Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13304/17.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor marido sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que o Autor marido tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, sendo certo que o Autor tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, aplicando-o em regra em depósitos a prazo.

II. Configura uma informação não verdadeira, a afirmação do gestor de cliente quando refere que era um produto cujo capital investido era garantido pelo próprio Banco.

III. Está demonstrada a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de o Autor marido de investir nas “Obrigações”, em maio de 2006, pois o Autor marido não investiria se conhecesse as características do produto.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA e BB intentaram ação declarativa de condenação contra Banco BIC Português, S.A., pedindo que se:

a) Declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra da obrigação SLN, ao Réu, BPN (actual Banco BIC, S.A., réu na presente acção, adquirida na agência de ..., foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento).

b) Declare que é da responsabilidade do Banco BIC S.A. o reembolso do capital reportado à aquisição por parte dos Autores das obrigações SLN, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu Banco BIC, S.A., transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu Banco BIC, S.A., tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (Estado Português e Banco BIC, S.A.), sendo tal acordo marginal aos aqui Autores.

c) Condene o Réu, Banco BIC, S.A., a proceder ao imediato reembolso do capital de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde 08 de Maio de 2015 sobre as obrigações SLN 2006, à taxa legal, até integral reembolso do capital, condenando ainda o Réu Banco BIC, S.A., a pagar aos Autores quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, por danos morais sofridos pelos Autores com o comportamento imputável ao Réu Banco BIC, S.A., traduzido na informação falsa prestada pelo gerente do Balcão de ... e que conduziu à presente situação e nunca inferior a €10.000,00 (dez mil euros).

E, no entendimento de que o contrato é nulo;

d) Julgar-se nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre os Autores e Réu que deu origem à ordem de subscrição, muito antes de 08-05-2006, de obrigações SLN no valor de €50 000,00 (cinquenta mil euros)

E,

e) Em consequência, condenar-se o Réu Banco BIC, S.A., a restituir aos Autores o valor de €50 000,00 (cinquenta mil euros) acrescido de juros, à taxa legal, desde 08-05-2015 e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que a Ré prestou informações erradas e falsas ao Autor, nomeadamente garantindo-lhe que, findo o prazo de maturidade, o capital que investira na obrigação “SLN 2006” ser-lhe-ia reembolsado na sua totalidade e que o gestor de cliente afirmou era um produto cujo capital era garantido pelo próprio Banco.

2. Citada, a Ré veio contestar, por impugnação e por exceção, impugnando os factos alegados pelos Autores e invocando a prescrição, pugnando pela absolvição do pedido.

3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido

4. Os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu a seguinte decisão:

“Face ao exposto acordam os juízes da secção cível em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar-se em parte a sentença apelada, indo agora o réu condenado a pagar aos autores a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros  de mora sobre  aquele montante, contados desde 08.05.2016 até integral pagamento”.

6. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2.ª A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto, a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3.ª Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4.ª Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5.ª O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6.ª Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

7.ª A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8.ª Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9.ª A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10.ª O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11.ª E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12.ª A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13.ª O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14.ª A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15.ª A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16.ª A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação …

17.ª A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18.ª A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19.ª Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20.ª O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21.ª A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22.ª A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23.ª O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24.ª O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25.ª No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26.ª Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27.ª Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28.ª Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29.ª Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30.ª E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31.ª Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32.ª Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33.ª A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34.ª O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35.ª São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36.ª A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37.ª Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38.ª O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39.ª Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40.ª A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE, tais riscos de facto existirem!

41.ª Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42.ª E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43.ª Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44.ª O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45.ª Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

46.ª A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47.ª No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48.ª Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49.ª E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50.ª Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51.ª Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

52.ª Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53.ª A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54.ª Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55.ª Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56.ª Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57.ª O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58.ª É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59.ª O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60.ª A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda de chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61.ª No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62.ª O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63.ª Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64.ª Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65.ª Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66.ª E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67.ª E nada disto foi feito!

68.ª A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

E conclui “pela revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva o Banco -R do pedido”.

7. Os Recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

8. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

9. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.

10. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (com as alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação):

1.1. Os Autores, em 2006, eram titulares de uma conta à ordem no balcão do BPN, agência de ... - ..., onde detinham um depósito no montante de, pelo menos, €50.000,00.

1.2. Em maio de 2006, através do gestor de cliente, CC, ao Autor marido foi proposto que adquirisse 1 obrigação, no valor nominal de €50.000,00, porquanto tal produto tinha capital garantido e lhe daria um maior rendimento, com taxas superiores à do depósito a prazo e juros semestrais.

1.3. O Autor marido transmitiu-lhe que não estava interessado em “Obrigações”.

1.4. O gestor, CC, reiterou a proposta, afirmando que era um produto cujo capital investido era garantido e que, apesar de ser por 10 anos, era possível o “reembolso do capital”, caso os Autores assim o solicitassem, pois era um produto com muita procura.

1.5. Perante a possibilidade de poder “resgatar” o capital investido a qualquer momento e que o capital era garantido, o Autor anuiu nessa aplicação.

