Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1175/16.2T8VLG.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
SEGURO DE CRÉDITOS
MORTE
INVALIDEZ
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CONTRATO DE ADESÃO
ATESTADO MÉDICO
PROVA PERICIAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 09/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO E DETERMINAÇÃO DA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário :
I. Tendo o autor, na sequência da celebração de um contrato de mútuo na qualidade de mutuário, subscrito um plano de protecção segundo o qual, em caso de morte ou invalidez, o Banco lhe garantia o pagamento das prestações que se viessem a vencer - sendo que o risco de invalidez abrangia a “invalidez absoluta e definitiva” e a “invalidez total e permanente”, a qual correspondia a uma incapacidade permanente igual ou superior a 70% de acordo com a TNI- a “invalidez absoluta e definitiva”, não densificada, deve ser entendida, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do art. 236º do CC, como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o “segurado” (no caso, o “protegido”) fica impossibilitado de trabalhar e de auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária;

II. A invalidez “absoluta e definitiva” refere-se a todo e qualquer trabalho e não apenas ao trabalho habitual do autor incapacitado;

III. É ao autor que incumbe alegar e provar que se encontra permanentemente incapacitado para exercer todo e qualquer trabalho;

IV. Não tendo alegado quaisquer factos para além da sua incapacidade de 72% e sendo seu ónus alegar uma situação de “invalidez absoluta e definitiva” revela-se vedado ao Supremo fazer extrapolações de facto que preencham essa lacuna, não sendo, assim, possível, a partir do facto de que o autor se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e de que necessita de ajuda de terceira pessoa para a realização das actividades de vida diária, presumir que este se encontra com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho que o impede de auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária;

V. Estando demonstrada apenas a incapacidade absoluta do autor para desempenhar o seu trabalho habitual mas não para realizar todo e qualquer trabalho, não se encontra verificada a situação de “invalidez absoluta e definitiva” prevista no contrato celebrado com o réu Banco;

VI. O atestado médico de incapacidade multiusos pode fundar também a prova da incapacidade permanente global;

VII. Verificando-se a existência de dois documentos – um relatório pericial do IML a fixar a incapacidade em 36,16% e um atestado multiusos a fixá-la 72% - cabe às instâncias avaliar a força probatória do relatório e do atestado e fixar o facto autónomo da incapacidade de acordo com a Tabela Nacional de Acidentes de Trabalho, em ordem a decidir se o autor padece de uma IPP igual ou superior a 70% e se, em face dessa incapacidade, se encontra em situação de “invalidez total e permanente”.

Decisão Texto Integral: Revista nº 1175/16.2T8VLG.P1.S1

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:



*




AA, residente na Rua ...em ..., ..., instaurou acção declarativa comum contra “MontepioGeral–Associação Mutualista”, com sede em ..., pedindo que seja reconhecida a celebração de um contrato do Réu com o Autor através do qual este se obrigou a pagar as prestações do mútuo que contraiu para aquisição de habitação própria permanente através da escritura junta aos autos no caso de advir a morte ou a incapacidade permanente superior a 70%; a reconhecer que na data em que sofreu o acidente de trabalho (11.10.2004) o referido contrato estava válido e em vigor; a reconhecer que, mercê do acidente de trabalho sofrido, ficou com uma incapacidade parcial permanente superior a 70%; a condenação do Réu a pagar todas as prestações já vencidas até à presente data referentes ao mútuo que o A. contraiu para aquisição de habitação própria permanente, acrescido de juros legais contados desde a data do seu pagamento até efetivo pagamento, a liquidar em execução de sentença; e a pagar todas as prestações vincendas do aludido contrato de mútuo até ao seu final.


O Réu defendeu-se invocando a ilegitimidade do A. para, desacompanhado da mulher, BB, também outorgante no contrato de mútuo em referência, demandar na presente acção; expôs os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua recusa no acionamento da “Garantia de Pagamentos de Encargos” subscrita conjuntamente pelo A. e a sua referida mulher em 10.9.1998 e, assim, a improcedência da pretensão do mesmo.


O Tribunal julgou procedente a invocada excepção de ilegitimidade do A., em razão do que convidou o mesmo a supri-la suscitando a intervenção principal provocada da sua mulher, BB, convite a que o mesmo acedeu.


A interveniente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 319º, nºs 1 e 2, do CPC., declarou aderir integralmente e sem reservas à petição inicial apresentada pelo A..


Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o Réu do pedido.


Inconformados com a sentença, o Autor e a Interveniente interpuseram recurso de apelação com o fundamento de que a sentença tinha feito errada aplicação dos arts. 12º, 15º e 16º do RJCCG e quanto ao obiter dictum de não ter a recorrente feito prova da invalidez exigível nos termos da cláusula 2.ª da apólice, pedindo, em consequência, a procedência do pedido.


O recurso foi julgado parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar as prestações vincendas do contrato de mútuo identificado nos autos até final.


Desta vez não se conformou o Réu que interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:


“A. Vem a Montepio Geral – Associação Mutualista (adiante AM) recorrer de douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e chamada, revogando, nessa parte, a decisão proferida em 1.ª instância, condenando a ora recorrente “(…) a pagar as prestações vincendas do contrato mútuo identificado nos autos até final”, assentando o presente recurso na convicção de que o dispositivo do douto Acórdão do Tribunal a quo elabora, com todo o respeito, que é muito, numa tese jurídica que, embora densa e fundamentada como sendo aplicável ao caso dos autos, carece de amparada aplicação ao mesmo, porquanto assenta em factos que, s.m.d.o., não se encontram provados.


B. Desde logo, realçamos o facto de não terem sido, pelo Tribunal a quo, acolhidas as alegações do autor e chamada, no que à nulidade por falta de fundamentação da sentença diz respeito, bem como, e mais importante, à pretendida alteração da matéria de facto provada, ficando, assim, assente tal matéria.


C. Não pode, contudo, a ora recorrente concordar com a decisão patente no doutro Acórdão de que se recorre, designadamente na (não provada) incapacidade para o exercício de qualquer actividade remunerada.


