava pelo menos parte a terceiros, mediante o recebimento de montantes monetários superiores àqueles que eram praticados quando o adquiria (valores esses que ficaram claramente demonstrados com os depoimentos de FF e CC).

Das declarações do arguido prestadas em audiência de discussão e julgamento resultou ainda que tinha conhecimento das características do produto estupefaciente que trazia consigo e que a sua detenção naquelas condições era proibida e punida por lei, tanto é que as suas declarações foram no sentido de minorar a gravidade da sua conduta.

Assim, no que concerne aos factos atinentes ao dolo do arguido em todas as descritas situações, a sua prova fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida e em confronto com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação desenvolvida pelo arguido e das circunstâncias em que agiu (veja-se a forma dissimulada como o arguido tentou ocultar o produto estupefaciente).

Com efeito, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva, que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, das regras da experiência comum da vida, daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada e a si subjacente. Foi esta a operação que o tribunal realizou e por isso deu como plenamente demonstrados os pontos 7 a 11.

Relativamente aos factos atinentes às condições de vida – pontos 12 a 19 -, resultou das declarações do arguido prestadas em julgamento e do teor do relatório social junto aos autos.

Já o ponto 20 resulta provado do documento de fls. 361, junto pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento.

Finalmente, os antecedentes criminais do arguido resultaram da análise do seu certificado de registo criminal junto aos autos a 25.09.2023 [Ref.ª: ...43], fls. 332 a 356- ponto 21 da rubrica dos “factos provados”.

*

A matéria dada como não provada - alíneas a) e b) ,o Tribunal formou a sua convicção na ausência ou insuficiência de prova, pois que não corroborada por qualquer outro meio de prova.

(…)».

2. Avancemos para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o objeto do recurso.

2. 1. Nulidade do acórdão recorrido por produção e valoração de prova proibida e inconstitucionalidades normativas [conclusões 1ª e 2ª]

Nas enunciadas conclusões, o recorrente ressuscita a questão da violação dos artigos 355.º, n.ºs 1 e 2, 356º, n.ºs 7 a 9, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, e 357.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP, por valoração no julgamento e no acórdão recorrido das declarações que prestou no primeiro interrogatório de arguido detido perante o juiz de instrução, sem as mesmas terem sido lidas ou reproduzidas em audiência.

Isto porque, acrescenta, apesar de a sua referência ter sido expurgada do texto do acórdão, em conformidade com o decidido pelo STJ, no acórdão parcialmente anulatório do primitivo acórdão do tribunal recorrido, este não reconfigurou a matéria de facto e de direito como aquele aresto determinou na sequência daquele expurgo, voltando a valorar aquelas declarações sem as ler e/ou reproduzir em audiência.

Mas, como refere o Ministério Público, na resposta ao recurso e no parecer emitido neste STJ, sem razão.

Efetivamente, conforme ressalta da motivação da convicção do tribunal recorrido quanto aos factos provados e não provados, as declarações do arguido consideradas no acórdão foram apenas as prestadas em audiência de discussão e julgamento, que foram desconsideradas, por não credíveis face a todo o restante acervo probatório produzido e legitima e livremente apreciado e valorado, conjugado entre si e com as regras da experiência comum, nos termos permitidos pelo artigo 127º do CPP.

O recorrente não impugnou a matéria de facto assim fixada, amplamente ou por invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, pelo que, perante a repetida afirmação no acórdão recorrido de que as suas declarações consideradas foram apenas as prestadas em audiência de discussão e julgamento, não se vê como possa alinhar-se com a sua injustificada proclamação de que o tribunal, apesar do expurgo da anterior referência, valorou as declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido perante o juiz de instrução.

Tanto mais quanto é certo que nem sequer alega e muito menos demonstra que a matéria de facto provada e não provada no acórdão recorrido não era passível de fixação nos termos em que nele ficou consignada sem recurso a tais declarações.

Assim sendo, como resulta claro do acórdão do STJ que anulou parcialmente o referido primitivo acórdão do mesmo tribunal, é óbvio que a ali mencionada reconfiguração da matéria de facto e, nesse caso, também de direito, só se impunha se o tribunal, sem considerar aquelas declarações do arguido, a não pudesse fixar nos mesmos termos em que o havia antes feito e agora manteve.

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, improcede esta primeira questão

2. 2. Qualificação jurídica dos factos provados – crime de tráfico comum ou de menor gravidade [conclusão 3ª];

O recorrente questiona o enquadramento jurídico-penal dos factos provados, reivindicando a respetiva integração na previsão do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, ao invés da do artigo 21º do mesmo diploma legal feita no acórdão recorrido, pretendendo que a sua atividade neles refletida seja qualificada como tráfico de menor gravidade em vez de tráfico base.