1.6. Em 08/05/2006, foi debitado na conta dos Autores o montante de € 50.000,00, com o qual foi adquirida uma “Obrigação de SLNRM2 – SLN 2006” nesse valor nominal.

1.7. Até ao dia 08 de Maio de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na dita aplicação financeira.

1.8. Ficou por receber de juros os dois últimos semestres, já que o fim do prazo de 10 anos ocorria no dia 08/05/2016. O A. era cliente do R. (BPN), na sua agência da ..., com a conta à ordem n° ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças;

1.9. Vencido o prazo de dez anos, os Autores não são reembolsados do capital investido, uma vez que a Sociedade emitente - SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. - se mostra insolvente.

1.10. O Autor, confrontado com a ideia de perder todo o dinheiro que tinha investido sofreu imensa angústia.

1.11. Foi com base na informação de “capital garantido” e que a aplicação em causa era “segura”, bem como a garantia de elevada taxa de remuneração, que o Autor marido deu o seu acordo na aquisição do mencionado produto.

1.12. Sem essa informação o Autor não daria o seu acordo na aquisição do identificado ativo financeiro.

1.13. O referido gerente afirmou ainda que tal aplicação era feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia, eventualmente, proceder ao seu resgate antecipado porque, por se tratar de uma aplicação com taxa de juro superior a quaisquer outras aplicações, ele próprio poderia arranjar com facilidade um comprador para as obrigações, caso os Autores precisassem do dinheiro.

1.14. O Autor marido recebeu o “aviso de débito” correspondente à subscrição efetuada, bem como os “avisos de crédito”, a cada seis meses relativos aos juros.

1.15. A Sociedade emitente – SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. – era detentora de 100% do Banco.

1.16. No momento da subscrição da “Obrigação SLN 2006” pelo Autor não havia qualquer indicação de que pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência da emitente.

1.17. Em maio de 2006, o Autor não foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela empresa mãe do Banco – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

1.18. O autor foi informado que poderia liquidar este produto, através da sua transmissão a um terceiro interessado, mediante endosso.

1.19. O que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que o produto tinha uma elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.

1.20. O gestor de cliente afirmou que era um produto cujo capital investido era garantido pelo próprio Banco.

2. E deram como não provado:

2. c. o autor marido ligou ao gestor de cliente e questionou-o sobre o débito dos € 50.000,00, tendo este dito que, no seguimento da conversa anterior, deu seguimento ao seu pedido, pois correspondia à aplicação no produto que tinham falado;

2.d. novamente referiu o Autor marido o facto de ainda não ter recebido a documentação do produto, a qual CC disse que ia enviar;

2.e. em maio de 2011, o Autor deslocou-se ao Banco Réu com vista a proceder ao resgate do capital investido;

2.f. e é nessa data que é informado que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate;

2.g. nessa data, começou a gerar-se nos aqui Autores, angústias e receios de que não iriam usufruir dessa verba;

2.h. só no fim do prazo dos 10 anos é que os Autores são informados que a aplicação financeira em causa é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A.

2.i. os Autores, confrontados com a ideia de perder todo o dinheiro que tinham investido, passaram noites sem dormir e dias sem conseguir gerir os seus negócios, o que criou uma desestabilização no seio do seu agregado familiar;

2.j. o gestor de cliente enviou por via eletrónica (ou outro meio) o documento de subscrição e os documentos informativos sobre o produto.

2.l. em maio de 2006, o Autor foi informado que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal;

2.m. o Réu informou o Autor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto que se encontrava disponível para consulta.

3. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação) e do nexo de causalidade.

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN comercializou junto dos seus clientes como produtos bancários obrigações em que foi emitente a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A..

- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  

No caso dos autos, atenta a data em que foram celebrados os contratos (abril de 2006), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.

No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação de Lisboa, que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada ao Autor marido sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que o Autor marido tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, sendo certo que o Autor tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, aplicando-o em regra em depósitos a prazo.

Por outro lado, encontra-se provado que o gestor de cliente afirmou que era um produto cujo capital investido era garantido pelo próprio Banco, o que configura uma informação não verdadeira.

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.

Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil:

Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade  entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pelos Autores (€50 000,00), enquanto investidor não qualificado, se encontra demonstrado, porquanto mostra-se provado que:

“1.11. Foi com base na informação de “capital garantido” e que a aplicação em causa era “segura”, bem como a garantia de elevada taxa de remuneração, que o Autor marido deu o seu acordo na aquisição do mencionado produto.

1.12. Sem essa informação o Autor não daria o seu acordo na aquisição do identificado ativo financeiro.

Estes factos são suficientes para se considerar demonstrado o nexo de causalidade, pois demonstrada esta a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de o Autor marido de investir nas “Obrigações”, em maio de 2006, pois o Autor marido não investiria se conhecesse as características do produto, isto é, sem a informação referida no ponto 1.11. dos factos provados o Autor marido não daria o seu acordo na aquisição do ”identificado ativo financeiro”, como refere o Acórdão recorrido.

Deste modo, o recurso terá de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 17 de janeiro de 2023

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães