Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3587/19.0T8OAZ.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO AUTOMÓVEL
PROPOSTA RAZOÁVEL
REPARAÇÃO DO DANO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
SALVADOS
SEGURADORA
LESADO
ACORDO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
MORA DO CREDOR
JUROS DE MORA
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECURSO PRINCIPAL - CONCEDIDA A REVISTA
RECURSO SUBORDINADO - NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. Só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal.

II. Para que a dupla conforme deixe de atuar como obstáculo à revista, torna-se necessário, uma vez verificada a decisão confirmatória da sentença apelada, sem voto de vencido, a aquiescência, pela Relação, do enquadramento jurídico suportado numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados na sentença proferida em 1ª Instância. A regra da chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância.

III. Quando a parte dispositiva do aresto recorrido contém mais do que um segmento decisório, um ou uns em conformidade e outro ou outros em desconformidade com a primeira decisão judicial, o cotejo de cada um dos segmentos, em conjugação com a respetiva fundamentação jurídica, é decisivo para delimitar a divergência relevante para aferir da conformidade das decisões.

IV. Na verificação de dois ou mais segmentos decisórios, enquanto pretensão global em que se encontra decomposta, impõe-se determinar se os mesmos são autónomos e cindíveis com vista a conhecer da dupla conformidade de decisões.

V. A proposta razoável de indemnização que a empresa seguradora está obrigada a apresentar ao lesado (uma vez assumida a responsabilidade pelas consequências do acidente) não tem que ser por este aceita, e, se a rejeitar, já não poderão ser convocadas as normas do SORCA, em particular as do seu artigo 41.º que regulam a situação de perda total do veículo interveniente no acidente.

VI. Frustrando-se o acordo com o lesado, apresentado em proposta pela seguradora, aplicam-se em toda a sua plenitude as regras gerais sobre o cálculo da indemnização contidas no Código Civil, mormente as dos artigos 562.º e seguintes.

VII. A proposta razoável de indemnização que a seguradora, assumindo a responsabilidade pelas consequências do acidente, está obrigada a apresentar ao lesado, não tem que ser por este aceita, todavia, não poderá, mais tarde, aproveitar-se de não ter aceitado a prestação que lhe foi oferecida para satisfação dos danos sofridos, e eximir-se das consequências de tal rejeição, uma vez reconhecido, judicialmente, que os valores propostos são adequados à justa indemnização.

VIII. Por via de regra, o lesado tem o direito de exigir da seguradora do causador do acidente a reparação da sua viatura automóvel danificada em resultado do sinistro, sendo que a indemnização específica (o mesmo é dizer, a reconstituição natural) só será de excluir, por excessivamente onerosa, quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa-fé.

IX. O lesante deve reparar todos os prejuízos causados ao lesado que merecerem a tutela do direito de modo a colocá-lo na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, querendo significar que o período de privação do uso do veículo sinistrado, que não seja imputável ao lesado, deve ser suportado por quem deu causa ao acidente.

X. O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo sinistrado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, cabendo, assim, pela violação do direito de propriedade, o direito a indemnização pela ocorrência desse dano.

XI. A mora creditoris supõe uma omissão injustificada (culposa ou não) pelo credor da sua cooperação para o cumprimento da obrigação, donde, para a verificação da mora do credor, não é bastante que este se recuse a colaborar com o devedor no respetivo cumprimento, sendo indispensável que a omissão do credor seja determinante para o cumprimento da obrigação, de tal sorte que sem ela o devedor não possa validamente prestar.

XII. No reconhecimento da omissão injustificada (culposa ou não) pelo credor, lesado, da sua cooperação necessária para o cumprimento da obrigação de indemnizar, conduzindo à mora creditoris, importa que a dívida deixa de vencer juros de mora.

XIII. O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação.

XIV. Entendido que o juízo presuntivo consubstancia um julgamento da matéria de facto, encontra-se o Supremo Tribunal de Justiça impedido de apurar a extração da presunção judicial pela Relação, exceto nos casos de violação de lei e das normas disciplinadoras do instituto, designadamente, sempre que ocorra ilogicidade e/ou a alteração da factualidade adquirida processualmente, ou seja, quando a presunção parta de factos não provados.

XV. Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os fatores subjetivos, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito, sendo que o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

XVI. Incumbe ao lesado alegar e demonstrar à verificação, natureza e intensidade do dano causado, cuja indemnização reclama.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

I. AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal -, BB e CC, peticionando a sua condenação nos seguintes termos: “a) Condenar-se a primeira Ré a pagar à A. a quantia global de € 34.389,65 (trinta e quatro mil trezentos e oitenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos), sendo € 16.612,13 referente a danos patrimoniais para reparação do UV, € 4.777,52 respeitante a danos reflexos, para pagamento das prestações do crédito contraído pela A. para aquisição do UV após a ocorrência do sinistro, € 3.000,00 no que concerne à privação do uso do UV (calculado à taxa diária de 20,00 desde 19.05.2019 até á presente data), a que acrescerão os vincendos e até seu vencimento, e ainda € 10.000,00 referente a danos não patrimoniais, bem como os juros legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento; b) Em alternativa ao pagamento dos danos patrimoniais pela reparação do UV (€ 16.612,13), poderá a primeira Ré optar pela restituição natural, entregando um veículo similar à A. (marca, modelo, extras, características, estado de conservação, etc), mediante aceitação da A.; c) Condenar-se o Terceiro Réu a pagar à A. a quantia de € 5.000,00 a título de danos punitivos; d) Condenar-se a Segunda Ré, subsidiariamente, por força da relação comitente-comissário, o montante peticionado ao Terceiro R. a título de danos punitivos (€ 5.000,00):

Articulou com utilidade que a indemnização peticionada visa reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de um acidente de viação ocorrido pelas 21:30 do dia ........2019, na Rua ..., Lugar de ..., ..., no qual foram intervenientes: o veículo ligeiro de passageiros da marca Audi, modelo A4, matrícula ..-..-UV, de que diz ser proprietária, mas sobre o qual a instituição financeira ...Crédito, SA, tem reserva de propriedade, na altura, conduzido pelo seu filho, DD, e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca Renault, modelo Clio, matrícula ..-DL-.., pertencente à Ré, BB, na altura, conduzido pelo Réu, CC.

A responsabilidade civil decorrente dos danos provocados pelo veículo DL estava transferida para a Ré, Zurich por contrato de seguro, válido à data do sinistro, titulado pela apólice n.º .......64.

O veículo UV circulava na referida artéria (Rua ...) no sentido O...-B..., pela metade direita da faixa de rodagem, à velocidade aproximada de 50km/hora; por seu turno, o DL circulava em sentido oposto e, após descrever uma curva, despistou-se e o seu condutor, devido ao excesso de velocidade que imprimia à viatura, perdeu o seu controle, invadiu a faixa de rodagem contrária e foi embater, primeiro, no ligeiro de mercadorias marca Wolkswagen, modelo Golf III, matrícula ..-..-IL e depois no UV que circulava imediatamente atrás deste, donde, o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo DL segurado na Ré, Zurich.

O veículo da Autora sofreu danos cuja reparação foi orçada em €16.612,13.

A Ré, Zurich considerou haver perda total, e, por carta de ... .07.2019, comunicou que se propunha pagar a indemnização de €7.600,00, correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, deduzido o valor do salvado, avaliado em €2.022,00, o que não foi aceite pela Autora, uma vez que, com esse montante, não conseguia adquirir um veículo com características similares e em estado de conservação idêntico ao do UV e porque, em ... 2016, para aquisição do UV, contraiu um crédito junto da aludida instituição financeira no valor de €9.999,00, que está a amortizar.

A Autora está impossibilitada de usar o veículo sinistrado, pois não tem capacidade económica para custear a sua reparação e a Ré não lhe disponibilizou um veículo de substituição, pelo que quer ser indemnizada pela privação do uso, computando esse dano em €20,00 por dia.

A Autora sofreu perturbações psicológicas graves (perdeu o apetite, ficou ansiosa, tornou-se anti-social e conflituosa, apática e desmotivada) como consequência direta e necessária do sinistro e por esse dano não patrimonial quer ser indemnizada em €10. 000,00, além disso, pretende que a Ré pague as prestações de amortização do empréstimo contraído (no montante total de €4.777,52) que faltava pagar.

Quanto ao terceiro Réu, causador do acidente, deve ser condenado a indemnizá-la em €5.000,00 por danos punitivos.

2. Regularmente citados os Réus, apresentou contestação a Ré Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - e, em conjunto, os Réus, BB e CC,

A Ré, Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - afirma que assumiu a total e exclusiva responsabilidade do condutor do veículo ..-DL-.. na produção do sinistro, até porque veio a apurar-se que, nas circunstâncias em que ocorreu, ele o conduzia sob o efeito do álcool (com uma TAS de 1,58 g/l) e com a presença no sangue de, pelo menos, 8,6 ng/ml de THC-COOH (princípio ativo dos canabinoides).

Quanto aos danos sofridos pela Autora e seu ressarcimento, aceita que esta tem direito a ser indemnizada, mas não pelos montantes peticionados, até porque o veículo sinistrado era um modelo da “Audi” muito antigo, que há muito deixou de ser produzido, daí que o valor (de substituição) do veículo UV não seja superior ao que se propôs pagar, ou seja, € 7 600,00, deduzido o valor do salvado (€ 2 022,00), pois havia uma empresa interessada em adquiri-lo por esse preço.

Os Réus, BB e CC, contestaram por exceção e por impugnação, deduzindo a exceção de ilegitimidade passiva, porquanto, à data do acidente, a responsabilidade civil por danos emergentes da circulação ou provocados pelo DL havia sido transferida para a Ré Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal -, pelo que, a existir, a obrigação de indemnizar emergente do sinistro é só da seguradora, já o valor peticionado compreende-se no capital mínimo obrigatoriamente seguro.

No mais, impugnam os factos alegados pela Autora, outrossim, que Ré, BB, proprietária do veículo, não teve qualquer intervenção no acidente e desconhece as circunstâncias em que ocorreu, ao passo que o Réu, CC, porque sofreu traumatismo craniano, não se recorda do que aconteceu.

3. A Autora, AA apresentou articulado de resposta à matéria da exceção, pronunciando-se pela sua improcedência.

4. Por despacho, foi a exceção de ilegitimidade passiva julgada procedente e os Réus, BB e CC, absolvidos da instância.

5. A Ré, Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - foi notificada para, querendo, deduzir o incidente de intervenção acessória provocada de CC.

6. A Ré, Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - requereu a intervenção acessória do CC, entretanto admitido.

7. O interveniente, CC apresentou nova contestação.

8. Foi realizada a audiência prévia e, tendo-se frustrado tentativa de conciliação das partes, foi proferido despacho saneador tabelar e despacho a fixar o valor da causa (€39.389,65) e o objeto do processo, tendo sido enunciados os temas de prova e admitidos os requerimentos probatórios que as partes apresentaram.

9. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de Direito invocados, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, em consequência do que,

A) se condena a ré ZURICH INSURANCE PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL a pagar à autora:

i) o valor de €5.578,00 pelos danos patrimoniais do veículo UV;

ii) valor de €8,00 diários a contabilizar desde a data do sinistro até à propositura da presente acção, pela privação do uso deste veículo, perfazendo a quantia de €1.192,00, acrescida da quantia que, entretanto, se venceu e vincenda até efectivo e integral pagamento;

iii) o valor de €500,00 a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido dos juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

B) Se absolve a ré do mais peticionado.”

10. Da predita sentença, apelaram a Autora, AA e a Ré, Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - tendo a Relação proferido acórdão onde concluiu: “Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em:

A) julgar parcialmente procedente a apelação de “Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal” e revogar a decisão recorrida quanto à sua condenação em indemnização por danos não patrimoniais, de que vai absolvida;

B) Julgar parcialmente procedente a apelação de AA e, em consequência,

1) alterar a decisão sobre matéria de facto nos termos supra exarados;

2) alterar a decisão sobre o pedido de indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel “Audi”, modelo “A4”, matrícula ..-..-UV, pertencente à autora, condenando a ré “Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal” a pagar-lhe a quantia de € 7 600,00 (sete mil e seiscentos euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal a contar da citação.

C) no mais, confirmar a decisão recorrida.

As custas de ambos os recursos serão suportadas em partes iguais por recorrente e recorrida, sendo a autora/recorrente sem prejuízo do apoio judiciário.”

11. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação do Porto que a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - e a Autora/AA, se insurgem, esta a título subordinado, formulando as seguintes conclusões:

11.1 Da Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC-Sucursal em Portugal-

1ª) O presente Recurso é admissível, atento os valores da causa e da sucumbência, não ocorrendo “dupla conforme” que a tanto obste – vd. os antecedentes parágrafos 1 a 8 –.

2ª) O valor do salvado é dedutível ao valor de substituição do veículo sinistrado, pelo que a proposta indemnizatória que a Ré e ora Requerente dirigiu à Autora e ora Recorrida em 05/07/2019 (47 dias após o sinistro) ter-lhe-ia permitido repor o equivalente patrimonial ao veículo sinistrado – vd. os antecedentes parágrafos 9 a 15 –.

3ª) Foi a própria Autora e ora Recorrida quem não aceitou a importância que a Ré e ora Recorrente lhe disponibilizou para ressarcimento pela perda do seu veículo automóvel, pelo que a aquela só terá ficado privada do uso do mesmo a partir de 05/07/2019 porque assim o entendeu, quis e decidiu, não havendo, portanto, motivo que justifique a responsabilização da Ré e ora Recorrente por tal privação, muito menos com a extensão sentenciada (“até efectivo e integral pagamento”), que conduziria a um valor global exagerado e até exorbitante (muito superior ao valor do veículo, quase o triplo do saldo entre este e o valor do “salvado”) – vd. os antecedentes parágrafos 16 a 21 –.

4ª) Não há motivo para o vencimento de juros moratórios a partir da citação, porque não ocorreu mora alguma por parte da Ré e ora Recorrente e,

5ª) sendo assim, ao decidir como decidiram, os Meritíssimos Desembargadores “a quo” incorreram em violação, ao menos insuficiente aplicação, do preceituado (entre outros)nos Artos 496º/1, 562º a 564º, 570º/1, 572º, 804º a 806º, 813º e ss. do CC, pelo que, nestes termos, deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, parcialmente revogada o douto Acórdão recorrido, sendo a Ré e ora Recorrente unicamente condenada a pagar à Autora e ora Recorrida a importância de 5.578€, acrescida dos juros de mora calculados à taxa legal desde a prolação deste Acórdão até efectivo e integral pagamento, assim sendo feita Justiça!

11.1.2. A Recorrida/Autora/AA apresentou contra-alegou, concluindo:

1. No que tange à inadmissibilidade do recurso de revista: Antes de conhecer do mérito do recurso, o julgador deverá conhecer dos pressupostos da revista, sob pena de omissão de pronúncia (cf. Artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC), os quais constituem questões processuais que podem determinar a rejeição do recurso de revista, e a conjugação dos artigos 608º, nº 1, 278º, nº 1, e 641º, nº 2, al. a) do CPC, determina que, depois de conhecidos os pressupostos processuais gerais – competência do Supremo Tribunal de Justiça, personalidade e capacidade -, serão aferidos os pressupostos processuais especiais - a recorribilidade da decisão (incluindo a dupla conforme), a tempestividade e, por fim, a legitimidade recursória.

2. Deste modo, o juiz deve começar por verificar se a decisão admite recurso, incluindo por via do valor da alçada e sucumbência e da eventual dupla conforme, e, seja qual for o sentido dessa verificação, não pode deixar de conhecer da legitimidade. Tal conhecimento é imposto pelo artigo 608º, nº 1, do CPC e demais aplicáveis.

3. Nos termos do disposto no artigo 629º, nº 1 do CPC, para o Recorrente interpor recurso independente, o valor da causa tem de ser superior a € 30.000,00 e o valor da sua sucumbência terá de ser superior a €15.000,00.

4. No caso vertente, o valor da presente causa é de € 39.389,65, sendo, portanto, superior à alçada do tribunal de que se recorre, estando verificado o pressuposto do valor da alçada.

5. Contudo, não se verifica o pressuposto da sucumbência, porquanto, em 1ª instância, a Recorrente foi condenada a pagar à Recorrida, a título de danos patrimoniais, o valor de € 5.578,00, acrescido de juros de mora, e em sede recursiva, aquela foi condenada a pagar a esta, a tal título, o valor de € 7.600,00, acrescido de juros de mora, mantendo-se quanto à privação do uso, o mesmo valor de € 8,00/dia, já fixado na sentença, com o acréscimo dos juros moratórios.

6. Com efeito, nos pontos 8 e 9 das suas alegações de recurso de apelação da sentença proferida em 1ª instância, refere a Recorrente que “Atente-se, ademais, que entre a ocorrência do acidente (em 18/05/2019) e a prolação da douta sentença recorrida (25/02/2023), decorram 1376 dias, o que, à razão de 8€, perfaz um total de € 11.008€” e “valor de tal maneira exagerado a té exorbitante que praticamente duplica o equivalente patrimonial cuja privação do uso a Meritíssima Juiz “a quo” pretendeu ressarcir (7.600€ - 2.022€ = 5.578€).

7. E nos pontos 4, 5 e 6 das suas alegações nesta sede de recurso de revista, refere a Recorrente que “Do exposto resulta, portanto, que, tendo já decorrido até hoje (07/02/2024) 1725 dias desde a ocorrência do sinistro (18/05/2019), o ressarcimento pela privação do uso do veículo da Autora, à razão diária de 8,00€, perfaz já o montante global de € 13.800,0 €, sobre o qual se venceram desde a citação (18/10/2019 juros moratórios pelo montante global de 2.378,89€” e “por outro lado, a não dedução do salvado implica um acréscimo condenatório de € 2.022,00, sobre o qual se venceram desde a citação (18/10/2019) juros moratórios pelo montante de € 348,56€”, e ainda “O douto acórdão recorrido é, pois, ao dia de hoje (07/02/2014) desfavorável à Ré e ora recorrente em € 18.549,45, continuando doravante a agravar-se à razão diária de 8,00€ e a vencer juros à taxa anual de 4%”.

8. Pelo que, a decisão impugnada foi desfavorável à Recorrente em € 2.022,00 - como a própria reconhece no ponto 5. das suas alegações (… a não dedução do salvado implica um acréscimo condenatório de € 2.022,00 …), dias de privação do uso ao valor diário de € 8,00, que vão aumentando diariamente desde a sentença proferida pela 1ª instância (€ 13.800,00 calculados em sede de recurso de revista - € 11.008,00 calculados em sede de recurso de apelação = € 2.792,00) e juros vencidos calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento -, valor esse que não é superior a metade da alçada do Tribunal da Relação (€ 15.000,00). E, considerando que o TRP absolveu a Ré do pagamento da quantia de € 500,00 a título de danos não patrimoniais que a 1ª instância havia fixado, tal desfavorecimento reduz-se ainda em tal montante.

9. Por conseguinte, e salvo melhor entendimento, não será admissível o recurso de revista por falta do requisito da sucumbência.

10. Acresce que, a dupla conforme consiste num pressuposto negativo de admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido precisamente introduzida, com o propósito de filtrar o acesso a esta instância máxima.

11. Este pressuposto, que se encontra presente no nº 3 do artigo 671º do CPC, verifica-se sempre que acórdão da Relação confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pela 1ª instância, apresentando, pois, a dupla conforme, três requisitos de aplicação cumulativa:

a) a ausência de votos de vencido (requisito subjetivo);

b) a conformidade essencial de fundamentação (requisito objetivo);

c) e a conformidade decisória (requisito objetivo), pelo que, faltando um destes requisitos não há dupla conforme, e a revista pode ser admitida, desde que cumpridos os demais pressupostos recursórios.

12. No que concerne ao primeiro requisito (ausência de votos de vencido), a exigência de concordância entre os juízes da Relação prende-se naturalmente com o princípio da segurança jurídica, na medida em que se na totalidade de quatro juízes (o juiz da 1ªinstância e os três juízes desembargadores da Relação), a decisão for no mesmo sentido, então não existe grande margem para dúvidas quanto ao acerto da decisão.

Mas, a existência de pelo menos um voto de vencido (e não declaração de voto), é por si só, suficiente para criar dúvida e insegurança jurídica quanto à decisão adotada (máxime, quanto a um eventual erro de julgamento por parte da 1ª instância), justificando-se assim, a abertura do acesso ao STJ.

13. No que tange ao segundo requisito de aplicação da dupla conforme (conformidade essencial de fundamentação), o mesmo respeita aos fundamentos da decisão, tendo o legislador exigido que, para se estar perante uma dupla conforme, exista uma identidade de fundamentos adotados por ambas as instâncias, a qual não precisa de ser total, contentando-se o legislador com uma identidade, no mínimo, essencial

Ou seja, mesmo que a decisão da Relação seja conforme à da 1ª instância, os fundamentos que levaram a essa mesma decisão poderão até ser diferentes dos adotadospela1ªinstância, contando que não sejam essencialmente diferentes.

14. Mas afinal, o que é que se pode entender por fundamentação essencialmente diferente? Será essencialmente diferente, uma fundamentação que afete diretamente a lógica jurídica da decisão.

15. Contudo, ainda que uma fundamentação essencialmente diversa seja um requisito independente da dupla conforme, a “desconformidade de fundamentos não tem valor em si mesma, mas sim enquanto afetação lógico-jurídica de desconformidade de decisão”. Isto significa que, só se pode aferir a desconformidade dos fundamentos se se atender à respetiva decisão, pois só se pode considerar que a fundamentação utilizada é essencialmente diferente, se a mesma afetar a decisão. Se não a afetar de forma alguma, então é porque a fundamentação não foi essencialmente diferente, caso em que se terá sem dúvida, uma situação de dupla conforme, e não haverá necessidade de se abrir um terceiro grau de jurisdição, não podendo ser interposto recurso param o STJ. Ou seja, um requisito não subsiste sem o outro.

16. Verifica-se uma fundamentação essencialmente idêntica nos casos em que, embora a fundamentação adotada pela Relação seja diferente da adotada pela 1ª instância, na prática, não se trata de uma diferença relevante, pois acaba por não despoletar nenhuma alteração na decisão, que se mantém conforme à decisão recorrida.

17. De acordo com a jurisprudência, tem-se considerado que a Relação adota uma fundamentação essencialmente idêntica à da 1ª instância, quando “as diferenças entre as mesmas, são meramente de estilo, tendo as duas instâncias invocado os mesmos dispositivos legais” (Ac. do STJ de 01-04-2014, revista n.º 2024/11.3TVLSB.L1.S1 (Maria Clara Sottomayor), ou quando se tratem “de discrepâncias marginais ou secundárias que não constituem um enquadramento jurídico alternativo,” devendo por isso ser desconsideradas (Ac. de 28-04-2014, processo nº 473/10.3TBVRL.P1-A.S1 (Abrantes Geraldes); de 08-01-2015, Incidente nº 346/11.2TBCBR.C2-A.S1 (João Bernardo); de 24-03-2015, Revista nº 360/12.0T2AND.C1.S2 (João Camilo); de 30-04-2015, Incidente nº 6543/13.9YYPRT-A.P1-A.S1 (Abrantes Geraldes); e de 31-05-2016, Revista nº 109/14.3T8CMN.G1.S1 (Maria Clara Sottomayor), todos do Supremo Tribunal da Justiça), quando a Relação se tenha mantido “na linha essencial da fundamentação trilhada pela sentença de 1.ª instância sem apresentar um percurso jurídico diverso” (Ac. do STJ, de 21-10-2014, Revista n.º 262/09.8TBFND.C1.S1 (Hélder Roque), ou ainda, sempre que a Relação se limite “a chamar à colação fundamentos mais «alargados», sem configurar um percurso jurídico diverso, nem fazer uma qualificação jurídica distinta da anterior” (Ac. do STJ de 13-11-2014, Revista n.º165/09.6TVPRT.P1.S1 (Tavares de Paiva). Nomeadamente, estão em causa “questões não essenciais, com natureza meramente complementar ou secundária, sem carácter decisivo para o julgamento do caso” (Ac. do STJ de 20-11-2014, Revista n.º 3479/10.9TBGDM-B.P1.S1 (Abrantes Geraldes), em que não é suficiente “qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, ou qualquer nuance na argumentação jurídica pela Relação assumida para manter a decisão já tomada em 1.ª instância” (Ac. do STJ, de 19-02-2015, Revista n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1 (Lopes do Rego).

18. Outros entendem que a fundamentação é essencialmente idêntica quando for “substancialmente idêntica a resposta que as instâncias derem à questão ou questões jurídicas que, em concreto, se revelem essenciais para o resultado” (Ac. do STJ de 03-07-2014, Revista n. º 1122/08.5TBAMD.L1.S1 (Abrantes Geraldes), ou sempre que o tribunal da Relação, “dentro do enfoque jurídico da decisão recorrida, aduz argumentos relacionados com a questão decidida que lhe emprestam maior solidez” (Ac. do STJ de 01-03-2016, Revista n.º 1813/12.6TBPNF.P1.S1 (Fonseca Ramos).

19. Por último, tem-se considerado que a fundamentação é substancialmente idêntica quando “a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado, ou nas situações, em que a Relação, para confirmar o declarado pela 1.ª instância, tenha aderido à fundamentação utilizada, acrescentando, como reforço, em termos cumulativos ou subsidiários, outros fundamentos.” (Ac.30-04-2015, e no mesmo sentido acórdãos de 03-07-2014 e de 08-01-2015, supra referidos).

20. Pelo contrário, verifica-se fundamentação essencialmente diferente, quando a Relação adote diferentes fundamentos daqueles empregues pelo tribunal de 1ª instância, de tal forma que essa alteração foi central na construção do silogismo judicial que conduziu à parte dispositiva da decisão. Por essa razão, estamos perante um segmento decisório da Relação que coincide com o da 1ª instância, mas apenas a nível formal, pois a alteração da fundamentação foi significativa ao ponto de afetar a respetiva decisão. Tratando-se de caminhos lógicos diferentes adotados pelas duas instâncias, justifica-se o acesso ao Supremo, na medida em que não se aplica a figura da dupla conforme.

21. A jurisprudência tem entendido que se está perante uma fundamentação essencialmente diversa “se forem diversificados os caminhos percorridos por ambas as instâncias até à sua idêntica solução final, reportando-se esta realidade jurisdicional à circunstância de o Julgador, ponderando o universo normativo da legislação compreendida no sistema jurídico a que recorre, ter ido buscar distinto regime jurídico daquele que foi selecionado por outro Juiz” (Ac. do STJ de 18-09-2014, Revista n.º 630/11.5TBCBR.C1.S1 (Silva Gonçalves), ou se a divergência entre as instâncias “para além de respeitar ao cerne da questão ou questões jurídicas concretamente apreciadas, seja substancial” (Ac. de 13-11-2014, referido supra), ou ainda quando “a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações, normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” (Ac. do STJ de 19-02-2015, Revista n. 302913/11.6YIPRT.E1.S1 (Lopes do Rego) e Ac. do STJ de 2805-2015, Revista nº 1340/08.6TBFIG.C1.S1 (Lopes do Rego).

22. Entendem também que será necessário, para o efeito, “uma modificação qualificada, essencial, da fundamentação jurídica que aos olhos das partes exiba a ideia de que as águas em que cada instância navegou são tão diferentes, que só mesmo as decisões são coincidentes” (Ac. de 19-02-2015, referido supra) e indispensável que “ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa” (Ac. de 30-04-2015, referido supra), e finalmente, tratar-se-á de uma fundamentação essencialmente diferente, “se da mesma questão a resolver, se extraem efeitos jurídicos diferentes” caso em que ao invés de termos uma identidade de decisões, na realidade temos “uma sobreposição de decisões juridicamente diferentes” (Ac. de 04-06-2015 referido supra).

23. Em conclusão: há desconformidade essencial de fundamentos quando a alteração de fundamentos pela Relação muda o título jurídico material consubstanciado na sentença.

24. Por fim, relativamente ao requisito da conformidade decisória, que somente respeita à parte dispositiva da decisão, existe dupla conforme, se a decisão do acórdão da Relação é conforme à decisão da 1ª instância.

25. A dupla conformidade pressupõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito em que a última é confirmatória da primeira (no mesmo sentido, em concordância, com forma igual, idêntico), sendo que, o objeto da conformidade será apurado no interior do objeto do recurso, ou seja, a verificação da conformidade restringir-se-á, antes de mais, às decisões ou segmentos decisórios de que a parte interpõe concretamente recurso de revista.

26. Mas como aferir a conformidade entre a decisão proferida na 1ª instância e o acórdão da Relação? Pode existir uma desconformidade qualitativa, quando, tendo por base a mesma matéria de facto dada como provada, as instâncias optam por caminhos diferentes, apresentando um enquadramento jurídico diverso. Ou pode existir uma desconformidade quantitativa, quando ambas as decisões são conformes quanto ao enquadramento jurídico do objeto, mas decidiram-se por montantes condenatórios diferentes. Tendo-se generalizado uma tendência para considerar que ainda que não esteja presente uma conformidade decisória quantitativa, ainda assim se pode considerar que existe dupla conforme, e restringir o acesso ao Supremo.

27. O requisito da conformidade decisória, é o que mais vem levantando problemas, no sentido em que tanto na doutrina como na jurisprudência, o caminho tem-se dividido, dando origem a duas posições distintas:

a) a tese da dupla conforme plena, perfilhada por CARDONA FERREIRA, RIBEIRO MENDES, NUNO PISSARRA e RUI PINTO (defende que para se estar perante uma dupla conforme, o acórdão da Relação deverá ter confirmado exata e irrestritamente, o proferido na decisão da 1ª instância, ocorrendo uma sobreposição total das decisões porque só neste caso "está ausente um efeito revogatório da primeira decisão", tratando-se de uma teoria assente num critério de coincidência formal, seja a nível qualitativo ou quantitativo),cujo mérito científico faria integrar o conceito de dupla conforme na teoria geral dos efeitos das sentenças, fazendo cumprir o valor da segurança jurídica e não comprometendo o princípio da igualdade; e

b) a tese da dupla conforme mitigada impulsionada por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, posteriormente seguida por ABRANTES GERALDES, PEREIRA DA SILVA e PINTO FURTADO (veio defender que, perante uma desconformidade quantitativa entre as instâncias, ainda assim se deve considerar por verificada uma dupla conforme, tratando-se de uma teoria assente num critério de conformidade ou coincidência racional, que se afastada coincidência formal de julgados - por esta se revelar mecânica e redutora dos propósitos subjacentes à própria figura da dupla conforme face à imponderação do elemento teleológico na interpretação da norma.

