Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
158/09.3GBAVV.G2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: RECURSO PENAL
FUNDAMENTAÇÃO
REEXAME DA MATÉRIA DE FACTO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
Data do Acordão: 11/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - Princípio de matriz constitucional essencial em matéria de decisões judiciais é o princípio da fundamentação, consagrado no art. 205.º, n.º 1, da CRP, que se traduz na obrigatoriedade do tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão (cf. art. 97.º, n.º 4, do CPP).
II - Assim, de acordo com o art. 374.º do CPP, a sentença, para além de requisitos formais ali expressamente previstos, deve incluir a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
III - A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e não provados, para o que os deve enumerar, mas também que explicite, de forma expressa, o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, impondo, ainda, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou sanção a cominar, posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem.
IV - Como o STJ vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido.
Decisão Texto Integral:                                        
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 158/09.3GBAVV, do Tribunal Judicial da comarca de Arcos de Valdevez, foi condenado, entre outros, AA, com os sinais dos autos, como autor material, em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida na pena conjunta de 8 anos e 4 meses de prisão.

Na sequência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Guimarães foi confirmada a decisão de 1ª instância.

O arguido interpõe agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada:

1. O acórdão agora recorrido entende que não há na sentença condenatória qualquer vício de falta de exame crítico da prova e que a fundamentação, apesar de não ser aprofundada é suficiente e satisfatória.

2. O acórdão recorrido diz que exigir maior profundidade e exaustão na fundamentação é desnecessário e portanto manifestamente excessivo.

3. O acórdão confronta-se com uma mera fundamentação satisfatória. Viola assim claramente o n.º 2 do artigo 374º do CPP.

4. A fundamentação exige a enumeração dos factos provados e não provados, exige a exposição completa (ainda que concisa) dos motivos de factos e de direito que fundamentam a decisão e o exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção.

5. Os motivos de facto e de direito são: “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

6. O exame crítico é o conjunto “das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, a razão de determinada opção relevante por um por outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o Tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo Tribunal e das razões da sua convicção.

7. O acórdão, e outrossim o acórdão do Tribunal de 1ª instância, são omissos nestes dois domínios, não fundamentam a apreciação da prova e não examinam criticamente as provas.

8. Nada dizem quanto a que provas apontam concretamente para a afirmação de que é o arguido o importador de droga de Espanha. Que conversas telefónicas apontam no sentido de que o recorrente vende produtos estupefacientes? Que relação há entre as escutas telefónicas e a única vigilância efectuada ao arguido (da qual aliás nada resultou)?

9. Lido o acórdão em verdade ficou-se sem saber em que termos é que cada uma das provas indicadas relevou para a decisão de imputar ao arguido os factos dados como provados.

10. Não se constata no presente acórdão recorrido tal-qualmente na sentença, apesar da tentativa, um esforço real de explicação das razões que levaram à decisão proferida. Sendo certo que o Tribunal considerou as razões, a verdade é que para além da consideração tem que as expor para se poder sindicar (quer o recorrente quer o Tribunal superior) o processo de formação da convicção, o que no caso não é possível alcançar.

11. Tão essencial como enumerar os factos provados e não provados é indicar as razões que levaram a essa enumeração.

É nulo o acórdão por falta de fundamentação, porque também a não tem o acórdão de 1ª instância e assim deve ser anulado.

12. O acórdão violou o disposto no artigo 374º, n.º 2, do CPP.

Na contra-motivação o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso, sob a alegação de que o acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal, designadamente o n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal.

Igual posição assumiu a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste instância, ao declarar subscrever os fundamentos constantes da contra-motivação apresentada.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

                                        

Delimitando o objecto do recurso verificamos que nas conclusões que extraiu da motivação apresentada o arguido AA circunscreve a impugnação à arguição de nulidade do acórdão recorrido e do acórdão de 1ª instância, alegando que ambos enfermam de falta de fundamentação em matéria de apreciação e exame crítico das provas.

Vejamos pois se o acórdão impugnado e o acórdão proferido em 1ª instância enfermam ou não da nulidade arguida.

É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto em 1ª instância (factos provados e respectiva motivação)[1]:

« No dia 31 de Março de 2009, no Jardim dos Centenários, Arcos de Valdevez, foram apreendidas ao arguido BB duas porções de haxixe, com o peso líquido total de 21,062 g, € 140,00 em notas do Banco Central Europeu e um telemóvel "Samsung".

Na residência do mesmo arguido, nesta vila, foram apreendidos uma caixa de fósforos com 2,092 g de sementes de cannabis, um saco com 12,506 g de sementes de cannabis, um moinho para triturar cannabis e haxixe e um bloco de apontamentos com nomes de devedores de aquisições de haxixe.

Aquele haxixe tinha sido adquirido pelo arguido BB a pessoa desconhecida, a troco de quantia em dinheiro não concretamente apurada. 0 mesmo arguido pretendia vender esse haxixe a um número indeterminado de pessoas, que para esse efeito o contactavam pelo aludido telemóvel (com o n.º 00000000), e com quem acertaria as condições de venda e entrega do produto.

Assim, desde data não concretamente apurada de 2008 até 31 de Março de 2009, o arguido BB:

-           partilhou com CC, sua namorada, haxixe, que esta destinava ao seu consumo;

-           vendia a DD, que contactava o arguido por telemóvel e se encontrava depois com ele no Jardim dos Centenários, uma média de € 50,00 por mês de haxixe;

-           vendia a EE, que contactava o arguido por telemóvel, liamba, no valor de cerca de € 10,00 por semana;

-           vendeu haxixe, por várias vezes, a FF, que contactava previamente o arguido por telemóvel, para se encontrarem.

O moinho apreendido ao arguido BB destinava-se à preparação do haxixe e da liamba, e o dinheiro apreendido ao mesmo arguido era produto da venda de estupefacientes.

No período de tempo supra referido, o arguido BB não exerceu qualquer actividade profissional, e era consumidor de haxixe.

No dia 1 de Setembro de 2009, na residência do arguido GG, sita na rua ......., nesta vila, foram-lhe apreendidos: um saco de plástico com 23,477 g de haxixe, uma planta de cannabis, com 12,60 g (e, seca, com o peso de 3,184 g), três telemóveis (um "Nokia" n.s 0000000000000, um "Samsung" n.s 000000000 e um "Samsung" n.s 00000000, um frasco com amoníaco, uma colher em inox, um rolo de prata de cozinha, uma lata de gás de isqueiro, um objecto em madeira com formato de cachimbo e o automóvel "Citroen" 00-00-00,

GG pretendia vender aquele produto estupefaciente, a troco de dinheiro, a um número indeterminado de pessoas que o procurasse, e com quem acertaria as condições de preço e de entrega.

A partir de data não concretamente apurada de 2008 e até 1 de Setembro de 2009, vários indivíduos contactavam o arguido GG, nomeadamente para os telemóveis n.s 0000000 e 0000000, com quem este acertava as condições de venda e de entrega quer de haxixe quer de liamba, entre os quais:

- HH adquiriu-lhe haxixe por mais de uma ocasião, gastando € 20,00 de cada vez;

-           II comprou-lhe uma vez haxixe por € 5,00, e noutra o arguido cedeu-lhe a mesma substancia sem nada receber;

-           JJ comprou-lhe 4 vezes haxixe, no Verão de 2009, gastando cerca de € 10,00 de cada vez;

-           KK comprou-lhe, entre Maio e Agosto de 2009, haxixe numa média de € 10,00 por dia;

-           LL comprou-lhe, em Junho, Julho e Agosto de 2009, haxixe numa média de € 20,00 por semana;

-           MM comprou-lhe, em Junho, Julho e Agosto de 2009, haxixe numa média de € 20,00 por semana;

-           NN comprava-lhe cerca de €20,00 de haxixe por semana;

-           OO comprou-lhe várias vezes, durante dois meses no Verão de 2009, haxixe a € 10,00 por dose;

-           PP comprava-lhe haxixe à razão de € 50,00 por semana, e comprou-lhe pelo menos um saco de liamba no valor de € 100,00, este juntamente com o seu irmão SS;

-           QQ comprava-lhe haxixe à razão de € 10,00 por mês;

-           RR comprava-lhe haxixe à razão de € 10,00 por mês;

-           SS comprava-lhe haxixe, e vários sacos de liamba por € 100,00 cada um;

-           EE comprava-lhe haxixe à razão de € 10,00 por semana;

-           TT comprava-lhe haxixe, gastando cerca de €5,00 por semana;

-          UU comprava-lhe haxixe, no valor de cerca de € 40,00 por semana;

-           a FF, o arguido cedia-lhe por vezes haxixe sem qualquer contrapartida;

-           VV comprava-lhe haxixe à razão de € 50,00 por mês;

-           ZZ comprou-lhe várias vezes haxixe;

-           AAA comprou-lhe haxixe por várias vezes, gastando cerca de € 20,00 de cada vez,

Em Junho de 2009, a pedido do arguido GG, VV levou-o no seu automóvel a Monção para aquele lhe comprar haxixe; uma vez chegados a uma freguesia próxima de Monção, apareceu um indivíduo no interior de um Renault 19, branco (o 00-00-00, pertença do arguido BBB), que entregou haxixe ao arguido GG. Este, em pagamento, entregou € 100,00 ao vendedor.