Efectivamente,


D. Do acidente de que o autor foi vítima resultou uma incapacidade total e permanente para o desempenho da sua profissão habitual, tendo a AM já defendido, o que aqui reitera, que a incapacidade de que o autor padece – e que ficou provada –, é sobejamente inferior àquela que o acordo pressupõe, para que o contrato celebrado entre autor e AM pudesse ser accionado;


E. Tendo, contudo, o Tribunal a quo, com base na alteração legislativa que ocorreu em 2007 (“O legislador substituiu, através do Dec.-Lei n.º 352/2007 de 23,10, na altura a única Tabela Nacional de Incapacidades, específica do foro laboral, por duas tabelas respeitantes à avaliação do dano corporal por ter considerado que a utilização daquela, no âmbito do direito civil, conduzia a situações injustas.”);


F. Ignorado, por completo, que para a emissão do atestado em que se atribuiu uma incapacidade de 72% ao autor, não foi utilizada a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) em vigor em 2004 (que entrou em vigor em 1993 e só foi substituída em 2007), ou seja, à data do acidente, mas sim, a TNI em vigor à data da emissão do referido atestado, como anteriormente havia mencionado a AM;


G. Tendo antes concluído, com base numa construção jurídica que julgou adequada, que “Atendendo à aludida finalidade do contrato de mútuo, concedido pelo Réu, para aquisição de habitação própria, consistente em prevenir o risco de o mutuário perder, por morte ou invalidez, a sua capacidade de ganho, afigura-se-nos que a utilização da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doença Profissional é a que melhor se adequa à avaliação do dano com repercussão laboral.”;


H. Referindo, mais adiante que “Esta última, incapacidade absoluta (IPA), aplica-se nos casos em que se demonstra uma incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remunerada.”, determinando, com base nessa asserção, numa conclusão que oblitera o julgado pela 1.ª instância, Tribunal que analisou os factos e decidiu com base na prova feita, que “Perante este quadro fáctico, podemos seguramente concluir que, para além do Autor se encontrar afectado com uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual é manifesto que não conseguirá exercer qualquer outra actividade laboral com o mínimo de qualidade e de conforto a nível físico, sendo que o Centro de Reabilitação Profissional reconheceu que poderá experimentar significativas dificuldades no retorno ao trabalho”; (sublinhados nossos)


I. Ignorando, por completo, que o Atestado Multiusos apresentado como Doc. 5., com a douta p.i., não se encontrava assinado (nada relevando, assim, para os efeitos em questão, na medida em que tal atestado, sem força probatória plena, não passa de uma mero documento, sujeito à livre apreciação do tribunal, como sucedeu em 1.ª instância);


J. Assim desvalorizando a incapacidade efectivamente atribuída ao autor;


K. Carecendo, contudo, a prova feita, de bases que possam justificar tal atribuição de incapacidade absoluta para o desempenho de qualquer actividade remunerada por parte do autor.


Ora,


L. A invalidez absoluta e definitiva do autor, terá que ser entendida, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º do CC, como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o segurado fique impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária.


M. Como é consabido, a invalidez absoluta corresponde a uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA) e a invalidez relativa corresponde a uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;


N. Sendo, assim, a interpretação do autor, a de que que não podendo exercer a sua actividade, está protegido pelo contrato celebrado com a AM.


O. Aplicando-se, ao caso em apreço, as regras de interpretação e integração dos negócios jurídicos, considera a AM que, atendendo à razão de ser do produto subscrito pelo autor, que, justamente tal como o entenderia um declaratário normal (artigo 236.º do CC), a invalidez absoluta e definitiva coberta pelo contrato há-de corresponder à impossibilidade de trabalhar em virtude de doença ou acidente e, consequentemente, de auferir rendimentos que permitam ao autor fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária;


P. Em consequência e partindo deste pressuposto, não tendo ficado provado que o autor tenha deixado, por força da incapacidade parcial de que padece, de poder exercer qualquer actividade laboral, forçoso será concluir que a sua situação não é enquadrável na referida definição de invalidez absoluta e definitiva - e daí ter resultado – e bem, no entendimento da AM, a improcedência da acção.


Q. Assim, discorda a AM, nos termos delimitados supra, do entendimento seguido pelo Tribunal da Relação do Porto.


R. Isto, tendo em conta que, in casu, se não provou que o autor tenha deixado de poder exercer qualquer actividade laboral.


S. Estando o contrato em causa associado a um crédito à habitação e destinando-se o mesmo a garantir (complementarmente) a invalidez do subscritor (o autor), esta, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º do CC, terá que ser entendida como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o segurado fique impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária – situação esta cuja prova impendia sobre o autor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CC e que, in casu, se não verificou, atenta a factualidade dada como provada e como não provada;


T. Como, aliás, resulta de vários Acórdãos desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, Acórdão de 10/12/2019 (proc. n.º 634/13.3TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt), Acórdão de 17/10/2019 (proc. n.º 2978/15.0T8FAR.E1, in www.dgsi.pt), Acórdão de 16/06/2011 (Proc. n.º 762/05.9 TBSJM.P1.S1, in Sumários), Acórdão de 22/01/2009 (proc. n.º 4049/08, in www.dgsi.pt) e, ainda, Acórdãode14/07/2020 (proc. n.º1516/13.4TVLSB.L1.S1, in Sumários), cujos excerto relevantes se encontram transcritos, supra.


Ora,


U. No Acórdão em crise consta que, “Neste último relatório os peritos médicos atribuíram ao Autor uma incapacidade parcial permanente de 36,16%, e declararam, face à avaliação do Centro de Reabilitação Profissional de ..., que se encontra com incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual (…)”;


V. Não tendo, no mesmo, sidoconsiderados,porum lado, adefiniçãodeInvalidez Total e Permanente utilizada (expressa no Regulamento de Benefícios)pela AM, por outro, o grau de incapacidade francamente inferior a 70% de acordo com a TNI, que foi atribuído ao autor, quer pela AM quer pelo Instituto de Medicina Legal ..., no seu relatório de oito de Abril de 2019;


W. Apenas concluindo, sem base em qualquer facto provado, que o autor não consegue exercer qualquer actividade laboral.


X. Ou seja, desvalorizando as condições em que a modalidade mutualista foi subscrita a incapacidade que é atribuída (não só pela AM) ao autor, e considerando, essencialmente, o facto de este não poder exercer (sem prova cristalizada nesse sentido, repetimos), uma qualquer actividade profissional com qualidade e conforto a nível físico.


Assim,


Y. Quanto à falta de capacidade para o exercício de quaisquer outras actividades remuneradas, o que se constata é que o autor não logrou provar, conforme lhe competia, (artigo 342.º, n.º 1 do CC), que é portador de sequelas permanentes que o impedem de exercer toda e qualquer profissão;


Z. Considerando, assim, a AM, que no caso sub judice, não andou o processo de forma equitativa, o que se roga, venham agora V. Excelências, Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, rectificar;


AA. Devendo, com fundamento no artigo 236.º do CC, ser o Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que absolva a AM, nos termos proferidos em 1.ª instância.