28. Neste critério de coincidência racional, levando em conta o elemento racional ou teleológico de interpretação, a sobreposição caracterizadora da conformidade decisória, não obstante partir de uma coincidência de julgados (sobreposição parcial), é aferida em função da decisão mais favorável - quantitativa ou qualitativamente -, ou seja, quando o acórdão da Relação se revela mais benéfico ao recorrente do que a proferida em 1ª instância. Sendo a tese da dupla conforme mitigada, racional ou moderada, aquela que, atualmente, tem o acolhimento preponderante da jurisprudência do STJ, alguma da qual supra indicada, e para onde se remete, e constitui a solução adotada pela formação de juízes a que alude o nº 3 do artigo 672º do CPC, cfr Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, Almedina, 2017, p. 359.

29. TEIXEIRA DE SOUSA, em Dupla Conforme…pág.25, indica os seguintes critérios que devem nortear para o tipo de situações em que se pode considerar como ainda abrangidas pelo pressuposto da dupla conforme:

i) Primeiro, seja qual for a parte que seja beneficiada pela decisão da Relação, a mesma não pode interpor recurso para o Supremo, pois encontra-se abrangido pela dupla conforme;

ii) Segundo, na mesma hipótese, a parte que seja prejudicada pela decisão da Relação só pode interpor recurso de revista se a sua sucumbência for superior a metade da alçada do tribunal da Relação (premissa que vem desde logo disposta no artigo 629º, nº 1 do CPC, relativa ao recurso ordinário, a que se pode chamar de “regra do decaimento”). Ou seja, tendo em conta que a alçada do Tribunal da Relação corresponde a € 30.000,00, o valor da sucumbência (o valor com que a parte saiu prejudicada) terá que ser superior a €15.000,00, para a parte poder interpor recurso;

iii) Caso a parte prejudicada interponha recurso, nos termos do ponto anterior, pode a outra parte (a beneficiada) interpor também, em sede de recurso subordinado, ainda que para este, a decisão lhe seja desfavorável em valor inferior a metade da alçada da Relação.

30. Sendo entendimento de tal autor (TEIXEIRA DE SOUSA), que ocorrendo “num litigio caracterizado pela existência de um único objeto processual, uma relação de inclusão quantitativa entre o montante arbitrado na 2ª instância e o que foi decretado na sentença proferida em 1ª instância, de tal modo que o valor pecuniário arbitrado pela Relação já estava, de um ponto de vista de um incontornável critério de coerência lógico jurídica, compreendido no que vem a ser decretado pelo acórdão de que se pretende obter revista, tem-se por verificado o requisito da dupla conformidade das decisões”.

31. Em suma: a dupla conforme afere-se pela comparação entre os enunciados jurídicos da decisão de 1ª instância e do acórdão da Relação, enquanto atos processuais que são, havendo que comparar os efeitos de dois atos processuais. Veja-se, a tal propósito, a seguinte jurisprudência mais atual: Ac. STJ de 15.02.2022, relatado pelo Conselheiro Isaías Pádua, e o Ac. STJ de 07.07.2022, relatado pelo Conselheiro Tibério Nunes da Silva, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

32. Em 18.10.2022 foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, com várias declarações de voto e votos de vencido, o qual perfilha a tese da dupla conforme mitigada, no seguimento da jurisprudência consolidada do STJ, e decidiu que “Em ação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º, nº 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.”

33. Tendo definido que:

a) a conformidade das decisões das instâncias que caracteriza a figura da dupla conforme, obstando a interposição da revista normal, é aferida por um critério de coincidência racional, avaliado em função do benefício (reformatio in melius) que o apelante retirou do acórdão da Relação relativamente à decisão da 1ª instância.

b) nas situações em que a parte dispositiva do acórdão se mostre integrada por mais do que um segmento decisório, a viabilidade da fragmentação relevante da decisão para efeitos de dupla conformidade decisória terá de ser encontrada no confronto da motivação subjacente a cada um desses segmentos, que nesse sentido e para tal efeito terão de se configurar materialmente autónomos entre si e juridicamente cindíveis. Deste modo, de acordo com a perspetiva racional da "dupla conforme", se quanto a determinado(s) segmento(s) (autónomos materialmente entre si e juridicamente cindíveis) se verificar a confirmação do resultado declarado na 1ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, encontrar-se-á eliminada, nessa parte, a possibilidade de interposição de recurso normal de revista.

34.No caso em apreço:

a) o acórdão do TRP foi proferido sem votos de vencido;

b) a fundamentação de tal acórdão é essencialmente idêntica à da sentença de 1ª instância, pois apenas invocou fundamentos e argumentos mais “alargados” (a recorrida não manifestou vontade definitiva em ficar com salvado, não podendo deduzir-se o valor deste ao valor de substituição, pelo que a recorrente não pôs à disposição daquela o valor pecuniário considerado necessário para a adquirir no mercado de usados um veículo de características semelhantes), sem configurar um percurso jurídico diverso, e sem proceder a uma qualificação jurídica distinta. Aliás, quanto à privação do uso, o acórdão recorrido remete para a fundamentação da sentença de 1ª instância, secundando-a, e transcrevendo a mesma;

c) Tendo decidido em matéria de facto, a Relação não trouxe, uma modificação com influência no sentido da decisão recorrida ou na sua fundamentação;

d) verifica-se conformidade decisória, pois tratando-se de litigio caracterizado pela existência de um único objeto processual, numa relação de inclusão quantitativa entre o montante arbitrado na 2ª instância (€ 7.600,00) e o que foi decretado na sentença proferida em 1ª instância (€ 5.578,00), o valor pecuniário arbitrado pela Relação já estava, de acordo com um critério de coerência lógico-jurídica, compreendido na sentença;

e) o acórdão recorrido não se revela mais benéfico ao Recorrente do que a proferida em 1ª instância.

f) O campo decisório do acórdão da Relação encontra-se delimitado em três segmentos (o primeiro, reportado à absolvição em indemnização por danos não patrimoniais; o segundo, referente à condenação em indemnização por danos patrimoniais; e o terceiro, que concerne à indemnização pela privação do uso), os quais têm subjacente fundamentação autónoma e cindível entre si. Contudo, quanto ao segmento dos danos patrimoniais verifica-se a confirmação do resultado declarado na 1ª instância, ainda que em montante distinto, o mesmo sucedendo quanto ao segmento respeitante à privação do uso, que confirmou o decidido em 1ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, pelo que, em cada uma das partes, está vedada a possibilidade de interposição de recurso normal de revista, o que, aliás, resulta do acórdão recorrido “De tudo isto decorre que, na realidade, a ré não pôs à disposição da autora o valor pecuniário considerado necessário para adquirir no mercado de usados um veículo de características semelhantes às do veículo sinistrado. Por isso, é correcta a decisão de fixar a indemnização pela privação do uso do veículo desde a data do sinistro até integral pagamento do “valor de substituição” do veículo perdido, ou seja, € 7 600,00.”.

g) Não sendo despicienda, a menção inicial no acórdão do TRP de “Não se elabora o sumário previsto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, porque não se vislumbra qualquer interesse jurisprudencial nas proposições jurídicas passíveis de formulação, certo que o recurso tem por objecto, essencialmente, a decisão de facto com pedido de reapreciação da prova.”, pelo que, se verifica, in casu, dupla conforme, que inviabiliza a admissibilidade do presente recurso de revista.

35. Por fim, o recurso é tempestivo, ainda que apresentado no terceiro dia de multa; a Recorrente está dotada de legitimidade recursória nos termos do artigo 631º, nº 1, do CPC, por ter sido prejudicada pelo TRP. Mas carecendo de interesse processual para tal, em razão de o julgamento da sua pretensão estar consolidado com a prolação do acórdão da Relação. Apesar de, por estar vencida pela segunda decisão, a recorrente apresentar legitimidade recursória (cf. artigo 631º do CPC), ela não apresenta necessidade recursória.

36. Concluindo-se que, não deve ser admitido o recurso de revista, por falta de verificação do requisito de sucumbência (artigo 629º, nº 1 do CPC), pela dupla conforme existente (artigo 671º, nº 3 do CPC) e por não apresentar a Recorrente necessidade recursória. SEM PRESCINDIR,

37. No que concerne ao objeto e delimitação do recurso de revista, quanto à dedução do valor do salvado: No que tange aos danos patrimoniais, o princípio geral no que se refere à reparação do dano é o estabelecido no artigo 562º do CC, nos termos do qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituira situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

38. O artigo 41º do DL nº 291/2007, de 21 de agosto (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) sob a epígrafe “Perda total”, estipula a situação de perda total do veículo, em que a obrigação de indemnização, ao invés de efetivada através de reparação do veículo (ou do pagamento do valor desta), é cumprida em dinheiro, correspondente ao valor venal, isto é, ao valor de substituição do veículo antes do sinistro, deduzido do valor do salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário.

39. A Recorrida não é obrigada a aceitar a proposta indemnizatória da Seguradora (proposta razoável) - como não aceitou -, quando a mesma não repara o seu prejuízo, e não lhe garante as utilidades proporcionadas pelo UV.

40. A Recorrida nunca manifestou vontade junto da Recorrente, em ficar com o salvado. Efetivamente, em cumprimento do artigo 41º, nº 4, alínea c), do DL 291/2007, de 21 de Agosto, a aqui Recorrente, por carta datada de 05.07.2019 junta com a p.i. sob o doc. 11, remetida ao filho da Recorrida (facto provado 25), em que o assunto é “perda total”, apresentou proposta de indemnização de € 7.600,00, e indicou entidade que se comprometera a adquirir o salvado pelo valor de € 2.022,00, proposta válida por 30 dias (e não 60) a contar da avaliação efetuada (facto provado 38), mas o certo é que a Recorrida não aceitou o valor indemnizatório proposto (facto provado 26), e nunca se dispôs a ficar com o salvado.

41. Aliás, resulta da instrução do processo - ver carta remetida pelo filho da Recorrida à Recorrente, datada de 27.05.2019, em resposta à comunicação da Ré com proposta igual à constante na referida carta datada de 05.07.2019, e que integra o doc. 2 junto com o requerimento de 02.05.2022 (Refª CITIUS ......22) -, que foi apresentada uma contraproposta à Seguradora de € 9.000,00 pela perda do UV, a qual incluía a entrega/venda do salvado.

Ou seja, a Recorrida aceitava o valor do salvado (€ 2.022,00), e entregava o mesmo à entidade indicada pela Recorrente, desde que a proposta indemnizatória fosse de € 9.000,00, e não de € 7.600,00!

42. Por conseguinte, a alegação da Recorrida de o UV estar onerado com reserva de propriedade, não consubstancia impossibilidade de poder entregar o salvado, sendo a própria Recorrente quem, no seu requerimento de 10.07.2022 (Refª CITIUS ......02) refere que: “2.2.sendo, ademais, manifestamente contraditória com o que antes fora alegado pela própria Autora e, até, confirmado pela instrução da causa - que a proposta da Ré fora recusada por discordância quanto aos seus valores, única e tão somente, sem alusão alguma à suposta impossibilidade de venda do “salvado”; aliás, não só não foi alegado, muito menos evidenciado, que a Autora sequer tivesse auscultado a instituição financeira beneficiária da reserva da propriedade acerca da venda do “salvado” (o que sempre seria imprescindível para se poder afirmar que “a reserva … impossibilitava a venda”), como inclusivamente da instrução da causa resultou que a Autora até anuía à venda do “salvado”, contando lhe fosse pago o valor global que pretendia (9.000€).”

43. Assim, bem andou o acórdão recorrido quando refere que “Ora, nada na factualidade provada permite afirmar que houve, da parte da autora, qualquer manifestação de vontade nesse sentido (ficar com o salvado). Apenas se provou que a autora retirou o veículo sinistrado das instalações da “Garagem ....”, para evitar custos com o parqueamento. De resto, se em Julho de 2019 o valor do salvado era de € 2 022,00, agora, muito provavelmente, será bastante inferior.”

44. A que acresce o facto, de há muito ter decorrido o prazo de 30 dias comunicado pela Recorrente ao filho da Recorrida, como aquele em que a empresa indicada na missiva remetida em 05.07.2019, estaria interessada em ficar com o salvado pelo referido valor de € 2.022,00! Veja-se, a tal propósito, o Ac. TRL de 11.10.2018, relatado pelo Desembargador Adeodato Brotas, o Ac. TRC de 07.09.2021, relatado pelo Desembargador Fonte Ramos, e o Ac. TRP de 11.01.2021, relatado pelo Desembargador Joaquim Moura, todos acessíveis em www.dgsi.pt, e cujos sumários foram supra transcritos, para onde se remete.

45. Quanto à Privação do Uso: a mera privação do uso de um bem pelo seu proprietário, ainda que desacompanhada de qualquer prejuízo patrimonial concreto, constitui um dano juridicamente ressarcível na medida em que implica a substração ao lesado de uma parte das faculdades que o direito de propriedade lhe confere, designadamente a faculdade de gozar o bem, e esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.

46. Todavia, quando esta faculdade não tenha sido/possa ser utilizada, ou o responsável lesante não tenha procedido à devida substituição do veículo, então a única via de reparação ou reintegração possível do lesado é através da atribuição de um equivalente pecuniário, ou seja, através da competente indemnização.

47. Quanto à ressarcibilidade do dano da privação do uso, a jurisprudência dominante, designadamente do STJ, reconhece o direito de indemnização relativamente a situações, como a dos autos, em que o veículo é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo sinistrado foi causa de despesas acrescidas.

48. Outra tese, ainda mais benévola para o lesado, encontra também bastante adesão na Jurisprudência, é no sentido de fazer corresponder à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente da prova de uma utilização quotidiana do veículo, ainda que com recurso à equidade e ponderação das precisas circunstâncias que rodeiam cada situação. Neste sentido, veja-se, o Ac. TRC de 06.02.2018, relatado pelo Desembargador Falcão de Magalhães, o Ac. TRL de 20.12.2017, relatado pela Desembargadora Ondina Carmo Alves, o Ac. TRG de 21.05.2018, relatado pela desembargadora Ana Cristina Duarte, todos disponíveis in www.dgsi.pt, cujos sumários foram supra transcritos, e para onde se remete.

49. Sendo atualmente dominante, na doutrina e jurisprudência, que o dano decorrente da privação do bem constitui dano patrimonial autónomo.

50. Por conseguinte, no caso vertente, o dano pela privação do uso do UV, deve ser considerado um dano patrimonial individualizado dos demais causados pela ocorrência do sinistro, e como tal, independente do facto da Recorrida ter aceite ou não a proposta razoável indemnizatória apresentada pela Recorrente (sem colocar à disposição daquela um carro de substituição) - que a Seguradora estava sempre obrigada a apresentar-lhe, uma vez assumida a responsabilidade pelas consequências do sinistro -, cuja aceitação estava na sua liberdade, atento o disposto nos artigos 562º, 564º e 566º do CC.

51. Com efeito, mesmo desacompanhada de qualquer prejuízo patrimonial concreto, a mera privação do uso de uma viatura automóvel, constitui um dano juridicamente relevante e suscetível de avaliação pecuniária e, como tal, indemnizável autonomamente, pois implica a substração ao lesado de uma parte das faculdades que o direito de propriedade (artigo 1305º do CC) lhe confere, designadamente a faculdade de usar, fruir e dispor do bem, quando e como lhe aprouver. Veja-se, a tal propósito, o aludido Ac. TRC de 07.09.2021, relatado pelo Desembargador Fonte Ramos, o referido Ac. TRP de 11.01.2021, relatado pelo Desembargador Joaquim Moura, e ainda, o Ac. TRG de 07.04.2022, relatado pela Desembargadora Maria Cristina Cerdeira, todos disponíveis em www.dgsi.pt, cujos sumários foram supra transcritos, e para onde se remete.