Em data concretamente não apurada, a pedido de XX, que pretendia € 20,00 de haxixe, o arguido GG deslocou-se a Monção acompanhado daquele, com o intuito de ir ao encontro do arguido BBB; uma vez em Monção, o arguido GG adquiriu haxixe ao arguido BBB, que depois entregou a XX.

O arguido GG utilizava os telemóveis apreendidos para conversar com os consumidores e com os fornecedores dos produtos estupefacientes, e usava o veículo automóvel 00-00-00 para se deslocar a Monção, para adquirir aqueles produtos. Os demais objectos apreendidos a este arguido eram usados para a actividade de venda, preparação e acondicionamento de droga.

Durante o referido período de tempo, o arguido GG não exerceu qualquer actividade profissional remunerada, vivendo do lucro obtido com a venda de estupefacientes e permanecendo, grande parte do dia, no Jardim dos Centenários e junto ao rio Vez, nesta vila, onde concretizava tais vendas. Era toxicodependente de cocaína, consumindo cerca de 1 g por dia.

Desde data não concretamente apurada de 2008 até 1 de Setembro de 2009, o arguido CCC forneceu liamba, em sacos, por diversas vezes, a troco de dinheiro, ao arguido GG. Este vendia, depois, cada saco com liamba por € 100,00 aos consumidores.

0 arguido GG chegou a vender sacos com liamba, peio mesmo preço, ao arguido BBB que, por sua vez, a revendia por preço superior a um número indeterminado de consumidores.

No dia 1 de Setembro de 2009, foram apreendidos ao arguido CCC, na sua residência, um telemóvel "Motorola" n.0000000, uma carteira com mortalhas e um saco com 2,804 g de liamba.

Em datas não concretamente apuradas do Verão de 2009, DDD comprou, por duas vezes, um saco de liamba ao arguido CCC, por quantia não apurada.

Durante 2009, o arguido CCC vendeu, pelo menos duas vezes, haxixe a EEE, por valor não apurado; EEE consumia, pelo menos, € 20,00 por mês de haxixe.

Em meados de 2009, a pedido de FFF, o arguido CCC ofereceu-lhe haxixe que deu para fazer um charro.

Os três consumidores acima descritos, bem como o arguido GG, estabeleciam contactos telefónicos com o arguido CCC ligando para o seu telemóvel supra referido, tendo em vista as transacções de liamba e de haxixe.

Desde data não concretamente apurada de 2008 até à detenção do arguido GG, este tinha um acordo com o arguido GGG, seu primo, nos termos do qual lhe entregava haxixe para este vender aos diversos consumidores que o procuravam.

Após concluir aquela venda, o arguido GGG guardava para si parte não concretamente apurada do dinheiro obtido e dava o restante valor ao arguido GG, que lhe entregava, novamente, haxixe para repetição do procedimento anteriormente descrito.

No dia 1 de Setembro de 2009, foram apreendidos, na residência do arguido GGG, uma caixa com sementes de cannabis, 9 folhas com contactos escritos e dois telemóveis "Nokia", com os ns. 00000000 e 0000000.

O arguido GGG utilizava tais telemóveis para conversar com os consumidores de estupefacientes que lhe quisessem efectuar alguma aquisição desse teor.

A partir de data não concretamente apurada de 2008 e até 1 de Setembro de 2009, vários indivíduos contactavam o arguido GGG, nomeadamente por telemóvel, com quem este acertava as condições de venda e de entrega de estupefaciente, entre os quais:

-       MM comprou-lhe pelo menos uma vez haxixe;

-           II comprava-lhe por várias vezes haxixe (este gastava nesse consumo cerca de € 150,00 por mês, aí se incluindo compras a outras pessoas);

-          HHH comprava-lhe por diversas vezes haxixe, numa média semanal de € 20,00;

-           PP comprou-lhe uma vez haxixe, por € 10,00.

No dia 24 de Agosto de 2009, a pedido do arguido III, que pretendia comprar um quilograma de haxixe, o arguido JJJ contactou telefonicamente o arguido BBB, após as 20 h, e encomendou-lhe aquela quantidade de haxixe, pelo preço de € 1,700,00.

Nessa noite, pelas 21h20m, os arguidos JJJ e BBB encontraram-se na rotunda, à entrada de Monção, onde levaram a efeito o acordo supra indicado, tendo sido o arguido III que pagou aquele preço e a quem foi entregue o haxixe.

Pelas 22h30m da mesma noite, na E.N. 101, em Aguiã, Arcos de Valdevez, foi apreendido ao arguido III, no seu veículo de matrícula 00-00-00, onde se encontrava o arguido JJJ, aquele haxixe, com o peso de 986,331 g.

Em datas não concretamente apuradas de 2009, o arguido III cedeu haxixe, pelo menos por duas vezes, a HH.

No dia 1 de Setembro de 2009, foram apreendidos ao arguido BBB, na sua residência em Mazedo, Monção:

-          12 porções de haxixe com o peso total de 140,517 g;

-           20 panfletos de cocaína com o peso total de 7,956 g;

-           uma embalagem com 5 placas de haxixe com o peso total de 494,144 g;

-           um saco de liamba com o peso total de 2,266 g;

-           um saco com várias porções de haxixe com o peso total de 100,061 g;

-          uma planta de cannabis num vaso, com o peso, depois de seca, de 0,480 g;

-         3 navalhas com resíduos de haxixe, 2 balanças digitais, recortes circulares e quadrados de plástico para acondicionar cocaína, uma faca de cozinha com resíduos de cocaína, uma tesoura de costura e um frasco com bicarbonato de sódio;

-           um telemóvel "Nokia" n.º 000000000, um telemóvel "Sagen" IMEI 0000000000000, um telemóvel "Nokia" IMEI 00000000000000, um telemóvel "IG", três cartões para telemóvel, 29 manuscritos com nomes e números de telemóveis, 25 manuscritos com números de telemóveis e nomes e uma agenda com manuscritos de nomes e números de telemóvel;

-           € 4.680,00 em notas do Banco Central Europeu e 10 talões de depósitos bancários, efectuados entre 13 de Maio e 19 de Agosto de 2009 numa conta em nome do arguido no "Millennium", no valor de € 9.300,00;

-           os veículos "Lancia", de matrícula 00-00-00, e "Renault", de matrícula 00-00-00, pertencentes ao arguido;

-           uma carabina calibre 22, marca "Kassnar" n.g 0000000, com carregador.

O arguido BBB pretendia vender aqueles estupefacientes a um número indeterminado de consumidores que para esse fim o procuravam.

A partir de data não concretamente apurada de 2008 e até 1 de Setembro de 2009, vários indivíduos contactavam o arguido BBB, nomeadamente para o telemóvel n.° 0000000000, que com ele acertavam as condições de venda e entrega de haxixe, cocaína e liamba, e que depois se encontravam no café "Zapp", em Monção, ou na rotunda à entrada dessa vila, entre os quais:

-           IIs comprava por várias vezes haxixe ao arguido BBB (aquele gastava nesse consumo cerca de € 150,00 por mês, aí se incluindo compras a outras pessoas);

-          HHH comprava-lhe haxixe, no valor de cerca de € 15,00 por semana;

-           KKK comprava-lhe cerca de € 20,00 por semana de haxixe, e cerca de € 60,00 de cocaína por mês;

-           LLL comprava-lhe haxixe e cocaína,  no valor médio mensal de € 180,00;

-           MMM comprou-lhe por duas vezes meio grama de cocaína, pagando-lhe € 30,00 de cada vez;

-           NNN comprava-lhe haxixe e cocaína, no valor médio mensal de € 40,00;

-          OOO comprava-lhe haxixe, no valor médio mensal de € 100,00;

-           PPP comprava-lhe haxixe e cocaína, no valor médio mensal de € 150,00;

-           QQQ comprava-lhe haxixe e cocaína, no valor médio mensal de € 80,00;

-           RRR comprava-lhe haxixe, para o gasto mensal de cerca de €10,00;

-           LL comprava-lhe haxixe e cocaína, no valor médio mensal de € 250,00;

-           SSS comprava-lhe haxixe e cocaína, no valor médio mensal de € 120,00;

-           TTT comprava-lhe haxixe, no valor médio mensal de € 30,00;

-           UUU comprava-lhe haxixe e liamba,  no  valor médio semanal de € 20,00;

-           VVV comprava-lhe haxixe, no valor médio mensal de € 20,00;

-           XXX comprava-lhe cocaína, no valor médio mensal de €60,00;

           ZZZ comprava-lhe cocaína e haxixe, no valor médio mensal de € 150,00;

-           AAAA comprava-lhe cocaína e haxixe, no valor médio mensal de € 300,00;

-           BBBB comprava-lhe cocaína, no valor médio mensal de € 180,00;

-           CCCC comprou-lhe duas vezes haxixe e uma vez cocaína, por valores não apurados;

-           DDDD comprava-lhe cocaína, no valor médio mensal de €120,00;

-           EEEE comprou-lhe por duas vezes cocaína, gastando ao todo € 60,00;

-           FFFF, dono do café "Zapp", comprou-lhe por duas vezes cocaína, e comprava-lhe haxixe, por montantes não apurados.

BBB fornecia haxixe, a troco de dinheiro, ao arguido GG, que depois efectuava a respectiva revenda, por um preço superior, nos Arcos de Valdevez, aos diversos consumidores que aí o procuravam. Para aquele fim, o arguido GG deslocava-se a Monção no seu automóvel 00-00-00, onde se encontrava com o arguido BBB nos locais previamente combinados entre ambos por telemóvel. Para ir a esses encontros, o arguido BBB fazia uso dos dois veículos que lhe foram apreendidos.

O dinheiro apreendido ao arguido BBB, bem como o dos depósitos bancários que efectuou, eram fruto da venda de drogas. Os demais objectos que lhe foram apreendidos eram essenciais para a actividade de preparação, acondicionamento e venda de estupefacientes.

Durante o período de tempo em apreço, o arguido BBB não exerceu qualquer actividade profissional remunerada, vivendo exclusivamente do lucro obtido com a venda de estupefacientes.

A espingarda apreendida ao arguido BBB, da classe C, não se encontrava manifestada ou registada em seu nome, e o mesmo não tinha licença para detenção ou uso e porte de arma.

Desde data não concretamente apurada de 2008 até 1 de Setembro de 2009, o arguido BBB adquiriu ao arguido AA, por diversas vezes, a troco de dinheiro, quantidades concretamente não apuradas de cocaína e de haxixe. 0 arguido BBB destinava tais estupefacientes a revenda, que efectuava aos diversos compradores que o procuravam, designadamente, quanto ao haxixe, ao arguido GG, que por sua vez o revendia nos Arcos de Valdevez.

Para aquele negócio, o arguido BBB contactava pelo seu aludido telemóvel o arguido AA (que tinha o número, da rede espanhola, 00000000), e encontravam-se em locais que combinavam, em Monção, geralmente ermos, como em Calvário, Poutadas, na lixeira desactivada e junto ao cemitério de Mazedo.

No dia 1 de Setembro de 2009, foram apreendidos ao arguido AA um saco com 1,039 g de cocaína, um saco com 12,284 g de cocaína, uma balança digital, um telemóvel "Nokia" n.e 0000000000, € 3.200,00 em notas do Banco Central Europeu, o veículo automóvel "Audi" 00-00-00 e uma espingarda marca "Canna Cromata", n.s 0000.

0 arguido AA pretendia vender aquela cocaína.

0 veículo automóvel apreendido ao arguido AA, de sua propriedade, era por ele usado nos deslocações para os locais onde efectuava os aludidos negócios de compra e venda de estupefacientes com o arguido BBB.

O dinheiro apreendido ao arguido AA era fruto da venda de estupefacientes. Os demais objectos que lhe foram apreendidos eram essenciais para a actividade de preparação, acondicionamento e venda de estupefacientes, sendo a balança para a respectiva pesagem.

A espingarda apreendida ao arguido AA, da classe D, não se encontrava manifestada ou registada em seu nome, e o mesmo não tinha licença para detenção ou uso e porte de arma.

Ao actuarem da forma descrita, os arguidos BBB e GG lograram distribuir os estupefacientes por grande número de pessoas, o que sabiam e queriam levar a efeito; com essa distribuição, o arguido BBB obteve, e queria continuar a obter, avultada compensação remuneratória.

Todos os arguidos actuaram querendo e sabendo que, com as descritas condutas, distribuíam, cediam, proporcionavam a outrem e compravam, com o objectivo de vender a quem lhes aprouvesse e aparecesse, os produtos estupefacientes em causa, o que fizeram com intuitos lucrativos e egoísticos, cientes de que tal não lhes era legalmente permitido e que a mera detenção de droga é punível por lei, pois não eram possuidores de qualquer autorização legai para o efeito.

Os arguidos BBB e AA sabiam que a detenção daquelas armas de fogo carecia de autorização legal, e deliberadamente omitiram o cumprimento dessa obrigação.

Todos os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.

No período em causa, o arguido BB não tinha actividade profissional.

0 arguido GG é divorciado, não trabalha, assim como a sua companheira, recebe € 189,00 de rendimento social de inserção por mês e paga, no mesmo período, € 150,00 de renda de casa.

O arguido CCC é solteiro, ganha € 500,00 por mês como instrutor de ginástica no ginásio da família e vive com os pais, não sendo proprietário de bens imóveis. À data dos factos, consumia estupefacientes; desde 9 de Setembro de 2009, tem feito tratamento à dependência no IDT de Viana do Castelo, com acompanhamento psicológico quinzenal e evolução positiva, embora com alguns testes positivos para o consumo de droga.

O arguido GGG está desempregado da área da hotelaria há dois anos, e vive com os pais, ele empregado de balcão e ela doméstica; à data dos factos, era consumidor de haxixe.

0 Arguido JJJ tem um contrato de trabalho sem termo com o GAF de Viana do Castelo, onde desempenha a função de ajudante de acção directa, com a retribuição mensal ilíquida de € 507,00, a que acresce um subsídio de turno de € 126,75; vive com os pois e um irmão.

O arguido III é operário fabril, ganha € 700,00 por mês e vive com uma companheira, ajudante de cabeleireiro, que aufere € 500,00 por mês; têm uma filha de 8 anos, e pagam € 250,00 mensais de renda de casa. À data dos factos, era consumidor de haxixe; uma pesquisa de canabinóides ao seu organismo feita a 16 de Abril de 2010 deu resultado negativo, tendo demonstrado arrependimento pelo que fez. Tem tido progressão profissional e é bem visto no seu local de trabalho.

0 arguido BBB é divorciado e vivia sozinho, antes da detenção, em casa de um filho maior.

O arguido AA ganha € 1.200,00 por mês como empresário de construção civil, a companheira está desempregada e vivem em casa própria, com dois filhos menores. Na sua freguesia, é tido como trabalhador.

Os arguidos BB, CCC, GGG, JJJ, III e AA não têm antecedentes criminais.

O arguido GG foi condenado pela prática dos seguintes crimes:

-           em 2003, furto qualificado, na pena de um ano de prisão, suspensa por dois anos, que foi julgada extinta após o período da suspensão;

-           em 2004, detenção de arma proibida, em pena de multa, que foi convertida em prisão subsidiária e cumprida pelo arguido em 2008;

-           em 2006, furto simples, em pena de multa;

-           em 2006, burla para obtenção de alimentos, em pena de multa, que pagou;

-           em 2008, furto qualificado, em pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período.

0 arguido BBB foi condenado pela prática dos seguintes crimes:

-           em 2007, condução sob o efeito do álcool, em pena de multa, que pagou;

-           em 2008, desobediência, em pena de multa, que pagou após a conversão da mesma em prisão subsidiária.

FUNDAMENTAÇÃO

O tribunal assentou a sua convicção na análise crítica de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência comum: concretizando esta afirmação, cabe referir que, ao contrário das habituais dificuldades de apuramento dos factos neste tipo de crime, a investigação policial aqui levada a cabo - com destaque para as vigilâncias, articuladas em tempo real com as escutas telefónicas - e a desassombrada prova testemunhal dos compradores "a retalho" dos estupefacientes permitiu aos julgadores ficarem com uma visão clara, sem hiatos e dinâmica, dos factos tal como constam da matéria provada. Assim como o rio corre para o mar, o conjunto dos indícios recolhidos nestes autos, não só pela sua solidez e credibilidade intrínsecas (absolutamente óbvias a qualquer examinador atento da prova) mas também pela ausência de quaisquer outros elementos que os contrariem, só podiam desembocar no descrito nos factos provados, como melhor se explicará a propósito de cada um deles (tanto quanto é possível explicar o evidente).

No silêncio dos demais arguidos, avultam, desde logo, as declarações, prestadas espontaneamente e no início da audiência, do arguido QQQ, que narrou, no essencial, o seu papel no episódio de 24 de Agosto de 2009, bem como as cedências a HH (que este, como testemunha, confirmou).

Para as transacções e entregas de estupefacientes dos arguidos, valeram os depoimentos dos respectivos consumidores, quase na meia centena: todos eles descreveram, com clareza, o tipo de transacção havida com o respectivo vendedor, e foram precisamente esses negócios os plasmados nos factos provados - CC, DD, EE e FF para o arguido BB; HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN,OO, PP, QQ, RR, SS, EE, TT,UU, FF, AA, ZZ e XX, para o arguido GG (sendo as transacções de haxixe, e com os irmãos V..... e SS também de liamba); DDD (comprador de liamba), EEE e FFF (consumidores de haxixe), para o arguido CCC; MM, II,HHH e PP (todos compradores de haxixe) para o arguido GGG; para compras de haxixe ao arguido BBB, as testemunhas II,HHH, KKK, LLL, NNN, 000, PPP, QQQ, RRR, LL, TTT, UUU (também comprador de liamba ao mesmo arguido), UUU, ZZZ, AAAA, CCCC e FFFF; quanto a compras de cocaína ao arguido BBB, serviram os depoimentos de KKK, LLL, MMM,NNN, PPP, QQQ, LL, SSS,XXX, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE e FFFF.

Correspectivamente, e por falta de prova nesse sentido, não resultaram demonstradas compras ou cedência de droga das testemunhas que não foi possível ouvir em audiência - GGGG, já falecido, HHHH, que se escusou a depor dado ser companheira do arguido GG, e os faltosos IIII, JJJJ e EEE.

As intervenções de vários agentes da autoridade foram explicadas nos respectivos depoimentos, que esclareceram as circunstâncias em que ocorreram as diligências por eles efectuadas: a KKKK (interveniente no relatório de seguimento de fls. 285/286, na vigilância de fls. 341/342, e ainda nas diligências de fls. 10 a 15 e 23 a 27 do apenso 3), LLLL (da revista, busca e apreensão ao arguido BB, a fls. 6, 7 e 15, e das vigilâncias de fls. 290 a 292, 315 a 318 e 435/436, ao arguido BBB), MMMM (da diligência de fls. 271/272), NNNN (que fez a busca ao arguido GG, a fls. 559 e seguintes), OOOO(da busca de fls. 602/603, ao arguido P.....), PPPP (da busca de fls. 661 e seguintes, ao arguido CCC), QQQQ (da abordagem e apreensão ao arguido QQQ, a fls. 10 do apenso ao vol. I),RRRR (da vigilância de fls. 197/198, em Monção, envolvendo os arguidos GG e BBB), SSSS (da vigilância de fls. 343, a este último arguido), TTTT(da vigilância de fls. 1767 e das buscas e apreensões ao arguido AA, de fls. 535/536 e 552/553) e UUU (das buscas e apreensões ao arguido BBB, a fls. 477 a 481, 489/490 e 506 a 509).

Foram também úteis, para concluir dos resultados das buscas e apreensões e chegar à identificação dos objectos e produtos encontrados, os demais elementos que aqueles agentes recolheram nas referidas diligências, como fotografias e exames dos objectos apreendidos, testes rápidos aos produtos estupefacientes, documentos e registo de veículos usados pelos arguidos, leitura da memória de telemóveis dos buscados e documentos bancários (fls. 11 a 13 do apenso ao vol. I e, nos autos principais, fls. 9, 10, 17 a 19, 21/22, 27-A, 42, 43, 101, 201, 268, 269, 273, 319, 482 a 487, 495 a 509, 515, 519 a 528, 537/538, 543 a 545, 559 a 570, 573, 604 a 613, 661 a 663, 910, 1072 a 1075, 1120 a 1126 e 1748 a 1751).

Relevaram os relatórios de perícia toxicológica de fls. 1145/1146 e 1758 a 1761, quanto aos estupefacientes apreendidos; as informações das operadoras de telemóvel e dos bancos de fls. 188, 219 a 222, 223 a 227, 294/295, 323/324, 383, 406 a 408, 410, 692/693, 896/897, 1141 a 1143, 1160 a 1182, 1243/1244, 1259 a 1289, 1291 a 1295, 1302/1303, 1309 a 1316, 1321 a 1331, 1334 a 1351, 1395 a 1417, 1426/1427, 1429, 1605 a 1610, 1618 a 1620, 1630 a 1636, 1647, 1651 a 1662, 1664/1665, 1674, 1676 e 1681 a 1686 foram úteis para, na investigação, se chegar à identidade (e ao elevado número, no caso dos arguidos GG e BBB) das pessoas que contactavam os arguidos cujos telefones foram objecto de escutas, com vista à compra de estupefacientes: estas informações, juntamente com as intervenções policiais referidas no parágrafo anterior, é que permitiram trazer esses consumidores ao processo como testemunhas, reforçando, se necessário fosse, a valoração dos respectivos depoimentos, supra referidos.

Para a situação das armas apreendidas aos arguidos BBB e AA, serviu a informação da PSP de fls. 720.

Foram ainda de grande utilidade, porque abundantemente ilustrativas da forma como os arguidos desenvolviam a actividade, a sua frequência e a sua clientela, todas as conversações e comunicações transcritas nos apensos de escutas. Destas se retira não só o elevado número de consumidores que procuravam quer o arguido F..... quer o arguido BBB (ambos contactados até a horas em que estão a dormir - vide fls. 169 do apenso 1 e 295 do apenso 7 - e queixando-se de terem muito que fazer - cfr. fls. 181 e 326 do apenso 1 e fls. 63/64 do apenso 6) mas também a abundância de "produto" disponível (fls. 172, 201, 262, 287/288 e 368 do apenso 1, fls. 63 do apenso 5, fls. 51, 55, 81/82, 218/219, 285/286, 289/290, 291 e 311 do apenso 7).

Esta abundância resultava já clara nos depoimentos das testemunhas LL, NN,UU e QQ, que referiram que o respectivo vendedor "nunca me falhou" ou dispunha quase sempre do produto procurado.

É também patente a relação, no que respeita à venda de estupefaciente, entre os arguidos F...... e P..... (fls. 40 a 51 do apenso 5), e o papel deste último no negócio (fls. 103/104 e 149 do apenso 1); o episódio que envolveu os arguidos JJJ, QQQ e BBB está bem explícito nos contactos de fls. 296 a 304 do apenso 7. As vendas de sacos de liamba pelo arguido CCC, ao arguido F..... e também para o arguido BBB, resultam claras nas conversas e mensagens escritas do apenso 6, bem como a fls. 158 a 162 e 164/165 do apenso 1.

Das escutas retiram-se também os frequentes encontros (às vezes em dias consecutivos) e contactos para os negócios de droga entre os arguidos GG e BBB, quase sempre por iniciativa daquele (fls. 94/96, 101/102, 317, 329 e 351 do apenso 1, fls. 55 do apenso 4 - onde se utiliza os termos correntes de "ganzá" e "erva" -, fls. 22/23, 24 e 26 do apenso 5, fls. 47/48, 56/57, 63/64, 66, 71, 77, 78, 80, 89/90, 101 a 103, 105, 106/107, 114 a 116, 119/120, 123, 213/214, 220/221, 227/228, 268, 273 e 283/284 do apenso 7).

