Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1135/09.0TVLSB.L3.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
ADMINISTRADOR
CREDOR
ABUSO DO DIREITO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
INSOLVÊNCIA
DANOS REFLEXOS
SOCIEDADE COMERCIAL
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 11/12/2020
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. — O art. 79.º do Código das Sociedades Comerciais remete para o regime geral da responsabilidade civil.
II. — Entre os casos de responsabilidade por danos directos causados a terceiros, incluindo credores, está a responsabilidade pela violação de disposições legais de protecção — prevista no art. 483.º, n.º 1, segunda alternativa do Código Civil — e a responsabilidade pelo abuso do direito — prevista no art. 334.º, em ligação com o art. 483.º, n.º 1, do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

  1. Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Lda., com sede no Segundo Complexo Industrial    ,   ,    , em    ,    , em   , freguesia de   , concelho de …, instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra:

    I. — AA, casado, …, residente na …, n" …, …; II. — BB, casado, residente na Rua …, n…, …, …, …; e III. — CC, solteiro, maior, residente na Rua de …, nº …, …, …, pedindo a condenação dos Réus no pagamento de:

a) € 53.765,55, acrescidos de juros vencidos no valor de 42.824,75;

b) Juros vincendos até integral cumprimento do montante em dívida;

c) Custas judiciais, procuradoria condigna e demais encargos com o processo.

   2. Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção.

  3. Os Réus AA e BB deduziram as excepções de caso julgado e de ilegitimidade.

  4. A Autora Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Lda., replicou; deduziu oposição às excepções e deduziu o incidente de chamamento da Citronic, Lda.

  5. Admitido o chamamento, a Citronic foi citada, na pessoa do seu administrador de insolvência.

   6. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença, em que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

A) Condenou os réus AA, BB e CC a pagar à autora Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Lda. a quantia de €53.765,44 (cinquenta e três mil, setecentos e sessenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento;

B) Absolveu os Réus do demais peticionado pela autora.

  7. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação.

  8. O Réu BB finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Entre o facto gerador do crédito que a Autora se arroga e o momento em que ocorreu a "conduta ilícita dos Réus" decorrem 5 anos, sendo que ao longo desses anos os sócios da sociedade ISG (a devedora) não foram os mesmos.

2. Condenou o tribunal a quo os RR como sócios e gerentes da sociedade devedora ao pagamento integral do crédito da Autora.

3. No caso em apreço o está em causa uma responsabilidade directa dos sócios nos termos e para os efeitos do art. 78 n.° 1 do CSC, que é uma responsabilidade de carácter delitual, não havendo presunção da culpa a que se refere o art. 72 do CSC (aliás o n.° 5 do art. 78 remete especificamente para as disposições dos n.° s 3 a 6 do art. 72, e não o n.° 1 do art. 72 do CSC) pelo que o ónus da prova desta responsabilidade segue a regra geral da responsabilidade extracontratual (art. 487 do Cód. Civil).

4. Considerou o tribunal a quo que a conduta dos RR aquando da celebração da escritura de dissolução é o facto gerador de responsabilidade - “(...), no que respeita à invocação do acto conducente à dissolução da sociedade ISG a realidade comporta diverso figurino.”

5. O tribunal a quo não deu como provado que " O crédito da A. para com a sociedade ISG era respeitante a facturas dos anos 2000 a 2001". Os meios de prova que impõem esta resposta documentos juntos à pi como doc. n.° 4 a 10, documento a fls. 97-08 dos presentes autos, documento a fls. 103 a 106 dos presentes autos, os depoimentos das testemunhas DD e EE, que se deixaram transcritos a fls- 12 e 13 do presente articulado e que aqui se dão como reproduzidos.

6. O tribunal deu como não provado que "z) E que, aquando da escritura de dissolução o informaram que a ISG era uma sociedade sem actividade, sem qualquer tipo de património e sem qualquer dívida a qualquer entidade externa (38)." E devia dar como provado que "Aquando da escritura de dissolução a ISG era uma sociedade sem actividade e sem rendimentos”

Os meios de prova que impõem esta resposta são: o documento a fls- 341 a 350 dos presentes autos, os factos que deu como provados em 20) e 21), o depoimento da testemunha DD que se deixou transcrito a fls- 16 e 17 do presente articulado e que aqui se dá como reproduzido.

7. O tribunal a quo deu como provado que "38) Com essa actuação os réus impossibilitaram a autora de ver ressarcido o seu crédito reconhecido na acção declarativa e objecto da acção executiva (8)." e devia ter dado como não provado.

Os meios de prova que impõem esta resposta são os depoimentos das testemunhas DD e EE (ambos a contrario sensu), que se deixaram transcritos a fls- 24 a 27 do presente articulado e que aqui se dão como reproduzidos

8. O tribunal a quo deu como provado que "42) Os réus, ao fazerem aquela declaração de 31) e ao não apresentaram a ISG à insolvência, fizeram-no de forma consciente e deliberada, sabendo que esse comportamento prejudicava os créditos da autora". E devia ter dado como não provado.

Os meios de prova que impõem essa resposta testemunhas DD e EE (ambos a contrario sensu), que se deixaram transcritos a fls- 27 a 30 do presente articulado e que aqui se dão como reproduzidos

9. O tribunal a quo deu como provado que " 50) No balanço da ISG, Lda de 31.12.2005 consta no activo a seguinte menção:

"Imobilizações corpóreas: (: (...) Equipamento administrativo AB € 8.575,71 (...); Depósitos bancários e caixa: Depósitos bancários (...); Depósitos bancários e caixa: Depósitos bancários AB € 431,05 (...) Caixa AB € 136,41 (...) ( fls 351 e 352)".e devia ter dado como provado que "No balanço da ISG, Lda de 31.12.2005 consta no activo a seguinte menção: "Imobilizações corpóreas: (...) Equipamento administrativo AL €96,78 (...); Depósitos bancários e caixa: Depósitos bancários AL € 431,05 (...) Caixa AL € 136,41 (...)" ( fls 343)”

Os meios de prova que impõem esta resposta são os documentos juntos a fls. 343,351 e 352 dos presentes autos.

10. Alicerçou o tribunal a quo a responsabilidade dos RR no disposto no art. 78 do CSC, considerando que "o acto conducente à dissolução da sociedade ISG" configura uma conduta ilícita violadora de disposições que se destinam a proteger os credores sociais.

11. Enunciou da seguinte forma o preenchimento dos requisitos da responsabilidade:

A - Conduta ilícita: ao "apresentarem-se" em 2/3/2006 sem qualquer documento comprovativo das contas da sociedade, declarando que" a ISG não tinha qualquer activo ou passivo tendo as ultimas contas aprovadas em 31/3/2005", indicaram falsamente que os direitos dos credores estavam satisfeitos ou acautelados, violando assim as disposições dos arts. 154, 158, 149, 152 e 70, todos do CSC, executando uma dissolução sem critérios objectivos;

B - Resultado danoso: à data da dissolução o património social - activo liquido disponível - era insuficiente para a (integral) satisfação dos créditos da Autora

C - Nexo de causalidade: sem a declaração fiel do passivo existente impossibilitou a satisfação de tal crédito, pois a sociedade tinha bens sociais que não vieram satisfazer o passivo existente.

12. Concluindo o tribunal a quo pela responsabilização pessoal dos RR pelo pagamento integral do dano da autora que se consubstancia no valor total do crédito que detinha para com a sociedade ISG

13. O tribunal a quo fez má interpretação do artigo 78 do CSC, a responsabilidade perante credores e outros terceiros (sócios, trabalhadores, clientes) era, foi e será sempre uma responsabilidade condicionada, requerendo factores especiais.

14. O objecto da previsão do artigo 78.° é o modo como o gerente ou administrador gere ou administra a sociedade, mas a sua responsabilidade surge quando, por na sua administração não ter observado alguma disposição legal ou contratual destinada à protecção dos credores, a sua actuação tem como consequência que o património social se tenha tornado insuficiente para satisfazer os respectivos créditos.

15. Ora nada disso se ajusta à situação dos autos. Nesta, não está em causa a actuação do gerente no exercício da administração da sociedade, está em causa a decisão dos sócios de dissolver a sociedade e de operar a sua extinção sem liquidação com a alegação falsa da inexistência de passivo.

16. Mas mesmo que se considere que os RR violaram as disposições elencadas pelo tribunal a quo, a sua conduta não tem qualquer influência sobre a solvabilidade da sociedade ISG nem sobre o pagamento ou não pagamento do crédito da A.

17. A conduta dos RR - apresentarem-se sem qualquer documento de prestação de contas à data da dissolução - não causou qualquer dano para com a sociedade no sentido de diminuição do seu património social ao ponto de este se revelar insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos

— O valor do passivo da sociedade ISG diminuiu ao longo dos anos 2001 a 2005

— A solvabilidade da ISG era precária aquando da emissão da facturação originadora do crédito da A.(2001)

— Não ocorreram danos para a sociedade ISG pela omissão dos RR .

18. A responsabilidade só surge se da prática ou omissão dos administradores/gerentes tivesse advindo danos que atingissem o património social da sociedade, no sentido do património social se ter tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos; tem de haver um dano patrimonial para a sociedade - facto do qual não qualquer alegação nos autos ou comprovação.

19. Não está alegado que existisse património social e este se tivesse tornado insuficiente para satisfazer os créditos da sociedade, ainda que obviamente a menção de que a liquidação da sociedade foi feita com a declaração dos sócios de não existir passivo a satisfazer nem activo a repartir entre eles tenha implícita a afirmação da inexistência de activos da sociedade que possam responder pelo crédito da autora.

20. Só que para fazer actuar a responsabilidade do artigo 78.° era necessário mais, era necessário estabelecer uma relação de causa-efeito entre a actuação ilícita e a situação de insuficiência do património, a qual não decorre daquela decisão e declaração dos sócios porque essa insuficiência era preexistente.

21. No campo de aplicação do artigo 483.° do Código Civil e atento o caso, para se poder afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a decisão dos sócios de dissolverem a sociedade e a declararem de imediato liquidada por ausência de passivo ou activo e a impossibilidade da autora obter a satisfação do seu direito de crédito, era indispensável que estivesse demonstrado que antes da deliberação dos sócios a sociedade tinha com que satisfazer o crédito dos autores e que essa situação apenas se alterou por causa, em virtude, como consequência adequada desse comportamento dos sócios violador das normas de protecção.

O que não aconteceu. Disse o tribunal a quo:

"Qual era a situação patrimonial e contabilística da ISG?

Em 2001, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 7.446,04 (cfr. fls. 569 dos autos);

Em 2002, a ISG teve um resultado líquido positivo de € 2.749,62 (cfr. fls. 507 dos autos);

Em 2003, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 4.734,00 (cfr. fls. 445 dos autos);

Em 2004, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 58,30 (cfr. fls. 388 dos autos); e

Em 2005, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 2.805,68 (cfr. fls. 569 dos autos).

E relativamente a relação entre passivo e activo?

Em 2001, a ISG tinha um activo de € 57.809,70 e um passivo de € 149.995,32 (cfr. fls. 570);

Em 2002, a ISG tinha um activo de 6 43.991,92 e um passivo de € 133.427,87 cfr. fls. 508);

Em 2003, a ISG tinha um activo de € 14.831,77 e um passivo de € 109.001,72 (cfr. fls. 446);

Em 2004, a ISG tinha um activo de € 13.221,98 e um passivo de € 107.450,23 (cfr. fls. 389);

Em 2005, a ISG tinha um activo de € 5.118,43 e um passivo de € 102.152,36 (cfr. fls. 343)”.

22. Facilmente se verifica que o passivo foi diminuindo dos anos 2001 a 2005, os resultados negativos também, pelo que a situação económica da sociedade ISG foi melhorando ao longo dos anos 2001 a 2005.

23. Se antes da actuação dos sócios, a sociedade já não tinha activos - bens ou crédito - que permitissem satisfazer o direito de crédito da autora, não se poderá considerar que a deliberação dos sócios fosse adequada a provocar os danos sofridos pela autora.

24. Considerou ainda o tribunal a quo a responsabilização pelo passivo da sociedade nos termos do disposto no artigo 158.° do Código das Sociedades Comerciais: aplicando aos autos esta norma por analogia, pois equipara a manipulação e falsificação de documentos com a simples não apresentação de qualquer documentação.

25. Em qualquer das situações - responsabilização sócios/liquidatários - estamos perante uma forma de responsabilidade delitual, já que entre os administradores e os credores sociais inexistem quaisquer vínculos específicos, que pudessem fundamentar uma responsabilidade de tipo obrigacional. Nessa medida, tratando-se de responsabilidade extracontratual, o regime legal aplicável terá de considerar igualmente o que resulta do regime geral do art. 483 e ss. CC.

27. E daqui decorre antes de mais que ao lesado caberá alegar e provar todos e cada um dos factos constitutivos da responsabilidade civil, não tendo cabimento a presunção de culpa assente no preceituado no art. 799°, n°l, do CC.

28. No caso em apreço não está provado que a (eventual) conduta ilícita dos RR tenha provocado um dano à sociedade ISG, aliás o seu passivo até diminuiu ao longo dos anos 2001 a 2005, a apresentação ou não de contas da sociedade à data da dissolução não surte qualquer efeito sobre o património social da ISG, pelo que consequentemente não pode ser causa para a incapacidade da sociedade solver as suas dívidas.

28. No caso em apreço não se verifica o preenchimento de todos os requisitos para a responsabilização dos sócios/liquidatários nos termos prescritos nos arts. 78 e 158 do CSC

29. O tribunal a quo fez errada interpretação dos factos e errada aplicação do direito (arts. 78 e 158 do CSC).

30. É facto provado que o crédito da Autora permaneceu após a dissolução e liquidação da sociedade ISG

31. A responsabilidade está a consagrada pelo art. 163.°: a responsabilidade dos antigos sócios, embora limitada pelo montante que receberam em partilha.

32. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora à custa dos bens que receberam.

A responsabilidade dos sócios para com os credores depende do preenchimento dos seguintes requisitos:

- Dívida social pré-existente à liquidação;

- Culpa ao indicar falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados;

- Partilha dos bens da sociedade extinta

33. O 3.° REQUISITO NEM SEQUER É ALEGADO PELA AUTORA, porém o tribunal a quo considerou que ", o acto de dissolução da ISG, sem declaração fiel sobre o passivo social existente, designadamente para com a autora, impossibilitou, de modo causalmente adequado, a satisfação de tal crédito, pois a sociedade em causa detinha, de acordo com as contas então existentes, ainda bens sociais (imobilizado corpóreo descrito a fls. 351 - "equipamento administrativo" - e valor de "depósitos bancários" e "caixa", tal como descritos a fls. 352) que, com a imediata e dupla declaração conducente à dissolução e liquidação social, não vieram a satisfazer o passivo existente.

34. E conclui dizendo: (...), pois, deverem os réus ser condenados a indemnizar o dano sofrido pela autora com a conduta levada a efeito que, como se viu, é geradora de responsabilidade civil.”

35. A responsabilidade dos sócios pelo passivo social não satisfeito ou acautelado depende de terem recebido na liquidação mais bens do que aqueles que podiam ter sido distribuídos aos sócios na liquidação e, como tal, tem como medida o montante que receberam na partilha.

36. Trata-se de um requisito insuprível de responsabilização dos sócios a demonstração de que os sócios beneficiaram pessoalmente de património social que deveria ter respondido pelo passivo social e foi antes, indevidamente, transferido para a titularidade dos sócios.

37. No caso em apreço, nada é alegado pela Autora, e as conclusões do tribunal a quo, não passam disso mesmo, de conclusões, sem premissas, já que

38. A menção que existiam bens sociais (fls 343) nada prova quanto ao recebimento por parte dos sócios, quanto à transferência para a titularidade dos sócios

39. O tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação do disposto no artigo 163.° do CSC.

40. Quando a presente acção deu entrada em juízo já a sociedade devedora se encontrava dissolvida, liquidada e extinta.

41. Essa extinção ocorreu por os sócios terem declarado, falsamente, que a sociedade não tinha dívidas, pois que segundo se apurou, era do conhecimento dos mesmos a existência da dívida em causa nos autos.

42. Dessa forma, por mera deliberação dos sócios, lograram obter a dissolução da sociedade, sem o recurso, como competia, ao processo de insolvência - art. 141° do C.S.C.”

43. Na referida acta os sócios declararam que não havia activo nem passivo e que, por isso, davam a sociedade por liquidada, o que leva a concluir que não houve uma verdadeira fase de liquidação.

44. Ainda que se entendesse que os réus foram também demandados na qualidade de liquidatários, o certo é que não houve no caso uma verdadeira fase de liquidação e, além do mais, o art. 158° exige ainda, para a responsabilização daqueles, a prova de que a partilha se efectivou, com a entrega dos bens da extinta sociedade aos antigos sócios.

45. Os Réus nada receberam da sociedade ISG, nem a ISG tinha bens partilháveis.

46. Não houve qualquer partilha e não está dado como provado que os sócios da ISG, réus, tivessem partilhado bens da sociedade.

47. A sentença recorrida, também, não deu como provada a existência de bens societários partilhados pelos réus.

48. E, também não está provado que existissem bens societários na data da dissolução da sociedade.

49. Caberia à Autora alegar e provar a existência de bens societários partilhados pelos Réus, o que não fez.

50. Não foi por causa da dissolução da sociedade ISG Lda que a Autora viu inviabilizada a cobrança dos seus créditos mas, sim, por a sociedade ISG não ter bens que permitissem à Autora cobrar os seus créditos.

51. Os sócios declaram na escritura dissolvem e liquidam a identificada sociedade, ISG Ld.ª a qual não tem qualquer activo ou passivo a partilhar, tendo as últimas contas sido aprovadas em trinta e um de Março de dois mil e cinco, e declararam ainda, que a sócia CITRONIC - SOCIEDADE PORTUGUESA DE EQUIPAMENTOS LDA, fica depositária dos livros e documentos da sociedade.

52. A declaração de que a sociedade não tem qualquer activo ou passivo a partilhar, é uma declaração res inter alios acta, não vinculativa para os credores sociais.

53. Os credores sociais não são prejudicados por essa declaração, pois não é por causa dessa declaração que ficam frustrados o recebimento dos seus créditos.

54. A sociedade ISG foi extinta por escritura pública, celebrada em 02-03-2006, sem que tenha havido uma verdadeira fase de liquidação, como se pode ver da matéria dada como provada n.° 34), 35), 36).

55. A responsabilidade dos sócios de sociedades (de responsabilidade limitada) extintas, não vai ao ponto de lhes exigir que suportem mais do que a sociedade suportaria caso não estivesse extinta,

56. Os sócios só podem suceder nas dívidas da sociedade se para eles tiverem sido transmitidos certos bens antes pertença do património social.

57. Não havendo sucessão, as relações em que a sociedade era sujeito extinguem-se, é que, de outro modo, seria posto em causa o princípio de que, nas sociedades por quotas, a responsabilidade ilimitada dos sócios se deve ter por excluída (art. 197°, n.°s 1 e 2, do C.S.C.) de que só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade

58. O Tribunal a quo, errou na aplicação do direito apesar de ter invocado o disposto no art. 163.° do CSC, faz do mesmo tábua rasa"l. Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha…".

Nestes termos e nos mais de direito (...) deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença, absolvendo os réus do pedido.

  9. O Réu CC finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

l. No caso em apreço é essencial a localização temporal dos factos por dois motivos:

i. Entre o facto gerador do crédito que a Autora se arroga e o momento em que ocorreu a "conduta ilícita dos Réus" decorrem 5 anos, sendo que ao longo desses anos os sócios da sociedade ISG (a devedora) não foram os mesmos.

ii. Condenou o tribunal a quo os RR como sócios e gerentes/liquidatários da sociedade devedora ao pagamento integral do crédito da Autora.

iii. No caso em apreço está em causa uma responsabilidade directa dos sócios nos termos e para os efeitos do art. 78 n.° I do CSC, que é uma responsabilidade de carácter delitual, não havendo presunção da culpa a que se refere o art. 72 do CSC (aliás o n,° 5 do art. 78 remete especificamente para as disposições dos ns 3 a 6 do art. 72, e não o n.° l do art. 72 do CSC) pelo que o ónus da prova desta responsabilidade segue a regra geral da responsabilidade extracontratual (art. 487 do Cód. Civil).

2. Considerou o tribunal a quo que a conduta dos RR aquando da celebração da escritura de dissolução é o facto gerador de responsabilidade - w {...), no que respeita à invocação do acto conducente à dissolução da sociedade ISG (…)."

3. Ora se o dano da Autora, consubstanciado na dívida não paga pela sociedade que os RR eram sócios, é um dos fundamentos da condenação dos RR é de toda a relevância a localização temporal dos factos.

4. Desta forma sintetizamos desde já a ocorrência dos factos:

i. 1998 - constituição sociedade ISG (doe. fls 26-29)

ii. Janeiro 2001 - Renúncia gerência sócia FF (doe. fls 26-29),

iii. Setembro 2001 - Emissão da facturação não paga (fls 97-08),

iv. 2002 - Venda das quotas na Equilogue pelos aqui RR AA e BB (doc. n.° 3 junto à pi),

v. 2003 - Propositura acção declarativa pela Equilogue contra a ISG (fls 97-08),

vi. 1/3/2004 - Condenação acção declarativa (fls 97-08),

vii. 31/3/2005 - Aprovação das ultimas contas ISG (doe. fls 26-29)

viii. Abril 2005 - Propositura acção executiva (fls 103-106),

ix. Julho 2005 - Transmissão quota da ISG ao CC (doc. fls 26-29),

x. Março 2006 - Escritura de dissolução ISG (doe. fls 26-29)

xi. Outubro 2006 - Despacho a mandar notificar sócios ISG para acção executiva (fls.103-106).

5. O tribunal fez errada determinação da matéria de facto, na verdade:

i. O tribunal deu como provado que "4) Da I.S.G., Lda., foi ainda sócia a interveniente Citronic - Sociedade Portuguesa de Equipamentos, Lda. (Citronic, Lda.), da qual os réus foram (também) os únicos sócios e gerentes(d) " mas deveria ter dado como provado que: " Da I.S.G., Lda., foi ainda sócia a interveniente Citronic - Sociedade Portuguesa de Equipamentos, Lda. (Citronic, Lda.), da qual os réus foram (também) os únicos sócios, até 31/5/2007, sendo que os Réus AA e BB também gerentes”.

- O meio de prova que impõe esta resposta é o documento junto aos autos a fls 31 e segs.

ii. O tribunal a quo deu como provado que" 51) A gerência da ISG, Lda, era exercida por todos os sócios (fls 26-29), mas deveria ter dado como provado que "A gerência da ISG, Lda, era exercida pelos sócios AA e BB.”

- O meio probatório que impõe esta resposta são os documentos juntos aos autos a fls. 26 a 29, 1478 e 1479.

- Depoimento de GG que se deixou transcrito a fls- 11 e 12 do presente articulado e que aqui se dá como reproduzido.

iii. O tribunal a quo não deu como provado que " O crédito da A. para com a sociedade ISG era respeitante a facturas dos anos 2000 a 2001”.

- Os meios de prova que impõem esta resposta documentos juntos à pi como doc. n.° 4 a 10, documento a fls 97-08 dos presentes autos, documento a fls- 103 a 106 dos presentes autos, os depoimentos das testemunhas DD e EE, que se deixaram transcritos, a fls- 13 e 14 do presente articulado e que aqui se dão como reproduzidos

iv. O tribunal a quo não deu como provado que " O Réu CC adquiriu a sua quota na sociedade ISG em 4 de Julho de 2005”

- O meio de prova que impõe esta resposta é o documento a fls.26-29 dos presentes autos (Averbamento 4, Ap. 36/2005.07.04)

v. O tribunal a quo deu como não provado" u) E desconhece este réu a existência da acção declarativa mencionada em 9) e 10) supra (34) " e deveria ter dado como provado que "O Réu CC, pelo menos à data da escritura de dissolução, ou seja em 2 de Março de 2006, desconhecia a existência da acção declarativa que condenou a sociedade ISG a pagar à Autora o crédito que esta se arrogava”.