BB. Tendo o douto Acórdão recorrido violado, entre outros, o disposto no artigo 342.º do CC.”


Pediu, a final, a revogação do acórdão recorrido.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Cumpre decidir.


Estão provados os seguintes factos:


“a) O A. AA é associado efetivo da Associação Mutualista do Montepio Geral desde dia 10 de setembro de 1998, data em que, conjuntamente com BB, também ela associada efetiva da referida Associação, subscreveu um Plano na modalidade mutualista individual de proteção designada por “Garantia de Pagamento de Encargos”, nos termos constantes dos documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;


b) Aquando da subscrição do referido Plano “Garantia de Pagamento de Encargos” o A. foi devidamente esclarecido relativamente às respetivas condições e coberturas, tendo-lhe sido entregue cópia dos Estatutos e do excerto do Regulamento de Benefícios do MG-AM, bem como cópia do Regulamento da modalidade subscrita;


c) Nos termos do artº 1º, nº 1, do Capítulo III, Secção VI, do “Regulamento dos Benefícios do Montepio Geral – Associação Mutualista”, a modalidade designada por Garantia do Pagamento de Encargos I destina-se, em caso de falecimento ou invalidez do subscritor, a substituí-lo no pagamento das prestações que se vencem até ao termo de um determinado contrato celebrado por prazo superior a oito anos, ou a proporcionar a entrega de uma determinada quantia aos beneficiários indicados;


d) Considerando-se estado de invalidez permanente, nos termos do artº 22º do Capítulo I, do referido Regulamento, “o processo de incapacidade a que corresponda uma percentagem igual ou superior a 70% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, mas esta percentagem será corrigida, acrescentando-se-lhe o grau de invalidez que existia à data da subscrição”;


e) Ainda nos termos do mesmo Regulamento (cfr. o artº 4º da Secção VI do Capítulo III), “em caso de morte ou invalidez, o Montepio Geral pode optar entre pagar integral e imediatamente o capital em dívida ou substituir-se ao devedor no pagamento das respetivas prestações”;


f) Por escritura pública outorgada em 14 de outubro de 1998, o A. e BB adquiriram uma fração autónoma designada pelas letras “AP”, correspondente a uma habitação no 4º andar esquerdo, com entrada pelo nº 130, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua... a qual se encontra descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...11, da freguesia de ..., e inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo ...69-P;


g) Nessa oportunidade, entre o A. e BB e o Banco “Caixa Económica Montepio Geral”, foi ainda ajustado um empréstimo pelo último aos primeiros no valor global de 14.000.000$00 (catorze milhões de escudos), que estes se obrigaram a pagar ao mutuante em 360 (trezentas e sessenta) prestações mensais, nos termos das cláusulas constantes do documento complementar que faz parte da referida escritura, junto com a petição inicial como documento nº 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (contrato nº ...40-4);


h) Acordando A. e R., em razão da subscrição do Plano de proteção designado por “Garantia de Pagamento de Encargos”, que, em caso de morte ou invalidez permanente, correspondente a uma percentagem igual ou superior a 70%, o R. garantia o pagamento das prestações que se vencessem no aludido contrato de mútuo celebrado;


i) O A. AA foi pintor de serralharia, exercendo essa sua atividade sob as ordens, orientação e direção da sua entidade patronal, a sociedade comercial denominada “E..., Lda.”, sediada na Travessa ..., em ... – ...;


j) No dia 11-10-2004, o A. sofreu um acidente de trabalho, sendo que, durante o seu horário de trabalho (pelas 16h), que estava a ser por si prestado sob a orientação e direção da sua entidade patronal, quando pegava num painel em chapa foi acometido de forte dor nas costas;


k) Na sequência desse acidente, o A. veio a ser submetido a cirurgia à coluna lombar no Hospital Privado ..., tendo tido complicações pós-cirúrgicas de caráter infecioso, que motivaram múltiplas cirurgias, tratamentos e internamentos;


l) Em 22 de maio de 2007, o A. foi observado por junta médica constituída no âmbito do processo nº 591/05.0... do Tribunal de Trabalho de ..., Secção Única, entretanto instaurado, que concluiu, por unanimidade, que “apresenta claramente instabilidade da coluna lombo-sagrada, com acentuado défice funcional …) Mais declara que desde a data do acidente até à junta deve ser considerado em situação de IA”, nessa sequência tendo o tribunal determinado que “Atento o estado de saúde de sinistrado, que se encontra ainda afetado de uma situação de incapacidade total absoluta, como referem, por unanimidade, os senhores peritos médicos presentes nesta junta, dê conhecimento à companhia seguradora, enviando para tanto certidão desta ata, a fim desta pagar aos sinistrado as pensões devidas por tal situação de ITA bem como para proceder aos tratamentos e demais cuidados médicos que sejam necessários sua situação”;


m) Novamente em 15 de janeiro de 2008 o A. foi observado por junta médica constituída no âmbito do mesmo processo do Tribunal de Trabalho por três peritos, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade permanente parcial de 15%, majorada por fator de bonificação em 1,5%, o que resulta numa desvalorização arbitrada de 22,5%;


n) Em 21 de agosto de 2008, o A., alegando agravamento da sua situação clínica, requereu revisão do seu processo, em resultado do que foram efetuados exames complementares de diagnóstico e em 14 de dezembro de 2008 elaborado pelo INML novo relatório pericial, nos termos do documento junto em fotocópia a fls. 66 a 68 vº dos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, concluindo novamente pela fixação de uma incapacidade parcial permanente de 15%;


o) Do dito acidente, resultou a incapacidade total e permanente do A. para o desempenho da sua profissão à data do acidente;


p) Como consequência da vivência das limitações físicas de que passou a sofrer em razão de tal acidente, com incapacidade absoluta para o seu trabalho, o A. passou a sofrer perturbações de stress pós-traumático e de trastorno da adaptação com humor depressivo, e desencadeou um processo de reação depressiva prolongada;


q) De que não sofria antes do acidente;


r) E que atingiram um grau de irreversibilidade;


s) Em 18 de fevereiro de 2011 o A. requereu junto do Balcão de ... da Caixa Económica Montepio Geral, e na qualidade de beneficiário próprio, a ativação da Garantia por Invalidez da modalidade subscrita, por motivo de ocorrência do acidente a que se alude em j), instruindo esse seu requerimento com o documento (Atestado Médico de Incapacidade Multiuso) de que se mostra junta fotocópia a fls. 35 dos autos (documento nº 5 com a petição inicial), cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta a menção da atribuição ao A. de um grau de incapacidade permanente global de 72%, de acordo com a TNI (Anexo I) aprovada pelo Dec.-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro;