Para tanto afirma que a sua atividade provada evidencia uma ilicitude diminuída face à pressuposta na previsão do artigo 21º, tendo em conta a não utilização de meios sofisticados para a aquisição do produto estupefaciente e muito menos a utilização de quaisquer meios para os atos de venda, a reduzida qualidade do produto estupefaciente, cujo grau de pureza variou entre os 19,9% e os 72,5%, passando ainda pelos 24,2%, 28,3% e 49,4%, o desconhecimento dos proventos e lucros obtidos ou passíveis de obtenção e a curta duração, diminuída frequência e reduzido número de consumidores a quem vendeu o produto estupefaciente.

Vejamos.

O recorrente reconhece a aptidão da sua conduta para preencher todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de tráfico de estupefacientes, tal como configurado no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, enquanto crime de perigo abstrato e de perigo comum, em linha com a generalidade dos países e da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, assinada por Portugal e ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no DR de 6 de setembro de 1991.

Não obstante, sustenta que os atos de que foi acusado e resultaram provados podem/devem ser enquadrados no tipo de menor gravidade previsto do artigo 25º, al. a), daquele diploma legal, em lugar de o serem, como concluiu e decidiu o acórdão recorrido, no tipo base ou comum do seu artigo 21º.

Essa pretensão, sustentada no que o recorrente classifica de “diminuída ilicitude” evidenciada pelos factos provados, parece ter subjacente uma conceção daquele tipo privilegiado, se é que de um verdadeiro tipo autónomo se pode falar, como alerta Pedro Vaz Pato3, como se fosse o ponto de partida da integração jurídico-penal de qualquer das várias modalidades de ação previstas no artigo 21º, sendo a previsão deste já uma forma agravada dessas diferentes modalidades de ação típica, ao invés de o ter como matriz e, perante ela, verificar e afirmar pela positiva, se a imagem global da sua conduta permite incluí-la naquele tipo privilegiado ou mesmo no tipo agravado do artigo 24º, em função de uma acentuada diminuição ou aumento da ilicitude por ela transmitida, porque, na verdade, a opção de política criminal nesta sede foi a de instituir um tipo base ou comum de ilícito de largo espetro, no qual, à partida, cabem todas aquelas modalidades de ação e só excecionalmente, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e no limite da tolerância que o Estado de Direito a si mesmo se impõe, em respeito pela dignidade da pessoa humana, diferenciar as concretas condutas, agravando-as, nos termos do artigo 24º, ou degradando-as, nos termos dos artigos 25º e 26º.

Nesse confronto, o acórdão agora escrutinado decidiu em sentido contrário à pretensão do recorrente, com a seguinte fundamentação:

«DO CRIME TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES

O artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas como: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”.

Os bens jurídicos protegidos por esta incriminação são a vida, a saúde individual e a saúde pública, a tranquilidade e a coesão social, pelo que qualquer daquelas condutas é apta, independentemente das consequências que venham a verificar-se em concreto, a fazer perigar estes bens e interesses.

Trata-se de um tipo cuja factualidade típica está descrita de forma compreensiva e abrangente, prevendo como tipo objectivo essencial: a falta de autorização para qualquer dos actos identificados; não se destinando estas actividades a garantir o consumo próprio; que estas actividades envolvam plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III. Havendo várias modalidades de acção o agente pode preencher várias alternativamente, sendo que, embora baste uma para preencher o tipo legal, o preenchimento de várias poderá fazer aumentar o seu grau de culpa.

Deste tipo de construção extrai-se uma incriminação com a natureza de crime de perigo abstracto - dado que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido bastando-se com a mera perigosidade da conduta para os bens jurídicos protegidos. Tal perigosidade não advém do facto concreto, mas sim de um juízo de perigosidade geral efectuado sobre aquelas condutas.

A especial protecção e a identificação do crime de tráfico de estupefaciente como crime de perigo provém, em particular, das consequências que a toxicomania e o abuso de substâncias têm, não só nos indivíduos, mas também na sociedade como todo (na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores, representa um risco para todos os não consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos, directos e indirectos). Assim se convocam especiais exigências de prevenção geral, considerando desde logo a maleabilidade da actividade do tráfico.

Importa, ainda, referir que para a verificação do crime de tráfico e a condenação de um arguido pela prática de tal ilícito não é necessário que tenha sido apreendido o produto ou que o mesmo tenha sido examinado. Essencial é que se prove a sua participação em actos que se traduzam em crimes de tráfico, não constituindo aquela apreensão, nos casos em que ocorre, mais do que um elemento probatório que noutros casos pode ser substituído por outros elementos que conduzem à formação da convicção do julgador

O tipo subjectivo preenche-se quando o agente agiu de forma livre, estando em condições de determinar a sua acção, conscientemente (designadamente, sendo imputável), sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei. Está ausente qualquer elemento subjectivo específico (esses poderão actuar, por exemplo, como qualificantes, nos termos do artigo 24.º).

Encontra-se demonstrado nos presentes autos que o arguido detinha em seu poder heroína e cocaína. As substâncias e plantas que são denominadas por estupefacientes e que são proibidas, atentos os seus referidos efeitos nocivos, encontram-se previstas em tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro que veio regular o regime jurídico referente ao seu tráfico.

As substâncias que se encontravam na posse do arguido, ou seja, a heroína e a cocaína, encontram-se referenciadas na Tabela I-A e I-B, anexas a esse diploma legal. Conclui-se assim que as substâncias que eram detidas pelo arguido se integram dentro do género que é denominado de estupefacientes.

Na posse do arguido foram apreendidas um total de 32,698 g de heroína e 2,375 de cocaína, tendo-se provado que o arguido destinava tal produto ao seu próprio consumo e a outra parte à venda a terceiros, mediante o recebimento de montantes monetários.

Neste contexto jurídico e confrontando os factos provados (e extraindo as devidas consequências dos não provados), somos levados a concluir que, reportando-se as respectivas condutas a actos (de aquisição, guarda, entrega, venda, cedência e detenção, de cocaína e heroína, substâncias incluídas nas Tabelas I-A, I-B, anexas ao Decreto Lei n.º 15/93) que a lei tipifica como tráfico de estupefacientes e tendo o arguido agido com dolo, desde já se adianta, que se constituiu autor material de tal crime.

Contudo há que ponderar se a conduta do arguido preenche de facto o crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 ou se não estaremos perante a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, que se encontra previsto no artigo 25.º daquele Decreto-Lei n.º 15/93.

É entendimento pacífico que o normativo do artigo 21.º: “O crime do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime; trata-se de um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo. II - Já o art. 25.º refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados) e, assim, tal como não basta para configurar este tipo privilegiado de crime a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que não exista, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.2006, no âmbito do processo n.º 06P1790, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

O acento tónico do privilegiamento é explicitamente colocado na sensível diminuição do grau de ilicitude do facto, ou seja, no menor desvalor da acção, na sua menor gravidade, portanto, revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma - meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias e preparados - tal como referido no Acórdão supra mencionado.

Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do artigo 25.º, haverá que proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhes outras, “permitindo, desse modo, ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição, em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artº. 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma do artº. 25º - cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.01, in CJ-STJ, 2001, t. 1, pág. 236 e de 7.12.99, proferido no proc. 1005/99, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.07.04, proc. 3642/03, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Como é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 1998, (CJ DO STJ, TOMO III, PÁG. 188) “O artigo 25.º, alínea a), do DL 15/93, de 22-1, constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo.”.

Como se referiu, a actividade subsumir-se-á no tipo privilegiado quando a situação em causa tiver características que levem a reduzir a ilicitude considerada de uma forma ampla.

*

Assim:

Decorre dos factos provados, que:

Pelo menos desde Novembro de 2021 até à data da sua detenção em 14 de Dezembro de 2022, o arguido AA dedicou-se à compra, venda, distribuição e cedência de produtos estupefacientes a consumidores que, para esse efeito, o procuraram, e com quem o arguido privilegiou o contacto pessoal, combinando pessoal e telefonicamente os encontros, que tiveram lugar à porta e no interior da sua residência, nas suas imediações e em outros locais da cidade de ..., destinados à transacção, designadamente, heroína e cocaína, substâncias que previamente obteve.

Mais concretamente, no período compreendido entre Novembro de 2021 e Abril de 2022, o arguido AA foi contactado pessoal e telefonicamente pelo consumidor BB, a quem vendeu, pelo menos em oito ocasiões separadas no tempo, quantidades não concretamente determinadas de heroína, pelo preço de €10,00 cada dose individual, o que aconteceu nomeadamente em 16 de Dezembro de 2021, pelas 10:00 horas, no Largo ..., em ....

Por outro lado, naquele período que decorreu durante mais de um ano, resultou que o arguido vendeu produto estupefaciente a vários consumidores entre os quais CC, EE, DD e FF, quantidades não concretamente apuradas de heroína e cocaína por valores entre os € 10,00 e os € 30,00.