- Os meios de prova que impõem esta resposta são os documentos a fls- 26 a 29, a fls. 97-08 e 1126 (a contrario sensu) dos presentes autos.

vi. O tribunal a quo deu como não provado que "v) Soube, posteriormente da acção executiva n° 20218/05.9 …, mas já numa altura tardia, em Setembro de 2007 (35)"e devia ter dado como provado que" O Réu CC soube, posteriormente da acção executiva n° 20218/05.9 …, mas já numa altura tardia, pelo menos após 12 de Outubro de 2006”.

- O meio de prova que impõe esta resposta é o documento a fls-103 a 106.

vii. O tribunal deu como não provado que "z) E que, aquando da escritura de dissolução o informaram que a ISG era uma sociedade sem actividade, sem qualquer tipo de património e sem qualquer dívida a qualquer entidade externa (38)." E devia dar como provado que "Aquando da escritura de dissolução, a ISG era uma sociedade sem actividade e sem rendimentos”

- Os meios de prova que impõem esta resposta são: o documento a fls- 341 a 350 dos presentes autos, os factos que deu como provados em 20) e 21), 46) a 49) o depoimento da testemunha DD que se deixou transcrito a fls- 17 e 18 do presente articulado e que aqui se dá como reproduzido

viii. O tribunal a quo deu como provado que "37) Quando proferiram a declaração de 31) os réus AA e BB já sabiam do teor da sentença condenatória mencionada em 9), ou seja de que o crédito da A. havia sido reconhecido, conhecendo o R. CC a existência deste crédito (5)." E devia ter dado como provado que "Quando proferiram a declaração de 31) os réus AA e BB já sabiam do teor da sentença condenatória mencionada em 9), ou seja de que o crédito da A. havia sido reconhecido”.

Os meios de prova que impõem esta resposta são o documento a fls- 1125, a fls. 26 a 29, 103 a 106 e os depoimentos das testemunhas DD e EE (ambos a contrario sensu), que se deixaram transcritos a fls- 19 a 22 do presente articulado e que aqui se dão como reproduzidos.

ix. O tribunal a quo deu como provado que "38) Com essa actuação os réus impossibilitaram a autora de ver ressarcido o seu crédito reconhecido na acção declarativa e objecto da acção executiva (8)." e devia ter dado como não provado.

- Os meios de prova que impõem esta resposta são os depoimentos das testemunhas DD e EE (ambos a contrario sensu), que se deixaram transcritos a fls- 25 a 27 do presente articulado e que aqui se dão como reproduzidos

x. O tribunal a quo deu como provado que "42) Os réus, ao fazerem aquela declaração de 31) e ao não apresentaram a ISG à insolvência, fizeram-no de forma consciente e deliberada, sabendo que esse comportamento prejudicava os créditos da autora "e devia ter dado como não provado quanto ao Réu CC.

- Os meios de prova que impõem essa resposta testemunhas DD e EE (ambos a contrario sensu), que se deixaram transcritos a fls- 27 a 30 do presente articulado e que aqui se dão como reproduzidos

xi. O tribunal a quo deu como provado que " 50) No balanço da ISG, Lda de 31.12.2005 consta no activo a seguinte menção: "Imobilizações corpóreas: (...) Equipamento administrativo AB € 8.575,71 (...); Depósitos bancários e caixa: Depósitos bancários AB € 431,05 (...) Caixa AB € 136,41 (...) ( fls 351 e 352)".e devia ter dado como provado que "No balanço da ISG, Ld'1 de 31.12.2005 consta no activo a seguinte menção: "Imobilizações corpóreas: (...) Equipamento administrativo AL €96,78(...); Depósitos bancários e caixa: Depósitos bancários AL € 431,05 (...) Caixa AL € 136,41 (...)" ( fls 343)”

- Os meios de prova que impõem esta resposta são os documentos juntos a fls. 343,351 e 352 dos presentes autos.

6. Alicerçou o tribunal a quo a responsabilidade dos RR no disposto no art. 78 do CSC, considerando que "o acto conducente à dissolução da sociedade ISG” configura uma conduta ilícita violadora de disposições que se destinam a proteger os credores sociais.

7. Enunciou da seguinte forma o preenchimento dos requisitos da responsabilidade:

i. Conduta ilícita: ao "apresentarem-se" em 2/3/2006 sem qualquer documento comprovativo  das  contas da sociedade,  declarando que" a ISG não tinha qualquer activo ou passivo tendo as ultimas contas aprovadas em 31/3/2005",indicaram falsamente que os direitos dos credores estavam satisfeitos ou acautelados, violando assim as disposições dos arts. 154, 158, 149, 152 e 70, todos do CSC, executando uma dissolução sem critérios objectivos;

ii. Resultado danoso: à data da dissolução o património social - activo liquido disponível - era insuficiente para a (integral) satisfação dos créditos da Autora;

iii. Nexo de causalidade: sem a declaração fiel do passivo existente impossibilitou a satisfação de tal crédito, pois a sociedade tinha bens sociais que não vieram satisfazer o passivo existente.

8. Concluindo o tribunal a quo pela responsabilização pessoal dos RR pelo pagamento integral do dano da autora que se consubstancia no valor total do crédito que detinha para com a sociedade ISG.

9. O tribunal a quo fez má interpretação do artigo 78 do CSC, a responsabilidade perante credores e outros terceiros (sócios, trabalhadores, clientes) era, foi e será sempre uma responsabilidade condicionada, requerendo factores especiais.

10. O objecto da previsão do artigo 78.° é o modo como o gerente ou administrador gere ou administra a sociedade, mas a sua responsabilidade surge quando, por na sua administração não ter observado alguma disposição legal ou contratual destinada à protecção dos credores, a sua actuação tem como consequência que o património social se tenha tornado insuficiente para satisfazer os respectivos créditos.

11. Ora nada disso se ajusta à situação dos autos. Nesta não está em causa a actuação do gerente no exercício da administração da sociedade, está em causa a decisão dos sócios de dissolver a sociedade e de operar a sua extinção sem liquidação com a alegação falsa da inexistência de passivo.

12. Mas mesmo que se considere que os RR violaram as disposições elencadas pelo tribunal a quo, a sua conduta não tem qualquer influência sobre a solvabilidade da sociedade ISG nem sobre o pagamento ou não pagamento do crédito da A.

13. A conduta dos RR - apresentarem-se sem qualquer documento de prestação de contas à data da dissolução - não causou qualquer dano para com a sociedade no sentido de diminuição do seu património social ao ponto de este se revelar insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

i. O valor do passivo da sociedade ISG diminuiu ao longo dos anos 2001 a 2005.

ii. A solvabilidade da ISG era precária aquando da emissão da facturação originadora do crédito da A. (2001).

iii. Que danos para a sociedade ISG ocorreram pela omissão dos RR?

14. A responsabilidade só surge se da prática ou omissão dos administradores/gerentes tivesse advindo danos que atingissem o património social da sociedade, no sentido do património social se ter tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos; tem de haver um dano patrimonial para a sociedade - facto do qual não há qualquer alegação nos autos ou comprovação.

15. Não está alegado que existisse património social e este se tivesse tornado insuficiente para satisfazer os créditos da sociedade, ainda que obviamente a menção de que a liquidação da sociedade foi feita com a declaração dos sócios de não existir passivo a satisfazer nem activo a repartir entre eles tenha implícita a afirmação da inexistência de activos da sociedade que possam responder pelo crédito da autora.

16. Até podemos admitir que ao declararem falsamente que inexistia activo social os sócios tenham violado as disposições legais que regem a forma de operar a liquidação das sociedade e que compreendem designadamente o dever de acautelar o passivo social, as quais podem e devem ser vistas como normas de protecção.

17. Só que para fazer actuar a responsabilidade do artigo 78.° era necessário mais, era necessário estabelecer uma relação de causa-efeito entre a actuação ilícita e a situação de insuficiência do património, a qual não decorre daquela decisão e declaração dos sócios porque essa insuficiência era preexistente.

18. No campo de aplicação do artigo 483.° do Código Civil e atento o caso, para se poder afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a decisão dos sócios de dissolverem a sociedade e a declararem de imediato liquidada por ausência de passivo ou activo e a impossibilidade da autora obter a satisfação do seu direito de crédito, era indispensável que estivesse demonstrado que antes da deliberação dos sócios a sociedade tinha com que satisfazer o crédito dos autores e que essa situação apenas se alterou por causa, em virtude, como consequência adequada desse comportamento dos sócios violador das normas de protecção.

O que não aconteceu.

Disse o tribunal a quo:

 "Qual era a situação patrimonial e contabilística da ISG?

Em 2001, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 7.446,04 (cfr. fls. 569 dos autos);

Em 2002, a ISG teve um resultado líquido positivo de € 2.749,62 (cfr. fls. 507 dos autos);

Em 2003, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 4.734,00 (cfr. fls. 445 dos autos);

Em 2004, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 58,30 (cfr. fls. 388 dos autos); e

Em 2005, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 2.805,68 (cfr. fls. 569 dos autos).

E relativamente a relação entre passivo e activo?

Em 2001, a ISG tinha um activo de € 57.809,70 e um passivo de € 149.995,32 (cfr. fls. 570);

Em 2002, a ISG tinha um activo de € 43.991,92 e um passivo de € 133.427,87 (cfr. fls. 508);

Em 2003, a ISG tinha um activo de € 14.831,77 e um passivo de € 109.001,72 (cfr. fls. 446).

Em 2004, a ISG tinha um activo de € 13.221,98 e um passivo de € 107.450,23 (cfr. fls. 389); e

Em 2005, a ISG tinha um activo de € 5.118,43 e um passivo de € 102.152,36 (cfr. fls. 343).

ii. Facilmente se verifica que o passivo foi diminuindo dos anos 2001 a 2005, os resultados negativos também, pelo que a situação económica da sociedade ISG foi melhorando ao longo dos anos 2001 a 2005.

19. Se antes da actuação dos sócios, a sociedade já não tinha activos - bens ou crédito - que permitissem satisfazer o direito de crédito da autora, não se poderá considerar que a deliberação dos sócios fosse adequada a provocar os danos sofridos pela autora.

20. Considerou ainda o tribunal a quo a responsabilização pelo passivo da sociedade nos termos do disposto no artigo 158.° do Código das Sociedades Comerciais: aplicando aos autos esta norma por analogia, pois equipara a manipulação e falsificação de documentos com a simples não apresentação de qualquer documentação.

21. Em qualquer das situações - responsabilização sócios/liquidatários - estamos perante uma forma de responsabilidade delitual, já que entre os administradores e os credores sociais inexistem quaisquer vínculos específicos, que pudessem fundamentar uma responsabilidade de tipo obrigacional. Nessa medida, tratando-se de responsabilidade extracontratual, o regime legal aplicável terá de considerar igualmente o que resulta do regime geral do art. 483 e ss. CC.

22. E daqui decorre antes de mais que ao lesado caberá alegar e provar todos e cada um dos factos constitutivos da responsabilidade civil, não tendo cabimento a presunção de culpa assente no preceituado no art. 799°, n°l, do CC.

23. No caso em apreço não está provado que a (eventual) conduta ilícita dos RR tenha provocado um dano à sociedade ISG, aliás o seu passivo até diminuiu ao longo dos anos 2001 a 2005, a apresentação ou não de contas da sociedade à data da dissolução não surte qualquer efeito sobre o património social da ISG, pelo que, consequentemente, não pode ser causa para a incapacidade da sociedade solver as suas dívidas.

24. No caso em apreço não se verifica o preenchimento de todos os requisitos para a responsabilização dos sócios/liquidatários nos termos prescritos nos arts. 78 e 158 do CSC.

25. O tribunal a quo fez errada interpretação dos factos e errada aplicação do direito (arts. 78 e 158 do CSC).

Acresce que

26. É facto provado que o crédito da Autora permaneceu após a dissolução e liquidação da sociedade ISG.

27. A responsabilidade está a consagrada pelo art. 163.°: a responsabilidade dos antigos sócios, embora limitada pelo montante que receberam em partilha.

28. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora à custa dos bens que receberam.

29. A responsabilidade dos sócios para com os credores depende do preenchimento dos seguintes requisitos:

i. Dívida social pré-existente à liquidação

ii. Culpa ao indicar falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados

iii. Partilha dos bens da sociedade extinta

Estes são os requisitos que constituem a causa de pedir da respectiva acção

30. No caso presente o 1.° requisito está preenchido, no entanto, quanto ao 2.° requisito relativamente ao recorrente, atento

i. O seu desconhecimento do crédito da autora à data da dissolução (vide fls 17 a 24 e 56 a 61 do presente articulado),

ii. A sua não gerência na sociedade ISG (art. 252 CSC), a sua actuação não poderá ser considerada dolosa.

31. No entanto, sempre se diga que este desconhecimento não exime de responsabilidade atento o disposto no art. 997 CC.

32. Quanto ao 3.° requisito o mesmo nem sequer é alegado pela Autora, porém

33. O tribunal a quo considerou que o acto de dissolução da ISG. sem declaração fiel sobre o passivo social existente, designadamente para com a autora, impossibilitou, de modo causalmente adequado, a satisfação de tal crédito, pois a sociedade em causa detinha, de acordo com as contas então existentes, ainda bens sociais (imobilizado corpóreo descrito a fls. 351 - "equipamento administrativo" - e valor de "depósitos bancários" e "caixa", tal como descritos a fls. 352) que, com a imediata e dupla declaração conducente à dissolução e liquidação social, não vieram a satisfazer o passivo existente.

E conclui dizendo: (...), pois, deverem os réus ser condenados a indemnizar o dano sofrido pela autora com a conduta levada a efeito que, como se viu, é geradora de responsabilidade civil.”

34. A responsabilidade dos sócios pelo passivo social não satisfeito ou acautelado depende de terem recebido na liquidação mais bens do que aqueles que podiam ter sido distribuídos aos sócios na liquidação e, como tal, tem como medida o montante que receberam na partilha.

35. Trata-se de um requisito insuprível de responsabilização dos sócios a demonstração de que os sócios beneficiaram pessoalmente de património social que deveria ter respondido pelo passivo social e foi antes, indevidamente, transferido para a titularidade dos sócios.

36. No caso em apreço nada é alegado pela Autora, e as conclusões do tribunal a quo, não passam disso mesmo, de conclusões, sem premissas, já que

37. A menção que existiam bens sociais (fls 343) nada prova quanto ao recebimento por parte dos sócios, quanto à transferência da titularidade dos bens da ISG para a titularidade dos sócios, aliás

38. Pela documentação junta o activo da ISG existente em 31/12/2005 totalizava o valor de 664,24€ (fls 343,351,352) (balanço da ISG, Lda de 31.12.2005 consta no activo a seguinte menção:

"Imobilizações corpóreas: (...) Equipamento administrativo AL €96,78 (...); Depósitos bancários e caixa: Depósitos bancários AL € 431,05 (...) Caixa AL € 136,41 (...)" (fls 343)”

39. O tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação do disposto no artigo 163 do CSC

De igual modo

40. O tribunal fez ainda errada interpretação e aplicação do disposto no art. 297 do CPC ao fixar o valor da causa em "€ 96.590,03.”

Atendendo que o crédito da Autora é de 53765,44 Euros, acrescido de juros à taxa legal de 4%, desde a citação dos RR (22/5/2009), só se poderá considerar os juros vencidos, pelo que à data da sentença (21/12/2017) os juros contabilizam-se em 18471,74 Euros (dezoito mil quatrocentos e setenta e um euros e setenta e quatro cêntimos),

41. Consequentemente o valor da causa não poderá ser fixado em valor superior a 72.237,18 Euros (setenta e dois mil duzentos e trinta e sete euros e dezoito cêntimos).

Nestes termos do mais douto suprimento deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente

— Alteração da matéria de facto dada como provada e não provada

— Revogação da douta sentença, absolvendo-se o Recorrente CC de pagar à A. qualquer montante relativo ou resultado do crédito que era detentora da sociedade ISG

— Mais se requer a fixação do valor da causa em valor nunca superior a 72.237,18 Euros (setenta e dois mil duzentos e trinta e sete euros e dezoito cêntimos)

Assim se fazendo JUSTIÇA!

 10. A Autora apresentou contra alegações pugnando pela improcedência dos recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.

  11. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedentes os recursos, revogou a sentença recorrida e, em consequência, absolveu os Réus do pedido.

  12. Inconformada, a Autora Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Lda., interpôs recurso de revista.

  13. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.ª Sumariando o contexto da demanda objeto do recurso, o thema decidendum nesta sede limitado à vertente substantiva, desenrola-se adentro de uma ação proposta por uma sociedade credora, a recorrente, contra os réus, ex-sócios e gerentes de uma sociedade comercial designada ISG Informática e Soluções Globais, Lda (a primitiva devedora).

2.ª Desta sociedade aqueles réus/gerentes delapidaram todo o capital financeiro para uma outra sua sociedade comercial, designada CITRONIC Sociedade Portuguesa de Equipamentos, Lda, da qual era também e ainda sócia da ISG, nos anos de 2003 e 2004.

3.ª De ambas os réus eram os mesmos e únicos sócios e gerentes.

4.ª Estas duas sociedades conviviam e partilhavam as sedes nas mesmas instalações.

5.ª Seguidamente (i.e. após os pagamentos daquela, àquela sua outra sociedade) e conscientes do crédito da autora que se reportava ao ano de 2001, direito entretanto confirmado por sentença de 01.03.2004, em processo que correu sem contestação.

6.ª Os réus por escritura pública de 02.03.2006 promoveram a dissolução e extinção da ISG, declararam falsamente (como atestado por sentença criminal) que a sociedade devedora nada tinha de ativo ou passivo a partilhar, não apresentaram no ato notarial nenhum, um único documento.

7.ª E declararam que seria a sociedade CITRONIC que ficaria depositária dos documentos e livros da sociedade ISG.

8.ª Quanto a esta sua outra sociedade, a CITRONIC, os réus cederam as quotas e renunciaram à gerência, a que se seguiu a declaração de insolvência desta e, no que toca ao alegado depósito dos documentos, veio o respetivo administrador de insolvência informar que não se encontrava nenhum na posse da CITRONIC (requerimento de 06.02.2015 – ref.ª 187…973). E também por aqui tudo se esfumou.

9.ª Os Meritíssimos Juízes a quo, em sentido oposto ao logo percecionado pela primeira instância, consideraram que apesar de tudo do comportamento dos réus não resultou demonstrado o nexo de causalidade enquanto pressuposto da correspondente responsabilidade, nem dano causado, pois que, que não terá sido em função daquela dissolução e das falsas declarações e omissões aquando da assinatura da escritura de dissolução e extinção, que decorrera a insuficiência de património social da sociedade devedora e, consequentemente, a impossibilidade da recorrente recuperar o seu crédito, pelo que, remataram com a revogação da douta sentença e com a absolvição dos ora recorridos, até porque, na esteira de uma aceção formalista, literal e formal, não se demonstrou que aqueles hajam recebido algo da partilha.

10.ª Face à matéria provada e não provada e no confronto com o sentido justo e bem percecionado pela douta sentença proferido em 1.ª instância, creia-se que a recorrente não pode deixar de manifestar a sua sentida e total estupefação, desde logo e no interesse de terceiros, pelo caminho que a solução ao caso desbrava às dissoluções enganosas, quando, como de resto vai assinalando a doutrina e a jurisprudência, o mercado, o comércio e a economia em geral, permanentemente reclamam a persistente reconfirmação e relembrança da cogência dos princípios faróis, basilares e estruturantes da sua existência, a confiança, a seriedade, a probidade, a honestidade e boa-fé e o respeito entre os seus agentes:

11.ª Salvo o devido respeito, tudo deve ser, tem de ser e só pode ser, com grito da recorrente, assegurado sob a égide, a supervisão e a robustez na aplicação do direito. O que afinal a douta decisão aparenta desatender.

12.ª No ano de 2020, ainda vai fazendo escola (perigosa) a conduta dos recorridos, começa por dar-se descaminho ao património da sociedade, deixa-se apurar em lume brando, decorrido algum tempo dissolve-se e extingue-se a pessoa coletiva sob falsas declarações de nada ter como ativo e passivo e que nada há a partilhar (no caso falsas declarações em que os réus foram criminalmente condenados e que estes afinal até com descaro e grado acabam por assumir nos seus requerimentos de recurso),tudo se caldeia com o desaparecimento dos documentos contabilísticos que poderiam exibir coisa diversa e dá-se á prova da contraparte!

13.ª No processo que acompanhamos os documentos, a contabilidade da sociedade dos devedores representada pelos réus foram alegadamente “guardados” numa outra empresa dos recorridos, a designada CITRONICA, Lda [vide 26, 29 e 32 dos factos provados] e às sucessivas insistências para a apresentação dos documentos, e.g. destacam-se requerimentos de 24.01.2011 - ref.ª 629…8; requerimento de 26.01.2011 - ref.ª 63…66; requerimento em ata de julgamento de 21.11.2014 e requerimento de 05.02.2015 - ref.ª 18…73, que nunca lograram êxito.

14.ª Os réus alegaram como impossibilidade, expectando a ingénua aceitação do interlocutor, uma insolvência daquela sua segunda empresa entretanto declarada insolvente, de que o seu administrador de insolvência declarou nada ter em seu pode e por fim, serve-se a extinção para deixar a prova à contraparte. Veda-se a justiça, premeia-se a fraude.

15.ª Com superlativo e superior respeito, a recorrente humildemente sustenta que ao contrário do caminho seguido pelo acórdão recorrido, a matéria deve ser apreciada sob a análise e apreciação de diferentes vias de responsabilização, na primeira etapa, os réus atuaram como gerentes da sociedade devedora ISG e enquanto isso, sem poder esquecer-se, eram também eram gerentes (e sócios) de outra, a designada CITRONIC, cócia da devedora ISG. (factos provados em 2 a 4 e 51) E,

16.ª No ano de 2001, a recorrente prestou serviços à ISG no valor correspondente, faturado e aceite de € 53 765,55 (art.º 27 e 28.º da PI).

17.ª Uma vez que os réus decidiram não honrar voluntariamente o crédito, restou à credora recorrer às vias judiciais e, por sentença judicial de 01.03.2004, como se disse, em demanda que decorreu sem contestação, i.e. por assumida confissão, a devedora relapsa ISG foi condenada a pagar à recorrente o capital peticionado acrescido de juros contados desde 30.01.2003. (factos provados em 9 e documento 10 junto com a PI).

18.ª A sociedade ISG representada pelos réus embora confessando os factos, insistiu nada regularizar, nem por efeito daquela sentença e deixou o assunto seguir para execução, salienta-se pela sua relevância ao caso, que nos reportamos a serviços e créditos devidos à recorrente desde o ano de 2001.

19.ª Ao invés e enquanto desflorava a execução, decidiram os réus, igualmente por ato voluntário e intencional e como gerentes da devedora, entregar à sua outra sociedade de que eram sócios e gerentes, a CITRONIC, valores por faturas (ainda que eventualmente correspondendo a reais serviços, o que por falta de documentação não se apurou), no valor de € 97 296,26 e € 89 646,37, nos anos de 2003 e 2004, num total de € 186 942.63 (factos provados em 52 e 43).

20.ª Mais, à data, anos de 2003 e 2004, já a situação patrimonial da sociedade devedora evidenciava:

c) Um ativo de € 14 831,77 para fazer face a um passivo de € 109 001,72

d) Um ativo de € 13 221,98 para fazer face a um passivo de € 107 450,23. (factos provados em 49)

21.ª Situação que se agravou, uma vez que no ano de 2005 a ISG detinha um ativo de € 5 118,43 para fazer face a um passivo de € 102 152,23 (factos provados em 49).

22.ª Atendendo a este contexto, rege o n.º 1 do art.º 78.º do Código das Sociedades Comerciais, sob a epígrafe “Responsabilidade para com os credores sociais”:

(…) 1 - Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.(…)

23.ª Será então de convocar as normas e/ou princípios gerais e legais pertinentes ao caso violados e determinados em função da proteção dos credores, a boa-fé, o abuso do direito (fontes primitivas da receção em Portugal da figura do levantamento da personalidade coletiva, nas palavras do saudoso António Ferrer Correia in “Sociedades Fictícias e Unipessoais”), cimentados pela frustração da legitima confiança e do princípio da par conditio creditorum, i.e. o princípio do tratamento igualitário de credores e de cuja liberdade de tratamento está limitada pela desconsideração dos direitos de terceiros, pela boa-fé, pelo bom uso do direito, pela fraude á lei, a menos que sopeado por qualquer razão, justificação ou fundamento legal para tomar decisões em sentido diverso, o que os réus de algum modo sequer alegaram.

24.ª Porque assim é, a realidade com que nos confrontamos e que pede judiciosa resposta, é que os réus conscientemente optaram por desprezar o crédito da recorrente e transferir valores que ascenderam a quantia de € 186 942,63 em benefício da sua outra sociedade também por si representada, a Citronic.

25.ª Sem olvidar ainda que o fizeram por relação com créditos desta sua empresa criados posteriormente ao saldo da recorrente ou seja, com menor maturidade, ou seja, num privilégio em benefício próprio, imotivado, censurável e injustificado.

26.ª E, como ostentam os factos provados em 48) a 50), o seu comportamento ocorre já num histórico de decadência, de modo a que o património social se tornasse insuficiente para a satisfação dos restantes créditos ou do seu passivo e por conseguinte de forma culposa e causalmente adequada a atingir diretamente a legitimas expetativas da recorrente em aspirar a recuperar o seu crédito.

27.ª Há dúvida que poderia cogitar-se, no sentido de tentar perceber o motivo pelo qual os réus agiram de modo direcionado em prejuízo da recorrente, a resposta advém-nos dos factos provados em 5) e 6). Os réus foram sócios da autora e com a sua saída da sociedade intencionalmente entenderam nada pagar, prejudicando-a e atingindo-a no seu âmago.

28.ª Na confluência dos factos e do direito, parece que efetivamente deveria antes sobrepor-se a derrogação da autonomia patrimonial e subjetiva em relação aos gerentes réus, pela conduta voluntária, ilícita, culposa e que causalmente provocou o dano sofrido pela recorrente no valor dos seus créditos.

29.ª Por diferente sentido decisório, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 78.º n.º 1 do Cód. das Soc. Comerciais e 483.º n.º 1, 334.º e 762.º n.º 2 do Código Civil.

30.ª Prossigamos agora para o segundo dos momentos, aquele em que os réus, além de gerentes, operaram também como sócios e liquidatários da sociedade devedora, no que se integrará nesta parte a específica reação às razões expendidas no douto acórdão recorrido uma vez que, salvo o devido e superior respeito por diferente e sempre melhor opinião, aquela decisão não evidencia ter perscrutado a lide cindindo, com o destaque que reclamava, a isolada atuação dos gerentes, o que anteriormente se visou alcançar.

31.ª Importará portanto agora e seguidamente a subsunção e exame dos factos praticados pelas mesmas personagens nesta sua diferente qualidade (gerentes) mas sócios e liquidatários e o regímen previsto nas disposições insertas no art.º 78.º e 146.º e seguintes do Cód. das Soc. Comerciais.

32.ª Neste âmago, sempre com a vénia devida, no modesto entendimento da recorrente e em rigorosa leitura da substância dos factos, a análise não poderá quedar-se simplesmente, à substância decisória do aresto em reapreciação, de forma redutora.

33.ª O punctum saliens e ressalva-se a traço grosso, vem a montante, importa concatenar e avaliar a conduta dos réus na diacronia dos acontecimentos, tudo se inicia com a prestação de serviços da recorrente em beneficio da sociedade dos réus e por via dos quais origina-se lidimamente a constituição de um crédito que, de boa-fé e com confiança (factos provado em 8 “Entre a autora e a I.S.G., Lda. existia uma relação de confiança” a recorrente perspetivava receber no ano de 2001.

34. ª Confrontada com o não pagamento (não nos esqueçamos que os réus foram sócios da autora/recorrente até 2002 facto provado em 5 e 6), aqueles acabam por impor à recorrente a necessidade de promover uma ação em juízo com vista à cobrança, que não é contestada e por conseguinte, assumidamente confessada dá azo à prolação de uma sentença em 01.03.2004.

35.ª A sentença é de novo menorizada pelos réus que, a latere, nos anos de 2003 e 2004, envidam esforços para ceifar o património financeiro da sociedade devedora e entregar valores a uma outra sua sociedade (e sócia da devedora) e dissolver e liquidar a sociedade agora sociedade khamikase.

36.ª Quanto a esta os réus enveredaram por uma escritura de dissolução e extinção, com falsas declarações, desacompanhadas de quaisquer documentos e persistente ocultação de documentos, contanto que nunca se predispuseram a apresentá-los nos autos mau grado os sucessivos requerimentos da recorrente - requerimentos de 24.01.2011 - ref.ª 6297818; requerimento de 26.01.2011 - ref.ª 632…66; requerimento em ata de julgamento de 21.11.2014 e requerimento de 05.02.2015 - ref.ª 187…73, que nunca lograram êxito.

37.ª Acervo documental que poderia levar à identificação de património da sociedade ou quicá, detetar outros comportamentos desviantes e comprometedores.

38.ª Neste enquadramento e retornando à douta decisão recorrida e em sua reposta, tem-se por evidente que não foi, nem pela ordem natural das coisas poderia ser, em consequência das falsas declarações dos réus que submergiu o património e a sua insuficiência, calor está, pois se este foi subtraído anteriormente para uma outra sua sociedade!

39.ª O que acaba por responder a uma das asserções inscritas na douta decisão recorrida, pág. 45 - 1.º parágrafo:

“Não se aplicam os requisitos exigidos pelo disposto no art.º 78.º do CSC, pois, para tanto, era necessário que tivesse ficado demonstrado que, antes da declaração que levou à dissolução da sociedade, esta tinha património para garantir o pagamento do crédito à autora e que esse património ficou diminuído em consequência do comportamento dos sócios violador das normas de proteção de credores”. Cujo parágrafo deveria antes, devidamente corrigido, terminar nos seguintes termos, “… o que sucede no caso concreto”.

40.ª Mais, pelas exatas mesmas razões ou pelos comportamentos mancomunados dos réus, é claro que não poderia a recorrente comprovar haver património à data da dissolução.

Pois se tudo isso consistiu precisamente no consabido ardil, acompanhado do desaparecimento dos documentos!

41.ª Francamente que não se nos tolde o óbvio discernimento, o ponto que com o devido respeito parece ressaltar como evidente, a realidade palmar e inquestionável, é que a esperteza do procedimento consistiu na distribuição “a partilha” do património em momento precedente e, mais grave, quando a empresas já apresentava défices incomportáveis (factos provados em 48 a 50).

42.ª E se o desvio antecipado do capital e as falsas declarações são só por si reveladoras do ânimo dos réus e que não pode deixar de revelar, o que devemos retirar e ter como consequente da conduta consistente da subtração dos documentos, é então que á recorrente competia demonstrar a existência do crédito, o que fez, competindo aos réus a alegação e prova da inexistência de que nada receberam pela liquidação da sociedade, facto impeditivos demonstrar pelos liquidatários, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2 do Cód. Civil.

43.ª Ou até, sem carência e amparo ou necessidade de lançar mão do art.º 344 n.º 2 do Cód. Civil, logo conferir ao liquidatário como sucessor da sociedade dissolvida o ónus de alegação e prova de que não recebeu bens em partilha da dissolvida sociedade.

44.ª Alinhados com a melhor interpretação da lei fundamental, art.º 62.º n.º 1.

45.ª Donde, ademais na concreta situação em juízo, a melhor e a única interpretação que face à lei, à constituição e à tutela constitucional do direito do credor à recuperação do seu crédito deve recolher-se é que em caso de inadimplência, é de sufragar que a eventual alegação da ausência de bens partilhados representa um facto impeditivo do direito do credor, que compete aos liquidatários alegar e provar.

46.ª Diferente raciocínio, subscrevendo que aos sócios/liquidatários bastará descomprometida, irresponsavelmente e falsamente, no caso dolosamente em prejuízo de terceiros, invocar a não existência e partilha de ativo fundada em singelas declarações em ata ou escritura, encobertos pela desaparição de documentos, mostrar-se-á gravemente danosa da proteção dos interesses dos credores, da Constituição da República Portuguesa e ainda, atentatória da certeza e segurança do comércio de que depende a sociedade em geral.

47.ª Não nos escapa a vexata questio que rodeia a temática, mas com enlevo no caso específico, face ao comportamento dos réus e a casuística do caso concreto, dúvidas não podem subsistir.

48.ª Impõe-se na substância e em sufrágio sufragar, que as forjadas e falsas declarações de inexistência de ativo ou passivo a partilhar, desacompanhadas dos documentos formalmente indispensáveis ao ato e revestidas ainda da ocultação de documentos e informações que, com maior ou menor rigor concedam algum elemento, ainda que discutível, mas sindicável, acarretará, pelo menos no caso concreto, que a alegação e prova da não existência de bens para fazer face ao cumprimento da dívida e sua partilha antecipada competia aos réus, no que não lograram êxito (nem poderiam lograr).

Factos não provados em r) que se reescreve:

“ Não se efetivou qualquer partilha porque a sociedade ISG, Lda. não era, à data da dissolução, nem nos anos anteriores, titular de quaisquer bens ou saldos bancários que pudessem distribuídos pelos sócios ”

49.ª De todo o exposto, a douta decisão revidenda subavaliou no caso concreto a conduta dos réus e fez errada interpretação e aplicação do direito ao não concluir pela condenação de harmonia com o disposto nos artigos os artigos 70.º, 78.º n.º 1, 149.º, 152.º, 154.º, 158.º e 163.º do Código das Soc. Comerciais.

50.ª Ainda de uma outra perspetiva: Da responsabilidade dos réus pelos danos causados pela fuga concertada do dever de apresentação à insolvência:

51.ª Conscientes que nos anos de 2003 e 2004 os réus enquanto gerentes da devedora ISG, entregaram, a seu bel -prazer à sua outra sociedade, a CITRONIC a quantia de € 186 942,63. (factos provados em 43 e 52), quando sabiam deter um crédito por solver junto da recorrente, desde o ano de 2001, de € 53 765,55.

52.ª Que esta CITRONIC era igualmente sócia da ISG. (facto provado em 4)

53.ª Que precisamente neste ano de 2003 e seguintes, a sociedade devedora passou a ter resultados líquidos negativos e passivos muito superiores aos ativos, conforme melhor apontados nos factos provados em 48 e 49 e, no que também releva, que no pretérito já poderiam ter honrado o cumprimento da dívida da recorrente o que não quiseram fazer (porque ex-sócios da recorrente – facto provado em 5)

54.ª E que assim sendo e por tal causa, tudo acontecia e sucedeu a despeito e à revelia e diretamente com vista à fuga do cumprimento do direito de crédito da recorrente, num valor de € 53 765,55 desde o ano 2001. (assente em 9 e de conforme Doc. 10 junto com a PI.)

55.ª Neste contexto, atendendo à antiguidade do crédito da recorrente, ao seu valor, à ação judicial não contestada pelos réus e, à patenteada situação financeira e patrimonial da empresa representada e pertença dos réus.

56.ª Não podem convalescer ou suscitar-se dúvidas que, no ano de 2003, bem conhecendo os réus o crédito da recorrente, desde o ano de 2001, deixando-o em relaxe e ao invés, almejando e decidindo os réus entregar “avultadas quantias” (acórdão recorrido pág.45) à sua outra sociedade CITRONIC, que também era sócia da ISG, a ser assim, como foi, então a ISG já se encontrava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas, decaindo necessariamente na previsão inscrita no art.º 3.º n.º 1 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas “CIRE”, como de resto veio a constatar-se.

57.ª O que os réus não podiam ignorar, obviamente sabiam, aliás provocaram.

58ª Perante tal enquadramento, optando por deglutir todo o capital financeiro através da também sua representada CITRONIC, sócia da ISG, é certo que esta decairia inapelavelmente numa situação de insolvência, como se depreende.

59.ª Porque Nos termos do disposto no art.º 78.º n.º 1 do Cód. das Soc. Comerciais “Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.” e de entre as normas legais de proteção dos credores (entre outros), avistam-se os artigos 18.º e 19.º do CIRE, o dever de apresentação à insolvência.

60.ª Os réus nos anos da decadência, 2003 e 2004, provocada ademais pela opção de entregar à sócia da sociedade devedora a CITRONIC a quantia de € 186 942,63, diminuindo o seu património ao residual ativo inscrito no parágrafo 50 dos factos provados, algum equipamento e pouco mais, deixando um valor “claramente irrisório” como nos qualifica o douto acórdão recorrido a pág. 43.

61.ª Os réus geraram em benefício de uma sócia (que lhes pertencia) a situação de insolvência e conformados e intencionados prosseguiram seus intentos contornando o dever de ação falimentar.

62.ª Diante deste comportamento, salvo o devido respeito por diferente e sempre melhor opinião, mas entende a recorrente que o sistema judicial não pode coonestar a fraude provocada pelos réus e deixar ao abandono a posição e os interesses da recorrente. Impunha-se e impõe-se por elementar justiça outro desfecho.

63.ª É que aos pressupostos da conduta voluntária, ilícita e culposa, acresce que foi com a sua conduta e exclusivamente em consequência da sua voluntária conduta de entregar e absorver todo o capital da sociedade ISG na sócia CITRONIC, que os réus causaram danos diretos à primeira, esvaziando o seu único património e afinal retirando-lhe atividade e viabilidade.

drawingObject13064.ª E de caminho, com a descapitalização e definhamento da ISG, tornaram impossível a cobrança do crédito á recorrente. (dano indireto)

65.ª É que mesmo que se querendo seguir a estória dos réus, a cândida vontade de acertar contas com a sócia CITRONIC, obviamente que bem sabiam que aqueles não poderiam desconhecer que iriam originar uma situação de insolvência da sociedade devedora e, nesse estado de coisas, em cumprimento do dever a que estavam obrigados, cabia-lhes, era-lhes antes exigido, promoverem o respetivo processo de insolvência.

66.ª No qual a recorrente acabaria por receber o seu crédito, até porque, dada a relação societária e a confundibilidade de sócios, algum eventual crédito que assistisse à CITRONIC, a ter fundamento (o que nas circunstância não foi possível apurar), sempre seria subordinado de harmonia com o disposto no artigo 48.º al. a) e 49.º n.º 2 al. b) do CIRE.

67.ª O que vale por dizer, que outrossim em consequência da estratégica de omissão do dever legal e de boa-fé de apresentação à insolvência, a recorrente sofreu o dano correspondente ao seu crédito.

E não ficaríamos por aqui.

68.ª É que no caso e como sabemos impor-se-ia o incidente de qualificação do tipo de insolvência 185.º e ss. do CIRE e no caso, necessariamente culposa, de harmonia com o disposto nos artigos art.º 186.º n.º 2 al. a); al. f); al. h); al. i); e n.º 3 al. al). do CIRE.

69.ª Com a decorrente condenação dos réus em indemnizar, solidariamente, a recorrente no valor equivalente ao crédito, art.º 189.º n.º 2 al. a) e e) ibidem.

70.ª Regime que a erudita e respeitosa decisão recorrida no entanto sobrevalorizou.

71.ª É essa e só essa, a interpretação que deve ser corretamente atribuída aos factos editados nos parágrafos 38) a 42) dos factos provados: […]

38) Com essa actuação os réus impossibilitaram a autora de ver ressarcido o seu crédito reconhecido na acção declarativa e objecto da acção executiva(8).

39) E impediram a autora e outros credores de conhecerem as razões dessa impossibilidade por não terem requerido a insolvência da ISG (9).

40) O que impediu a autora de conhecer as contas desta sociedade (10).

41) E sem saber porque é que a ISG, praticamente sem custos, estava incapacitada de liquidar as suas dívidas (11).

42) Os réus, ao fazerem aquela declaração de 31) e ao não apresentaram a ISG à insolvência, fizeram-no de forma consciente e deliberada, sabendo que esse comportamento prejudicava os créditos da autora (12). […]

72.ª Posto isto, assume-se como razoável que a melhor interpretação e conjugação dos mencionados factos provados, é que o comportamento voluntário dos réus, ao decidirem, conscientemente, deliberadamente e na realidade intencionalmente, não apresentar a sociedade à insolvência, sabendo que com esse comportamento prejudicavam o crédito da recorrente, impossibilitou a recorrente de ver-se ressarcida, fito que os réus conseguiram, provocando um dano, o que configura uma conduta ilícita, culposa e que foi causa, direta e necessária dos prejuízos provocados e sofridos pela recorrente, constituindo-se como dano o seu crédito!

73.ª Pelo que, atendendo à matéria de facto provada e sua cabal interpretação, deveriam sob esta perspetiva os Meritíssimos Juízes a quo ter convocado o regime previsto nos artigos 18.º, 24.º, 185.º e 189.º do C.I.R.E. e, em função da não apresentação à insolvência com aquela especial finalidade, aliás atingida, condenar os réus por força do regime da responsabilidade civil extracontratual, de harmonia com os artigos 78.º, 79.º do Cód. Soc. Comerciais e 483.º n.º 1 do Cód. Civil, normas que o douto aresto em revista deixou de aplicar.

Termos em que e nos mais de direito que, como habitual V. Exas. tão doutamente suprirão, roga-se pela melhor apreciação do presente recurso de Revista, bem como, pelo seu provimento, revogando-se o douto acórdão recorrido, condenando-se os réus e assim se fazendo a adequada e acostumada, JUSTIÇA!

  14. Os Réus, agora Recorridos, contra-alegaram.

  15. O Réu AA finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

I. O tribunal recorrido pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas.

II. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, como é pretensão da recorrente, nos termos do disposto no artigo 682.º n.º 2 do C.P.C.

III. Os sócios, recorridos, não receberam quaisquer bens sociais em partilha.

IV. Não houve qualquer partilha dos bens da sociedade da ISG.

V. O acórdão recorrido, também, não deu como provada a existência de bens societários partilhados pelos réus.

VI. E, também não foi provado que existissem bens societários na data da dissolução da sociedade.

VII. Caberia à recorrente alegar e provar a existência de bens societários partilhados pelos Recorridos, o que não fez.

VIII. A ampliação dos factos, como pretendido pela recorrente nada acrescentam relativamente aos factos apurados.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE IMPROCEDER E EM CONSEQUÊNCIA MANTER O ACÓRDÃO RECORRIDO.

ASSIM DECIDINDO FARÃO V.EXAS A COSTUMADA JUSTIÇA!!

   16. O Réu BB finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

I. O tribunal recorrido pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas.

II. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, como é pretensão da recorrente, nos termos do disposto no artigo 682.º n.º 2 do C.P.C.

III. Os sócios, recorridos, não receberam quaisquer bens sociais em partilha.

IV. Não houve qualquer partilha dos bens da sociedade da ISG.

V. O acórdão recorrido, também, não deu como provada a existência de bens societários partilhados pelos réus.

VI. E, também não foi provado que existissem bens societários na data da dissolução da sociedade.

VII. Caberia à recorrente alegar e provar a existência de bens societários partilhados pelos Recorridos, o que não fez.

Nestes termos e nos mais de direito deverá o recurso interposto pela recorrente improceder e em consequência manter o acórdão recorrido.

Assim decidindo farão V. Exas a costumada Justiça!!!

  17. O Réu CC finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

I. Veio a recorrente pedir a condenação dos recorridos com fundamento na responsabilidades dos RR enquanto gerentes e/ou liquidatários da sociedade ISG.

II. A tal propósito já se pronunciou o tribunal da 1.ª instancia, considerando que a invocação de ter existido o incumprimento do dever genérico de requerer a insolvência – artigo 18 do CIRE não determina o accionamento da responsabilidade prevista no artigo 78, n.º 1 do CSC, uma vez que, não demonstra alguma ilicitude no comportamento do réus, concluindo pela falta de fundamento para responsabilização civil dos RR.

III. À data, a Autora, aqui recorrente, não colocou em causa a fundamentação da sentença nesta parte, pelo que

IV. Entende o recorrido que está prejudicada a análise do pedido ora efetuado, atento o efeito do julgado, na parte não recorrida.

Sem prescindir

V. Veio a Relação pronunciar-se no sentido da não responsabilização dos recorridos

“ Ora, no caso em apreço, (…) a falsa declaração dos sócios (…) desse acto não resultou a insuficiência do património social (..) (…) no caso em apreço, não se aplicam os exigidos pelo disposto no art. 78. do CSC, pois, para tanto, era necessário que tivesse ficado demonstrado que, antes da declaração que levou à dissolução da sociedade, esta tinha património para garantir o pagamento do crédito da Autora e que esse património ficou diminuído em do comportamento dos sócios, violador das normas de protecção dos credores.

Ora tal não sucede no caso concreto

VI. E acrescentou a propósito da aplicação do disposto do Art. 158 CSC:

“ (..) Na verdade, extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade’.

Ora, no caso em apreço, nada ficou provado a esse respeito, sendo que nem alegado foi.

VII. Está em causa uma forma de responsabilidade delitual, pelo que ao lesado caberá alegar e provar todos e cada um dos factos constitutivos da responsabilidade civil, não tendo cabimento a presunção de culpa assente no preceituado no art. 799º, nº1, do CC.

VIII. No caso em apreço não está provado que a (eventual) conduta ilicita dos RR tenha provocado um dano à sociedade ISG:

a. O passivo da ISG até diminuiu ao longo dos anos 2001 a 2005,

b. A solvabilidade da ISG era precária aquando da emissão da facturação originadora do crédito da A.(2001)

IX. Também a alegação de ter existido o incumprimento do dever genérico de requerer a insolvência – artigo 18 do CIRE – por se ter verificado um “passivo manifestamente superior ao artivo” não determina o accionamento da responsabilidade prevista no artigo 78, n.º 1 do CSC, uma vez que, tal mera alegação não demonstra alguma ilicitude no comportamento do réus.

X. Os resultados da ISG demonstram uma superioridade do passivo face ao activo, assinalando-se sucessivos resultados negativos desde 2003 e um regular decréscimo de activo, com um passivo que, embora vindo a ser anualmente atenuado, tinha no global das contas da empresa uma elevada expressão, no entanto

XI. Em relação à situação de insolvencia do art. 3/2 do CIRE (..) não impõe a lei (o art. 18/1 do CIRE) qualquer dever de apresentação à insolvencia, apenas impondo tal código o dever de apresentação à insolvência na situação de a sociedade se encontrar na impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas (art. 3/1 do CIRE).

XII. Também aqui não há fundamento para a responsabilização civil dos RR.

XIII. Certo é que, apesar do panorama patrimonial da ISG, nenhum dos credores e, designadamente a autora, requereu, como poderia, a insolvência da aludida empresa de que era credora

XIV.  Não há prova que existiam bens da ISG à data da sua dissolução/liquidação.

XV. Não há prova que houve apropriação ilícita pelos réus, enquanto seus gerentes/liquidatários,

XVI. No caso em apreço não se verifica o preenchimento de todos os requisitos para a responsabilização dos sócios/liquidatários nos termos prescritos nos arts. 78 e 158 do CSC.