t) Nessa sequência, por carta registada com data de 29 de março de 2011, o R. solicitou ao A. a apresentação dos “Relatórios de Neurologia e Psiquiatria que serviram de base à atribuição da incapacidade pela Delegação de Saúde”, nos termos constantes do documento junto em fotocópia a fls. 69 dos autos (documento nº 8 com a contestação), cujo teor se dá por integralmente reproduzido;


u) Fê-lo porquanto considerou insuficiente, para a emissão do parecer médico, a documentação clínica enviada pelo A., e uma vez que nos relatórios apresentados no âmbito do processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Valongo e a que se alude em l), não foi referida a existência de qualquer patologia psiquiátrica relacionada com o acidente;


v) Com data de 5 de maio de 2011, por carta registada remetida com aviso de receção, conforme documento de que a fls. 70 dos autos se mostra junta fotocópia e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, os Serviços Médicos do R., após análise da documentação entretanto enviada pelo A., e pelo facto de a mesma não se encontrar completa, solicitaram ao A. o envio da informação em falta;


w) Após o que, em 2 de junho de 2011, por os Serviços Médicos do R. considerarem necessária a observação presencial do associado nas instalações daqueles serviços, solicitaram ao A. a sua deslocação a ... para que fosse observado por eles;


x) Subsequentemente ao exame presencial a que o A. foi então submetido em 16 de agosto de 2011 nos Serviços Médicos do R., este último remeteu-lhe a carta, datada de 25 do mesmo mês, de que a fls. 36 e 37 dos autos se junta fotocópia, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, informando-o de que (sic.) “na sequência do exame presencial a que foi submetido nos Serviços Médicos do Montepio, em 16 do corrente mês, fomos recebedores do parecer clínico emitido, que conclui que:


“Com base na observação presencial efectuada e nos relatórios Médicos enviados pelo Associado, sou de parecer que a invalidez permanente que o afecta é inferior a 70 %”;


y) E mais acrescentando que: “Nestes termos em face do que se encontra regulamentado nas Disposições Gerais do Regulamento de Benefícios (artº 4º nº 5) em vigor, que abaixo se transcreve, informamos V.Ex.a. que não é possível ao Montepio Geral – Associação Mutualista, assumir o pagamento de qualquer benefício por invalidez, mantendo-se em vigor a subscrição da modalidade associativa que lhe está afecta para a cobertura dos riscos de Morte e Invalidez Permanente, designada por Garantia de Pagamento de Encargos.


Caso não esteja de acordo com a decisão tomada, poderá com base nos nºs 9 a 11 do Artº 4º das Disposições Gerais do Regulamento de Benefícios, solicitar exame médico perante uma junta médica”;


z) Em 25 de março de 2015, após o A. ter apresentado reclamação e nova documentação, o R. remeteu ao A. a carta de que a fls. 38 dos autos se mostra junta fotocópia, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, informando-o de que “ a sequência de no a documentação médica que nos foi remetida em 9 de janeiro do corrente ano …) no sentido de ser reavaliada a sua incapacidade, informamos que após análise cuidada da mesma, mantemos a nossa decisão de não assumir o pagamento de qualquer benefício por invalidez, a qual se encontra suportada pelo parecer emitido pela Dra. CC (médica neurocirurgiã perita em dano corporal) ”;


aa) Apesar de tanto na missiva a que se alude em x) e y), quanto na missiva a que se alude em z), o R. mais ter alertado o A. de que ao abrigo do previsto no Regulamento de Benefícios do Montepio Geral – Associação Mutualista, o associado pode solicitar uma junta médica paritária para avaliação da sua situação, a tal mecanismo o A. todavia não recorreu, antes intentando a presente ação;


bb) Teor do relatório pericial médico elaborado em 8 de abril de 2019 pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses – Delegação ... do INML, CF,IP, a fls. 418 a 424 vº dos autos, com os esclarecimentos prestados em 21 de maio de 2019, a fls. 434 a 435 vº dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, relativo ao exame realizado ao A. em 18 de fevereiro de 2019 na referida Delegação ..., e no qual, em sede de “ DISCUSSÃO e CONCLUSÕES”, se refere que


“ …)


2. A 11-10-2004 o examinando sofreu acidente de trabalho do qual resultou traumatismo da região lombar (lise ístmica L4-L5).


…)


3. A situação clínica do examinado pode considerar-se estabilizada desde 15-01-2008 (data de fixação da incapacidade em junta médica do Tribunal de Trabalho), sendo que a partir da mesma é portador de uma incapacidade permanente.


4. A partir da data referida no ponto anterior, o examinando é portador de uma incapacidade de 36,16%, tendo em conta a Tabela Nacional de Acidentes de Trabalho (Anexo I, Decreto de Lei 352/2007):


Código da Tabela a que correspondem as sequelas


Coeficientes previstos na tabela


Coef.


Arbitrados


Soma Direta


Capacid. restante


Desvalorização arbitrada


III, 5.2.1,a) (por analogia, tendo em conta as limitações na marcha causadas pelas sequelas do traumatismo lombar)


0.2-0.5


0,30000


10,30000


X, grau I (tendo em conta a perícia de psiquiatria)


0.01-0.05


0,04000


0,70000


0,32800


VIII, 4.1 8 (por analogia, tendo em conta a perícia de urologia)


0.05-0.1


0,05000


0,67200


0,36160


36,16000 %


5. Tendo em conta o parecer realizado pelo Centro de Reabilitação Profissional de ..., o examinado encontra-se com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habituais.


6. Tendo em conta o estado clínico do examinando, é de admitir que necessita de ajuda de terceira pessoa para a realização das atividades de vida diária, na forma de complemento na realização de certas atividades (vestir, despir e tomar banho, confeção de refeições, atividades domésticas).


(…)”


cc) O A. vem pagando pontualmente todas as prestações do mútuo contratado com o Banco “Caixa Económica Montepio Geral” e a que se alude em g);


dd) À data da comunicação do sinistro (18.2.2011) encontrava-se ainda em dívida ao Banco “Caixa Económica Montepio Geral”, referente ao contrato de mútuo em questão, a quantia de € 51.979,79 (cinquenta e um mil novecentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos);


ee) No período de 18.2.2011 a 23.1.2020 os valores entregues pelo A. totalizavam já € 32.208,47, trinta e dois mil duzentos e oito euros e quarenta e sete cêntimos);


ff) Em 21.1.2020, a dívida ao Banco mutuante ascendia a € 27.143,45 (vinte e sete mil cento e quarenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos).”