Mais se provaram os factos constantes dos pontos 4 a 6, da qual resultam as apreensões que foram realizadas e cujo produto estupefaciente se encontrava na posse do arguido que o destinava à cedência e venda a terceiros, mediante contrapartida em dinheiro previamente acordada.

Ponderando, assim, no seu conjunto, as circunstâncias do caso concreto, designadamente, a natureza e quantidade de produto detido e distribuído pelo arguido - um total de 32,698 g de heroína e 2,375 de cocaína - nas circunstâncias descritas e o período de tempo em que perdurou tal actividade – durante pelo menos, mais de um ano -, os locais escolhidos pelo arguido para o efeito - à porta e no interior da sua residência, nas suas imediações e em outros locais da cidade de ..., como o Largo ..., onde se situa o Tribunal ou mesmo o Centro de Toxicodependência de ..., local onde os toxicodependentes vão em busca do tratamento mas ali acabam por comprar droga –; que cedia aos consumidores de forma recorrente, sendo que, do que foi possível apurar, pelo menos, em relação a CC, com um frequência diária, a FF, com uma frequência de 1 a 2 vezes por semana, o facto de os consumidores recorrerem sempre ao arguido para adquirir o produto estupefaciente; o comportamento adoptado pelo arguido, recorrendo a outras formas de transporte para adquirir o produto estupefaciente [de veículo automóvel ao invés de comboio] ou recorrer a terceiros para transportar o produto estupefaciente [na medida em que sabia que a polícia andava no seu encalço], levam a concluir que a conduta deste arguido integra a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 15/93, com referência às Tabelas I-A, I-B, I anexas ao mesmo diploma legal.

Na realidade, o arguido dedicava-se à venda da droga mais nociva, as chamadas “drogas duras”, e ainda que o modo empregue para as vendas apurado se mostrou simples e rudimentar, através de contactos telefónicos ou pessoalmente, não se tendo apurado qualquer estrutura organizativa, certo é que a prática de venda a terceiros do arguido é já uma claramente habitual e inserta no seu modo de vida, com frequência diária e semanal a vários consumidores e, por isso, a modalidade e circunstâncias da acção , qualidade e quantidade das substâncias não dão uma imagem global de menor gravidade, antes a gravidade já acentuada do tráfico de estupefacientes. E não se diga que o arguido pretendia custear o seu próprio consumo, e alguma eventual necessidade, ou que não auferia propriamente lucros com tal “actividade”[o que não se concede], pois que a mesma não constitui circunstância que aligeire a ilicitude do facto e, portanto, nada tem a ver com a problemática do tráfico de menor gravidade.

No que se refere ao tipo subjectivo do ilícito, encontra-se demonstrado que o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, conhecendo as características e natureza do produto estupefaciente apreendido. Encontra-se assim preenchido o elemento intelectual e o volitivo do dolo.

Mais, agiu igualmente com culpa, na medida em que sabia que a sua aquisição, detenção, transporte, cedência a outrem, por qualquer forma, são censurados, proibidos e punidos por lei.

Em conformidade, e pelo exposto, é forçoso concluir que o arguido cometeu efectivamente o crime de tráfico de estupefacientes, tal como vem descrito na acusação.».

Considerando a transcrita fundamentação, fatual e jurídica, expurgada a primeira das asserções conclusivas “(…) em quantidades significativas (…)” e “quantias avultadas de dinheiro” constantes dos pontos 1 e 10 da matéria de facto provada, afigura-se correto o enquadramento da conduta do recorrente no tipo base ou comum de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, ainda que se conceda poder a mesma situar-se próximo do círculo delimitador da “zona cinzenta ou intermédia” a que se refere alguma jurisprudência para casos em que o tráfico, sem evidenciar a considerável diminuição da ilicitude exigida pelo artigo 25º, al. a), do referido diploma, se integra ainda naquela modalidade fundamental, embora próximo do ponto em que o seu largo espetro se sobrepõe com o mais elevado patamar da segunda, ou seja, situações passíveis de punição entre os 4 e os 5 anos de prisão4.

Aliás, no caso em apreço, o próprio recorrente parece pouco convicto do bem fundado da sua pretensão, ao considerar na conclusão 3ª que “a situação provada revela uma ilicitude diminuída relativamente às condutas que integram o tipo legal de crime base do crime de tráfico de estupefaciente”.

Diminuída, mas não consideravelmente diminuída como a lei exige e, ainda assim, fundamentada numa argumentação negativa e não por demonstração positiva dessa simples diminuição.

E os argumentos, todos ponderados no acórdão recorrido, limitam-se à afirmação de que não ficou provada a utilização de meios sofisticados para a aquisição e venda do produto estupefaciente, sendo que para esta considera mesmo nenhuns meios terem ficado provados, a reduzida qualidade do que lhe foi apreendido, em função do respetivo grau de pureza, que variou entre os 19,9% e os 72,5%, nem o lucro que obteria da sua comercialização, ao que acrescenta serem exíguas e genéricas a duração, intensidade da venda e o número de consumidores.

Sem razão, no entanto.

Efetivamente, para além do que se referiu no acórdão recorrido quanto à necessidade ou desnecessidade de se preencherem todos os índices referidos na norma em apreço para nela integrar ou dela afastar as atividades de tráfico, pois que uma delas apenas pode justificar qualquer dessas alternativas, posto que reflita uma imagem global compatível com qualquer delas, importa reter o seguinte:

- era da atividade de tráfico exercida sem subordinação a ordens de terceiros, ou seja, com autonomia, que o arguido retirava os proventos necessários a assegurar as suas despesas diárias, incluindo, porventura, o seu próprio consumo, pois que apenas esporadicamente fazia alguns “biscates” como servente da construção civil (factos 7, 10, 12 e 16);

- Que os produtos comercializados e apreendidos eram e foram heroína e cocaína, adquiridos fora da cidade de ... e para aqui transportados pelo arguido, de comboio, táxi ou veículos automóveis particulares, atuando por sua conta e risco, ainda que, por vezes, envolvendo alguns dos consumidores que abastecia regularmente, no sentido de alijar responsabilidades no caso de fiscalização policial (factos 1 a 7);

- Que transacionava mediante contato pessoal ou telefónico, na casa onde vivia com a mãe, nas suas imediações e em diversos pontos da cidade de ..., incluindo junto do Tribunal e do Centro de Toxicodependência, local em que se concentravam os toxicodependentes inscritos nos programas de substituição e, por conseguinte, de fácil angariação de clientes e escoamento do produto (facto 2)

- Produtos que, como é facto notório e, por conseguinte, sem necessidade de prova, têm um elevado efeito viciante e danoso para a saúde dos consumidores, associado, por isso, a níveis de maior dependência e degradação física e intelectual e propensão para a prática de crimes contra o património a que os mesmos recorrem para obtenção dos valores necessários à satisfação do vício, com o consequente aumento do alarme e intranquilidade social, quando não da própria coesão social e familiar;

- Que para esse efeito a qualidade dos produtos estupefacientes não se afere pelo seu grau de pureza, essencialmente relevante para determinar o número de doses para consumo humano passíveis de obter com a adição de produtos de corte e, daí, o possível lucro tendo em conta os valores de mercado praticados, em regra, superiores nas pequenas cidades do interior e com algum poder de compra, como é ..., dotada de um polo universitário frequentado por alunos locais e forasteiros;

- Que a atividade do arguido se desenvolveu, por mais de um ano, entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, e só terminou com a sua detenção e prisão preventiva, em 14 de dezembro de 2022, apesar de já antes ter sido detido na posse de produto estupefaciente daquela natureza, nos dias 4.01.2022 e 22.08.2022, demonstrando inabalável determinação na continuação da atividade de tráfico (factos 4 a 6);

- Ocasiões em que lhe foi apreendido produto estupefaciente numa quantidade global de 32, 698g de heroína e de 2,375g de cocaína, correspondentes a cerca de 70 e 35 doses diárias, respetivamente, a que se devem somar as vendidas no referido período de cerca de um ano durante o qual, de modo persistente e continuado, se dedicou à compra e venda de estupefacientes a fornecedores externos e aos cinco consumidores identificados e outros, em número não apurado, alguns daqueles diária ou semanalmente, perfazendo milhares de doses transacionadas, a valores que oscilavam entre os € 19,00 e os € 30,00 (factos 1 e 3 a 7)

*

As circunstâncias descritas sobre o modo e locais de atuação do arguido, modo de vida em que persistiu durante 13 meses, até ser detido e preso preventivamente, apesar das duas anteriores detenções, a quantidade, natureza, qualidade e estado de preparação variadas e diferenciados do produto estupefaciente transacionado e apreendido, são, por si só, suficientes para evidenciar um grau da ilicitude incompatível com a condição de que depende a aplicação do artigo 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, traduzida numa imagem global de “ilicitude consideravelmente diminuída”.