Revelam também grande grau de organização - já nem precisando de mencionar as substâncias (resultando serem duas diferentes - haxixe e cocaína - das conversas entre ambos e dos produtos vendidos peio arguido BBB) ou os locais de encontro, e sendo até, muitas vezes, o vendedor (o arguido AA) que telefona ao comprador (o arguido BBB), o que demonstra um cálculo do ritmo das vendas aos consumidores e, consequentemente, da necessidade de nova droga - os contactos abundantes (ao longo de menos de um mês!), a horas desencontradas e nunca sem resultados (mostrando que era fácil arranjar o "produto") entre os arguidos BBB e AA (no apenso 7, a fls. 51, 62/63, 75/76, 111, 112/113, 132, 225/226, 229, 233, 247/248 - ficando demonstrado que a entrega se concretizou a fls. 249/250 - 266, 270, 271, 291, 313, 315, 323, 324 e 325).

0 depoimento do investigador LLLL, além dos pontos supra referidos, serviu, enquanto sustentado, nas vigilâncias e nas escutas (em relação às quais explicitou o significado dos termos de gíria usados para designar os estupefacientes), para situar toda a actividade dos arguidos e a concatenação entre eles, já patente na análise das escutas pelo tribunal: o arguido CCC como fornecedor de liamba ao arguido F...... e, por intermédio deste, ao arguido BBB; o arguido P..... como ajudante do seu primo, o arguido F....; o arguido BBB como abastecedor de haxixe do arguido F.....; e o fornecimento, pelo arguido AA, de cocaína e de haxixe ao arguido BBB.

Valeram ainda os certificados de registo criminal de fls. 2475, 2477 a 2479, 2483, 2787 a 2796 e 2798; para as situações profissionais dos arguidos, foram relevantes as informações de fls. 55, 347 e 2615/2616.

Quanto à situação pessoal dos arguidos, foram relevantes as declarações dos próprios no final da audiência, o teor de fls. 687 (quanto à toxicodependência do arguido GG), a certidão de fls. 2645 e a informação de fls. 2784 (para o arguido CCC), os relatórios de fls. 2830 e 2831 (para a pesquisa de canabinoides no arguido QQQ) e os depoimentos das testemunhas de defesa VVVV e XXXX (para o arguido CCC), ZZZ ,ZZZZ e AAAAA (do arguido JJJ), BBBBB e CCCCC (do arguido QQQ), EEE T. , EEE e DDDDD (do arguido BBB), EEE, EEEEE e FFFFF (do arguido AA).

Porque se referem, não a factos, mas a meios de prova (incluídos nos supra referidos), foram suprimidos da matéria provada e não provada os pontos 13, 14, 44, 45, 63, 64, 79 a 82, 111, 112 e 126 a 128 da acusação.

Não se produziu prova de qualquer espécie sobre a exclusividade dos proventos do arguido BB resultar das suas vendas de droga, sobre a venda de cocaína pelo e ao arguido GG, sobre o gasto diário de cocaína por este ou os proventos por ele auferidos, sobre a falta de poupanças e de veículo automóvel do arguido CCC, sobre o afastamento do arguido GGG do consumo de droga, sobre hábitos de trabalho, à data dos factos, do arguido BBB, sobre hábitos de consumo de estupefacientes pelos arguidos BBB e AA e sobre a proveniência da arma apreendida a este último"».

                                                          

Por sua vez, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação no segmento relativo à sindicação ou reexame da matéria de facto atinente ao arguido AA, é do seguinte teor[2]:

«Tecidos estes breves considerandos passemos agora à análise da situação vertente, começando pelo arguido AA.

E, parece-nos incontroverso que, da simples leitura da fundamentação do recurso conclui-se de modo evidente que o que o recorrente, efectivamente, pretende contestar mais não é do que a valoração que o tribunal efectuou da prova produzida e os meios de prova de que se serviu para fundamentar a sua convicção.

Como é consabido, o primordial objectivo da apreciação da prova consiste no ultrapassar da incerteza sobre a verificação de um facto controverso, através do julgamento, ou, dito de outro modo, na formação de uma convicção de certeza, segundo regras previamente estabelecidas, de respeito pelo contraditório, imediação, oralidade e pública discussão da causa.

Assim, quando o julgador, em audiência de discussão e julgamento, ultrapassa o estado de incerteza ou de dúvida, a sua convicção, contanto que obtida através de procedimentos cognoscitivos plausíveis e possíveis, é sempre válida, em conformidade com o disposto no artº. 127º do Cód. Proc. Penal, que consagra o princípio da livre apreciação da prova.

Ora, alega o recorrente que o tribunal não poderia ter considerado provados os factos constitutivos do crime de tráfico de estupefacientes por cuja prática foi condenado e, tendo-o feito, violou o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artº 127º do C.P.P., e o princípio do "in dúbio pro reo", pelo que, e de harmonia com estes principio, considerada a insuficiência de provas para se concluir pela verificação dos factos, com a certeza exigida em processo penal, deverá o arguidos ser absolvido da prática do aludido crime.

A fundamentar tal pretensão alega o recorrente que não foi produzida qualquer prova - nomeadamente, testemunhal ou através de escutas telefónicas, pelos fundamentos que aduz - consistente e credível de que ele tenha praticado qualquer dos actos que lhe são imputados na acusação.

Como vem sendo pacificamente defendido o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, uma vez que, "o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em lª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros".

O poder de cognição do Tribunal da Relação está, assim, confinado aos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com as especificações estatuídas no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Código Processo Penal.

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla sofre quatro tipos de limitações:

-           A que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam:

-           A que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o "contacto" com as provas ao que consta das gravações:

-           A que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso.

No nosso sistema processual vigora o princípio da livre apreciação da prova, por contraposição ao sistema da prova legal, sendo que, em conformidade com o referido princípio, o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos, sendo, por consequência, o tribunal livre de formar a sua convicção na apreciação da prova, em conformidade com as regras de experiência.

Por isso, nada obsta a que o tribunal na sua actividade de valoração dos meios probatórios produzidos, alicerce a sua convicção apenas nalguns deles, contanto que se lhe afigurem credíveis, em detrimento de outros, eventualmente, em maior número e até de maior vastidão e amplitude probatória, mas não revestidos de qualquer ou de suficiente consistência e credibilidade.

Neste mesmo sentido, refere-se no Acórdão da Relação do Porto que, "(...) o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art.º 127.º do CPP. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma "convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais.

Mas, como é consabido, estando em causa a impugnação da matéria de facto, e tal como tem vindo a ser sustentado ao nível jurisprudencial, ao tribunal apenas incumbe emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não correctamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa.

Por outro lado, o tribunal recorrido, estando vinculado na sua actividade de apreciação e valoração dos meios probatórios pelas regras da experiência e a pela sua livre convicção, não tem que aceitar como verdadeiro o que é referido pelo arguido ou por qualquer testemunha, não podendo a motivação probatória ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente.

O princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º, do CPP, pressupondo uma cuidada valoração objectiva e crítica e em boa medida objectivamente motivável, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos, não tem como significado a possibilidade de apreciação puramente subjectiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação.

Envolve assim elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade, permitindo que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade e que incidindo sobre elementos objectivos carreados para o processo conduziram à convicção do julgador.

Como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, (no recurso nº. 99.2001), "a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico".

E - continua o mesmo aresto - "A valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha".

Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.

Assim como, obviamente, não basta também que um arguido negue ou não assuma a prática dos factos, para que o tribunal fique impedido de valorar a prova em sentido contrário, e parece ser este o entendimento da arguida/recorrente.

Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente".

Como escreve Marques Ferreira, "apesar da minuciosa regulamentação das provas, continua a vigorar o princípio fundamental de que na "questão de facto", a decisão do tribunal assenta na livre convicção do julgador, ainda que devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos critérios do art. 127º do Cód. Proc. Penal. Não deixa porém de se assinalar, como resulta mais uma vez do preâmbulo do C.P.P. - cfr. n.º 7 - que "o código aposta confiadamente na qualidade da justiça realizada a nível de 1ª instância".

Refere ainda o Prof. Figueiredo Dias que "a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionariedade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada "verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo" (...) "não a pura convicção subjectiva (...) se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão (...) a convicção do juiz há-de ser (...) em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros (...) em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável".

O tribunal de recurso poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, mas não pode esquecer-se que o tribunal recorrido dispôs de um elemento de relevo de que aquele não dispõe e que é a discussão em audiência e a imediação com as provas.

O princípio da presunção de inocência e in dúbio pro reo é, como é sabido, um dos princípios estruturantes do processo penal, ao qual a regra da livre apreciação da prova está sujeita, encontrando-se constitucionalmente consagrado no art. 32, da CRP, que no seu nº 2, estipula que "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)".