Foram dados como não provados os seguintes factos:


“Em 14 de outubro de 1998 o A. celebrou com o R. um contrato de seguro, titulado por apólice que todavia nunca lhe foi entregue;


-Do teor do parecer clínico a que se alude sob a alínea x), o R. não deu conhecimento ao A. de nada mais para além do excerto que ali se transcreve.”


O Direito.


Como decorre da factualidade provada, na sequência da celebração de um contrato de mútuo entre o Autor e o “Caixa Económica Montepio Geral”, para aquisição de um imóvel destinado à habitação, o Autor e a interveniente mulher subscreveram com o Réu e ora recorrente o plano de protecção designado por “Garantia de Pagamento de Encargos”, segundo o qual, em caso de morte ou invalidez de algum dos mutuários, o Réu garantia o pagamento das prestações que se vencessem no referido contrato de mútuo.


Nos termos do art. 1º, nº 1, do Capítulo III, Secção VI, do “Regulamento dos Benefícios do Montepio Geral – Associação Mutualista”, a modalidade designada por Garantia do Pagamento de Encargos I destina-se, em caso de falecimento ou invalidez do subscritor, a substituí-lo no pagamento das prestações que se vencerem até ao termo de um determinado contrato celebrado por prazo superior a oito anos, ou a proporcionar a entrega de uma determinada quantia aos beneficiários indicados.


Nos termos do art. 2º, nº 1 do mesmo Capítulo “pode ser aceite, após parecer médico favorável, o risco de invalidez total e permanente ou de invalidez absoluta e definitiva, nos termos do disposto nas Disposições Gerais”, sendo que nos termos do art. 4º “em caso de morte ou invalidez, o Montepio Geral pode optar entre pagar integral e imediatamente o capital em dívida ou substituir-se ao devedor no pagamento das respetivas prestações”. (destaques nossos)


Nos termos do art. 22º do Capítulo I, do referido Regulamento, considera-se estado de invalidez permanente, “o processo de incapacidade a que corresponda uma percentagem igual ou superior a 70% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, mas esta percentagem será corrigida, acrescentando-se-lhe o grau de invalidez que existia à data da subscrição”.


Embora se tenha dado como provado que Autor e Réu acordaram que “em razão da subscrição do Plano de protecção designado por “Garantia de Pagamento de Encargos”, que, em caso de morte ou invalidez permanente, correspondente a uma percentagem igual ou superior a 70%, o réu garantia o pagamento das prestações que se vencessem no aludido contrato de mútuo celebrado” a verdade é que tanto o acórdão recorrido como o recorrido consideram que o risco coberto é o da “invalidez” em termos amplos, abrangendo, portanto, a “invalidez total e permanente” e a “invalidez absoluta e definitiva”, que constam do art. 2º, nº 1 do Capítulo III, Secção VI, do referido Regulamento dos Benefícios.


O objecto do recurso assenta, assim, na interpretação do conceito de “invalidez” e, ainda, em saber se, em razão do estado de invalidez que o Autor apresenta, o Réu está obrigado a pagar as prestações do contrato de mútuo no montante de 14.000.000$00 a ser restituído ao mutuante em 360 prestações mensais para compra de um imóvel destinado a habitação.


Em relação à questão da invalidez, a sentença considerou: por um lado, que não se verificava a invalidez permanente uma vez que a incapacidade de que o Autor estava afectado não atingia a percentagem de 70% de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidades”, exigida pelo art. 22º do Regulamento (Disposições Gerais); por outro lado, que não se verificava também a situação de invalidez absoluta e definitiva, na medida em que o Autor estava apenas incapaz de forma definitiva de exercer a sua actividade profissional e não de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e capacidade.


Por sua vez, depois de afirmar que a “previsão de invalidez absoluta e definitiva constante de uma apólice de seguro é susceptível de ser entendida por um declaratário normal como uma situação em que a pessoa afectada se encontra num estado que a deixa totalmente (completamente sem restrição) incapaz para o resto da vida de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência”, a Relação considerou que “para além de o autor se encontrar afectado com uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual é manifesto que não conseguirá exercer outra actividade laboral com o mínimo de qualidade e de conforto a nível físico, sendo que o Centro de Reabilitação Profissional reconheceu que poderá experimentar significativas dificuldades no retorno ao trabalho”, concluindo que se verifica um caso de “invalidez total e permanente”(sic) que impõe a condenação do réu a pagar as prestações do mútuo vincendas até final.


Contra este entendimento se insurge o Réu recorrente, argumentando, em resumo, que, devendo entender-se, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do art. 236º do CC, que a “invalidez absoluta e definitiva” corresponde a uma situação em que, por doença ou acidente, o “segurado” fica impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária, se verifica que, in casu, não se provou que o Autor tenha deixado de poder exercer qualquer actividade laboral e que, desse modo, tenha ficado impossibilitado de auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária (prova que competia ao autor fazer), devendo, por isso, concluir-se que a situação do autor não é enquadrável na definição de “ invalidez absoluta e definitiva”.


Apreciemos, então, o objecto do recurso.


Em primeiro lugar, deve ter-se em atenção que as respectivas condições contratuais foram elaboradas pelo Réu sem prévia negociação individual, que o Autor e a sua mulher se limitaram a subscrever, resultando, aliás, da matéria de facto provada, que o Autor nem teve sequer qualquer intervenção na elaboração das referidas condições contratuais, tendo-lhe sido entregues a cópia dos Estatutos e do excerto do Regulamento de Benefícios do MG-AM, bem como cópia do Regulamento da modalidade subscrita.


Por isso, deve aplicar-se o regime previsto no Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10 em cujo art. 1º, nº 1, se prevê “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.”;


Ora, de acordo com o disposto no art. 10º do referido diploma legal, “as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.”


Assim, importa ter em conta o disposto no art. 236º do CC, que consagra a teoria da impressão do destinatário, apelando ao sentido objectivo da declaração, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que tal sentido não colida com a expectativa razoável do autor da declaração.


Invalidez absoluta e definitiva.