As quais, combinadas com as regras da experiência comum ou do normal acontecer e sem beliscar o princípio do in dubio pro reo, transmitem uma imagem global da conduta do arguido insuscetível de consubstanciar a referida “ilicitude consideravelmente diminuída”, que não meramente diminuída como por ele alegado, antes a posicionam num grau de ilicitude cabível nos parâmetros normais da atividade ilícita relacionada com o tráfico de estupefacientes estabelecidos no tipo base do artigo 21º, por estar fora da órbita dos pequenos traficantes, designadamente dos chamados “dealers” de rua, que atuam na dependência de terceiros, pese embora se possa conceder próximo da referida “zona cinzenta ou intermédia” e/ou dos chamados “correios” de droga.

Por conseguinte, do quadro factual provado, devidamente contextualizado e interpretado, como se concluiu no acórdão recorrido, suportado na jurisprudência que cita e naquela referenciada no parecer do Ministério Público neste Tribunal emitido aquando do primitivo recurso, não se vê como possa dele extrair-se a indispensável acentuada diminuição da ilicitude da conduta do recorrente, capaz de permitir integrá-la na previsão do artigo 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, a qual só pode, como foi, ser integrada no tipo base ou comum de tráfico previsto no artigo 21º do mesmo diploma legal5.

Assim sendo, mantém-se esse enquadramento jurídico – criminal, com a improcedência do recurso neste segmento.

2. 3. Medida da pena de prisão aplicada [conclusão 4ª].

Por fim, embora reconhecendo que os factos integrantes do crime de tráfico de estupefacientes se revestem de indiscutível gravidade, a extensão dos seus antecedentes criminais registados, a sua desestruturação pessoal e social e a ausência de projeto de vida, o recorrente discorda da medida da pena em que foi condenado, pretendendo vê-la substancialmente reduzida, sem concretizar a medida, por a considerar “desajustada”.

Sustenta esta sua pretensão nas circunstâncias de ser consumidor de produtos estupefacientes desde a adolescência, frequentar programa de manutenção opióide, ser reduzida a qualidade do produto estupefaciente apreendido e de ser esta a primeira vez que pratica o crime de tráfico de estupefacientes.

Vejamos se lhe assiste razão.

*

É hoje consensual a ideia de que a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades de prevenção das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP6.

Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e melhor pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).

Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).

Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.

Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

(…)».

À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como tem sido jurisprudência constante do STJ “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada7.

No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor:

«IV. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME

Feito o enquadramento jurídico-penal dos factos importa agora proceder, de acordo com os critérios legais, à fixação da medida concreta da pena a aplicar.

Como ensina Figueiredo Dias, “a determinação definitiva da pena é alcançada pelo juiz da causa através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira, o juiz investiga e determina a moldura penal (…) aplicável ao caso, na segunda, o juiz investiga e determina dentro daquela moldura legal, a medida concreta da pena que vai aplicar; na terceira - (…) não necessariamente posterior, de um ponto de vista cronológico, à segunda – o juiz escolhe (dentre as penas postas à sua disposição no caso, através dos mecanismos das “penas alternativas” ou das “penas de substituição”) a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.”.

O Código Penal traça um sistema punitivo que parte do princípio basilar que as penas não têm como finalidade a retribuição pelo mal causado pelo crime (teoria da retribuição), mas justificam-se por necessidades de prevenção geral e especial (teoria da prevenção).

Ora, dispõe o artigo 40.º, do Código Penal, que a aplicação de penas, visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Assim, a finalidade primária da pena deverá ser prevenção geral positiva através do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime dir-se-á que a pena serve de interpelação social que chama à atenção para a relevância do bem jurídico que é atingido pela prática do crime, servindo de instrumento para a reposição da confiança, na comunidade jurídica, na validade da norma jurídica que foi violada e no próprio sistema jurídico-penal que foi atingido. A pena deve ainda favorecer a reinserção social do agente do crime e deverá ser concebida como apelo e convite à “reconciliação” entre esse agente e a comunidade ofendida com a prática do crime – prevenção geral negativa.

Na medida concreta da pena, ter-se-á em conta o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, estabelecendo que a mesma é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

No processo de escolha da medida da reacção criminal a culpa assume, a dignidade de pressuposto incontornável de toda e qualquer punição. A pena deve ser adequada à culpa, não querendo isto significar que a mesma seja fundamento da pena, mas antes limite e pressuposto da pena.

Cumpre, portanto, fixar a medida concreta da pena, tomando-se nesta senda necessariamente, como já referimos, a culpa do agente – limite inultrapassável da pena – e as exigências de prevenção – artigo 71.º, n.º1 e 40.º, do Código Penal.

*

DA INDICAÇÃO DA MOLDURA ABSTRACTA DAS PENAS

O crime de tráfico previsto no artigo 21.º, n.º 1, do citado Decreto Lei n.º15/93, é punido com pena de 4 a 12 anos.