52. No acórdão revidendo decidiu-se que “De tudo isto decorre que, na realidade, a ré não pôs à disposição da autora o valor pecuniário considerado necessário para adquirir no mercado de usados um veículo de características semelhantes às do veículo sinistrado.

Por isso, é correcta a decisão de fixar a indemnização pela privação do uso do veículo desde a data do sinistro até integral pagamento do “valor de substituição” do veículo perdido, ou seja, € 7 600,00.

O valor da indemnização pela privação do uso do veículo foi fixado em € 8,00 por dia e está assim justificado:

“Ainda que não tenha resultado provado que a autora atribuísse ao veículo um uso diário ou constante, a verdade é que a mera privação de um bem que possa ser destinado ao uso de condução, de transporte de pessoas e de objectos, de deslocação, etc, ainda que esse uso possa ser muito esporádico, deve ser acautelado/ressarcido. A autora dispôs de uma quantia monetária com vista a adquirir um veículo, para ser usado pelo seu filho, ou para ser conduzido por um terceiro a pedido da autora para a levar a tratar dos seus assuntos pessoais, ainda que por um dia por semana ou por mês, a verdade é que existiu uma manifestação de vontade no sentido de adquirir um veículo e dele dispor do modo e no momento em que assim entendesse, o que importa compensar.

Naturalmente, que sendo aferido o valor da privação do uso pelos critérios da equidade, não podemos também olvidar que, não obstante a importância da disponibilidade do uso do veículo (de um bem comprado) para a autora, a verdade é que como o uso por esta estabelecido não era constante ou frequente (observando a efectiva utilização efectuada cuja privação constituiu o dano concreto que se visa indemnizar), tal faz baixar o valor a fixar, por uma questão de razoabilidade e proporcionalidade.

Segundo um juízo de verosimilhança e probabilidade, em atenção ao curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, ponderando as concretas características do veículo (tratando-se de um veículo ligeiro de passageiros) e ao concreto uso que se demonstrou ser-lhe dado, temos por adequado, proporcionado e justo o montante indemnizatório, correspondente a um valor diário de €8,00, para indemnizar o dano consistente em não se poder utilizar o veículo. Mais importando relembrar que a autora não solicitou um veículo de substituição.”

Temos para nós, que o montante diário de € 8,00 é bastante para restabelecer o equilíbrio patrimonial que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.”

53. Ora, a Relação decidiu bem quanto à condenação da Recorrente pela privação do uso do UV, pois aquela não disponibilizou à Recorrida um veículo de substituição, nem indicou qualquer viatura similar passível de substituir a mesma, tendo aquela, assim, direito a ser indemnizada por tal dano enquanto o responsável não lhe entregar efetivamente o valor indemnizatório que permita repor a situação patrimonial que tinha no momento anterior à lesão.

54. A Recorrida não era obrigada a aceitar a proposta apresentada pela Recorrente em 05.07.2019 (e que já havia comunicado em 24.05.2019), não relevando o facto de já terem decorrido entre a data do acidente (18.05.2019) e a data constante nas alegações de recurso de revista (07.02.2024), 1725 dias, o que, à taxa diária de € 8,00, perfaz um total de € 13.800,00, valor esse que quase triplica o dano patrimonial, pois a verdade é que, na presente data, a Recorrida continua sem ser indemnizada pela lesão sofrida e sem ter outra viatura para as suas deslocações!

55. Como se pode ler no Ac. TRP de 11.09.2023, relatado pelo Desembargador Miguel Baldaia de Morais, disponível em www.dgsi.pt “I -Por via de regra, em caso de perda total, é devida indemnização por privação de uso do veículo, desde a data da ocorrência do acidente de trânsito até ao momento em que seja satisfeita ao lesado a indemnização correspondente.”

56. São pressupostos da alegada mora do credor, a recusa deste ou a não realização pelo mesmo da colaboração necessária para o cumprimento da prestação e a ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão. Todavia, para haver mora do credor, não basta uma qualquer recusa ou omissão, sendo, antes, de exigir que os atos não praticados pelo credor, ou por ele voluntariamente omitidos, sejam atos de cooperação essenciais.

57. A mora do credor, ao contrário dos casos de impossibilidade da prestação por causa imputável ao credor, não desonera o devedor da sua obrigação, dela resultando tão só uma atenuação da sua responsabilidade, nos termos do disposto no artigo 814º do Código Civil.

58. A colaboração exigida ao credor naquele artigo 813º CC assenta em deveres secundários ou de conduta que interessam ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas, mas que devem ser essenciais ao correto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra.

59. Ou seja, a mora do credor ali subjacente, refere-se às situações em que o cumprimento da obrigação pressupõe a colaboração do credor, sendo que só faltando esta (pressuposta) colaboração se constitui o credor em mora. O que não se verificou no caso em apreço!

60. Estatui o artigo 570º, nº 1 do CC que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que dela resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. Ora, a Recorrida não praticou qualquer facto ilícito suscetível de produzir ou agravar o alegado prejuízo da Recorrente, pois, o UV está imobilizado até hoje, sem qualquer contribuição da lesada.

61. Constituindo uma rotunda falsidade e uma manifesta aleivosia, que a Recorrente em nada contribuiu para o acréscimo dos valores a liquidar a título de privação do uso, porquanto não disponibilizou uma viatura de substituição à Recorrida, não indicou qualquer veículo equivalente ao UV, suscetível de satisfazer as necessidades de transporte da Recorrida, não aceitou a contraproposta apresentada pelo filho da Recorrida na missiva que este remeteu em 27.05.2019 (€ 9.000,00 com entrega/venda do salvado) ou procurou melhorar a por si apresentada, e com sucessivos recursos, vem adiando o pagamento dos valores indemnizatórios!

62. Sendo certo que, a responsabilidade do lesado pelo agravamento dos danos constitui uma exceção de direito material, cuja demonstração incumbe à Seguradora, nos termos do artigo 342º, nº 2 do CC, e que a mesma não logrou realizar.

63. Sendo, pois, de julgar totalmente improcedentes as pretensões recursivas da Recorrente, quer no que concerne à “admissibilidade do recurso”, quer no que tange “ao objeto e delimitação do recurso.”

64. O acórdão recorrido não violou os preceitos legais invocados pela Recorrente, não merecendo censura.

Atento o exposto:

a) Não deve ser admitido o recurso de revista, atenta a verificação de dupla conforme, devendo o TRP proferir despacho de indeferimento do recurso, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 641º do CPC, porquanto o recurso não é legalmente admissível;ou

b) Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 652º do CPC, aplicável ao recurso de revista por remissão do artigo 679º do CPC, ser proferido despacho de indeferimento do recurso pelo relator do Supremo, por verificar que a circunstância prevista no nº 3 do artigo 672 obsta ao conhecimento do recurso. Sem prescindir,

c) Manter-se o acórdão revidendo no que concerne aos danos patrimoniais (dedução do valor do salvado) e quanto à privação do uso, sendo que, quanto aos danos não patrimoniais, que integra o dispositivo, a Recorrida interporá recurso subordinado para este Venerando STJ, para cujas conclusões se remete, assim se fazendo JUSTIÇA.

11.2. Da Recorrente/Autora/AA:

“1. No que tange à admissibilidade do recurso subordinado: O recurso subordinado vem previsto no nº 5 do artigo 633º do CPC (“se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre”), o qual só se verifica quando o recurso (independente) interposto pela outra parte for admitido. Caso não o seja, então também o recurso subordinado não o será.

2. No caso vertente, a 1ª instância condenou a Ré a pagar à A. a quantia de €500,00 a título de danos não patrimoniais; e o Tribunal da Relação absolveu a Ré do pagamento do referido montante. Assim, o valor da sucumbência da A. é inferior a €15.000,00, pelo que só pode interpor recurso subordinado, sendo que só recorre porque a Ré interpôs recurso primeiro.

3. Na verdade, ainda que a decisão da Relação tenha sido mais favorável à A. do que a da 1ª instância, continua a perder € 10.000,00 tendo em conta os danos não patrimoniais que pedira inicialmente, sendo indiferente que tal valor seja superior ou inferior a metade do valor da alçada.

4. Inexistindo dupla conforme, atenta a decisão de condenação da 1ª instância e a decisão de absolvição da Relação, quanto aos danos não patrimoniais, pelo que, caso seja admitido o recurso de revista interposto pela Ré, terá de ser admitido o recurso subordinado da A., aqui Recorrente, o que se requer.

5. No que concerne à impugnação da matéria de facto: O Supremo Tribunal de Justiça tem uma competência residual para alterar a decisão quanto à matéria de facto, como resulta da conjugação dos artigos 674º, nº 3, segunda parte e 682º, nºs 2 e 3 (a contrario) do CPC: o STJ pode conhecer de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

6. A primeira condição é, justamente, a modificação operada pela Relação poder ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça por o vício invocado caber no âmbito dos referidos artigos 674º, nº 3, segunda parte, e 682º nºs 2 e 3 do CPC. Apenas, e só, nesse âmbito, pode interpor-se revista do acórdão da Relação, impugnando a respetiva decisão em matéria de facto, por violação de direito probatório material.

7. A segunda condição é a de, atuando com essa violação do direito probatório material, a Relação ter produzido uma “fundamentação essencialmente diferente” de facto, eventualmente (mas não necessariamente) com alteração da própria decisão. Portanto, há que cumprir o requisito da essencialidade da alteração da fundamentação, do artigo 673º, nº 3 do CPC.

8. Assim, o STJ apenas interferirá no juízo probatório acerca dos factos questionados, se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogicidade ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1).

9. Constituindo jurisprudência prevalecente no sentido de que ao STJ compete sindicar se o uso de presunções judiciais ofende qualquer norma legal de proibição de presunções, se padece de manifesta ilogicidade ou se parte (base da presunção) de factos não provados.

10. Sendo certo que, para aferir da manifesta ilogicidade do juízo inferencial, deve partir-se, no plano metodológico, da teoria da “corroboração das hipóteses relevantes”, e da “probabilidade lógica prevalecente”.

11. No caso vertente, afigura-se à Recorrente subordinada, ter a Relação desrespeitado as regras que impõem a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos e padece de manifesta ilogicidade.

12. A prova do estado de espírito e anímico de uma pessoa, ainda que possa resultar de documentos, designadamente, relatórios médicos, a verdade é que terá de ser sempre concretizada pela observação/aferição por parte de outras pessoas. Ainda que um Médico Psiquiátrico ou um Psicólogo possa atestar que determinada pessoa padece de depressão ou outra patologia do foro mental, e, inclusive, lhe prescreve medicação, a materialização de tal estado terá de ser materializada com concretos comportamentos, que são aferidos no dia a dia, por quem convive ou lida com aquela.

13. Por outro lado, há ilações que se retiram da razoabilidade e experiência comum: alguém que detém uma viatura automóvel, que adquiriu com recurso a crédito bancário, o qual utiliza para as suas deslocações diárias e do seu agregado familiar, tendo ficado privada em definitivo do mesmo, sem que tenha contribuído para tal perda, tendo ainda de suportar o referido crédito e não tendo condições financeiras para adquirir outra viatura, não sofreu qualquer tipo de perturbação, sofrimento ou revolta?

14. O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do artigo 349º do CC, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).

A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º do CC).

15. As presunções judiciais constituem um meio de prova com características especiais que detém a capacidade para constituir uma (ou até única) fonte do convencimento do julgador, a capacidade de comprovar e reforçar os meios de prova já existentes, e, inclusive, para prevalecer sobre outros meios de prova cujas demonstrações dos factos sejam divergentes dos seus.

16. Porém, as virtudes das presunções judiciais não se limitam à valoração de outros meios de prova, podendo ainda assumir elevada importância na prova de factos do foro íntimo ou pessoal que não são, por isso, suscetíveis de serem demonstrados por outro meio de prova.

17. Na prova dos danos não patrimoniais, uma vez que se lida com factos do foro psíquico, íntimo e privado, tais como a angústia, tristeza, sofrimento, humilhação, isolamento ou vergonha, tais factos não são diretamente observáveis e, portanto, para a sua prova terá de se recorrer, necessariamente a meios de prova indireta.

18. Claro que, ninguém melhor do que a própria parte saberá explicar o que sente, pelo que as declarações de parte são uma alternativa. Pode também existir uma testemunha que afirme que a parte não sai de casa ou que não come; ou até um relatório pericial que constate que a parte tem problemas psíquicos.

Contudo, também as presunções judiciais assumem aqui um papel preponderante, principalmente porque a prova destes danos é feita por via de inferências lógicas a partir de factos indiciários, à luz das regras da experiência.

Assim, mesmo que se recorram aos outros meios de prova, vai ser através de inferências que o julgador vai dar como provados os danos não patrimoniais. Cfr. CAPELO, MARIA JOSÉ, “Os factos notórios e a prova dos danos não patrimoniais: anotação ao Ac. do T.R.C. de 22 de Junho de 2010”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 143, n.º 3985, 2014, pp. 286304 (p. 302).

19. Do depoimento de parte/declarações de parte da Recorrente parcialmente transcritas nas alegações de recurso de apelação, decorre que “Sim, sim, fiquei mais isolada! Fechei-me mais em casa. Também pensar o que tinha acontecido, que era uma coisa que agora não tinha e isso fez-me muita complicação para o meu sistema nervoso, e tirou-me muitas noites de sono, e fiquei muito mal.”

20. E do depoimento do filho da Recorrente, DD, resulta que “Desde que foi o acidente, a minha mãe ficou uma pessoa revoltada, fria, tinha que ir para o médico porque não conseguia dormir de noite, porque agora como é que vamos pagar as prestações, e não sei quê, não tenho carro, como é que vou fazer, começou a tomar comprimidos para dormir, acho que eram antidepressivos, e às vezes liga-me a chorar e não sei o quê, eu digo tem calma, as coisas vão-se resolver, vamos ter calma, calma, só digo para ter calma, eu não consigo dar-te uma resposta concreta, desde essa altura ficou um bocado, um bocadão em baixo e ela era uma pessoa…”; “Sim, barricou-se em casa e está ali!”

21. Por fim, do depoimento da testemunha EE, resulta que “A senhora estava muito debilitada, muito chocada, muito triste, inclusive, presenciei também algumas chamadas da Senhora a chorar, porque precisava do carro para se movimentar, estava muito limitada nesse sentido, não tinha como se deslocar para as tarefas diárias, nomeadamente para as consultas, porque não tinha meio de transporte.”

22. Não se tratando de meros incómodos, mas de verdadeiro desespero, isolamento, nervosismo, impotência, prolongados por vários anos, por uma situação que tanto prejudicou a Recorrente, e para a produção da qual não tiveram qualquer participação.

23. De acordo com a auto-suficiência da prova por declarações de parte, estas bastarão por si só, não necessitando de ser corroboradas com outros meios probatórios. O meio probatório em questão deverá ser livremente apreciado na sua plenitude, desde logo, pela sua essencialidade em determinados litígios. A sua importância face a factualidade que apenas foi presenciada pelas partes, é meritoriamente decisiva na descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.

24. As referidas declarações de parte e prova testemunhal não foi lacónica, contraditória ou insuficiente, devendo merecer credibilidade.

25. A base factual e probatória utilizada pela Relação para a reapreciação da matéria de facto encontrava-se à sua disposição para esse efeito, e aquela dela fez um uso que deve merecer censura deste Supremo Tribunal, devendo a matéria constante das alíneas g) a l) da matéria dada como não provada, deve passar a constar do elenco factual provado.

26. Quanto aos danos não patrimoniais: Estatui o artigo 496º, nº 1 do CC, que para haver lugar a indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é necessário que, “pela sua gravidade”, tais danos “mereçam a tutela do direito”.

27. Tem-se assim, entendido, que não se enquadram neste requisito os meros incómodos ou as simples contrariedades sofridas pelo titular do direito, considerados ónus normalmente ligados a essa titularidade.

28. Tais compensações devem ter um alcance significativo e não meramente simbólico, sendo a prática jurisprudencial em situações análogas um elemento a ponderar na compensação a fixar.

29. No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.

30. Nos termos do n° 3 do artigo 566º do CC, a equidade deverá funcionar “com maior peso” ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos. Neste sentido vejam-se: Ac. TRL de 24.05.2018, relatado pela Desembargadora Anabela Calafate, Ac. TREde18.09.2008, relatado pelo Desembargador Fernando Bento, e Ac. TRC de 07.09.2021 de 07.09.2021, relatado pelo Desembargador Fonte Ramos, todos disponíveis in www.dgsi.pt, cujos sumários foram supra transcritos, e para onde se remete.

31. No caso vertente, atenta a factualidade provada constante dos pontos 28 a 32, estando em causa um acidente de viação, que não só privou a Recorrente da única viatura automóvel que usava nas suas deslocações diárias, seguramente gerou preocupações com o processo subsequente, bem como angústia com o facto de ainda não se encontrar, à data, liquidado o crédito que aquela obteve para adquirir o UV, os quais não consubstanciam meros incómodos.

32. Na verdade, após a ocorrência do sinistro, foi necessário:

- gastar tempo e energia a entabular contactos com a seguradora do veículo causador do acidente com vista à assunção de responsabilidade;

- gastar tempo e energia a procurar obter um carro de substituição, para garantir o transporte antes assegurado pelo UV;

- gastar tempo e energia a aferir junto de oficina mecânica o custo da reparação e obter orçamento;

- procurar um local para aparcar o UV, sem custos de oficina.

E ainda:

- ponderar como se vai pagar ainda a quantia de € 4.777,52, por um veículo que não pode ser utilizado;

- ponderar a venda de uma viatura sobre a qual incide reserva de propriedade, e todas as questões associadas;

- equacionar se, perante a existência de um financiamento ainda pendente, é possível adquirir outro veículo;

- pedir a terceiros para proceder ao transporte da Recorrente, em viatura de terceiro, com os custos associados;

- preocupação, transtorno, sentimento de impotência que a privação abrupta e inesperada de uma viatura automóvel causa, agravado com o pagamento das prestações do crédito contraído para a sua aquisição.

33. A fixação da indemnização em termos de equidade deve ter em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

34. Por conseguinte, face à prova produzida em audiência de julgamento, às regras da razoabilidade e experiência comum, e à natureza não miserabilista da mesma, afigura-se à Recorrente subordinada, como justa, equitativa e proporcional, que a compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos, seja fixada em valor não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros).

35. O acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos392º, 349º, 351º, 496º e 566º do CC.

Termos em que, e nos que Vs. Exas. suprirão, julgando procedente o presente recurso subordinado e revogando-se, nessa parte, o Acórdão revidendo, substituindo-se por outro que, em parte, condene a Recorrida ao pagamento de danos não patrimoniais, em valor não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), far-se-á JUSTIÇA.”

11.2.1. A Recorrida/Ré/Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal - não contra-alegou.

12. Foram cumpridos os vistos.

13. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pela Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - e Recorrente/Autora/AA, consistem em saber se:

Da Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal -

(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, ou seja, (i) Impõe-se reconhecer que o valor do salvado é dedutível ao valor de substituição do veículo sinistrado, outrossim, (ii) A proposta indemnizatória dirigida à demandante em 5 de julho de 2019, ou seja, 47 dias após o sinistro, ter-lhe-ia permitido repor o equivalente patrimonial ao veículo sinistrado, daí que, ao deixar de aceitar a proposta, faz incorrer a demandante na responsabilização pela privação do uso do veiculo sinistrado a partir daquela data, 5 de julho de 2019, não se distinguindo fundamento que justifique a condenação da demandada pela privação do uso do veiculo a partir desta data, ademais, (iii) Não há motivo para o vencimento de juros moratórios a partir da citação, a calcular sobre o valor da indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel, Audi, modelo A4, matrícula ..-..-UV, porque não ocorreu mora alguma por parte da demandada?

Da Recorrente/Autora/AA

(1) Impõe-se alterar a decisão de facto uma vez que a Relação, atenta a factualidade constante dos pontos 28 a 32 dos Factos Provados, estando em causa um acidente de viação, que não só privou a Recorrente da única viatura automóvel que usava nas suas deslocações diárias, gerou preocupações com o processo subsequente, bem como angústia com o facto de ainda não se encontrar, à data, liquidado o crédito para adquirir o veiculo sinistrado, desrespeitou as regras que impõem a prova, indevidamente desconsiderada, do estado de espírito e anímico da demandante, a merecer ressarcibilidade, padecendo a decisão de facto de manifesta ilogicidade, deixando de retirar ilações da razoabilidade e experiência comum, devendo, outrossim, a matéria constante das alíneas g) a l) da matéria dada como não provada, deve passar a constar do elenco factual provado?

(2) O Tribunal a quo deixou, erroneamente, de fixar indemnização pelo alegado dano não patrimonial sofrido pela demandante, importando sentenciamento diverso, donde, face à prova produzida em audiência de julgamento, às regras da razoabilidade e experiência comum, e à natureza não miserabilista da mesma, afigura-se como justa, equitativa e proporcional, que a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos seja fixada em valor não inferior a €5.000,00?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1. A autora é dona e legítima proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros marca Audi, modelo A4, com matrícula ..-..-UV, de cor ..., sobre o qual incidiu reserva de propriedade a favor da instituição financeira de crédito ...Crédito, SA.

2. O filho da autora, DD, conduzia o referido veículo, no dia ... de ... de 2019, pelas 21.30 h, quando se viu envolvido em acidente de viação.

3. A ré é a Companhia Seguradora do veículo automóvel ligeiro de mercadorias matrícula ..-DL-.., interveniente e responsável pelo acidente, beneficiando aquele, ao tempo do sinistro, de seguro válido e eficaz.

4. O referido veículo encontrava-se seguro na Primeira Ré por danos contra terceiros, contrato titulado pela apólice nº .......64, tendo sido transferida para a mesma a responsabilidade infortunística do DL.

5. BB é proprietária do veículo ..-DL-.. e CC era o condutor da referida viatura, aquando da ocorrência do sinistro.

6. No dia ... de ... de 2019, pelas 21.30 horas, o filho da autora DD, circulava com o UV na Rua ..., Lugar de ..., União das freguesias de ... e ..., no sentido O...-B...

7. Circulava o veículo da autora pela metade direita da sua faixa de rodagem, a uma velocidade não concretamente apurada.

8. Na mesma via, no sentido contrário (B...-O...), circulava o veículo automóvel ligeiro de mercadorias marca Renault, modelo Clio, matrícula ..-DL-.., de cor ..., sendo conduzido pelo interveniente CC.

9. Após percorrer uma curva fechada na Rua ... (coordenadas do Google Earth 40.....69, -8.....51), o DL despistou-se, surgindo descontrolado, e em excesso de velocidade, tendo o condutor perdido o controle da viatura, e invadido a faixa de rodagem contrária, indo embater violentamente na viatura que seguia imediatamente à frente do UV – veículo ligeiro de mercadorias marca Wolkswagen, modelo Golf III, matrícula ..-..-IL, de cor preta, propriedade de FF, residente na Rua da ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., sendo então conduzido por GG, residente na Rua do ..., ..., concelho de ....

10. A qual (IL) circulava à frente do veículo da autora (UV), a uma distância não concretamente apurada, abalroando-o, com a violência do embate, para junto do passeio existente na referida via.

11. O embate foi inevitável, e deu-se ao nível da frente esquerda do veículo seguro na Ré e da parte dianteira do UV.

12. Com a violência do choque, o veículo da autora foi arrastado para a Berma da Rua ..., ficando imobilizado.

13. À hora do acidente (21 horas e 30 minutos), fazia bom tempo e o pavimento estava seco.

14. Era de noite, o local tinha iluminação pública, que se encontrava ligada, havendo boa visibilidade, não só por haver iluminação pública, mas também porque o acidente se deu numa recta, e as três viaturas envolvidas no mesmo, tinham, no momento, as luzes ligadas.

15. A largura da faixa de rodagem onde circulava o UV é de cerca de 6,50 metros.

16. A via em causa tem pavimento betuminoso, em bom estado de conservação.

17. Não decorriam obras no local.

18. A via tem traçado rectilíneo, bem como sinalética visível. Nessa via, o trânsito automóvel processava-se em dois sentidos: de ... para ... e vice-versa.

19. No momento do acidente, o condutor do DL, desrespeitando o limite de velocidade previsto para as localidades (50 Kms), circulava em excesso de velocidade.

20. O que provocou a perda do controlo da viatura por parte do seu condutor, que invadiu a faixa de rodagem contrária.

21. O acidente ficou a dever-se única e exclusivamente a culpa do segurado da Ré, pelo facto do condutor do DL, aqui interveniente, ter-se despistado, invadindo a via por onde circulava o UV, desrespeitando regras estradais.

22. O condutor da viatura segurada na Ré, conduzia de modo incauto, com distração, denotando ainda imprudência.

23. Acresce que, a via onde ocorreu o acidente, situa-se no centro urbano da cidade de ..., junto ao Parque de ...onde existem, de ambos os lados, várias casas de habitação e prédios e por onde circulam viaturas automóveis e transeuntes.

24. Como consequência direta e necessária do acidente descrito, sofreu o veículo UV, os seguintes danos: na parte frontal e lateral esquerda, designadamente no capot, destruição do farol esquerdo, do guarda-lamas frente direito, dos farolins do pisca direito e esquerdo, do pára-choques frontal da grelha e do reservatório óleo, direção e transmissões, motor, airbags laterais, frontais e do condutor, amortecedores, cuja reparação, que passa pela substituição dos mesmos, acrescida da necessária mão de obra referente a trabalhos de bate chapa, pintura e mecânica e do IVA, orçada em € 16.612,13.

25. O sinistro foi participado à ré e, após alegadas averiguações e perícia ordenadas por esta, em 5 de Julho de 2019, a ré remeteu carta ao filho da autora, a comunicar que o UV foi considerado perda total, fixando a indemnização em € 7.600,00, “valor correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente”, “ao qual será deduzido o valor do salvado, avaliado em € 2.022,00, disponível para entrega.

26. A autora não aceitou a referida indemnização de € 7.600,00, deduzida de €2.022,00 correspondente ao salvado, no valor de € 5.578,00.

27. O veículo UV deixou de poder circular, em consequência do acidente, tendo, aliás, de ser rebocado do local.

28. Desde a data do acidente (........2019) e até ... de 2019, o UV encontrou-se aparcado nas instalações da Garagem ...., sitas na Rua ..., ..., concelho de ..., tendo sido entretanto levantado pela autora, para evitar custos com o parqueamento.

29. Não foi entregue à autora pela ré veículo de substituição, não tendo sido solicitado por aquela primeira a esta última.

30. A ré não propôs à autora entregar um veículo, em substituição do UV, de igual categoria, características e estado de conservação.

31. Em ... de 2016, para aquisição do UV, a autora contraiu um crédito junto da instituição financeira ...Crédito, SA, no valor de € 9.999,00, titulado pelo contrato nº ....54, crédito esse a ser pago em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 217,16 cada, cuja liquidação se iniciou em ... de ... de 2016 e terminava em ... de ... de 2021.

32. Encontrando-se, à data do sinistro em causa nestes autos (........2019), pago o montante de € 8.252,08, faltando, nessa data, regularizar a quantia de €4.777,52, o que perfazia o valor global de € 13.029,60, correspondente ao montante devido pela autora no que respeita a tal contrato de crédito.

33. O interveniente CC conduzia o veículo DL com uma TAS de, pelo menos, 1,58 ± 0,20 g/l, tendo sido detectada a presença no sangue de, pelo menos, 8,6 ng/ml de THC-COOH.

34. Como não levava o cinto de segurança colocado, com os embates, foi projectado para fora do ..-DL-.., ficou inconsciente no pavimento, de onde, depois, foi conduzido pela emergência médica directamente para o hospital.

35. O ..-..-UV é um “Audi A4 ... ...”, produzido e entrado em circulação no início do ano de 2003, que o respectivo fabricante já descontinuara (deixara de produzir) em 2006, depois de em 2004 ter lançado uma nova versão do mesmo modelo (o que se repetiu em 2008 e em 2016, estando actualmente o “Audi A4” na sua “5ª geração”, quando o ..-..-UV é ainda da “2ª geração”).

36. A autora adquiriu esse veículo em ... de 2016 já em estado de uso, que, na data da ocorrência do sinistro (.../.../2019), contava já uma antiguidade de mais de 16 (dezasseis) anos e havia já percorrido nunca menos de 233.726Km.

37. Na data do sinistro, o valor de mercado deste veículo seria compreendido entre €7.400,00 e €7.600,00.

38. A ... .07.2019, a ré “Zurich” transmitiu à autora que havia uma empresa interessada em adquiriu o salvado do veículo UV, propondo-se pagar por ele a quantia de € 2 022,00, proposta que seria válida por 60 dias a contar da avaliação efectuada.

39. DD, filho da autora, trabalhava desde o ano de 2016 em ..., utilizando, nessa altura e na data do sinistro, o veículo UV para efectuar as suas deslocações.”

Factos não provados

“a) Com a verificação do sinistro, a autora ficou sem a única viatura automóvel que possuía e com a qual satisfazia plenamente todas as suas necessidades de transporte, bem como do seu filho, DD, que usava o UV para fins pessoais e profissionais.

b) Não podendo a autora comprar outro veículo, dado não ter condições financeiras para o efeito.

c) Para efectuar as suas deslocações, a autora tem de recorrer à generosidade de amigos e familiares, para se fazerem transportar.

d) A autora sempre desejou adquirir um veículo da marca AUDI, modelo A4, para concretizar o sonho do seu filho, DD, tendo feito enormes restrições pessoais.

e) A autora não tem capacidades económicas para custear a reparação do UV, nem para adquirir uma viatura idêntica à acidentada ou qualquer outra.

f) Estando a autora e seu filho privados do uso do UV desde a data do acidente e sem qualquer meio de transporte.

g) Essa privação causou transtorno e incómodo à autora e ao seu filho,

h) Tendo causado também desespero, dado que viram o seu quotidiano drasticamente alterado, sem que para tal tenham contribuído, vendo-se obrigados a alterar as suas rotinas diárias, dependendo de terceiros para ser transportados, dependência essa que provocou nervosismo, ansiedade e angústia à autora e que lhe perturbaram o sono, passando a sofrer de insónias, bem como lhe afectou o apetite, perdendo a vontade de comer.

i) Em virtude da privação do veículo, determinada pelo sinistro, a autora tornou-se mais ensimesmada e anti-social, deixando de conviver com familiares e amigos, como sucedia antes do sinistro em causa, por se sentir manietada, sem liberdade para se deslocar livremente, e deixou de ser a pessoa alegre e comunicativa que era, enclausurando-se em casa.

j) A autora deixou de ter viatura para as suas diversas deslocações pessoais, designadamente, para ir ao supermercado, ao Hospital, às consultas médicas, à farmácia, bem como viu o filho, DD, ... de Profissão, ficar privado do seu meio de transporte para se deslocar de e para o local de trabalho, bem como para fins pessoais e de lazer.

k) Em virtude da privação do veículo, tal filho deixou de visitar a autora, com a regularidade com que o fazia, por falta de meio de transporte, o que muito entristeceu e isolou a autora.

l) Tendo tal falta de locomoção transtornado por completo a vida familiar da bem como reduziu a sua qualidade de vida, passando a autora a ser quizilenta e conflituosa, sucedendo-se as altercações e as constantes mudanças de humor da mesma, o que levou também ao seu efectivo abatimento psicológico e a consequente estado depressivo, com a inevitável necessidade de tomar medicação (tranquilizantes e soporíferos), resultando numa apatia e desmotivação da autora, que ainda se mantém, e que a impede de prosseguir com a sua vida.”