Considerou a Relação que:


“Ao remeter a avaliação da invalidez permanente do mutuário para a Tabela Nacional de Incapacidades, e ao assegurar o pagamento das prestações a que aquele se obrigou em caso de invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva, o Réu acolheu as noções estabelecidas sobre esta temática na legislação laboral e que deverão corresponder à interpretação que um declaratário normal, na situação concreta, concluiria face à distinção entre dois estados de invalidez.


Assim, nos termos do art.º 19.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009 de 04.09 a incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho.


A determinação da incapacidade, nos termos do art.º 20.º do citado diploma legal, é efectuada com recurso à tabela nacional das incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais.


Portanto, aqui chegados importa distinguir entre a incapacidade permanente parcial (IPP) e a incapacidade permanente absoluta, que pode ser para o trabalho habitual (IPATH) ou para qualquer e todo trabalho (IPA).


(…)


É importante esclarecer que a distinção entre a incapacidade permanente para o trabalho habitual e a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho apenas releva para efeitos de quantificação do subsídio da situação de elevada incapacidade permanente (cfr. art.º 67.º, n.º 2 e 3 ) e da pensão (cfr. art.º 48.º, als. a) e b)).


A jurisprudência, em casos desta natureza, tem verificado, em algumas apólices de seguro, a previsão de duas situações de incapacidade permanente do mutuário ou de uma delas, concretamente a cobertura de invalidez total e permanente e outra mais grave designada por incapacidade absoluta e definitiva que correspondem grosso modo às definições consagradas na Lei dos Acidentes de Trabalho.


Esta última, incapacidade absoluta (IPA), aplica-se nos casos em que se demonstra uma incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remunerada.”


Em linha com a jurisprudência do STJ (citando para o efeito o acórdão de 17.10.2019), afirmou a Relação que “a previsão de invalidez absoluta e definitiva, constante de uma apólice de seguro, é susceptível de ser entendida por um declaratário normal como uma situação em que a pessoa afectada se encontra num estado que a deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência. Acrescentando-se que a situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a actividade profissional anterior, mas pode desempenhar funções de natureza idêntica dentro da sua área de formação técnico profissional, desde que com uma menor intensidade e exigindo menor esforço físico, é conciliável com uma situação de incapacidade parcial.”


Concluiu-se, assim, no acórdão recorrido que “o disposto no art.º 22.º, n.º 1 das Condições Gerais que exige a demonstração de uma incapacidade correspondente a uma percentagem igual ou superior a 70 % de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades só é aplicável quando o mutuário fica afectado de uma incapacidade parcial permanente (IPP) e não quando está em causa uma incapacidade absoluta seja parcial (para o trabalho habitual) seja global, para todo e qualquer trabalho. Cumpre agora analisar a situação clínica do Autor por forma a saber se ficou com uma incapacidade parcial permanente (hipótese em que o grau de incapacidade é igual ou superior a 70% para o Réu ser responsável) ou com uma incapacidade absoluta e definitiva.”, rematando, em face do quadro factual em causa: “podemos seguramente concluir que, para além do Autor se encontrar afectado com uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual é manifesto que não conseguirá exercer qualquer outra actividade laboral com o mínimo de qualidade e de conforto a nível físico, sendo que o Centro de Reabilitação Profissional reconheceu que poderá experimentar significativas dificuldades no retorno ao trabalho.”


O recorrente não coloca em causa nas suas alegações de revista este enquadramento, aceitando que “a invalidez absoluta e definitiva do autor, terá que ser entendida, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º do CC, como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o segurado fique impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária.”


Assim, também o próprio recorrente, à semelhança do que se entendeu no acórdão recorrido, aceita que o que releva, para que o Autor possa beneficiar da protecção prevista no contrato celebrado com o Réu, é que por força da incapacidade parcial de que padece, o Autor deixe de poder exercer qualquer actividade laboral, e não apenas o seu trabalho habitual.


Sobre o conceito de invalidez, de acordo com a interpretação proposta pela Relação e pelo ora recorrente, em contratos de seguro de vida, com objecto similar ao contrato que é objecto destes autos - o qual, embora não seja qualificado como um contrato de seguro, tem com o mesmo evidentes similitudes - tem-se pronunciado a jurisprudência do STJ no sentido (com o qual se concorda) de que na interpretação do risco coberto de invalidez absoluta e definitiva, “o declaratário médio e medianamente sagaz, não pode deixar de entender que a mesma se refere a todo e qualquer trabalho que não apenas ao trabalho habitual do segurado (cfr. Ac. STJ de 22.1.2009, proc. 4049/08, em www.dgsi.pt). Ou seja, a “invalidez absoluta e definitiva do segurado, terá que ser entendida, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do art. 236.º do CC, como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o segurado fique impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária” (cfr. Ac. STJ de 17.11.2020, proc. 4093/18.6T8VCT.G1.S1 em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do STJ de 7.10.2010, proc. 1583/06.7TBPRD.L1.S1; o de 19.6.2018, proc. 2300/15.6T8PNF.P1.S1: “Uma incapacidade absoluta e definitiva – enquanto risco coberto por contrato de seguro de vida, individual, celebrado entre a autora, como tomador e pessoa segura, e a ré, como seguradora, em que ficou designado beneficiário irrevogável, o banco, com quem aquela e o marido haviam celebrado contrato de mútuo para aquisição de imóvel – refere-se, segundo um declaratário normal, a uma incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida, ao que não se equipara uma IPP de 80%.”; e o de 17.10.2019, no proc. 2978/15.0T8FAR.E1.S1: “I –(…). II – A previsão de invalidez absoluta e definitiva, constante de uma apólice de seguro, é suscetível de ser entendida por um declaratário normal como uma situação em que a pessoa afetada se encontra num estado que a deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência. III – A situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a atividade profissional anterior, mas pode desempenhar funções de natureza idêntica dentro da sua área de formação técnico profissional, desde que com menor intensidade e exigindo menor esforço físico, é conciliável com uma situação de incapacidade parcial. IV – Sendo a situação de invalidez absoluta e definitiva o facto constitutivo do direito exercido, cabe ao segurado o ónus de demonstrar que a sua atual e subsistente capacidade de trabalho não lhe permite a angariação de remuneração.”


Voltando ao caso sub judice, verifica-se que a discordância do recorrente em relação ao acórdão recorrido assenta, assim, não no já definido conceito de invalidez absoluta e definitiva (que, como se disse, se aceita) mas apenas na diversa apreciação da factualidade provada quanto à verificação da incapacidade do Autor para o exercício de qualquer actividade laboral, que a Relação considerou verificada.


Munidos do conceito de invalidez absoluta e definitiva, vejamos, então, se os factos provados se integram em tal conceito.