A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dúbio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, ou, dito de outro modo, a presunção de inocência imporá a absolvição do acusado se no final da produção de prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido40, pressupondo a violação deste princípio um estado de dúvida no espírito do julgador, deve a mesma ser tratada, nesta perspectiva, como erro notório na apreciação da prova.

Como sustenta o STJ, "Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dúbio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais do que óbvia, que o colectivo optou por decidir, na dúvida, contra o arguido".

Destarte, para que se possa afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dúbio pro reo, terá de resultar de forma evidente do texto da sentença recorrida, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum ou dos juízos lógicos que possam ser efectuados sobre a factualidade em apreço, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido, estando em causa assim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida de modo a que seja racionalmente sindicável, e não uma qualquer dúvida de cariz subjectivo.

Como defende o S.T.J., "Quanto ao julgamento de facto pela Relação, importa ter em conta que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório" e que "Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (...) na livre convicção do julgador e nas regras da experiência.

Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em l.ª instância, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado".

"O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si".

Aqui chegados, e com relação ao recurso interposto pelo arguidoAA, temos como incontroversa a conclusão de que, tendo em consideração tudo o exposto, do confronto das motivações de recurso com a motivação da decisão recorrida, a conclusão que incontroversamente se retira é a de que o presente recurso, de facto, não se funda na desconformidade entre a prova produzida em audiência, aproveitada pelo tribunal recorrido para formar a sua convicção, e os factos que, com base nela, veio a considerar provados, mas antes no entendimento dos recorrentes de que a sua versão dos factos é que é merecedora de credibilidade, e não a versão oposta que veio a ser acolhida na sentença recorrida.

Senão vejamos!

Como supra se referiu, o alicerce nuclear em que baseiam as motivações e conclusões apresentadas, assenta na alegada falta de um substrato probatório consistente e credível demonstrativo dos factos incriminadores dos arguidos.

Ora, e com ressalva do muito e devido respeito, não se nos afigura que isso assim suceda.

Na verdade pode ler-se na motivação da matéria de factos da decisão recorrida, com relação ao arguido AA, o seguinte:

O tribunal assentou a sua convicção na análise crítica de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência comum: concretizando esta afirmação, cabe referir que, ao contrário das habituais dificuldades de apuramento dos factos neste tipo de crime, a investigação policial aqui levada a cabo - com destaque para as vigilâncias, articuladas em tempo real com as escutas telefónicas e a desassombrada prova testemunhal dos compradores "a retalho" dos estupefacientes permitiu aos julgadores ficarem com uma visão clara, sem hiatos e dinâmica, dos factos tal como constam da matéria provada. Assim como o rio corre para o mar, o conjunto dos indícios recolhidos nestes autos, não só pela sua solidez e credibilidade intrínsecas (absolutamente óbvias a qualquer examinador atento da prova) mas também pela ausência de quaisquer outros elementos que os contrariem, só podiam desembocar no descrito nos factos provados, como melhor se explicará a propósito de cada um deles (tanto quanto é possível explicar o evidente).

(...)

As intervenções de vários agentes da autoridade foram explicadas nos respectivos depoimentos, que esclareceram as circunstâncias em que ocorreram as diligências por eles efectuadas: TTTT(da vigilância de fls. 1767 e das buscas e apreensões ao arguido AA).

Foram também úteis, para concluir dos resultados das buscas e apreensões e chegar à identificação dos objectos e produtos encontrados, os demais elementos que aqueles agentes recolheram nas referidas diligências, como fotografias e exames dos objectos apreendidos, testes rápidos aos produtos estupefacientes, documentos e registo de veículos usados pelos arguidos, leitura da memória de telemóveis dos buscados e documentos bancários (fls. 11 a 13 do apenso ao vol. I e, nos autos principais, fls. 9, 10, 17 a 19, 21/22, 27-A, 42, 43, 101, 201, 268, 269, 273, 319, 482 a 487, 495 a 509, 515, 519 a 528, 537/538, 543 a 545, 559 a 570, 573, 604 a 613, 661 a 663, 910, 1072 a 1075, 1120 a 1126 e 1748 a 1751).

Relevaram os relatórios de perícia toxicológica de fls. 1145/1146 e 1758 a 1761, quanto aos estupefacientes apreendidos; as informações das operadoras de telemóvel e dos bancos de fls. 188, 219 a 222, 223 a 227, 294/295, 323/324, 383, 406 a 408, 410, 692/693, 896/897, 1141 a 1143, 1160 a 1182, 1243/1244, 1259 a 1289, 1291 a 1295, 1302/1303, 1309 a 1316, 1321 a 1331, 1334 a 1351, 1395 a 1417, 1426/1427, 1429, 1605 a 1610, 1618 a 1620, 1630 a 1636, 1647, 1651 a 1662, 1664/1665, 1674, 1676 e 1681 a 1686 foram úteis para, na investigação, se chegar à identidade (e ao elevado número, no caso dos arguidos GG e BBB) das pessoas que contactavam os arguidos cujos telefones foram objecto de escutas, com vista à compra de estupefacientes: estas informações, juntamente com as intervenções policiais referidas no parágrafo anterior, é que permitiram trazer esses consumidores ao processo como testemunhas, reforçando, se necessário fosse, a valoração dos respectivos depoimentos, supra referidos.

Para a situação das armas apreendidas aos arguidos BBB e AA, serviu a informação da PSP de fls. 720.

Foram ainda de grande utilidade, porque abundantemente ilustrativas da forma como os arguidos desenvolviam a actividade, a sua frequência e a sua clientela, todas as conversações e comunicações transcritas nos apensos de escutas. Destas se retira não só o elevado número de consumidores que procuravam quer o arguido F...... quer o arguido BBB (ambos contactados até a horas em que estão a dormir - vide fls. 169 do apenso 1 e 295 do apenso 7 - e queixando-se de terem muito que fazer - cfr. fls. 181 e 326 do apenso 1 e fls. 63/64 do apenso 6) mas também a abundância de "produto" disponível (fls. 172, 201, 262, 287/288 e 368 do apenso 1, fls. 63 do apenso 5, fls. 51, 55, 81/82, 218/219, 285/286, 289/290, 291 e 311 do apenso 7). Esta abundância resultava já clara nos depoimentos das testemunhas LL, NN,UU e QQ, que referiram que o respectivo vendedor "nunca me falhou" ou dispunha quase sempre do produto procurado.

É também patente a relação, no que respeita à venda de estupefaciente, entre os arguidos F...... e P..... (fls. 40 a 51 do apenso 5), e o papel deste último no negócio (fls. 103/104 e 149 do apenso 1); o episódio que envolveu os arguidos JJJ, QQQ e BBB está bem explícito nos contactos de fls. 296 a 304 do apenso 7. As vendas de sacos de liamba pelo arguido CCC, ao arguido F...... e também para o arguido BBB, resultam claras nas conversas e mensagens escritas do apenso 6, bem como a fls. 158 a 162 e 164/165 do apenso 1.

Das escutas retiram-se também os frequentes encontros (às vezes em dias consecutivos) e contactos para os negócios de droga entre os arguidos GG e BBB, quase sempre por iniciativa daquele (fls. 94/96, 101/102, 317, 329 e 351 do apenso 1, fls. 55 do apenso 4 - onde se utiliza os termos correntes de "ganzá" e "erva" -, fls. 22/23, 24 e 26 do apenso 5, fls. 47/48, 56/57, 63/64, 66, 71, 77, 78, 80, 89/90, 101 a 103, 105, 106/107, 114 a 116, 119/120, 123, 213/214, 220/221, 227/228, 268, 273 e 283/284 do apenso 7).

Revelam também grande grau de organização -já nem precisando de mencionar as substâncias (resultando serem duas diferentes - haxixe e cocaína - das conversas entre ambos e dos produtos vendidos pelo arguido BBB) ou os locais de encontro, e sendo até, muitas vezes, o vendedor (o arguido AA) que telefona ao comprador (o arguido BBB), o que demonstra um cálculo do ritmo das vendas aos consumidores e, consequentemente, da necessidade de nova droga - os contactos abundantes (ao longo de menos de um mês!), a horas desencontradas e nunca sem resultados (mostrando que era fácil arranjar o "produto") entre os arguidos BBB e AA (no apenso 7, a fls. 51, 62/63, 75/76, 111, 112/113, 132, 225/226, 229, 233, 247/248 - ficando demonstrado que a entrega se concretizou a fls. 249/250-266, 270, 271, 291, 313, 315, 323, 324 e 325).