II. 3. O conhecimento das questões a resolver, acabadas de consignar, têm, necessariamente, como pressuposto a admissibilidade do interposto recurso independente, importando, assim, o conhecimento da questão prévia, atinente à respetiva admissibilidade, aliás, questionada pela Recorrida/Autora/AA.

II.3.1. Questão prévia

A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

No caso que nos ocupa é pacífica a legitimidade da Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal, concebendo-se a tempestividade do recurso apresentado em Juízo, encontrando-se a dissensão em saber se a decisão é recorrível, conforme invocado pela Recorrida/Autora/AA.

Conforme decorre dos autos, foi fixado o valor da causa em €39.389,65, revelando este valor para efeitos processuais, nomeadamente, no que respeita à alçada do tribunal (artºs. 296º n.º 2, 299º n.º 1, e 306º, todos do Código Processo Civil).

Em matéria de recursos, importa atender ao n.º 1 do art.º 629º do Código Processo Civil, concretamente, no que ao caso sub iudice interessa: “1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”

Daqui decorre que só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal, e no caso de dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao valor da causa.

O aludido segmento normativo faz depender a admissibilidade do recurso de dois requisitos cumulativos: o valor da causa e o valor da sucumbência, tendo em vista restringir as questões que devem ser submetidas à apreciação dos Tribunais superiores, evitando que conheçam de decisões em processos, cujo valor ou sucumbência não exceda determinado montante, anotando-se que a alçada é o limite de valor até ao qual o Tribunal julga, sem recurso ordinário, importando, por regra, que a parte vencida possa apenas insurgir-se contra a decisão, recorrendo, se o valor da causa exceder a alçada do tribunal que a proferiu e se tiver decaído em, pelo menos, metade dessa alçada, neste sentido, Professor Alberto dos Reis, in, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, reimpressão, 3.ª edição 1952, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, página 220.

Assim, dependendo a admissibilidade do recurso de dois requisitos cumulativos, quais sejam, o valor da causa e o valor da sucumbência, e revertendo ao caso sub iudice, uma vez demonstrado que o valor da causa, fixado em €39.389,65, é superior ao valor da alçada do Tribunal de que se recorre (Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de €30.000,00), impõe-se considerar se a Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - decaiu em, pelo menos, metade da alçada da Relação que, podendo, desde já admitir que o Tribunal recorrido ao condenar a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar à Autora/AA por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel, Audi, modelo A4, matrícula ..-..-UV, na quantia de €7.600,00 (sete mil e seiscentos euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal a contar da citação, mantendo-se quanto à privação do uso a condenação diária de €8,00, desde a data do acidente até efetivo e integral pagamento, o que já ultrapassa os 1800 (mil e oitocentos) dias, importa contabilizarmos um valor de decaimento da demandada que já ultrapassa, em muito, os €15.000,00 (metade do valor da alçada da Relação).

Tudo visto, reconhecemos como verificados os enunciados requisitos cumulativos, conducentes à admissibilidade da revista, quais sejam, o valor da causa e o valor da sucumbência.

Ademais, não distinguimos que ocorra dupla conformidade das decisões das Instâncias.

Neste particular há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões da Relação em consequência da dupla conforme, nos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).

Com o deliberado objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, consagra o direito adjetivo civil - art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil - a regra da chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.

Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.

Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação, da solução jurídica sufragada em 1ª Instância, suportada num enquadramento jurídico inovatório, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, de 30 de Abril de 2015, de 28 de Maio de 2015, de 26 de Novembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, e de 8 de Novembro de 2018, in, http://www.dgsi.pt/stj, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não publicado [Processo n.º 856/12.4TJVNF.G1.S1], desta 7ª Secção Cível, proferido em 4 de Julho de 2019, pelo relator do presente acórdão.

A este propósito, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”.

A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”. Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.

Outrossim, anota-se que quando a parte dispositiva do aresto recorrido contém mais do que um segmento decisório, um ou uns em conformidade e outro ou outros em desconformidade com a primeira decisão judicial, o cotejo de cada um dos segmentos, em conjugação com a respetiva fundamentação jurídica, é decisivo para delimitar a divergência relevante para aferir da conformidade das decisões.

A revista, em termos gerais, deve “circunscrever-se ao segmento ou segmentos que revelem uma dissensão entre o resultado declarado pela 1.ª instância e pela Relação ou relativamente aos quais exista algum voto de vencido de um dos três juízes do colectivo (…) se quanto a determinado segmento se verificar a confirmação do resultado declarado na 1.ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista.

Em tal circunstância, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça ficará dependente do acionamento da revista excecional e da sua aceitação pela formação referida no art. 672.º, n.º 3”, neste sentido, Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código do Processo Civil, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, página 370.

No caso sub iudice, confrontada a decisão proferida em 2ª Instância, divisamos que o acórdão da Relação concluiu, sem voto de vencido, no respetivo segmento dispositivo:

“Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em:

A. Julgar parcialmente procedente a apelação de “Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal” e revogar a decisão recorrida quanto à sua condenação em indemnização por danos não patrimoniais, de que vai absolvida;

B. Julgar parcialmente procedente a apelação de AA e, em consequência,

I. alterar a decisão sobre matéria de facto nos termos supra exarados;

II. alterar a decisão sobre o pedido de indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel “Audi”, modelo “A4”, matrícula ..-..-UV, pertencente à autora, condenando a ré “Zurich Insurance PLC – Sucursal em Portugal” a pagar-lhe a quantia de € 7 600,00 (sete mil e seiscentos euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal a contar da citação.

C) no mais, confirmar a decisão recorrida.”

Resulta consignado no acórdão recorrido, e com utilidade, para a economia da presente apreciação, tendo em conta o objeto da revista independente interposta pela Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - qual seja, em traço breves, saber se o valor do salvado é dedutível ao valor de substituição do veículo sinistrado, outrossim, se há lugar, à indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado, conforme adiante enunciado.

“Nestas circunstâncias, mais que o ressarcimento do dano, a autora/recorrente parece querer tirar proveito (lucro) da situação, pelo que a exigência de reparação da viatura atenta contra a boa-fé e por isso é, claramente, de excluir.

O valor de indemnização que a ré tem de pagar à autora é € 7 600,00, o “valor de substituição” do veículo totalmente perdido.

Neste ponto, dissentimos da primeira instância, que fixou esse montante em € 5 578,00. Tal como fez a ré que, ao pretender operar a indemnização por equivalente pecuniário do valor venal do veículo por perda total, deduziu o valor do salvado. (sublinhado nosso)

O procedimento estaria correcto se tivesse aqui plena aplicação o instituto da compensatio lucri cum damno.

Voltando ao acórdão proferido no processo n.º 1080/19.0...:

“O n.º 3 do artigo 41.º do SORCA prevê a possibilidade de deduzir no valor da indemnização por perda total do veículo o valor do respectivo salvado “caso este permaneça na posse do seu proprietário”, expressão que aponta no sentido de que é preciso uma manifestação de vontade do lesado de ficar, definitivamente, com o salvado.”

Ora, nada na factualidade provada permite afirmar que houve, da parte da autora, qualquer manifestação de vontade nesse sentido.

Apenas se provou que a autora retirou o veículo sinistrado das instalações da “Garagem ....”, para evitar custos com o parqueamento.

De resto, se em ... de 2019 o valor do salvado era de € 2 022,00, agora, muito provavelmente, será bastante inferior.

De tudo isto decorre que, na realidade, a ré não pôs à disposição da autora o valor pecuniário considerado necessário para adquirir no mercado de usados um veículo de características semelhantes às do veículo sinistrado.

Por isso, é correcta a decisão de fixar a indemnização pela privação do uso do veículo desde a data do sinistro até integral pagamento do “valor de substituição” do veículo perdido, ou seja, € 7 600,00. (sublinhado nosso)

O valor da indemnização pela privação do uso do veículo foi fixado em € 8,00 por dia e está assim justificado:

“Ainda que não tenha resultado provado que a autora atribuísse ao veículo um uso diário ou constante, a verdade é que a mera privação de um bem que possa ser destinado ao uso de condução, de transporte de pessoas e de objectos, de deslocação, etc, ainda que esse uso possa ser muito esporádico, deve ser acautelado/ressarcido.

A autora dispôs de uma quantia monetária com vista a adquirir um veículo, para ser usado pelo seu filho, ou para ser conduzido por um terceiro a pedido da autora para a levar a tratar dos seus assuntos pessoais, ainda que por um dia por semana ou por mês, a verdade é que existiu uma manifestação de vontade no sentido de adquirir um veículo e dele dispor do modo e no momento em que assim entendesse, o que importa compensar.

Naturalmente, que sendo aferido o valor da privação do uso pelos critérios da equidade, não podemos também olvidar que, não obstante a importância da disponibilidade do uso do veículo (de um bem comprado) para a autora, a verdade é que como o uso por esta estabelecido não era constante ou frequente (observando a efectiva utilização efectuada cuja privação constituiu o dano concreto que se visa indemnizar), tal faz baixar o valor a fixar, por uma questão de razoabilidade e proporcionalidade.

Segundo um juízo de verosimilhança e probabilidade, em atenção ao curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, ponderando as concretas características do veículo (tratando-se de um veículo ligeiro de passageiros) e ao concreto uso que se demonstrou ser-lhe dado, temos por adequado, proporcionado e justo o montante indemnizatório, correspondente a um valor diário de €8,00, para indemnizar o dano consistente em não se poder utilizar o veículo.

Mais importando relembrar que a autora não solicitou um veículo de substituição.”

A recorrente pretende que esse valor seja fixado à razão de € 20,00 por dia, mas não fundamenta minimamente essa pretensão à luz da factualidade apurada.

Temos para nós que o montante diário de € 8,00 é bastante para restabelecer o equilíbrio patrimonial que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.

Nada, pois, a alterar quanto a esta questão. (sublinhado nosso)”

Daqui decorre, conquanto estejamos perante uma decisão judicial que impõe uma obrigação de indemnização em função de um montante global - art.º 609º n.º 1 do Código de Processo Civil - a mesma, porque traduzindo as pretensões da parte, mostra-se constituída por segmentos decisórios respeitantes às parcelas em que o pedido indemnizatório se decompõe.

Todavia, conforme discreteado no acórdão recorrido, é a alteração do critério indemnizatório sobre a perda total do veículo sinistrado, por não dedução do salvado, que fundamenta a manutenção do ressarcimento pela privação do uso do veículo sinistrado até efetivo e integral pagamento, ao sustentar que “na realidade, a ré não pôs à disposição da autora o valor pecuniário considerado necessário para adquirir no mercado de usados um veículo de características semelhantes às do veículo sinistrado.

Por isso, é correcta a decisão de fixar a indemnização pela privação do uso do veículo desde a data do sinistro até integral pagamento do “valor de substituição” do veículo perdido, ou seja, € 7 600,00.

O valor da indemnização pela privação do uso do veículo foi fixado em €8,00 por dia e está assim justificado”

Ou seja, o enquadramento jurídico que fundamenta a alteração da decisão da 1ª Instância sobre o pedido de indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel, Audi, modelo A4, matrícula ..-..-UV, pertencente à Autora/AA, condenando a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar-lhe a quantia de €7.600,00 (sete mil e seiscentos euros), diversamente do sentenciado em 1ª Instância (condenação no valor de €5.578,00 [cinco mil quinhentos e setenta e oito euros] pelos danos patrimoniais do veículo UV), encerrando distinta apreciação pelas Instâncias, é determinante e pressuposto para o conhecimento do direito reclamado pela Autora/AA a titulo de privação do uso do veiculo sinistrado, daí que temos por apodítico reconhecer que estes dois segmentos decisórios, enquanto pretensão indemnizatória global em que se encontra decomposta não são autónomos nem cindíveis, não suportando, pois, salvo o devido respeito por opinião contrária, dupla conformidade de decisões.

Tudo visto, concluímos pela admissão da revista.

Conhecida a enunciada questão prévia, passemos à apreciação das questões objeto dos interpostos recurso de revista, independente e subordinado.

II. 4. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - e Autora/AA, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Da Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal -

II. 4.1. Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, ou seja, (i) Impõe-se reconhecer que o valor do salvado é dedutível ao valor de substituição do veículo sinistrado, outrossim, (ii) A proposta indemnizatória dirigida à demandante em ... de julho de 2019, ou seja, 47 dias após o sinistro, ter-lhe-ia permitido repor o equivalente patrimonial ao veículo sinistrado, daí que, ao deixar de aceitar a proposta, faz incorrer a demandante na responsabilização pela privação do uso do veiculo sinistrado a partir daquela data, ... de julho de 2019, não se distinguindo fundamento que justifique a condenação da demandada pela privação do uso do veiculo a partir desta data, ademais, (iii) Não há motivo para o vencimento de juros moratórios a partir da citação, a calcular sobre o valor da indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel, Audi, modelo A4, matrícula ..-..-UV, porque não ocorreu mora alguma por parte da demandada? (1)

Vejamos.

(i) O Tribunal recorrido, no que à primeira questão que nesta revista se coloca - saber se importa a dedução do valor dos salvados (veiculo sinistrado) ao valor global da indemnização a atribuir ao lesado, estando o veículo em situação de perda total (sem dissensão das partes quanto a este aspeto), ou, ao invés, a Ré, seguradora tem de ser condenada a pagar o valor total, que não apenas a diferença entre o valor venal do veiculo interveniente no acidente ajuizado, à data do sinistro, e o valor do salvado - sustentou, com utilidade, e concluiu: “Argumenta a recorrente - e o argumento é, obviamente, correcto - que não é obrigada a aceitar a proposta (dita razoável) apresentada pela seguradora para regularização do sinistro; tal como a seguradora não é obrigada a ceder às exigências da autora.

Afigura-se pertinente reproduzir aqui o que se escreveu no acórdão de 11.01.2021, desta Relação e desta Secção (proc. n.º 1080/19.0...) , do mesmo relator: “Escusado seria dizer (…) que a “proposta razoável de indemnização” que a empresa seguradora está obrigada a apresentar ao lesado (uma vez assumida a responsabilidade pelas consequências do acidente) não tem que ser por este aceita e, se a rejeitar, já não poderão ser convocadas as normas do SORCA , em particular as do seu artigo 41.º que regulam a situação de perda total do veículo interveniente no acidente.

Frustrando-se o acordo com o lesado, aplicam-se em toda a sua plenitude as regras gerais sobre o cálculo da indemnização contidas no Código Civil, mormente as dos artigos 562.º e seguintes. Ora, como é bem sabido, da conjugação dessas normas (sobretudo as dos artigos 562.º e 566.º, n.º 1) “resulta uma clara primazia da reconstituição in natura sobre a indemnização em dinheiro, o que quer dizer que é primordialmente através da reparação do objecto destruído ou da entrega de outro idêntico que se estabelece a obrigação de indemnização”.

Quer isto dizer que, via de regra, o lesado tem o direito de exigir da seguradora do causador do acidente a reparação da sua viatura automóvel danificada em resultado do sinistro, não lhe podendo ser oposta a excessiva onerosidade da reconstituição natural.