Entendeu a Relação que no Relatório de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, os peritos médicos atribuíram ao Autor uma incapacidade parcial permanente de 36,16%, e declararam, face à avaliação do Centro de Reabilitação Profissional de ..., que se encontra com incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual, admitindo que necessita de ajuda de terceira pessoa para realização das actividades da vida diária na forma de complemento na realização de certas actividades (vestir, despir, e tomar banho, confecção de refeições, actividades domésticas).


Considerou, ainda, que: “o Autor se apresentou com marcha claudicante com recurso a canadianas, aparente diminuição da mobilidade da coluna lombar e da força muscular dos membros inferiores. Queixou-se que anda sempre de canadianas na rua, tem muita dificuldade em subir e descer escadas, custa-lhe permanecer por períodos de tempo superiores a 10-15 minutos na posição ortostática e na posição sentado por períodos superiores a 30 minutos por dor na região lombar e falta de força nas pernas, não consegue realizar as tarefas diárias nem trabalhar desde o acidente com 28 anos de idade até à presente data, com 46 anos. Toma medicação e usa colete ortostático para diminuir as dores permanentes na região lombar, mesmo em repouso e agravadas com a marcha. Necessita da ajuda da esposa para quase todas as tarefas diárias, sendo apenas autónomo na alimentação, só dorme duas horas por noite por dor na região lombar, apenas consegue conduzir em pequenas distâncias por falta de força na perna esquerda. Em resumo, desde a data em que foi vítima de um acidente de trabalho, com 28 anos de idade, que o Autor deixou de conseguir trabalhar, e após decorridos 18 anos, continua com dores permanentes na região lombar e falta de força nos membros, locomove-se com a ajuda de canadianas e de um colete, não consegue permanecer muito tempo sentado ou de pé, tem dificuldade em dormir, sofre de sintomas depressivos advenientes da sua situação clínica e necessita de ajuda de terceira pessoa para as tarefas básicas da sua vida como vestir, despir, tomar banho e confeccionar refeições.”


Perante o quadro descrito, concluiu então a Relação que “para além do Autor se encontrar afectado com uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual é manifesto que não conseguirá exercer qualquer outra actividade laboral com o mínimo de qualidade e de conforto a nível físico, sendo que o Centro de Reabilitação Profissional reconheceu que poderá experimentar significativas dificuldades no retorno ao trabalho.”


Porém, os factos relatados pela Relação referem-se sobretudo a queixas do Autor aos peritos que constam das páginas 9, 10 e 11 do relatório pericial. Apenas a referência de que “o Autor se apresentou com marcha claudicante com recurso a canadianas, aparente diminuição da mobilidade da coluna lombar e da força muscular dos membros inferiores” resulta do exame objectivo.


A matéria relevante tem de ser, assim, aquela que resulta do enunciado dos factos provados:


“(…)


“o) Do dito acidente, resultou a incapacidade total e permanente do A. para o desempenho da sua profissão à data do acidente;


p) Como consequência da vivência das limitações físicas de que passou a sofrer em razão de tal acidente, com incapacidade absoluta para o seu trabalho, o A. passou a sofrer perturbações de stress pós-traumático e de transtorno da adaptação com humor depressivo, e desencadeou um processo de reação depressiva prolongada;


q) De que não sofria antes do acidente;


r) E que atingiram um grau de irreversibilidade;


(…)


bb) Teor do relatório pericial médico elaborado em 8 de abril de 2019 pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses – Delegação ... do INML, CF,IP, a fls. 418 a 424 vº dos autos, com os esclarecimentos prestados em 21 de maio de 2019, a fls. 434 a 435 vº dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, relativo ao exame realizado ao A. em 18 de fevereiro de 2019 na referida Delegação ... e no qual, em sede de “ DISCUSSÃO e CONCLUSÕES”, se refere que


(…)


2. A 11-10-2004 o examinando sofreu acidente de trabalho do qual resultou traumatismo da região lombar (lise ístmica L4-L5).


(…)


4. A partir da data referida no ponto anterior, o examinando é portador de uma incapacidade de 36,16%, tendo em conta a Tabela Nacional de Acidentes de Trabalho (Anexo I, Decreto de Lei 352/2007): (…)


5. Tendo em conta o parecer realizado pelo Centro de Reabilitação Profissional de ..., o examinado encontra-se com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.


6. Tendo em conta o estado clínico do examinando, é de admitir que necessita de ajuda de terceira pessoa para a realização das atividades de vida diária, na forma de complemento na realização de certas atividades (vestir, despir e tomar banho, confeção de refeições, atividades domésticas).”


Ora, os factos acima descritos permitem concluir apenas que o Autor se encontra permanentemente incapacitado para exercer o seu trabalho habitual, ou seja, o trabalho que desempenhava na altura do acidente – pintor de serralharia.


Na verdade, atendendo aos factos que integram a causa de pedir invocada na petição inicial, o Autor invocou apenas factualidade segundo a qual se encontra permanentemente incapacitado para exercer o seu trabalho habitual, nada tendo alegado quanto a uma incapacidade para exercer toda e qualquer profissão.


Admite-se que as condições físicas do Autor, lhe trazem, decerto, muita dificuldade (pelo menos) para desempenhar qualquer outra profissão. E que, atento o emprego que tinha (pintor de serralharia) as suas habilitações poderão não ser suficientes para permitir a sua reconversão profissional, admitindo-se que não lhe será fácil (pelo contrário) arranjar outro emprego.


Porém, não tendo o Autor alegado quaisquer factos para além da sua incapacidade de 72% e sendo seu ónus alegar uma situação de invalidez absoluta e definitiva (cfr. o supra citado Ac. STJ de 17.10.2019, proc. 2978/15), revela-se vedado ao Supremo fazer extrapolações de facto, que preencham essa situação. Não é, assim, possível ao Supremo presumir, a partir do facto de que se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e do facto de que necessita de ajuda de terceira pessoa para a realização das actividades de vida diária, na forma de complemento na realização de certas actividades (vestir, despir e tomar banho, confeção de refeições, actividades domésticas), que o Autor se encontra com incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho, que o impede de auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária.


Em resumo: estando apenas demonstrada a incapacidade absoluta do Autor para desempenhar o seu trabalho habitual, mas não para realizar todo e qualquer trabalho, ou seja, não se encontrando demonstrado nos autos que o Autor ficou impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária, não se encontra verificada a situação de invalidez absoluta e definitiva prevista no contrato celebrado com o Réu, de acordo com a interpretação acima seguida.


