Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JORGE LEAL | ||
| Descritores: | PRAZO DE PRESCRIÇÃO DIREITO DE CRÉDITO INTERRUPÇÃO REQUERIMENTO VIOLAÇÃO DE LEI CITAÇÃO ATRASO EXTINÇÃO SOCIEDADE ANÓNIMA DIREITOS DOS SÓCIOS TERCEIRO | ||
| Data do Acordão: | 07/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I. Nos termos do 174.º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, “prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo”. II. O efeito interruptivo da prescrição previsto no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil visa proteger o autor das delongas na citação inerentes à tramitação processual ou à organização judiciária. III. Só haverá atraso na citação, imputável à tramitação processual ou à organização judiciária, se tiver sido requerida a citação em termos que permitam ao tribunal a ela proceder, de imediato. IV. Não é suscetível de produzir a citação ficta prevista no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil o requerimento formulado pela autora em ação inicialmente proposta contra sociedade já extinta, em que a autora, ulteriormente, solicitou que o anterior representante legal da ré fosse notificado para informar, nomeadamente, acerca da identificação dos acionistas da sociedade, a fim de que posteriormente a ação prosseguisse contra eles. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 688/22.1T8BRG.G1.S1 Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Em 01.02.2022, LVCR - COMBUSTÍVEIS, Ld.ª, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra PA & JN - CONSTRUÇÕES, SA., pedindo que fosse declarada a execução específica do contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel que fora celebrado entre ambas ou, caso assim não fosse entendido, fosse declarado o incumprimento culposo do contrato por motivo imputável à R. e esta fosse condenada a restituir o sinal em dobro, acrescido de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o incumprimento até integral pagamento. 2. Depois de várias incidências processuais, foi apresentada contestação por AA, em 02.12.2022, invocando a qualidade de acionista da R., na qual, entre o mais, alegou que em 18.04.2017 foi registado o encerramento da liquidação da sociedade R., devendo a mesma considerar-se extinta e suscitando a prescrição do direito da A. por terem decorrido mais de cinco anos sobre o registo do encerramento da liquidação, nos termos do disposto no art.º 174.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC). 3. Por despacho de 23.10.2023 foi dispensada a realização da audiência prévia, fixado o valor da causa (em € 73 198,82) e proferido saneador-sentença, no qual se julgou procedente a exceção de prescrição invocada pelo acionista AA, em consequência do que se absolveu os acionistas AA, BB e CC dos pedidos contra si formulados. 4. Inconformada com a decisão proferida, a A. interpôs recurso, requerendo a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que julgasse a exceção de prescrição improcedente, ordenando-se a prossecução dos autos para conhecimento do objeto da ação e prolação de decisão de mérito. 5. Por acórdão datado de 07.3.2024, a Relação de Guimarães julgou a apelação procedente, em consequência do que revogou o saneador-sentença recorrido, julgando improcedente a exceção de prescrição do direito e determinando a remessa dos autos à primeira instância para aí prosseguir a tramitação subsequente que se revelasse necessária, com custas da apelação pela recorrida/R.. 6. O R. AA interpôs revista do mencionado acórdão, terminando com as seguintes conclusões: “1.ª - Conforme resulta da certidão permanente da sociedade “P.A.&J.N. - Construções S.A.” junta aos autos, em 18.04.2017 foram registados a dissolução, o encerramento da liquidação, bem como o cancelamento da matrícula da mesma, considerando-se, por isso, extinta desde essa data - vd. n.º 2 do art.º 160.º do CSC 2.ª- Após o registo do encerramento da liquidação, os antigos accionistas da ré sociedade “P.A.&J.N.” apenas poderiam responder pelo passivo desta durante os 5 anos subsequentes ao registo da extinção, sob pena de prescrição desse direito - cfr. n.º 2 do art.º 160.º e n.º 3 do art.º 174.º do CSC 3.ª - A suspensão do referido prazo de prescrição imposta legalmente devido à pandemia COVID 19, como decidiram as instâncias, não é fundamento para a improcedência da excepção de prescrição do direito da autora, uma vez que os accionistas da sociedade ré apenas foram citados para a presente acção, respectivamente, em 17.11.2022, 20.01.2023 e 17.03.2023, ou seja, já depois de verificada a data de prescrição daí decorrente – 20.09.2022. vd. art.ºs 7.º n.º 3 e 10.º da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03 e 36.º do Dec. Lei n.º 10-A/2020 de 13-03, e art.º 6.º da lei 16/2020 de 29-05 4.ª - O efeito interruptivo da prescrição previsto no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil pressupõe a verificação de três requisitos: i) que a citação seja requerida antes de cinco dias do termo do prazo prescricional; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor. 5.ª - No caso dos autos, constata-se, desde logo, não estar verificado o primeiro pressuposto enunciado, porquanto, na verdade, a autora não requereu a citação dos accionistas da extinta sociedade ré antes de cinco dias do termo do prazo de prescricional. 6.ª - Com efeito, por via do requerimento que a autora apresentou nos autos em 19.05.2022, onde se pronunciou quanto às excepções de falta de personalidade e de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, a autora requereu, sim, a notificação do contestante, ora recorrente, para juntar aos autos determinados documentos para, como a própria aí fez consignar, decisão da matéria relativa à excepção de ilegitimidade passiva da ré, alegada pelo contestante nos artigos 16.º a 23.º da contestação que deduziu em 04.03.2022, e não para citação dos accionistas da ré, sendo que dos demais pedidos formulados nesse requerimento também não resulta que tenha requerido a citação dos accionistas da sociedade. 7.ª - Na verdade, só em 10.10.2022, quando a autora apresenta requerimento de pronúncia quanto à excepção de prescrição invocada, é que a mesma então requer “a citação de AA e DD, para que prossigam os autos contra eles como acionistas da ré”, todavia, nessa data, o prazo prescricional de cinco anos previsto no n.º 3 do art.º 174.º do CSC já não estava a decorrer, pois que, terminou, se não antes, pelo menos em 20.09.2022 8.ª - De igual modo, e salvo o devido respeito por diferente opinião, não pode considerar-se que o retardamento da citação não é imputável à autora. 9.ª - Com efeito, não pode ignorar-se que era desde logo à autora / recorrida que competia, numa expectável actuação diligente que, de resto, lhe era exigível, aferir da situação da sociedade ré antes de instaurar a presente acção e confrontando-se com o registo de encerramento da liquidação da mesma já desde 18.04.2017, diligenciar por apurar quem era o liquidatário desta e/ou os seus accionistas a fim de poder demandá-los judicialmente, no lugar da ré, ou, no limite, instaurar a acção contra incertos, o que a autora, por incúria, não fez. 10.ª- E a esta falta de cuidado inicial, soma-se o facto de apesar de ter sido notificada em 08.02.2022 do requerimento que nessa data foi apresentado nos autos pelo ora recorrente, a informar da extinção da sociedade “P.A.&J.N. – Construções S.A.”, só em 19.05.2022, ou seja, mais de três meses depois, veio a autora requerer ao tribunal a quo que o ora recorrente fosse notificado para juntar aos autos o pacto social da sociedade ré, as respectivas alterações, a identificação dos accionistas no momento da dissolução, a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha (documentos / informações estas que, note-se, poderia por si obter junto da conservatória do registo comercial) e que, após essa junção, “no caso de apuramento de que da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, não resultou partilha do activo, a prossecução dos autos substituindo-se a ré pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários” 11.ª - Não requereu, pois, a autora logo então a citação dos accionistas, antes aguardou sim, serena e despreocupadamente, que fossem juntas aos autos pelo recorrente as referidas informações / documentos que, sublinha-se, poderia por si obter, descurando ou mesmo desconsiderando o prazo de prescrição em curso. 12.