Mas pode dizer-se que toda a regra comporta excepção e assim é nesta situação.

Sem menosprezar a importância da proporcionalidade entre o valor de mercado da coisa danificada e o custo da sua reparação, o entendimento, praticamente, uniforme é o de que perante uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado à total reparação do veículo, quando possível, e o custo que tal representa para a seguradora poderá ser afastada a obrigação da reconstituição natural.

A indemnização específica (o mesmo é dizer, a reconstituição natural) só será de excluir, por excessivamente onerosa, quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa-fé.

No caso, o custo estimado da reparação (€16.612,13), não só é muito superior ao preço por que foi adquirida (três anos antes do acidente) a viatura da autora como é mais do dobro do seu valor venal antes do acidente.

Nestas circunstâncias, mais que o ressarcimento do dano, a autora/recorrente parece querer tirar proveito (lucro) da situação, pelo que a exigência de reparação da viatura atenta contra a boa-fé e por isso é, claramente, de excluir.

O valor de indemnização que a ré tem de pagar à autora é €7.600,00, o “valor de substituição” do veículo totalmente perdido.

Neste ponto, dissentimos da primeira instância, que fixou esse montante em € 5 578,00. Tal como fez a ré que, ao pretender operar a indemnização por equivalente pecuniário do valor venal do veículo por perda total, deduziu o valor do salvado.

O procedimento estaria correcto se tivesse aqui plena aplicação o instituto da compensatio lucri cum damno.

Voltando ao acórdão proferido no processo n.º 1080/19.0...1: “O n.º 3 do artigo 41.º do SORCA prevê a possibilidade de deduzir no valor da indemnização por perda total do veículo o valor do respectivo salvado “caso este permaneça na posse do seu proprietário”, expressão que aponta no sentido de que é preciso uma manifestação de vontade do lesado de ficar, definitivamente, com o salvado.”

Ora, nada na factualidade provada permite afirmar que houve, da parte da autora, qualquer manifestação de vontade nesse sentido. Apenas se provou que a autora retirou o veículo sinistrado das instalações da “Garagem ....”, para evitar custos com o parqueamento.

De resto, se em ... de 2019 o valor do salvado era de € 2 022,00, agora, muito provavelmente, será bastante inferior.

De tudo isto decorre que, na realidade, a ré não pôs à disposição da autora o valor pecuniário considerado necessário para adquirir no mercado de usados um veículo de características semelhantes às do veículo sinistrado.

Por isso, é correcta a decisão de fixar a indemnização pela privação do uso do veículo desde a data do sinistro até integral pagamento do “valor de substituição” do veículo perdido, ou seja, € 7 600,00.”

Não sufragamos a solução encontrada pelo Tribunal recorrido.

Reconhecida a assacada exclusiva responsabilidade do veículo segurado na Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal – na eclosão do acidente, o Tribunal recorrido determinou o quantum indemnizatório quanto aos danos patrimoniais, cuja discordância se identifica, desde logo, com a enunciada questão trazida a este Tribunal de revista.

Sendo o nexo causal, um dos pressupostos da responsabilidade civil o nosso ordenamento jurídico acolheu nos artºs. 483º e 563º do Código Civil a teoria da causalidade adequada, reportando-se esta a “todo o processo causal, a todo o encadeamento de factos que, em concreto, deram origem ao dano, e não à causa/efeito, isoladamente considerados” - neste sentido, Pessoa Jorge, in, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil - escrevendo, de igual modo, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, página 865 “do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - Código Civil art.º 562º - é o que se designa pelo princípio da reparação in pristinum.

Este normativo, consagra o princípio da reconstituição natural, entendendo-se por dano, sufragando o Professor Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, 7ª edição, página 591, “a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”.

Os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, sendo que os primeiros compreendem, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão – Código Civil art.º 564º n.º 1 - é o que se designa por danos emergentes e lucros cessantes.

A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor - Código Civil art.º 566º n.º 1 - sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos – Código Civil art.º 566º n.º 2 - .

Dever-se-á, pois, avaliar, em concreto, o dano sofrido, no caso, saber se importa a dedução do valor do salvado (veículo sinistrado) ao valor venal do veículo, à data do acidente, apurando-se, assim, a indemnização a atribuir à lesada, Autora/AA, quanto a este reclamado dano patrimonial.

No caso sub iudice encontra-se adquirida processualmente facticidade donde se colhe a excessiva onerosidade da reparação do veículo sinistrado, enquanto limitação ao princípio da reposição natural, sabendo nós que esta limitação terá lugar sempre que houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a restauração natural envolve para o responsável.

“24. Como consequência direta e necessária do acidente descrito, sofreu o veículo UV, os seguintes danos: na parte frontal e lateral esquerda, designadamente no capot, destruição do farol esquerdo, do guarda-lamas frente direito, dos farolins do pisca direito e esquerdo, do pára-choques frontal da grelha e do reservatório óleo, direção e transmissões, motor, airbags laterais, frontais e do condutor, amortecedores, cuja reparação, que passa pela substituição dos mesmos, acrescida da necessária mão de obra referente a trabalhos de bate chapa, pintura e mecânica e do IVA, orçada em € 16.612,13.

25. O sinistro foi participado à ré e, após alegadas averiguações e perícia ordenadas por esta, em ... de julho de 2019, a ré remeteu carta ao filho da autora, a comunicar que o UV foi considerado perda total, fixando a indemnização em € 7.600,00, “valor correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente”, “ao qual será deduzido o valor do salvado, avaliado em € 2.022,00, disponível para entrega.

26. A autora não aceitou a referida indemnização de € 7.600,00, deduzida de €2.022,00 correspondente ao salvado, no valor de € 5.578,00.

37. Na data do sinistro, o valor de mercado deste veículo seria compreendido entre €7.400,00 e €7.600,00.

38. A ... .07.2019, a ré “Zurich” transmitiu à autora que havia uma empresa interessada em adquiriu o salvado do veículo UV, propondo-se pagar por ele a quantia de €2022,00, proposta que seria válida por 60 dias a contar da avaliação efectuada.”

Assim, ao abrigo das regras substantivas civis, concretamente, dos artºs. 562º e 566º do Código Civil, a Autora/AA tem direito a receber a quantia de €7.600,00 correspondente ao valor venal do veículo antes do sinistro.

Questiona, porém, a Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - se a essa quantia dos €7.600,00 deve ser deduzido o valor de €2.200,00, como determinado pela 1ª Instância, enquanto valor do salvado.

A resposta a esta questão será, necessariamente, afirmativa, sob pena de, ao deixarmos de assim o entender, estarmos a desvirtuar, por completo, o escopo da indemnização que mais não é do que colocar o lesado na situação que estaria sem a ocorrência do facto danoso (acidente).

Ademais, entendendo o instituto do enriquecimento ilícito decorrente da lei substantiva civil - art.º 473º n.º 1 do Código Civil - no sentido de vantagem de carácter patrimonial, como obtenção injusta dessa vantagem que foi recebida, reportando-se a obtenção de enriquecimento à conta de outrem à averiguação de qual foi o património que efetuou a despesa, impor-se-á reconhecer que a ausência de causa justificativa refere-se às situações de inexistência de causa jurídica, e, por conseguinte inexistência de obrigação, sendo que no caso sub iudice, verificar-se-ia enriquecimento sem causa, preenchendo os respetivos requisitos, porquanto não distinguimos no caso trazido a Juízo, causa jurídica para que o lesado receba a quantia correspondente ao valor venal do veiculo antes da ocorrência do sinistro e detenha para si os respetivos salvados.

Tudo visto, reconhecendo que o valor da reparação (€16.612,13) é excessivamente oneroso atento o valor venal do veiculo antes da ocorrência do sinistro (€7.600,00), valor este proposto, e disponível para entrega, pela Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - à Autora/AA, que lhe permitiria adquirir um veículo em idênticas condições, impõe-se reconhecer que a este valor venal deve ser descontado o valor do salvado, condizente a €2.022,00, uma vez que esta não mostrou disponibilidade para aceitar a proposta apresentada, apesar do valor proposto ser reconhecidamente ajustado para indemnizar a Autora/AA, sendo que ao rejeitar a proposta assumiu, inequivocamente, que também não pretende largar mão do salvado, como, aliás, também se infere ao deduzir a presente pretensão jurídica traduzida no pedido de reparação do veiculo sinistrado, veiculo este que, de resto, se encontra na sua posse, não sendo despiciendo relembrar o facto de sobre o veiculo sinistrado incidir reserva de propriedade a favor da instituição financeira de crédito ...Crédito, SA.

(ii) O Tribunal recorrido devia, contrariamente à solução encontrada, reconhecer que a proposta indemnizatória dirigida à demandante em ... de julho de 2019, ou seja, 47 dias após o sinistro, ter-lhe-ia permitido repor o equivalente patrimonial ao veículo sinistrado, daí que, ao deixar de aceitar a proposta, faz incorrer a demandante na responsabilização pela privação do uso do veiculo sinistrado a partir daquela data, ... de julho de 2019, não se distinguindo fundamento que justifique a condenação da demandada pela privação do uso do veiculo a partir desta data?

Sem deixar, neste particular, de referenciar e repristinar tudo quando já dissemos aquando do enquadramento jurídico atinente à fixação do quantum indemnizatório, consignado no precedente segmento, sublinhamos que constitui dano indemnizável toda a perda, prejuízo ou desvantagem resultante da ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.

Na verdade, o lesante deve reparar todos os prejuízos causados ao lesado que merecerem a tutela do direito de modo a colocá-lo na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, querendo significar, no que ao caso sub iudice respeita, que o período de privação do uso do veículo sinistrado, que não seja imputável ao lesado, deve ser suportado por quem deu causa ao acidente.

O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo sinistrado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos estabelecidos no art.º 1305º do Código Civil, cabendo, assim, pela violação do direito de propriedade, o direito a indemnização pela ocorrência desse dano.

Este entendimento vem sendo sufragado pela doutrina e pela jurisprudência.

A privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, é um dano, e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário.

Abrantes Geraldes refere que “não custa a compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização” in, Indemnização do Dano Privação do Uso, páginas 39-41.

Face aos artºs. 562º, a 564º e 566º do Código Civil, da imobilização de um veículo em consequência de acidente, pode resultar: a) um dano emergente - a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como o seria o aluguer de outro veículo; b) um lucro cessante - a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma atividade lucrativa; c) um dano advindo da mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor com o conteúdo definido no art.º 1305º do Código Civil, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender, neste sentido, Abrantes Geraldes, in, obra citada páginas, 39-41.

Neste mesmo sentido damos nota da orientação doutrinária, entre muitos outros, Menezes Leitão, in, Direito das Obrigações, volume I, página 317, Cadernos de Direito Privado, anotação de Júlio Gomes, n.º 3.

Quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente - constituindo um facto notório ou resultando de presunções naturais a retirar da factualidade provada - para que se possa exigir do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar direta e concretamente prejuízos efetivos.

Todavia, importa equacionar para a boa solução a encontrar na presente demanda, se a privação do uso do veículo sinistrado, desde a data do acidente até ao presente, ocorre por responsabilidade do devedor da obrigação de indemnizar os danos decorrentes da eclosão do sinistro, no caso a seguradora, aqui Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - ou, ao invés, a imobilização do veículo sinistrado deve ser imputada ao próprio lesado, aqui Autora/AA.

No caso sub iudice, é objeto desta revista, como adiantamos, determinar se se distingue fundamento que justifique a condenação da Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - pela privação do uso do veículo, estando demonstrado nos autos ter a demandada dirigido, e disponível para entrega à Autora/AA, em ... de julho de 2019, ou seja, 47 dias após o sinistro, uma proposta indemnizatória que ter-lhe-ia permitido repor o equivalente patrimonial ao veículo sinistrado.

Conquanto saibamos que a proposta razoável de indemnização que a seguradora, assumindo a responsabilidade pelas consequências do acidente, está obrigada a apresentar ao lesado, não tem que ser por este aceite todavia, não poderá, mais tarde, aproveitar-se de não ter aceitado a prestação que lhe foi oferecida para satisfação dos danos sofridos, e eximir-se das consequências de tal rejeição, uma vez reconhecido, judicialmente, que os valores propostos são adequados à justa indemnização.

Na verdade, impõe-se à seguradora e lesada, no caso, à Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - e Autora/AA que atuem de boa-fé em todo o processo, judicial e extrajudicial, desenvolvido com vista à atribuição de uma justa indemnização pelos danos sofridos em razão da eclosão do acidente de viação.

Assim, importa sublinhar que o Tribunal não poderá deixar de ter em atenção todas as diligência que a seguradora, aqui Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - encetou no sentido de indemnizar, justamente, a lesada, aqui Autora/AA, relembrando o que a propósito resulta demonstrado nos autos, ou seja: que na data do sinistro, o valor de mercado do veículo sinistrado seria compreendido entre €7.400,00 e €7.600,00; que a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal -transmitiu à Autora/AA que havia uma empresa interessada em adquiriu o salvado do veículo sinistrado, propondo-se pagar por ele a quantia de €2022,00, válida por 60 dias; que a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - comunicou à lesada, em ... de julho de 2019, ou seja, 47 dias após o acidente, que o veiculo sinistrado foi considerado perda total, fixando a indemnização em €7.600,00, enquanto valor correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, ao qual seria deduzido o valor do salvado, avaliado em €2.022,00, quantia esta disponível para entrega; que a Autora/AA rejeitou aquela indemnização de €7.600,00, deduzida de €2.022,00, ou seja, €5.578,00.

Este apurado circunstancialismo remete-nos para a consideração de saber se se verifica uma omissão injustificada (culposa ou não) da cooperação necessária para o cumprimento da obrigação de indemnizar, por parte do lesado, aqui Autora/AA.

Textua o art.º 813º do Código Civil que “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”

Para que se verifique a mora por falta de aceitação da prestação, como sustentam, Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil Anotado, Volume II, 4ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra, 1997, páginas 84 e 85. “Em primeiro lugar, é necessário que o credor não tenha motivo justificado para a não aceitar (…)”; “Em segundo lugar, a prestação deve ter sido oferecida ao credor nos termos legais.”; “Independentemente da oferta, o credor constitui-se em mora, se não praticar os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”

A mora creditoris, defende Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, página 543, supõe uma omissão injustificada (culposa ou não) pelo credor da sua cooperação necessária para o cumprimento, donde, para a verificação da mora do credor, não é bastante que este se recuse a colaborar com o devedor no respetivo cumprimento, sendo indispensável que a omissão do credor seja determinante para o cumprimento, de tal sorte que sem ela o devedor não possa validamente prestar.

Como resulta do caso trazido a Juízo, a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - enquanto empresa de seguros, deu cumprimento ao disposto no art.º 41º do Regime do Sistema de Seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, com sucessivas atualizações, sendo a última através do Decreto-Lei n.º 153/2008 de 6 de agosto) e apresentou uma proposta de indemnização ao lesado, a aqui Autora/AA, uma vez reconhecida a exclusiva responsabilidade do seu segurado na eclosão do acidente, porém, como já adiantamos, apesar desta obrigação legal para a seguradora traduzida na apresentação de uma proposta razoável à lesada, temos por assente que não tem que ser por este aceita, todavia, não poderá, mais tarde, aproveitar-se de não ter aceitado a prestação que lhe foi oferecida para satisfação dos danos sofridos, e eximir-se das consequências de tal rejeição, uma vez reconhecido, judicialmente, que os valores propostos são adequados à justa indemnização, encerrando, ao cabo e ao resto, uma proposta razoável.