O depoimento do investigador LLLL, além dos pontos supra referidos, serviu, enquanto sustentado, nas vigilâncias e nas escutas (em relação às quais explicitou o significado dos termos de gíria usados para designar os estupefacientes), para situar toda a actividade dos arguidos e a concatenação entre eles, já patente na análise das escutas peio tribunal: o arguido CCC como fornecedor de liamba ao arguido F...... e, por intermédio deste, ao arguido BBB; o arguido P..... como ajudante do seu primo, o arguido F.....; o arguido BBB como abastecedor de haxixe do arguido F...; e o fornecimento, pelo arguido AA, de cocaína e de haxixe ao arguido BBB".

Daqui resulta que o tribunal, na formação da sua convicção, atendeu e correlacionou os diversos meios probatórios produzidos com relação aos arguido e, designadamente, no que concerne ao arguido AA, relativamente ao qual teve em consideração a articulação entre as vigilâncias, as buscas e apreensões efectuadas e as escutas levada a efeito, que alicerçaram a sua convicção positiva sobre a factualidade em apreço.

Este arguido, contrariamente ao que alega o recorrente, foi condenado por terem sido produzidas provas da prática dos factos por que foi acusado, e designadamente:

-           Por terem sido apreendidas substâncias estupefacientes na busca efectuada à sua habitação;

-           Por resultar das intercepções telefónicas que o arguido se dedicada a esta actividade de venda de produtos de estupefacientes, designadamente, de um que o recorrente não referiu, constante de fls. 112, em que o arguido BBB lhe efectua uma encomenda "da castanha", que por ele foi de imediato aceite.

-           Por ter resultado dessas mesmas intercepções que o arguido AA efectuou sempre e, com acentuada pontualidade, a entrega dos produtos que lhe foram sendo encomendados, bastando para constatar essa evidência analisar as escutas de fls. 249/250; 266; 270, 271, 291, 313, 315, 323, 324, e 325, referidas na motivação da decisão.

-           E por, em decorrência e correlacionamento destes meios probatórios com as vigilâncias também efectuadas, se ter ainda mais acentuado a convicção de que as substâncias entregues por este arguido, eram estupefacientes.

-           Por se ter esclarecido também a actividade dos demais arguidos que com ele se relacionavam, designadamente, do arguido BBB, a que ele vendeu e que também vendia.

Acresce que o significado da linguagem utilizada pelos arguidos foi esclarecido pelos agentes policiais, designadamente, pelo investigador LLLL, com relação às vigilâncias e às escutas, e que é de utilização recorrente no âmbito desta actividade delituosa.

De tudo resulta que o arguido foi condenado pela prática do crime de tráfico em razão da prova que foi produzida e não daquela que se não produziu, como o recorrente refere nas suas alegações, reportando-se às testemunhas ouvidas que não efectuaram qualquer referência à sua pessoa, e que, por consequência, a decisão recorrida também as não menciona como alicerçantes da convicção positiva atinente à prática dos factos por parte do arguido.

Relativamente ao arguido CCC refere na motivação da decisão recorrida:

(...)

Para as transacções e entregas de estupefacientes dos arguidos, valeram os depoimentos dos respectivos consumidores, quase na meia centena:

todos eles descreveram,  com  clareza,  o tipo de transacção havida com o respectivo vendedor, e foram precisamente esses negócios os plasmados nos factos provados (...) DDD (comprador de liamba), EEE e FFF (consumidores de haxixe), para o arguido CCC;

As intervenções de vários agentes da autoridade foram explicadas nos respectivos depoimentos, que esclareceram as circunstâncias em que ocorreram as diligências por eles efectuadas: PPPP (da busca de fls. 661 e seguintes, ao arguido CCC) (...),

Foram também úteis, para concluir dos resultados das buscas e apreensões e chegar à identificação dos objectos e produtos encontrados, os demais elementos que aqueles agentes recolheram nas referidas diligências, como fotografias e exames dos objectos apreendidos, testes rápidos aos produtos estupefacientes, documentos e registo de veículos usados pelos arguidos, leitura da memória de telemóveis dos buscados e documentos bancários (fls. 11 a 13 do apenso ao vol. I e, nos autos principais, fls. 9, 10, 17 a 19, 21/22, 27-A, 42, 43, 101, 201, 268, 269, 273, 319, 482 a 487, 495 a 509, 515, 519 a 528, 537/538, 543 a 545, 559 a 570, 573, 604 a 613, 661 a 663, 910, 1072 a 1075, 1120 a 1126 e 1748 a 1751).

Relevaram os relatórios de perícia toxicológica de fls. 1145/1146 e 1758 a 1761, quanto aos estupefacientes apreendidos; as informações das operadoras de telemóvel e dos bancos de fls. 188, 219 a 222, 223 a 227, 294/295, 323/324, 383, 406 a 408, 410, 692/693, 896/897, 1141 a 1143, 1160 a 1182, 1243/1244, 1259 a 1289, 1291 a 1295, 1302/1303, 1309 a 1316, 1321 a 1331, 1334 a 1351, 1395 a 1417, 1426/1427, 1429, 1605 a 1610, 1618 a 1620, 1630 a 1636, 1647, 1651 a 1662, 1664/1665, 1674, 1676 e 1681 a 1686 foram úteis para, na investigação, se chegar à identidade (e ao elevado número, no caso dos arguidos GG e BBB) das pessoas que contactavam os arguidos cujos telefones foram objecto de escutas, com vista à compra de estupefacientes: estas informações, juntamente com as intervenções policiais referidas no parágrafo anterior, é que permitiram trazer esses consumidores ao processo como testemunhas, reforçando, se necessário fosse, a valoração dos respectivos depoimentos, supra referidos.

Foram ainda de grande utilidade, porque abundantemente ilustrativas da forma como os arguidos desenvolviam a actividade, a sua frequência e a sua clientela, todas os conversações e comunicações transcritas nos apensos de escutas. Destas se retira não só o elevado número de consumidores que procuravam quer o arguido F...... quer o arguido BBB (ambos contactados até a horas em que estão a dormir- vide fIs. 169 do apenso 1 e 295 do apenso 7 - e queixando-se de terem muito que fazer - cfr. fis. 181 e 326 do apenso 1 e fls. 63/64 do apenso 6) mas também a abundância de "produto" disponível (fls. 172, 201, 262, 287/288 e 368 do apenso 1, fls. 63 do apenso 5, fls. 51, 55, 81/82, 218/219, 285/286, 289/290, 291 e 311 do apenso 7). Esta abundância resultava já clara nos depoimentos das testemunhas LL, NN, UU e QQ, que referiram que o respectivo vendedor "nunca me falhou" ou dispunha quase sempre do produto procurado.

(...) As vendas de sacos de liamba pelo arguido CCC, ao arguido F...... e também para o arguido BBB, resultam claras nas conversas e mensagens escritas do apenso 6, bem como a fls. 158 a 162 e 164/165 do apenso 1.

O depoimento do investigador LLLL, além dos pontos supra referidos, serviu, enquanto sustentado, nas vigilâncias e nas escutas (em relação às quais explicitou o significado dos termos de gíria usados para designar os estupefacientes), para situar toda a actividade dos arguidos e a concatenação entre eles, já patente na análise das escutas pelo tribunal; o arguido CCC como fornecedor de liamba ao arguido F...., por intermédio deste, ao arguido BBB (...)

Ora, também com relação a este arguido, do correlacionamento e análise global de todos estes meios probatórios, e não da análise de cada um deles, de per si, resultaram demonstrados os factos cuja autoria lhe é imputada, e que ora se pretendem impugnar.

Obviamente que, não é a mesma a profundidade da prova produzida, com relação a cada um dos factos cuja autoria é imputada a este arguido. Todavia, é da correlação e articulação efectuada entre toda ela, na decisão recorrida, que resulta a sua consistência relativamente a toda a materialidade dada como demonstrada e, designadamente, com fundamento nos meios probatórios referenciados pelo próprio recorrente.

E, dada a evidência da questão suscitada, dispensamo-nos de efectuar mais e prolongadas considerações sobre a prova produzida, pois que, tal materialidade resulta de modo directo dos meios probatórios mencionados na motivação da decisão recorrida.

Apenas com relação ao depoimento prestado pela testemunha EEE se nos afigura pertinente referir tecer as seguintes considerações:

Mesmo sendo certo que esta testemunha referiu em audiência ter problemas do foro neurológico, isso, de modo algum impede o tribunal de efectuar uma valoração positiva do depoimento produzido por esta testemunha.

Na verdade, foi o tribunal de lª instância quem beneficiou da imediação e, em decorrência dela, entendeu proceder a uma valoração de tal depoimento, inexistindo quaisquer razões para concluir por que um tal comportamento tenha sido erróneo.

E, assim sendo, da prova produzida, constata-se terem resultado, efectivamente, os factos impugnados constantes dos parágrafos 2, 5, 6, 7 e 8, de fls. 6, da decisão recorrida.

Essas convicções - relativas aos dois recorrentes - surgiram, assim, como resultado da análise crítica dos diversos meios probatórios produzidos, como com suficiente clareza resulta da motivação da decisão recorrida.

Com efeito, e como se deixou dito, não pode esquecer-se que foi o tribunal recorrido quem beneficiou da imediação proporcionada pela produção dos meios probatórios e aferiu do grau de credibilidade que cada um lhe mereceu, tendo feito constar da motivação da decisão as razões que o levaram a considerar credíveis e consistentes uns meios de prova, em detrimento de outros igualmente produzidos.

Convirá também salientar que, conforme supra se referiu, no que respeita à impugnação da matéria de facto provada, a lei refere que o recorrente deve especificar as provas que "impõem" e não as que "permitiriam" decisão diversa.

E a razão de ser de uma tal exigência resulta, desde logo, da consabida e incontroversa existência de casos em que, em razão da prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, sendo que, nestes casos, sempre que a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que determina que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

Assim, de tudo o supra exposto resulta igualmente incontroversa a total improcedência da impugnação da matéria de facto que os recorrentes, em nosso entender, pretenderam efectuar - embora referindo estar-se perante um erro notório na apreciação da prova -, uma vez que, existindo prova positiva da materialidade objecto do litígio, não poderá, como é linear e lógico, existir prova que, sobre ela imponha decisão diversa, ou seja, que determine a sua não prova.

Assim, resulta de todo evidente que a decisão recorrida procedeu à indicação dos meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção, esclarecendo de forma perceptível e suficientemente consistente, as razões pelas quais concluiu terem os recorrentes praticado os factos em questão e cuja autoria lhes vinha imputada.

Ora, como decidiu o acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, "...quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".

Destarte, como óbvia flui a conclusão de que, assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum, o que efectivamente assim não sucede na presente situação.

Em decorrência de tudo o exposto, poderá afirmar-se que a convicção do tribunal recorrido, tal como se revela consolidada, não evidencia qualquer arbitrariedade ou violação das regras da experiência comum, nem tão-pouco se alicerçou em qualquer prova proibida, inexistindo, por consequência, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.

E o mesmo sucede com relação ao princípio in dúbio pro reo, cuja violação pressupõe um estado de dúvida insanável no espírito do julgador, só podendo ser afirmada quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

Este princípio é apenas uma regra de decisão da prova, e deve ser perspectivado e entendido, como conclusão da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar que a intervenção do estado e o exercício do seu ius puniendi apenas naqueles casos em que obtiver a certeza de o fazer legitimamente.

A livre convicção e a dúvida razoável limitam-se e completam-se reciprocamente, devendo ambas estrita obediência aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação, em conformidade com o critério do art. 127º, do C.P.P..

A dúvida legitimadora do princípio in dubio pro reo não pode, no entanto, ser, nem efectivamente é, uma qualquer dúvida lançada em abstracto, mas antes uma dúvida que, em concreto, e em decorrência do processo de análise e valoração de todos os meios probatórios produzidos, segundo os critérios e parâmetros legais a ter em consideração, deixe o julgador num estado em que, por critérios de razoabilidade e bom senso, tenha de admitir como passível de verificação mais do que uma versão do mesmo facto.

Na situação vertente, dúvidas não podem restar de que o Julgador conseguiu dirimir todas as eventuais dúvidas que lhe possam ter assolado o espírito, após a produção e subsequente valoração da prova, sedimentando a sua convicção, entre as várias que se afiguravam como possíveis, naquela que, segundo as regras da experiência da vida, se apresentava como a mais lógica e racional, inexistindo assim, e por consequência, qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.

Em decorrência de tudo o exposto, poderá afirmar-se que a convicção do tribunal recorrido, tal como se revela consolidada, não evidencia qualquer arbitrariedade ou violação das regras da experiência comum, nem tão-pouco se alicerçou em qualquer prova proibida, razões pelas quais, se não concede provimento ao recurso».

                                   

Nulidade da decisão de 1ª instância

Princípio de matriz constitucional essencial em matéria de decisões judiciais é o princípio da fundamentação, consagrado no artigo 205º, n.º1, da Constituição da República, o qual se traduz na obrigatoriedade do tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão – artigo 97º, n.º 4, do Código de Processo Penal[3].

Tal princípio, relativamente à sentença penal, acto decisório que a final conhece do objecto do processo – alínea a), do n.º1, do artigo 97º –, concretiza-se, porém, mediante uma fundamentação reforçada, que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa – artigo 32º, n.º1, da Constituição da República[4].

Assim, de acordo com o artigo 374º, a sentença, para além de requisitos formais ali expressamente previstos, deve incluir a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados[5], bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e os não provados, para o que os deve enumerar, mas também que explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está o tribunal obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou sanção a cominar, posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem.

No caso sub judice o acórdão de 1ª instância é objecto de arguição de nulidade por falta de fundamentação em sede de decisão proferida sobre a matéria de facto, fundamentalmente no que tange à apreciação e exame crítico das provas.

Do exame da decisão de 1ª instância, concretamente do segmento atrás transcrito, resulta que o tribunal enumerou os factos provados[6], indicando-os um a um, tendo em seguida exposto, de forma completa e clara, as razões pelas quais entendeu considerar aqueles factos como provados, o que fez através da indicação e análise das provas através das quais formou a sua convicção.

Deste modo, ao contrário do alegado pelo arguido AA, o acórdão proferido em 1ª instância não enferma da nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 379º.

Nulidade do acórdão recorrido

Como este Supremo Tribunal vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430º), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – artigo 412º, n.º 2, alíneas a) e b)[7].

Como se exarou no acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Junho de 2005, proferido no processo n.º 1577/05, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.

Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que no exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal recorrido[8].

Analisando a decisão recorrida constatamos que o tribunal a quo sindicou circunstanciada e pormenorizadamente o acórdão de 1ª instância, concretamente a decisão proferida sobre a matéria de facto, através do exame das provas produzidas na audiência, tendo concluído que a prova foi valorada e apreciada em obediência aos critérios legais, de forma correcta e sem violação do princípio in dubio pro reo[9].

Assim sendo, há que concluir que o acórdão impugnado não enferma da nulidade arguida, concretamente de falta de reexame da matéria de facto.

                                        

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando em 6 UC a taxa de justiça.

                                       

  Lisboa, 23 de Novembro de 2011

      
  Oliveira Mendes (relator)
  Maia Costa

______________________________


[1] - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão prolatado em 1ª instância.
[2] - O texto que a seguir se transcreve corresponde integralmente ao do acórdão recorrido.
[3] - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.

[4] - Como se consignou no acórdão deste Supremo Tribunal de 05.03.16, proferido no Processo n.º 662/05, citando-se Michele Taruffo, “Note sulla garanzia costituzionale della motivazione”, BFDUC, ano 1979, volume LV, 31-32, a garantia de fundamentação é indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial, o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz. A sua observância concorre para a garantia da imparcialidade da decisão, o juiz independente e imparcial só o é se a decisão resultar fundada num apuramento objectivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito.
[5] - Factos provados e não provados são todos os alegados pela acusação e pela defesa, ou seja, os constantes da acusação ou pronúncia e da contestação, bem como todos os factos resultantes da discussão com relevo para a decisão

[6] - Certo é que o tribunal de 1ª instância, como se vê do respectivo acórdão, também enumerou os factos não provados.
[7] - Cf. entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 06.03.12, proferido no processo n.º 467/06.
[8] - Cf. entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 06.06.07, proferido no processo n.º 763/06.

[9] - Certo é que o tribunal recorrido conheceu circunstanciadamente, também, da eventual ocorrência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, vícios que o arguido AA arguiu no recurso que interpôs da decisão de 1ª instância.