ª - Aliás, frise-se que, desde pelo menos 08.02.2022, sabia já a autora que o recorrente era um dos accionistas da extinta sociedade, por ter sido o próprio a disso dar conhecimento por requerimento que apresentou nos presentes autos nessa data, e de resto, à data do requerimento que a autora apresentou em 19.05.2022 tinha já a mesma conhecimento da identificação dos demais accionistas da extinta sociedade ré, tanto que deduziu então contra os mesmos incidente de habilitação por apenso à presente acção, razão pela qual nunca poderiam ser relevadas as alegadas “dificuldades intransponíveis na obtenção das informações e documentos necessários”. para que pudessem os autos prosseguir contra os accionistas da sociedade dissolvida e extinta”, e por conseguinte para requerer a citação dos mesmos. 13.ª De todo o modo, ainda que a autora não soubesse a identificação dos accionistas da sociedade (que, reitera-se, já então sabia) sempre poderia requerer a citação de incertos (isto é os “incertos” accionistas da sociedade “P.A.&J.N. - Construções S.A.” à data da sua dissolução) a fim de evitar o término do prazo prescricional, o que, manifestamente, a autora também não requereu. 14.ª - Assim, o facto de a citação dos accionistas da extinta ré sociedade só ter ocorrido nas datas já supra referidas, não pode ser atribuído a negligência dos serviços/tribunal, antes da própria autora, que, como já exposto, ab initio actuou de forma absolutamente descuidada e, mesmo após ter tomado conhecimento da extinção da sociedade ré (comunicada nos autos em 08.02.2022), não acautelou por atempadamente requerer ao tribunal a citação dos accionistas desta, por forma a evitar a preclusão do prazo prescricional em curso. 15.ª - Deste modo, por não se mostrarem observados os requisitos legais para o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do citado art.º 323.º do CC, entendemos que não pode a autora beneficiar do regime aí previsto. 16.ª - Por conseguinte, considerando que quando os accionistas da ré foram citados para os termos da presente acção, já haviam decorrido mais de 5 anos desde a data do registo de encerramento da liquidação da sociedade, inequívoca é a prescrição do direito invocado pela autora. EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO À REVISTA REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO E, EM CONSEQUÊNCIA: - julgar-se procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo-se os accionistas AA, DD e CC dos pedidos contra si formulados. ASSIM DELIBERANDO ESTE TRIBUNAL SUPERIOR FARÁ JUSTIÇA”. 7. A A. apresentou contra-alegação, que não foi admitida, por não ter sido efetuado o pagamento da devida taxa de justiça. 8. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO A questão a apreciar neste recurso é se o direito exercido pela A. contra os RR. se mostra prescrito, por ter ocorrido a causa interruptiva prevista no art.º 323.º n.º 2 do Código Civil. 2.1. No acórdão recorrido, além do que consta supra no Relatório, deu-se como provada a seguinte Matéria de facto 1. A presente ação foi instaurada em 01-02-2022, sendo demandada a ré PA & JN - CONSTRUÇÕES, SA. 2. Procedeu-se à citação da ré, tendo sido junto o correspondente aviso de receção, assinado em 04-02-2022, após o que AA requereu a junção de procuração aos autos em 08-02-2022 (ref. ª ...85), vindo alegar que a sociedade ré se encontra dissolvida, com registo de encerramento da liquidação e afirmando ter sido seu acionista e administrador. 3. Na sequência da procuração apresentada em 08-02-2022, foi apresentada contestação, em 4-03-2022 (ref.ª ...52), na qual AA, invocando agir em representação da ré, suscitou, entre o mais, a falta de personalidade judiciária e a exceção de ilegitimidade passiva, mais impugnando a matéria alegada na petição inicial. 4. Em 06-05-2022 (ref.ª ...66), foi proferido despacho, concedendo à autora o prazo de 10 dias para, querendo, exercer o contraditório relativamente à matéria de exceção deduzida na contestação, nomeadamente sobre a arguição da falta de personalidade e falta de legitimidade da ré. 5. Em 19-05-2022 (ref.