Na verdade, da facticidade adquirida processualmente resulta que a Autora/AA não ponderou devidamente a proposta apresentada pela Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a qual se mostra razoável e adequada a indemnizar a Autora/AA pela perda total do veículo sinistrado, o que equivale por dizer que, ao não aceitar a enunciada proposta, e demostrando-se que a quantia proposta se apresentava disponível para entrega, não poderá agora querer aproveitar-se da privação do uso do veiculo sinistrado a partir da data em que a proposta, uma vez que aquela data, se acaso tivesse aceitado a proposta apresentado, ter-lhe-ia permitido repor o equivalente patrimonial ao veículo sinistrado.

Ou seja, tendo o devedor, aqui Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - diligenciado para cumprir a respetiva obrigação, nos termos demonstrados nos autos, não teve da parte do lesado, aqui Autora/AA, a necessária e exigida atuação colaborante e de boa-fé que a deveria ter levado a aceitar os termos razoáveis e justos da proposta anunciada, cuja quantia estava disponível para entrega, permitindo-lhe, sublinhamos, adquirir um outro veículo com idênticas condições aqueloutro sinistrado, deixando, por isso, se assim procedesse, de estar privada do respetivo uso.

Ao reconhecermos a omissão injustificada (culposa ou não) pela Autora/AA da sua cooperação necessária para o cumprimento da obrigação de indemnizar, temos de convir que a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - somente é responsável pela privação do uso do veiculo sinistrado, fixado à razão de €8/dia, nos termos consignados em 1ª Instância, desde a data do acidente (... de ... de 2019) até à apresentação da proposta (... de julho de 2019), ou seja, 49 (quarenta e nove) dias, o que perfaz a quantia de €392 (trezentos e noventa e dois euros).

(iii) Não há motivo para o vencimento de juros moratórios a partir da citação, a calcular sobre o valor da indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel, Audi, modelo A4, matrícula ..-..-UV, porque não ocorreu mora alguma por parte da demandada?

Ao reconhecermos a omissão injustificada (culposa ou não) pela Autora/AA da sua cooperação necessária para o cumprimento da obrigação de indemnizar, que conduz, necessariamente à mora creditoris, importará ter em atenção que nos termos do n.º 2 do art.º 814º do Código Civil “durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionais.”

Não há, pois, nenhuma mora da devedora, aqui Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - partir da data da citação, na medida em que esta, concluído o processo de averiguações do sinistro ajuizado, já havia comunicado, em ... de julho de 2019, a sua vontade de cumprir a obrigação devida nos precisos termos em que agora o Tribunal decide, que, de resto, mereceu na altura a rejeição da lesada, aqui Autora/AA, daí que a não aceitação, entendida como injustificada, não lhe confere receber juros moratórios, nos termos do enunciado normativo substantivo civil ao estabelecer que durante a mora creditoris a dívida deixa de vencer quaisquer juros.

II. 4.1.1. Tudo visto, impõe-se concluir que na procedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterar o destino da presente demanda, traçado pelo Tribunal recorrido, pelo que, concede-se a revista interposta, importando a revogação do acórdão recorrido (no que respeita ao objeto desta revista independente), e, em sua substituição condena-se a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar à Autora/AA:

i. o valor de €5.578,00 (cinco mil quinhentos e setenta e oito euros) pelos danos patrimoniais do veículo automóvel, ..-..-UV (€7.600,00 condizente ao valor venal do veículo antes do sinistro, descontado o valor do salvado, correspondente a €2.022,00);

ii. o valor de €8,00 (oito euros) diários a contabilizar desde a data do sinistro, ... de ... de 2019, até ... de julho de 2019, pela privação do uso deste veículo, perfazendo a quantia de €392,00 (trezentos e noventa e dois euros).

Da Recorrente/Autora/AA

II. 4.2.1. Impõe-se alterar a decisão de facto uma vez que a Relação, atenta a factualidade constante dos pontos 28 a 32 dos Factos Provados, estando em causa um acidente de viação, que não só privou a Recorrente da única viatura automóvel que usava nas suas deslocações diárias, gerou preocupações com o processo subsequente, bem como angústia com o facto de ainda não se encontrar, à data, liquidado o crédito para adquirir o veiculo sinistrado, desrespeitou as regras que impõem a prova, indevidamente desconsiderada, do estado de espírito e anímico da demandante, a merecer ressarcibilidade, padecendo a decisão de facto de manifesta ilogicidade, deixando de retirar ilações da razoabilidade e experiência comum, devendo, outrossim, a matéria constante das alíneas g) a l) da matéria dada como não provada, deve passar a constar do elenco factual provado?

Como já adiantamos, o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, exceto se as mesmas forem de conhecimento oficioso, conforme resulta da lei adjetiva civil.

A Recorrente/Autora/AA, insurge-se contra o aresto em escrutínio, reclamando a infundada e incorreta decisão de facto, porquanto, segundo sustenta nas suas conclusões, a factualidade constante dos pontos 28 a 32 dos Factos Provados, estando em causa um acidente de viação, que não só privou a Recorrente da única viatura automóvel que usava nas suas deslocações diárias, gerou preocupações com o processo subsequente, bem como angústia com o facto de ainda não se encontrar, à data, liquidado o crédito para adquirir o veiculo sinistrado, desrespeitou as regras que impõem a prova, indevidamente desconsiderada, do estado de espírito e anímico da demandante, a merecer ressarcibilidade, padecendo a decisão de facto de manifesta ilogicidade, deixando de retirar ilações da razoabilidade e experiência comum, devendo, outrossim, a matéria constante das alíneas g) a l) da matéria dada como não provada, deve passar a constar do elenco factual provado.

O Supremo Tribunal de Justiça no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar, sem mais, tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código de Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com meridiana clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada, e reconhecida, a violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

A decisão de facto é, pois, da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil) o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto.

Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pela Recorrente/Autora/AA, reconhecemos, com facilidade, que a impugnação da decisão de facto, respeita, por um lado, com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido deixar de ter adquirido processualmente concretos factos condizentes às alíneas g) a l) da matéria dada como não provada.

A impugnação da decisão de facto, contende com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido ter deixado de valorar corretamente, os meios de prova trazidos a Juízo, sujeito à livre apreciação do Tribunal, sendo que, em momento algum, a Recorrente/Autora/AA invoca, ter o acórdão recorrido afrontado disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a demonstração dos respetivos factos, ou que fixe a força de determinado meio de prova, por exemplo, documento com força probatória plena, enquanto erro de direito,

O que está em causa, é a reapreciação da prova, tendo a Relação valorada a mesma, de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeita, como, aliás, se impunha, tendo elaborado, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que não está em causa qualquer erro de direito, na apreciação dos apresentados meios de prova, conforme já adiantamos, tendo afirmado os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto Tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.

Tudo visto, ao reconhecermos, neste particular, a não invocação de qualquer erro de direito, na apreciação da decisão de facto, concluímos que este Tribunal ad quem, não pode sindicar o modo como a Relação decidiu sobre a impugnação da decisão de facto, ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação.

Uma última nota para o facto da Recorrente/Autora/AA também sustentar, por outro lado, que atenta a factualidade constante dos pontos 28 a 32 dos Factos Provados, estando em causa um acidente de viação, que não só privou a Recorrente da única viatura automóvel que usava nas suas deslocações diárias, gerou preocupações com o processo subsequente, bem como angústia com o facto de ainda não se encontrar, à data, liquidado o crédito para adquirir o veiculo sinistrado, desrespeitou as regras que impõem a prova, indevidamente desconsiderada, do estado de espírito e anímico da demandante, a merecer ressarcibilidade, padecendo a decisão de facto de manifesta ilogicidade, deixando de retirar ilações da razoabilidade e experiência comum.

Como sabemos, resulta da lei substantiva - art.º 349º do Código Civil - que as presunções são ilações que o julgador, sustentado nas regras da experiência, extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos), traduzindo um juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido.

Na medida em que o juízo presuntivo consubstancia um julgamento da matéria de facto, encontra-se, igualmente, o Supremo Tribunal de Justiça impedido de apurar a extração da presunção judicial pela Relação, exceto nos casos de violação de lei e das normas disciplinadoras do instituto, designadamente, sempre que ocorra ilogicidade e/ou a alteração da factualidade adquirida processualmente, ou seja, quando a presunção parta de factos não provados.

Revertendo ao caso trazido a Juízo, podemos adiantar que não distinguimos que a Relação tenha deixado de retirar ilações da razoabilidade e experiência comum, outrossim, que a situação apresentada em Juízo tampouco encerre a excecionalidade a exigir do Supremo Tribunal de Justiça sindicar a decisão de facto.

Não encontramos na decisão de facto qualquer violação do critério legal nem se mostra assente em ilogicidade ou em factualidade não provada, como decorre da motivação da decisão de facto que tivemos o redobrado cuidado de cotejar, e onde se enunciam os motivos que emprestam razoabilidade à decisão tomada.

Tampouco enxergamos qual a relação que a Recorrente/Autora/AA pretende assegurar entre os pontos 28 a 32 dos Factos Provados: “28. Desde a data do acidente (........2019) e até Julho de 2019, o UV encontrou-se aparcado nas instalações da Garagem ...., sitas na Rua ..., ..., concelho de ..., tendo sido entretanto levantado pela autora, para evitar custos com o parqueamento. 29. Não foi entregue à autora pela ré veículo de substituição, não tendo sido solicitado por aquela primeira a esta última. 30. A ré não propôs à autora entregar um veículo, em substituição do UV, de igual categoria, características e estado de conservação. 31. Em ... de 2016, para aquisição do UV, a autora contraiu um crédito junto da instituição financeira ...Crédito, SA, no valor de € 9.999,00, titulado pelo contrato nº 375454, crédito esse a ser pago em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 217,16 cada, cuja liquidação se iniciou em ... de ... de 2016 e terminava em ... de ... de 2021. 32. Encontrando-se, à data do sinistro em causa nestes autos (........2019), pago o montante de € 8.252,08, faltando, nessa data, regularizar a quantia de €4.777,52, o que perfazia o valor global de € 13.029,60, correspondente ao montante devido pela autora no que respeita a tal contrato de crédito.” e as alegadas preocupações da Autora/AA com o processo subsequente, bem como angústia com o facto de ainda não se encontrar, à data, liquidado o crédito para adquirir o veiculo sinistrado.

II. 4.2.1.1. Tudo visto, ao distinguirmos a não invocação de qualquer erro de direito, na apreciação da decisão de facto, importa a conclusão de que este Tribunal ad quem não pode sindicar o modo como a Relação decidiu sobre a impugnação da decisão de facto, ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, outrossim, assente numa lógica isenta de reparos.

II. 4.2.2. O Tribunal a quo deixou erroneamente de fixar indemnização pelo alegado dano não patrimonial sofrido pela demandante, importando sentenciamento diverso, donde, face à prova produzida em audiência de julgamento, às regras da razoabilidade e experiência comum, e à natureza não miserabilista da mesma, afigura-se como justa, equitativa e proporcional, que a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, seja fixada em valor não inferior a €5.000,00?

Atentemos nas particularidades do ressarcimento dos danos não patrimoniais, alegadamente sofridos pela Autora/AA, tendo em vista o objeto da presente revista subordinada.

Na feliz enunciação do Professor Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, página 86, os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial “são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro (…) em virtude da aptidão (diga-se, do dinheiro) para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses.”

Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral, sofrida pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respetiva dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.

Aos danos não patrimoniais refere-se o n.º 1 do art.º 496º do Código Civil, quando estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo que no dizer do Professor Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, página 628, 9ª edição “a gravidade deve ser apreciada objectivamente.”

De acordo com o nº. 3, da mesma disposição legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”.

Assim, reconhecemos que, como critério para a determinação equitativa dos danos não patrimoniais sofridos, há que atender à verificação, natureza e intensidade do dano causado, ao grau de culpa do lesado e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta.

A este propósito, coligimos, com utilidade, do acórdão recorrido:

“Resta abordar a questão da indemnização por danos não patrimoniais, que na primeira instância foi reconhecido ser devida à autora e fixada em € 500,00.

Contra essa decisão insurgiram-se a autora, pretendendo que esse valor seja o montante que pediu (€ 10 000,00), e a ré, defendendo que não é devida indemnização alguma a esse título.

Não podemos amparar a posição da primeira instância.

Os chamados danos morais são ressarcíveis se, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, gravidade que há-de ser aferida segundo um critério objectivo.

Com efeito, é consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (…).

Depois de fazer um enquadramento correcto da questão, em especial da aferição da gravidade dos danos que se exige para serem ressarcíveis, o tribunal rematou assim: “Evidentemente, da prova produzida não resultou demonstrado que a autora tenha sofrido os danos morais da grandeza que alegou. Ainda assim, o Tribunal entende ser de compensar a preocupação e transtornos inerentes a estas situações. E, neste conspecto, temos por equitativo e adequado o valor de €500,00 relativo a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos”.

No entanto, a atribuição desta indemnização não tem qualquer suporte na factualidade provada. (sublinhamos nosso)

Neste ponto, não pode deixar de reconhecer-se razão à ré/recorrente e, em contraponto, improcede necessariamente a pretensão da autora.”

II. 4.2.2.1. Na verdade, incumbindo à lesada, aqui Autora/AA alegar e demonstrar à verificação, natureza e intensidade do dano causado, cotejada a materialidade adquirida processual, não decorre da mesma qualquer facto que sustente os alegados danos não patrimoniais, cuja indemnização a Autora/AA reclama nestes autos.

II. 4.2.3. Tudo visto, concluímos que as conclusões trazidas à discussão pela Recorrente/Autora/AA não encerram virtualidades que modifiquem o destino delineado nos dispositivos do acórdão recorrido, atinentes à absolvição da Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal – quanto à reclamada indemnização por danos não patrimoniais, e, de igual modo, quanto à decisão sobre matéria de facto, mantendo-se inalterável, nestes segmentos, o acórdão recorrido.

III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam procedente o recurso principal, interposto pela Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - concedendo-se a revista, e improcedente o recurso subordinado, interposto pela Recorrente/Autora/AA, negando-se a revista.

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

I. Em julgar procedente a revista interposto pela Recorrente/Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido que alterou a decisão sobre o pedido de indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda total do veículo automóvel, Audi, modelo A4, matrícula ..-..-UV, pertencente à Autora/AA (condenando a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar-lhe a quantia de € 7 600,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal a contar da citação; bem como, a condenação da Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar à Autora/AA o valor de €8,00 diários a contabilizar desde a data do sinistro até à propositura da presente ação, pela privação do uso deste veículo, perfazendo a quantia de €1.192,00, acrescida da quantia que entretanto se venceu e vincenda até efetivo e integral pagamento), substituindo-a por outra que condena a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar uma indemnização à Autora/AA, condizente à quantia €5.578,00 (quantia de €7.6000,00 correspondente ao valor venal do veículo antes do sinistro, descontado o valor dos salvados no montante de €2.200,00), outrossim, que condena a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - a pagar uma indemnização à Autora/AA, pela privação do uso do veículo, condizente à quantia €392,00, que corresponde ao valor de €8,00 diários a contabilizar desde a data do sinistro até ... de julho de 2019.

II. Absolve-se a Ré/Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal - do restante pedido.

III. Em julgar improcedente o recurso subordinado da Recorrente/Autora/AA, negando-se a revista subordinada.

IV. Custas do recurso principal de revista e do recurso subordinado pela Recorrida/Recorrente/Autora/AA, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Registe.

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 28 de maio de 2024

Oliveira Abreu (relator)

Sousa Lameira

Nuno Ataíde das Neves