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DA ESCOLHA DA NATUREZA DA PENA

Foi o legislador que, atendendo aos ponderosos interesses em causa, afastou a regra da preferência pela pena não detentiva nos crimes de tráfico de estupefacientes, nos termos da disposição legal supra mencionadas, impondo a pena de prisão como pena única aplicável.

*

DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA

Num segundo momento, cumpre ao Tribunal determinar a medida da pena que, nos termos do artigo 71.º, do Código Penal, tem como critérios a culpa do agente (entendida como o juízo de censura ético-jurídico dirigido ao agente por não ter agido de modo diverso, conforme o direito, pressupondo a liberdade e “poder agir de outra maneira”) e as exigências de prevenção, com as funções inerentes definidas na chamada moldura de prevenção ou de defesa do ordenamento jurídico. Nos termos do n.º 2 daquele normativo, o Tribunal deve, para determinação da medida concreta da pena, atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.

Temos, pois de apreciar, nomeadamente:

- as exigências de prevenção geral, bastante elevadas atendendo às consequências consabidamente nefastas do consumo deste tipo de substâncias, não só porque crimes desta natureza perturba gravemente a ordem e tranquilidade públicas, mas também porque se tem em vista combater a proliferação de todas essas substâncias e plantas que destroem física e psiquicamente quem as ingere. Tratar-se-ão assim de todas as substâncias que, quando introduzidas num organismo vivo, pode modificar uma ou mais funções e que no limite poderão levar à destruição total do mesmo e que, utilizadas abusivamente podem criar dependência física e/ou psíquica, com o inerente aumento da criminalidade.

- o grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das consequências, que é medianamente acentuada, tendo em conta, designadamente:

 As quantidades de estupefacientes que detinha consigo e que por conta dos consumidores que foram possíveis identificar, deslocações diárias ou várias vezes por semana, pagando um dos consumidores diários a quantia de € 30,00;

 O período de tempo em que desenvolveu a actividade de tráfico, que se prolongou por mais de um ano;

 A natureza dos produtos objecto dessa actividade – cocaína e heroína, substâncias altamente tóxicas, tratando-se de drogas que mais rápida habituação produzem, causando fortíssima dependência psicológica e também, no caso da heroína, física, sendo as consequências do seu consumo altamente perniciosas, tanto para o consumidor como para a sociedade, estando incluídas no grupo das chamadas "drogas duras”.

 o local onde o arguido oculta o produto estupefaciente e o facto de entregar o produto para transporte, a uma consumidora.

 O modo de execução que é banal neste tipo de actividade, sem particular sofisticação;

- A intensidade do dolo, na forma mais grave, dolo directo, o qual, sendo intenso, corresponde à forma normal de actuar nestes casos/adequado à dinâmica delitiva.

- conduta anterior e posterior ao facto: em claro desfavor do arguido, o arguido adoptou uma atitude de indiferença, revelando não ter interiorizado o desvalor da sua conduta, negando todos os factos e tentando incutir a ideia de que se trata de mero consumidor, com vista à sua desresponsabilização.

- as necessidades de prevenção especial, que se revelam: muito elevadas, pois o arguido tem um vasto percurso de delitos criminais, mormente, desde 1987, designadamente crimes de furto (inclusive qualificado), ofensas à integridade física, introdução em lugar vedado ao público, condução sem habilitação legal, ameaça agravada, injúria agravada, roubo, tendo mesmo sido condenado em pena de prisão efectivas.

O arguido revela uma parca inserção social, familiar e económica, igualmente padecendo de problemas aditivos com estupefacientes.

Encontra-se, desde 16.12.2022 (data da sua reclusão) até à presente data, em tratamento de opióide com metadona.

Assim, atenta a moldura penal abstracta supra referida, a culpa do arguido e consideradas todas as circunstâncias já descritas, considera-se ser adequada a condenação ao arguido na PENA DE 6 ANOS E 10 MESES DE PRISÃO.».

*

Deste excerto resulta indiscutível que o acórdão recorrido procedeu às operações necessárias à determinação da pena concreta aplicada ao recorrente, no respeito pelas finalidades e critérios definidos nos artigos 40º e 71º, n.ºs 1 e 2, do CP, ponderando e valorando todas a circunstâncias que depõem a seu favor e em seu desabono.