ª ...35), a autora apresentou articulado, pronunciando-se sobre as exceções de falta de personalidade e de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário, no qual alega, entre o mais, o seguinte: «(…) Aceita-se o demonstrado com o documento 2 da contestação, isto é, que a sociedade ré se encontra dissolvida e de que a sua matricula se encontra cancelada, com a menção de «dissolução e encerramento da liquidação» registado em 18-04-2017. (…) Pela autora foram, junto dos serviços das Conservatórias de ... (responsável pelo registo inicial da sociedade) e de ... (responsável pelo registo do cancelamento da matricula) os respectivos documentos para identificação dos accionistas e/ou liquidatários da ré. (…) Documentos que até à data não logrou a autora obter. (…) Que a autora não sabe mesmo dizer se se encontram disponíveis junto dos serviços competentes. (…). E que a autora se compromete a juntar se e quando lhes forem entregues por certidão. (…). Sendo que, do documento 3 junto com a contestação, resulta que a fracção em causa nos autos, não foi atribuída a qualquer accionista, presumindo-se que permanece no património da Ré e que não foi partilhado. (…). E que, tanto quanto sabe a Autora, os membros do concelho de Administração da Ré, são eles próprios seus accionistas e quem tem conhecimento da identidade dos demais. (…). Sem embargo dos pedidos formulados pela Autora junto dos serviços da Conservatória do Registo Comercial supra citadas, desde já se requer que o Contestante, ao abrigo do dever de cooperação judiciária, junte aos autos, os seguintes documentos e informações: pacto social, respectivas alterações, identificação dos accionistas no momento da dissolução, decisão de dissolução e encerramento da liquidação e eventual partilha. (…) Pretende a Autora com tais documentos e informações identificar os habilitandos, de modo a que prossiga regularmente a acção, nos termos supra alegados, não lhe sendo possível, nem tendo sido possível em tempo util, obter essas informações de outro modo (…)». 6. No requerimento apresentado em 19-05-2022, a autora requereu, entre o mais, o seguinte: «Termos em que se pede que seja o presente requerimento admitido, com as devidas consequências legais e consequentemente: (…) b) Ordenar a notificação do contestante para, ao abrigo do principio de cooperação previsto no artigo 266º CPC, juntar aos autos o pacto social da ré, as respectivas alterações, a identificação dos accionistas no momento da dissolução, a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha, para decisão da matéria alega nos artigos 16º a 23º c) Reconhecer que a dissolução da Ré e respectivo cancelamento da matricula, não impede a prossecução dos autos, declarando improcedente a excepção por falta de personalidade (denominada de ilegitimidade) da ré e determinar, após junção dos documentos referidos na alínea anterior: i) a suspensão do processo pendente da habilitação dos accionistas nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 163º do CSCom, no caso da liquidação ter terminado com a partilha do activo ii) no caso de apuramento de que da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, não resultou partilha do activo.a prossecução dos autos substituindo-se a ré pela a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, a Autora consigna que na data de hoje, dará inicio a um incidente de habilitação dos accionistas de que tem conhecimento e com os elementos de prova de que dispõe de modo a acautelar, desde já, o pedido da alínea c) deste requerimento». 7. Após, foi proferido despacho, em 22-09-2022 (ref. ª ...70), determinando que, no prazo de dez dias, a ré junte aos autos o pacto social, as respetivas alterações, a identificação dos acionistas no momento da dissolução e a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha. 8. No despacho aludido em 7, o Tribunal consignou, entre o mais, os seguintes fundamentos: «(…) A dissolução da sociedade e o registo do encerramento da liquidação determinam a sua extinção (art. 160º nº2 do Cód. das Sociedades Comerciais). Nos dizeres de PAULO OLAVO DA CUNHA, 'a liquidação é o último acto juridicamente relevante da vida da sociedade e o respectivo encerramento corresponde à sua morte e desaparecimento”. Todavia, esta extinção não implica imediatamente o fim das acções intentadas contra a sociedade, designadamente por falta de personalidade judiciária ou inutilidade superveniente da lide (art. 11º nº1 e 2 e 286º al. e) do Cód. de Processo Civil). Nos termos do art. 162º nº1 e 2 do Cód. das Sociedades Comerciais, as acções em que a sociedade seja parte continuam após a sua extinção. Nesta situação a única consequência da extinção é que a sociedade se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário, sem que seja necessária a sua habilitação. Este regime foi pensado pelo legislador fundamentalmente para as acções em que a sociedade é autora. Contudo, a jurisprudência tem entendido que deve aplicar-se a mesma solução nas acções intentadas contra a sociedade. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 27 de Setembro de 2007, de acordo com o qual 'a extinção da sociedade não produz nem a suspensão nem a extinção da instância nas acções em que a sociedade seja parte; a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação; a substituição da sociedade extinta pela generalidade dos sócios opera-se através de sucessão dos antigos sócios nos débitos que tinham como sujeito a sociedade; a responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha'. Além disso, tem sido entendido que esta solução é aplicável independentemente de estar em causa uma acção que tenha sido proposta antes ou depois do registo do encerramento da liquidação. Serve de exemplo, entre muitos outros, o Ac. da Relação do Porto de 6 de Julho de 2009, no qual começa por se afirmar que 'apesar de extinta a sociedade, verificando-se que existe um passivo social não satisfeito ou acautelado, respondem os antigos sócios, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade limitada, até ao montante que receberam na partilha' e logo se acrescenta 'isto relativamente às acções a propor, como às já propostas'. Estando em causa uma acção que foi proposta depois do registo do encerramento da liquidação exige-se apenas que o autor alegue que os sócios receberam bens na partilha e requeira o seu prosseguimento contra estes. A acção também deve prosseguir contra os sócios se existir activo que não foi partilhado, pese embora esta seja uma das funções do liquidatário. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de 2022, de acordo com o qual 'em situações como a dos autos, em que não existiu procedimento de liquidação com partilha, mas está comprovada a existência de activo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário, pois não se está perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide'. Transpondo estes princípios para o caso dos autos, temos que deve ser determinado o prosseguimento da acção contra os accionistas da ré, como foi requerido pela autora. Para este efeito, a ré deverá juntar os documentos e prestar as informações que foram requeridas pela autora, ao abrigo do princípio da cooperação consagrado no art. 7º nº1 e 4 do Cód. de Processo Civil. (…)». 9. Por requerimento apresentado em 06-10-2023 [2022] (ref. ª 13564461), a ré/contestante requereu ao Tribunal a prorrogação do prazo para junção dos documentos requeridos, por 10 dias, uma vez que, tendo em conta o tempo decorrido e o facto de se encontrar inativa desde há muito tempo, precisa de verificar se dispõe dos doc.ºs e da informação indicadas no douto despacho. 10. Prorrogação de prazo que foi concedida por despacho de 10-10-2022 (ref. ª ...34). 11. Em 10-10-2022 (ref.ª ...40), a ré apresentou requerimento, no qual alega, entre o mais, que, só em 19-05-2022 é que a autora requereu o prosseguimento da ação contra os acionistas da ré, alegando que o fez já depois de decorrido/findo o invocado prazo de prescrição de 5 anos, pelo que não há fundamento para o prosseguimento da ação contra os acionistas da ré nem para a junção dos documentos/informações referidos no despacho de 22-09-2022, requerendo seja julgada procedente a exceção de prescrição e, em consequência, extinta a instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide. 12. Em 14-10-2022 a autora tomou posição sobre o requerimento apresentado pela ré em 10-10-2022, pronunciando-se quanto à invocada prescrição, relativamente à qual invoca a suspensão e a interrupção do prazo prescricional, pugnando pela improcedência de tal exceção, mais reiterando o pedido de notificação da ré para que juntasse aos autos os documentos que constam do douto despacho de 26-09-2022; caso a ré persista na recusa de entrega dos documentos ou, e em bom rigor, a AA, se digne condená-lo em multa processual e ordenar a citação de AA, DD, para que prossigam os autos contra eles como acionistas da ré. 13. Por despacho de 18-10-2022 (ref. ª ...71), o Tribunal determinou que a ré juntasse aos autos as informações e os documentos pretendidos, após o que, depois de se proceder à citação dos sócios e caso seja invocada por estes, será apreciada a prescrição, uma vez que são aqueles a quem aproveita. 