Invalidez total e permanente.


Como se viu, a Relação em face da incapacidade para a profissão habitual desconsiderou o teor literal do art. 22º das Disposições Gerais do Regulamento de Benefícios, na parte em que define o estado de invalidez permanente como o processo de incapacidade a que corresponde uma percentagem igual ou superior a 70% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, centrando a discussão em volta do conceito de invalidez absoluta e definitiva. E não relevou por entender que o dito art. 22º não tinha aplicação não só em caso de incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho mas também no caso de incapacidade absoluta para o trabalho habitual.


Porém, não se pode comungar deste entendimento.


Se se pode admitir que o art. 22º não abrange a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho (que se integra no conceito de invalidez absoluta e definitiva) já não se aceita que a existência de uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual (que não integrou nesse conceito) possa excluir a aplicação daquele artigo, pois sempre subsistirá a capacidade residual da incapacidade permanente parcial, que deve ser aferida. E esta incapacidade permanente parcial só será relevante se corresponder a uma percentagem igual ou superior a 70% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades.


Como assim, importa apurar se o Autor está afectado de “uma invalidez total e permanente”, isto é, se tem uma incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%.


Está provado que:


“s) Em 18 de fevereiro de 2011 o A. requereu junto do Balcão de ... da Caixa Económica Montepio Geral, e na qualidade de beneficiário próprio, a ativação da Garantia por Invalidez da modalidade subscrita, por motivo de ocorrência do acidente a que se alude em j), instruindo esse seu requerimento com o documento (Atestado Médico de Incapacidade Multiuso) de que se mostra junta fotocópia a fls. 35 dos autos (documento nº 5 com a petição inicial), cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta a menção da atribuição ao A. de um grau de incapacidade permanente global de 72%, de acordo com a TNI (Anexo I) aprovada pelo Dec.-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro;


(…)


bb) Teor do relatório pericial médico elaborado em 8 de abril de 2019 pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses – Delegação ... do INML, CF,IP, a fls. 418 a 424 vº dos autos, com os esclarecimentos prestados em 21 de maio de 2019, a fls. 434 a 435 vº dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, relativo ao exame realizado ao A. em 18 de fevereiro de 2019 na referida Delegação ..., e no qual, em sede de “ DISCUSSÃO e CONCLUSÕES”, se refere que


(…)


2. A 11-10-2004 o examinando sofreu acidente de trabalho do qual resultou traumatismo da região lombar (lise ístmica L4-L5).


(…)


4. A partir da data referida no ponto anterior, o examinando é portador de uma incapacidade de 36,16%, tendo em conta a Tabela Nacional de Acidentes de Trabalho (Anexo I, Decreto de Lei 352/2007): (…)


5. Tendo em conta o parecer realizado pelo Centro de Reabilitação Profissional de ..., o examinado encontra-se com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.


6. Tendo em conta o estado clínico do examinando, é de admitir que necessita de ajuda de terceira pessoa para a realização das atividades de vida diária, na forma de complemento na realização de certas atividades (vestir, despir e tomar banho, confeção de refeições, atividades domésticas).”


É certo que a Relação desvalorizou, em sede de impugnação de facto, o valor probatório do atestado multiuso e que, quando apreciou a invalidez absoluta e definitiva, apenas considerou o relatório pericial médico elaborado em 8 de Abril de 2019 pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses – Delegação ... do INML.


Porém, tem-se entendido que o atestado médico de incapacidade multiusos também pode fundar a prova de incapacidade permanente global, sem que tal fira disposição legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova ( cfr. Ac. STJ, de 12.10.2017, proc. 19505/15.2T8LSB.L1.S1 e Ac. STJ de 20-06-2023, proc. 19606/18.5T8LSB.E2.S1, ambos em www.dgsi.p), sendo que, tal como o relatório pericial efectuado pelo IML, é prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem da incapacidade da pessoa avaliada (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2024, de 25 de Junho).


Com efeito, a prova pericial é um meio de prova que tem por fim a percepção ou a apreciação de factos (art. 388º do CC), sujeito à livre apreciação pelas instâncias (v. Ac. STJ de 14.7.2016, proc. 605/11.4TTLRA.C1.S1, em www.dgsi.pt).


Estando em causa, como está, a questão de saber se se verifica a previsão da “invalidez total e permanente”, definida no art. 22º do citado Regulamento, o facto relevante não é, pois, o de saber o que os relatórios médicos dizem (designadamente o relatório forense de 2019 e o atestado multiuso de 2011) mas, mais exactamente, o de saber se o Autor ficou ou não a padecer de uma IPP de 72% (servindo os ditos relatórios de meios de prova), de acordo com a Tabela Nacional de Acidentes de Trabalho, que consta do Anexo I, do Decreto-Lei nº 352/2007 de 23.10, que é a aplicável (uma vez que não está propriamente em causa a avaliação da incapacidade no âmbito de um processo de acidente de trabalho mas a avaliação para outros efeitos, cfr. art. 6º, nº 1, als. a) e c) do referido diploma).


Ora, esse juízo e valoração sobre a incapacidade como facto autónomo só pode ser feito pelas instâncias, cabendo-lhes avaliar a força probatória do relatório e do atestado multiusos relativamente a esse facto.


Como assim, impõe-se, ao abrigo dos art. 682º, nº 3 e 683º, nº 1 do CPC, a ampliação da matéria de facto em ordem a apurar se a IPP de que o Autor está afectado é de 36,16% ou de 72%, de acordo com a Tabela Nacional de Acidentes de Trabalho (Anexo I), definida pelo Decreto- Lei nº 352/2007 de 23.10.


Se for de 72% deverá ser decidido que o Autor se encontra em situação de invalidez total e permanente, ao abrigo do art. 22º do Regulamento de Benefícios, e o Réu condenado a pagar as prestações vincendas do contrato de mútuo.


Se, pelo contrário não se provar que o Autor padece de IPP de 72% ou se provar que apenas padece de IPP de 36,16%, deverá a acção improceder, por não se verificar a previsão do citado art. 22º, e o Réu ser absolvido do pedido.


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em determinar a baixa dos autos à Relação para ampliação da matéria de facto nos sobreditos termos, devendo ser, de seguida, proferida decisão, de harmonia com o direito que se deixou definido.


Custas pela parte vencida a final.



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Lisboa, 17 de Setembro de 2024


António Magalhães (Relator)


Jorge Arcanjo


Manuel Aguiar Pereira