Todavia, como se viu no ponto anterior quanto à questão da integração dos factos em apreço no crime de tráfico de menor gravidade ou no tipo de tráfico de base p. e p., respetivamente, pelos artigos 25º, al. a), e 21º, do Decreto-Lei n.º 15/93, pese embora se tenha concluído pelo segundo, por não poder extrair-se das circunstâncias do caso uma imagem global de considerável diminuição da ilicitude, não deixou de se considerar que a atuação do recorrente se situava na orla da designada “zona cinzenta ou intermédia”, daqueles dois tipos legais, é dizer, próximo do círculo delimitador da zona de sobreposição das respetivas molduras penais abstratas, entre os 4 e os 5 anos de prisão, em função da reduzida ou nula sofisticação organizacional na sua atuação, ainda que sem se confundir com o tradicional “dealer” de rua, por atuar com autonomia relativamente a terceiros e, por isso, ser o “dono do negócio” a que se dedicou, persistentemente e como modo de vida, durante cerca de um ano.

Daí que, mesmo considerando também a natureza e quantidade do produto estupefaciente apreendido em três ocasiões, 32,698 g de heroína e 2,375 g de cocaína, o seu grau de pureza variado mas só numa dose superior a 50%, se afigure impróprio considerar “o grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das consequências, que é medianamente acentuada (,,,)”, antes se afigurando forçoso concluir pela sua baixa ou mediana ilicitude dentro do tipo base ou fundamental do artigo 21º.

Por outro lado, também a valoração dos antecedentes criminais registados do arguido, sem dúvida vastos e demonstrativos das elevadas exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, a par das também elevadas exigências de prevenção geral, já antes assinaladas, não pode deixar de levar-se em conta que, apesar deles, esta é a primeira situação em que o mesmo se confronta com o sistema de justiça pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, de que é comprovadamente consumidor desde a adolescência, frequentando em reclusão o programa de tratamento à dependência de “opióides”, no sentido do esbatimento da respetiva intensidade.

Assim sendo e pese embora a culpa também intensa com que atuou, por razões de justiça absoluta e relativa, nomeadamente em face do referencial jurisprudencial do STJ para situações similares, afigura-se que a pena fixada no acórdão recorrido se mostra inflacionada, por desproporcional, merecendo por isso ser corrigida no sentido da respetiva diminuição para medida concreta condizente com essa praxis jurisprudencial, ou seja, para próximo da referida “zona cinzenta ou intermédia” da moldura penal abstrata ou legal, fixando-se nos 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, medida que, além de justa, se mostra suficiente e adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.

Nesse sentido podem ver-se os acórdãos proferidos nos processos n.ºs 2/20.0GABJA.S1 e 67/21.8JELSB.S1, acima citados, e, mais recentemente, o acórdão de 11.01.2024, proferido no processo n.º 8/21.2GABJA.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, em situação similar, mas objetiva e subjetivamente mais grave, face ao tempo, quantidade e valor dos produtos estupefacientes apreendidos e transacionados e à reincidência do condenado8:

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

a) Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA, condenando-o na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabela I-A e I-B a ele anexas, mantendo-se o acórdão recorrido em tudo o mais;

b) Sem custas (cfr. artigo 513º, n.º 1, do CPP).

*

Dê conhecimento, com cópia, ao JCC...– J 2 (artigo 215º, n.º 6, do CPP).

Lisboa, d. s. c.

(Processado e revisto pelo relator e assinado eletronicamente por todos os juízes conselheiros)

João Rato (relator)

Albertina Pereira (1º adjunto)

Jorge Gonçalves (2º adjunto)

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________________




1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

  Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

2. Neste ponto constava do anterior acórdão do JCC... – J 2 o trecho “e em sede de 1.º interrogatório judicial”, agora expurgado conforme determinado pelo acórdão do STJ de 4.07.2024.↩︎

3. Na anotação ao Decreto – Lei 15/93, de 22.02, in Comentário das leis penais extravagantes, [coord. de] Paulo Pinto de Albuquerque. José Branco – Lisboa: UCP Editora, 2011 -, vol. 2, pp. 481 e ss.,↩︎

4. Ver, por todos, o acórdão do STJ, de 25.05.2023, proferido no processo n.º 2/20.0GABJA.S1, relatado pelo Conselheira Helena Moniz, e os demais nele resenhados, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

5. No mesmo sentido e com profusa resenha doutrinal e jurisprudencial podem ver-se, na doutrina, Pedro Pato, in ob. e loc. cit., e, na jurisprudência, além do referenciado na nota anterior, o acórdão do STJ, de 21.03.2024, proferido no processo n.º 67/21.8JELSB.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, disponível no sítio HTTPS:/não como pena principal/www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

6. Para maiores desenvolvimentos, pode ver-se Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54, na esteira de Figueiredo Dias, em Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

7. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

8. Todos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