14. Por requerimento apresentado em 28-10-2022 (ref. ª ...00), a ré/contestante veio informar que no momento da dissolução da sociedade/ré, os acionistas da mesma eram AA, DD e EE, mais juntando aos autos documentos - pacto social e a decisão de dissolução e encerramento da liquidação proferida pela conservatória do registo comercial. 15. AA, DD e EE foram citados para a presente ação em 17-11-2022, 20-01-2023 e 17-03-2023, respetivamente. 16. O acionista BB não contestou e a acionista CC contestou, mas a sua contestação foi considerada sem efeito. 17. Em 18-04-2017 foram registados a dissolução e o encerramento da liquidação da ré, bem como o respetivo cancelamento (Insc. 4 - AP. ...33/20170418). 2.2. O Direito É incontroverso, nestes autos, que o direito que a A. pretende exercer contra os RR. está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos, previsto no art.º 174.º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, cujo texto é o seguinte: “Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo.” No caso dos autos, a contagem do prazo de prescrição iniciou-se em 18.4.2017, data em que foram registados a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade R. (n.º 17 dos factos provados). Na linha do alegado pela A./apelante, o acórdão recorrido considerou, e tal não é alvo de controvérsia, que o aludido prazo se suspendeu entre 14.03.2020 e 03.06.2020 e entre 22.01.2021 e 6.04.2021, por força de duas suspensões de prazos de prescrição, impostas legalmente devido à pandemia COVID 19 (artigos 7.º, n.º 3 e 10.º da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03 e 36.º do Dec. Lei n.º 10-A/2020 de 13.03, e art.º 6.º da Lei n.º 16/2020 de 29.05), pelo que, se nada mais ocorresse, terminaria em 20.9.2022. Ora, tendo os RR. sido citados, respetivamente, em 17.11.2022, 20.01.2023 e 17.3.2023 (cfr. n.º 15 da matéria de facto), dir-se-ia que beneficiam da prescrição que o R. AA arguiu. Porém, o acórdão recorrido, contrariamente ao ajuizado pela 1.ª instância, considerou que a prescrição foi interrompida, ao abrigo do disposto no art.º 323.º n.º 2 do Código Civil. Vejamos. A prescrição é uma forma de extinção de direitos (art.º 304.º n.º 1 do Código Civil) fundada em razões de segurança jurídica, aliada à ponderação da inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo (cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, pp. 375 e 376). As razões de interesse público que subjazem a este instituto justificam a inderrogabilidade do seu regime por convenção (art.º 300.º do CC), assim como a proibição da renúncia prévia à prescrição (art.º 302.º n.º 1 do CC). Porém, cabe ao respetivo beneficiário a opção pela invocação da prescrição, que não é de conhecimento oficioso (art.º 303.º do CC). E a lei reconhece efeito suspensivo ou interruptivo da prescrição a factos ou situações que arredam ou atenuam as consequências da suposta negligência do credor ou titular do direito. Assim, estipulando-se no art.º 323.º n.º 1 do Código Civil que a prescrição se interrompe “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, no n.º 2 do mesmo artigo se estabelece que “[s]e a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” Por outro lado, no n.º 4 do mesmo artigo explicita-se que “[é] equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.” A interrupção opera, pois, mediante ato judicial através do qual se dá a conhecer ao devedor a intenção de exercício do direito. E, nos termos do n.º 2 do art.º 323.º, ficciona-se essa comunicação (citação ou notificação) ao devedor, decorrido o prazo de cinco dias após ela ter sido requerida, se ela não se tiver concretizado nesse prazo “por causa não imputável ao requerente”. Conforme se vem sintetizando nas decisões jurisprudenciais, o mecanismo interruptivo previsto no n.º 2 do art.º 323.