XVII. Termos em que deve naufragar a sua pretensão indemnizatória da recorrente, como decidiu o acórdão recorrido

Termos em que e nos mais de direito que como habitual tão doutamente serão supridos, deve o recurso interposto pela Recorrente improceder, mantendo-se o douto acórdão, assim se fazendo JUSTIÇA!

   17. O Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se sobre a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia relativamente ao pedido de ampliação do âmbito do recurso, sustentando que

“… não se verificam os pressupostos legais dos quais depende a possibilidade da ampliação do âmbito do recurso, motivo pelo qual o Tribunal não se pronunciou sobre tal ampliação. Só constitui nulidade a omissão de pronúncia sobre questão relativamente à qual o Tribunal devesse pronunciar-se. No caso em apreço, não foi cometida nulidade, pois o Tribunal não deveria conhecer da requerida ampliação”.

  18. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir in casu são as seguintes:

   I. — se estão preenchidos os requisitos da responsabilidade dos administradores pelos danos causados aos credores da sociedade administrada; II. — caso afirmativo, se o dano indemnizável corresponde ao valor do crédito da Autora Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Limitada, sobre a I.S.G - Informática e Soluções Globais, Limitada.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

            OS FACTOS

   19. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1) A Autora dedica-se à importação, distribuição e instalação de produtos e componentes informáticos, bem como à sua manutenção e reparação(a);

2) Os réus foram sócios da sociedade "I.S.G - Informática e Soluções Globais, Limitada" (I.S.G., Lda.), com sede na rua …, …, em …(b);

3) Os dois primeiros réus - AA e BB - foram gerentes da sociedade (I.S.G., Lda.) desde a sua criação, até ao encerramento(c).

4) Da I.S.G., Lda., foi ainda sócia a interveniente Citronic -Sociedade Portuguesa de Equipamentos, Lda. (Citronic, Lda.), da qual os réus foram (também) os únicos sócios e gerentes(d).

5) Os dois primeiros réus, bem como a mãe do terceiro réu (originariamente sócia da I.S.G., Lda.) foram, também, sócios da autora (e).

6) Designadamente os dois primeiros réus foram sócios da autora até 22 de Março de 2002(f).

7) A I.S.G., Lda. tinha como objecto a comercialização de artigos de informática, hardware e software e artigos de telecomunicações(g).

8) Entre a autora e a I.S.G., Lda. existia uma relação de confiança (sustentada até no facto de, naquela data, as empresas terem sócios comuns (h).

9) Por sentença "sumária" proferida a 01.03.2004 no processo 1171/03.O…, da … Vara Cível deste Tribunal, e que a aqui autora intentou contra a sociedade ISG- Informática e Soluções Globais, Lda.", foi esta ré condenada «a pagar à Autora a quantia de 61.861,55€ acrescida de juros de mora, sobre a quantia de 53.765,55€ à taxa de 12%, vencidos desde 30/01/2003 e vincendos até integral pagamento", e absolvida a ré do mais que era pedido. — fls. 97-08 destes autos(i);

10) Tal acção baseava-se na existência de um contrato oneroso de prestação de serviços celebrado entre autora e ré e por não ter esta pago, nas datas dos seus vencimentos, as facturas relativas ao preço desse serviço prestado pela autora. — idem(j)

11) Na sequência dessa condenação a autora intentou execução de sentença que coube à 3o Secção do 32 Juízo de Execução de … com o processo n° 20218/05.9…-A.(k)

12) Neste processo, por sentença datada de 14.01.2008, foi julgada procedente a oposição à execução deduzida pelos aqui réus, ali executados em representação da executada ISG — Informática e Soluções Globais, Lda., e determinada a extinção total da acção executiva comum para pagamento de quantia certa, nos termos do artigo 817°, n° 4 do C.P.C. — doe. de fls. 103 a 106 destes(I).

13) Os aqui réus ali oponentes alegaram ali que "A acção deveria ter prosseguido contra todos os sócios, isto é, deveria ter prosseguido também contra a Citronic — Sociedade Portuguesa de Equipamentos, Lda.; A ISG, Lda., foi extinta em 02.03.2006 sem qualquer património, pelo que os sócios nada receberam da mesma, e como tal nada têm que pagar à exequente — idem(m);

14) Ainda ali se decidiu não se verificar "qualquer situação de ilegitimidade uma vez que a presente acção prosseguiu contra os sócios da sociedade executada devidamente representada pelos liquidatários, ora oponentes”(n).

15) E que: "Deste modo, a responsabilidade pessoal destes sócios, ora oponentes, para com os credores sociais só poderá ocorrer se estes alegarem e provarem que aquela falta de bens no património da sociedade dissolvida não é verdadeira, designadamente por existirem bens partilháveis à data da dissolução. Nos presentes autos a exequente limita-se a dizer que à data da liquidação desconhecia se havia ou não activo e havendo se terá sido ou não partilhado. Não alegou em momento algum que existiam bens partilháveis à data da dissolução da executada e como tal não podem no âmbito da presente acção os sócios, ora oponentes, responderem pessoalmente pela dívida em questão (...)" — idem a fls. 106, 22§(o).

16) A partir de do início de Abril do ano de 2000, a autora entregou à I.S.G, Lda. a prestação do serviço pós-venda(p).

17) Eram os técnicos da I.S.G, Lda. quem prestava o serviço pós-venda aos clientes da Autora(q).

18) Essa relação contratual, assim configurada, durou cerca de um ano(r).

19) Findo esse período, por razões alheias à autora a I.S.G. deixou de ter os seus "próprios" técnicos(s).

20) Contudo, atenta a circunstância da relação pós venda - isto é, a reparação e assistência dos componentes informáticos - já funcionar numa óptica de grupo empresarial, e atribuída à I.S.G., Lda., a autora decidiu manter a relação contratual estabelecida, dentro do seguinte quadro de relacionamento: A I.S.G., Lda. continuava a prestar o serviço pós-venda da autora, socorrendo-se para tanto dos técnicos da autora(t).

21) A A. facturava, à I.S.G., Lda., os serviços pós-venda prestados aos clientes (18 pi).

22) A segunda facturava aos clientes (da A. aos quais havia prestado o serviços pós-venda) o montante indicado, acrescido de 10% (19 pi).

23) A I.S.G., Lda. limitava-se a acrescentar uma mais valia de 10% sobre o custo da prestação do serviço realizado pela A.(20 pi).

24) Dentro do quadro de relacionamento acima descrito, e ao tempo em que ocorreram os factos e créditos que a A. reconhecidos em sentença à A., a I.S.G., Lda., enquanto empresa, tinha custos de funcionamento residuais (21 pi).

25) A I.S.G., Lda., não tinha qualquer empregado, nem sequer administrativo (22 pi).

26) A sede da empresa coincidia com a da Citronic, Lda (23 pi).

27) A I.S.G., Lda, passou a funcionar como ‘entreposto comercial’ entre a Autora e os clientes ( 24.° da P.I.)

28) Sem custos efectivos de produção (25 pi).

29) No dia 02.03.2006, no Cartório Notarial da Notária HH, na Rua dos …, os três réus, outorgando por si e na qualidade de únicos sócios da Sociedade comercial por quotas, denominada "CITRONIC —Sociedade Portuguesa de Equipamentos, Limitada", com sede em …, na Rua …, numero vinte e nove, freguesia …., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, declararam(u):

30) Que eles e a sociedade por eles representada são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas denominada "I.S.G- -INFORMÁTICA E SOLUÇÕES GLOBAIS, LIMITADA", (...), com sede na Rua …, n° 1, …., freguesia de .., concelho de …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … (...)/ com o capital social de cinco mil euros, representando quatro quotas sendo uma de dois mil euros, pertencente à sociedade sua representada e as restante de mil euros cada uma, pertencentes uma a cada um dos outorgantes, conforme fotocópia da certidão comercial que arquivo(v).

31) Que pela "presente escritura, dissolvem e liquidam a identificada sociedade, a qual não tem qualquer activo ou passivo a partilhar, tendo as últimas contas sido aprovadas em trinta e um de Março de dois mil e cinco”(w).

32) E «Que a sociedade "CITRONIC - SOCIEDADE PORTUGUESA DE EQUIPAMENTOS, LIMITADA", fica depositária dos livros e documentos da sociedade.»(x)

33) Os réus fizeram as declarações de dissolução e liquidação da sociedade ISG, mencionadas em 30) 31) e 32), na qualidade de liquidatários (1).

34) Quando fizeram essas declarações não as fizerem acompanhar, nem apresentaram, nenhum documento, como seja o de prestação de contas à data da dissolução (2)

35) Nem de relatórios pormenorizados do estado dessa Sociedade (3).

36) Nem de relatório completo de liquidação da mesma (4).

37) Quando proferiram a declaração de 31) os réus AA e BB já sabiam do teor da sentença condenatória mencionada em 9), ou seja de que o crédito da A. havia sido reconhecido, conhecendo o R. CC a existência deste crédito (5).

38) Com essa actuação os réus impossibilitaram a autora de ver ressarcido o seu crédito reconhecido na acção declarativa e objecto da acção executiva(8).

39) E impediram a autora e outros credores de conhecerem as razões dessa impossibilidade por não terem requerido a insolvência da ISG (9).

40)O que impediu a autora de conhecer as contas desta sociedade (10).

41) E sem saber porque é que a ISG, praticamente sem custos, estava incapacitada de liquidar as suas dívidas (11).

42) Os réus, ao fazerem aquela declaração de 31) e ao não apresentaram a ISG à insolvência, fizeram-no de forma consciente e deliberada, sabendo que esse comportamento prejudicava os créditos da autora (12).

43) A Citronic, Lda, da qual eram sócios os RR., facturou à ISG, Lda, da qual igualmente eram sócios estes RR., a prestação de bens e serviços, facturas que a ISG, Ld2 liquidou (15 e 16).

44) Em virtude, designadamente, destes comportamentos dos réus, a autora apresentou, em 13.05.2008, queixa-crime contra estes, que pende na 12.2 Secção do DIAP de …, com o processo nº 2695/08.8…, pela prática dos crimes de falsificação de documentos, insolvência dolosa e frustração de créditos (17).

45) Processo onde foi proferido acórdão, não transitado em julgado, que decidiu

«a) Declarar, em relação ao arguido CC, a extinção do procedimento criminal, por efeito de prescrição, quanto ao crime de favorecimento de credores (...)

b) Absolver o arguido CC da prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento (...),

c) Absolver os arguidos AA e BB da prática, em co-autoria material, de um crime de favorecimento de credores (...),

d) Condenar os arguidos AA e BB, pela prática em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento (...) na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), a que corresponde o montante total de 2.100,00€ (dois mil e cem euros),

e) Condenar os arguidos AA e BB, no pagamento de 4 Uc's de taxa de justiça e nas demais custas do processo (...)». (18).

46) Tal sociedade encontrava-se sem actividade, pelo menos, desde inícios de 2005 (20).

47) Sem quaisquer rendimentos (21).

48) Em 2001, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 7.446,04 (cfr. fls. 569 dos autos);

— Em 2002, a ISG teve um resultado líquido positivo de € 2.749,62 (cfr. fls. 507 dos autos);

 — Em 2003, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 4.734,00 (cfr. fls. 445 dos autos);

— Em 2004, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 58,30 (cfr. fls. 388 dos autos); e

— Em 2005, a ISG teve um resultado líquido negativo de € 2.805,68 (cfr. fls. 569 dos autos).

49) Em 2001, a ISG tinha um activo de € 57.809,70 e um passivo de € 149.995,32 (cfr. fls. 570);

— Em 2002, a ISG tinha um activo de € 43.991,92 e um passivo de € 133.427,87 (cfr. fls. 508);

— Em 2003, a ISG tinha um activo de € 14.831,77 e um passivo de € 109.001,72 (cfr. fls. 446):

— Em 2004, a ISG tinha um activo de € 13.221,98 e um passivo de € 107.450,23 (cfr. fls. 389); e

— Em 2005, a ISG tinha um activo de € 5.118,43 e um passivo de € 102.152,36 (cfr. fls. 343).