º do CC (citação ficta) pressupõe a concorrência de três requisitos: - que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; - que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; - que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao autor (cfr., v.g., acórdão do STJ, de 03.10.2007, processo n.º 07S359, consultável, assim como os adiante citados, salvo indicação em contrário, em www.dgsi.pt). Quanto ao último requisito (que o retardamento da citação ou notificação não seja imputável ao autor), cabe aqui reproduzir o exarado no supra citado acórdão do STJ, de 03.10.2007: “aquele benefício, assim concedido ao credor, exige necessariamente – para além da verificação daqueles dois primeiros requisitos – que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a informação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efectiva prática do acto informativo.” Ou, noutra formulação exarada no mesmo acórdão: “A expressão legal – “causa não imputável ao requerente – contida no falado art.º 323º n.º 2, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quanto tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação”. Do mesmo modo, no acórdão do STJ proferido em 19.12.2012, processo 3134/07.7TTLSB.L1.S1, se escreveu que “[p]or retardamento na efectivação da citação imputável ao Autor deve entender-se a conduta do autor que venha a infringir objectivamente a lei em qualquer termo processual e que conduza a que a citação se não faça dentro dos cinco dias após ter sido requerida”. Ainda no mesmo sentido, no acórdão do STJ, de 23.01.2014, processo 8021/04.8YYLSB-A.L1.S1, se concluiu nestes termos: “O atraso na citação será, portanto, da responsabilidade do requerente sempre que ele não pratique ou pratique mal os actos processuais que lhe incumbe realizar entre o momento da apresentação do requerimento (nestes se incluindo também a correcta formalização do requerimento) e o da citação ou, dito de outro modo, sempre que esta não possa efectivar-se por aqueles motivos” (negrito nosso). O efeito interruptivo previsto no n.º 2 do art.º 323.º visa proteger o autor das delongas inerentes à tramitação processual ou à organização judiciária. Como expressivamente expenderam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora em Manual do Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 263, a solução consagrada pelo n.º 2 do art.º 323.º do CC tem por intenção “defender o credor contra a negligência do tribunal ou do funcionário, o dolo do devedor, a acumulação de serviço, a entrada em férias judiciais, ou outras circunstâncias anómalas do juízo.” Como é evidente, só haverá delonga na citação, imputável à tramitação processual ou à organização judiciária, se tiver sido requerida a citação, em termos que permitam ao tribunal a ela proceder, de imediato. Para que tal suceda, necessário é que o autor, na petição inicial, identifique as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes (art.º 552.º n.º 1 alínea a) do CPC). A omissão de tais elementos é motivo de recusa da petição pela secretaria (art.º 558.º n.º 1, alínea b) do CPC). Ora, a ação sub judice foi instaurada em 01.02.2022, contra a sociedade PA & JN – Construções S.A.. Isto, apesar de, desde 18.4.2017, estarem devidamente publicitados, através de inscrição no registo comercial, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade R.. Decorridas as peripécias processuais expectáveis face à situação de extinção da entidade demandada, veio a A. a produzir o requerimento mencionado em 5 e 6 da matéria de facto, datado de 19.5.2022, a que o acórdão recorrido imputou o efeito interruptivo da prescrição previsto no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil. Reitera-se, aqui, a transcrição do aludido requerimento: «(…) Aceita-se o demonstrado com o documento 2 da contestação, isto é, que a sociedade ré se encontra dissolvida e de que a sua matricula se encontra cancelada, com a menção de «dissolução e encerramento da liquidação» registado em 18-04-2017. (…) Pela autora foram, junto dos serviços das Conservatórias de ... (responsável pelo registo inicial da sociedade) e de ... (responsável pelo registo do cancelamento da matricula) os respectivos documentos para identificação dos accionistas e/ou liquidatários da ré. (…) Documentos que até à data não logrou a autora obter. (…) Que a autora não sabe mesmo dizer se se encontram disponíveis junto dos serviços competentes. (…). E que a autora se compromete a juntar se e quando lhes forem entregues por certidão. (…). Sendo que, do documento 3 junto com a contestação, resulta que a fracção em causa nos autos, não foi atribuída a qualquer accionista, presumindo-se que permanece no património da Ré e que não foi partilhado. (…). E que, tanto quanto sabe a Autora, os membros do concelho de Administração da Ré, são eles próprios seus accionistas e quem tem conhecimento da identidade dos demais. (…). Sem embargo dos pedidos formulados pela Autora junto dos serviços da Conservatória do Registo Comercial supra citadas, desde já se requer que o Contestante, ao abrigo do dever de cooperação judiciária, junte aos autos, os seguintes documentos e informações: pacto social, respectivas alterações, identificação dos accionistas no momento da dissolução, decisão de dissolução e encerramento da liquidação e eventual partilha. (…) Pretende a Autora com tais documentos e informações identificar os habilitandos, de modo a que prossiga regularmente a acção, nos termos supra alegados, não lhe sendo possível, nem tendo sido possível em tempo util, obter essas informações de outro modo (…)». Termos em que se pede que seja o presente requerimento admitido, com as devidas consequências legais e consequentemente: (…) b) Ordenar a notificação do contestante para, ao abrigo do principio de cooperação previsto no artigo 266º CPC, juntar aos autos o pacto social da ré, as respectivas alterações, a identificação dos accionistas no momento da dissolução, a decisão de dissolução e encerramento da liquidação e a eventual partilha, para decisão da matéria alega nos artigos 16º a 23º c) Reconhecer que a dissolução da Ré e respectivo cancelamento da matricula, não impede a prossecução dos autos, declarando improcedente a excepção por falta de personalidade (denominada de ilegitimidade) da ré e determinar, após junção dos documentos referidos na alínea anterior: i) a suspensão do processo pendente da habilitação dos accionistas nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 163º do CSCom, no caso da liquidação ter terminado com a partilha do activo ii) no caso de apuramento de que da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, não resultou partilha do activo.a prossecução dos autos substituindo-se a ré pela a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, a Autora consigna que na data de hoje, dará inicio a um incidente de habilitação dos accionistas de que tem conhecimento e com os elementos de prova de que dispõe de modo a acautelar, desde já, o pedido da alínea c) deste requerimento»” Parece-nos, com o devido respeito por opinião contrária, que o requerimento que antecede não municia o tribunal com os elementos necessários à imediata e útil (tendo em vista a produção de citação ficta, nos cinco dias ulteriores ao requerimento) citação dos Réus. Nesse requerimento não se identificam os Réus, de molde a possibilitar ao tribunal citá-los. Apenas se solicita ao tribunal que diligencie no sentido de se virem a obter informações que permitam, mais tarde, fazer prosseguir a ação contra os acionistas da R., ou seja, contra os ora RR.. Tal requerimento não é equiparável ao requerimento de citação ou notificação que a citação ficta prevista no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil pressupõe. Assim, não ocorreu a pretensa interrupção do prazo de prescrição do direito da A., prazo esse que já se mostrava decorrido, seja aquando da citação dos Réus, seja aquando da prolação do despacho referido em 7 da matéria de facto (despacho que deferiu ao mencionado requerimento de 19.5.2022), seja aquando, como é evidente, do pedido de prorrogação do prazo mencionado em 9 da matéria de facto. A revista é, pois, procedente. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista procedente e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença, que julgou procedente a exceção perentória de prescrição que foi invocada e, em consequência, absolveu os acionistas AA, BB e CC dos pedidos contra si formulados. As custas da revista, na vertente das custas de parte, são a cargo da recorrida, que nela decaiu (artigos 527.º n.º s 1 e 2, 533.º, do CPC). Lx, 09.7.2025 Jorge Leal (Relator) António Magalhães Pedro de Lima Gonçalves |