50) No balanço da ISG, Lda de 31.12.2005 consta no activo a seguinte menção: "Imobilizações corpóreas: (...) Equipamento administrativo AB € 8.575,71 (...); Depósitos bancários e caixa: Depósitos bancários B 6 431,05 (...) Caixa AB € 136,41 (...)" ( fls 351 e352).

51) A gerência da ISG, Lda, era exercida por todos os sócios (fls 26-29).

  20. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

a) Quando proferiu a declaração de 31) o réu CC já sabia do teor da sentença condenatória mencionada em 9), ou seja de que o crédito havia sido reconhecido (5).

b) E sabiam todos os RR., à data daquela declaração, os réus que corria termos a execução mencionada em 11) supra (6).

c) Por terem sido citados para os termos da mesma antes de terem prestado aquelas declarações constantes da escritura de dissolução e liquidação da ISG (7).

d) Os RR. ao fazerem a declaração referida em 31) e ao não apresentarem a ISG à insolvência pretenderam  evitar que se apurasse da  má  gestão que vinham fazendo (13).

e) Os réus, durante os últimos anos de existência da ISG, Lda., dissiparam o activo desta (14).

f) Utilizando para tanto o expediente que consistia em a Citronic, Lda., facturar avultadas somas à ISG, Lda,  pela prestação de bens e serviços que nunca existiram (15).

g) Para que todo o activo da "ISG, Lda." transitasse para a Citronic, Lda (16).

h) A actuação dos réus no que respeita à dissolução da sociedade ISG ocorreu apenas porque os réus, para reduzirem os custos de manutenção desta sociedade, que suportavam do seu bolso, optaram por, face à inexistência de qualquer património ou saldo bancário, dissolverem esta sociedade (19).

i) Em 2005, a ISG, Lda não era titular de qualquer património social (22).

j) Pelo que se descreve em 46), 47) e i) e não pretendendo, por um lado, os sócios reiniciar a actividade face à crise que se vive no sector, injectando novas entradas (o aumento de capital de Outubro de 2001 não teve quaisquer efeitos práticos), e, por outro, face à inexistência de património social ou saldos bancários, decidiram os sócios dissolver a sociedade (23).

k) Os sócios da ISG, Lda. tomaram essa atitude por entenderem não estarem a lesar ninguém com tal deliberação transposta para a escritura de 02/03/2006 (24).

I) Não existia qualquer pacto através do qual algum dos sócios da ISG se tivesse vinculado pessoalmente outras responsabilidades perante os credores da sociedade (25).

m) Tal sociedade nem era titular de qualquer património, nem dispunha de saldo positivo em conta bancária (26). n) Inviabilizando, por falta de meios, a cobrança de quaisquer créditos eventualmente existentes (27).

o) A ISG, Lda., que nos últimos anos vinha tendo exercícios bastante deficitários, decidiu, atentas as perspectivas negativas de evolução do mercado, suspender no início de 2005 a sua actividade, para não agravar o défice, encerrando-a com efeitos a 31/12/2005, por entender inexistirem condições para o relançamento dos negócios (28)

p) Uma análise aprofundada das condições evolutivas do mercado, impôs à ISG, Lda. a necessidade de revisão do projecto que determinou a sua constituição, concluindo-se pela sua inviabilidade, na situação actual da economia, razão pela qual se optou pela sua dissolução (29).

q) A autora sabia, há vários anos, das dificuldades sentidas pela ISG, Lda., incluindo a falta de bens ou rendimentos que pudessem ser utilizados para pagar os créditos que reclamou em Tribunal (30).

r) Não se efectivou qualquer partilha porque a sociedade ISG, Lda. não era, à data da dissolução, nem nos anos anteriores, titular de quaisquer bens ou saldos bancários que pudessem ser distribuídos pelos sócios (31).

s) A actividade comercial da empresa ISG nunca foi do conhecimento do 3.º réu FF, nem antes de Março de 2005 e mesmo depois de ter adquirido a quota por doação em Julho de 2005 (32).

t) Este sempre agiu tendo como base as informações prestadas pela gerência de então, ou seja pelo 1º e 2º coreus AA e BB (33).

u) E desconhece este réu a existência da acção declarativa mencionada em 9) e 10) supra (34).

v) Soube, posteriormente da acção executiva n° 20218/05.9…, mas já numa altura tardia, em Setembro de 2007 (35).

x) Por ser amigo de infância dos sócios gerentes nunca teve o 3º réu motivos para duvidar das informações que lhe iam sendo prestadas por aqueles (36).

y) E foi por isso que prestou as declarações aquando da escritura de dissolução as quais se basearam em informações prestadas pela gerência de então (37).

z) E que, aquando da escritura de dissolução o informaram que a ISG era uma sociedade sem actividade, sem qualquer tipo de património e sem qualquer dívida a qualquer entidade externa (38).

aa) Sendo com base nestes dados que o 3o réu subscreveu a escritura de dissolução da sociedade (39).

        O DIREITO

   21. A primeira questão suscitada pelo Recorrente consiste em determinar se estão preenchidos os requisitos da responsabilidade dos administradores pelos danos causados aos credores da sociedade administrada.

  22. O acórdão recorrido considerou exclusivamente a responsabilidade dos administradores pelos danos indirectos prevista no art. 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, cujo teor é o seguinte:

“Os gerentes respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.

   23. Considerando exclusivamente o art. 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o Tribunal da Relação de Lisboa declarou que não estava preenchido o requisito da conexão causal entre o facto ilícito dos gerentes da I.S.G — Informática e Soluções Globais, Limitada, e a insuficiência do património social.

    24. Em primeiro lugar, o Tribunal da Relação de Lisboa alega que não existe a conexão causal necessária para o efeito de dar como não preenchidos os requisitos específicos da responsabilidade prevista no art. 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais:

“… a declaração dos sócios da ISG”, diz-se na fundamentação de direito do acórdão recorrido, “não foi causalmente adequada a impossibilitar a satisfação do crédito da Autora, pois a situação de impossibilidade de satisfação desse crédito já era anterior a essa declaração. Tal como concluem os Apelantes, a conduta dos sócios da ISG não teve qualquer influência sobre a solvabilidade da sociedade ISG nem sobre o pagamento ou não pagamento do crédito da Autora […]”.

  25. O argumento não é adequado ou, em todo o caso, não é suficiente — o regime especial do art. 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais deve ser objecto de uma interpretação extensiva, para que se aplique indistintamente à causação e ao agravamento ou aprofundamento da situação de insolvência da sociedade administrada [1] e, ainda que o regime especial art. 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais não devesse ser objecto de uma intepretação extensiva, sempre o art. 79.º do Código das Sociedades Comerciais remete para o regime geral da responsabilidade civil.

  26. Entre os casos de responsabilidade por danos directos causados a terceiros, incluindo credores [2], está a responsabilidade pela violação de disposições legais de protecção — prevista no art. 483.º, n.º 1, segunda alternativa do Código Civil — e a responsabilidade pelo abuso do direito — prevista no art. 334.º, em ligação com o art. 483.º, n.º 1, do Código Civil: O art. 483.º diz que “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente […]  qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. e o art. 334.º diz que “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Embora não o diga, o art. 334.º deve interpretar-se extensivamente, como se dissesse que aquele que, com dolo ou culpa grave, violar manifestamente os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes ficará obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

   27. Os factos dados como provados sob os n.ºs 37 a 41 do Código das Sociedades Comerciais são os seguintes:

37) Quando proferiram a declaração de 31) os réus AA e BB já sabiam do teor da sentença condenatória mencionada em 9), ou seja de que o crédito da A. havia sido reconhecido, conhecendo o R. CC a existência deste crédito (5).

38) Com essa actuação os réus impossibilitaram a autora de ver ressarcido o seu crédito reconhecido na acção declarativa e objecto da acção executiva(8).

39) E impediram a autora e outros credores de conhecerem as razões dessa impossibilidade por não terem requerido a insolvência da ISG (9).

40) O que impediu a autora de conhecer as contas desta sociedade (10).

41) E sem saber porque é que a ISG, praticamente sem custos, estava incapacitada de liquidar as suas dívidas (11).

42) Os réus, ao fazerem aquela declaração de 31) e ao não apresentaram a ISG à insolvência, fizeram-no de forma consciente e deliberada, sabendo que esse comportamento prejudicava os créditos da autora (12).

  28. Ora os factos provados sob os n.ºs 37 a 41 são suficientes para que se conclua que há uma causação dolosa de danos contrária aos bons costumes — e que, em consequência da causação dolosa de danos contrária aos bons costumes, há responsabilidade dos gerentes da I.S.G — Informática e Soluções Globais, Limitada, pelos danos causados à credora Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Limitada.

  29. Embora estejam em causa danos patrimoniais primários, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que o princípio da não ressarcibilidade dos danos patrimoniais primários, danos patrimoniais puros, ou danos puramente patrimoniais, admite excepções e que, entre as excepções ao princípio da não ressarcibilidade dos danos patrimoniais primários está a responsabilidade pelo abuso do direito [3].

   30. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2019 — processo n.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1 — di-lo de forma impressiva:

I. — Os danos económicos puros (também designados como danos puramente patrimoniais ou danos patrimoniais puros) – aqueles em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido prévia afectação de uma posição jurídica absolutamente protegida – não são reparáveis em sede de responsabilidade civil extracontratual, salvo no caso de violação de normas destinadas a proteger interesses alheios (segunda regra do art. 483º, nº 1, do Código Civil) ou em determinadas hipóteses especiais como as dos arts. 485º e 495º do Código Civil, ou ainda quando se verifique abuso do direito enquanto fonte de responsabilidade civil.

II. — Não tendo sido feita prova da titularidade de qualquer situação absolutamente protegida, nem se verificando a violação de norma destinada a proteger os interesses da autora/lesada, resta a possibilidade de recurso ao instituto do abuso do direito, interpretado em sentido amplo, abrangendo as simples liberdades, designadamente a liberdade genérica de agir e a liberdade especial de contratar, ou convocar “uma proibição destinada a assegurar o mínimo ético-jurídico no relacionamento entre os membros da comunidade jurídica”, independentemente de se encontrarem ou não inseridos em relações contratuais, conduzindo a soluções práticas idênticas às que resultam do recurso ao art. 334º do Código Civil.

   31. Em segundo lugar, o Tribunal da Relação de Lisboa alega que não existe a conexão causal necessária para o efeito de dar como não preenchidos os requisitos gerais da responsabilidade civil — e, dentro dos requisitos gerais da responsabilidade civil, o requisito da conexão causal entre o facto ilícito e o dano:

“… o valor do património existente é claramente irrisório e insuficiente para fazer face ao crédito da Autora e demais passivo. Se tivesse sido requerida a declaração de insolvência, tal valor, previsivelmente, seria absorvido pelos encargos resultante de custas e outras despesas do processo, dando provavelmente origem ao preceituado constante do art.° 39.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)”.

  32. O argumento não é em todo o caso suficiente para que se conclua que não há um dano, ou que não há uma conexão causal entre o facto ilícito dos Réus e o dano:

     I. — por um lado, a credora Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Limitada podia ter requerido o complemento da sentença de declaração de insolvência [cf. art. 39.º, n.º 2, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; II. — por outro lado, ainda que a credora Equilog não tivesse requerido o complemento da sentença, o juiz poderia ter determinado a abertura do incidente da qualificação de insolvência [cf. art. 39.º, n.º 1, segunda parte, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas] [4] [5]; e — III. — por último, desde que fosse determinada a abertura do incidente de qualificação da insolvência, os gerentes da I.S.G. — Informática e Soluções Globais, Limitada, poderiam ter sido condenados a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos [cf. art. 189.º, n.º 2, alínea d), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas] [6].

  33. O facto ilícito dos Réus, agora Recorridos, gerentes da I.S.G. — Informática e Soluções Globais, Limitada, causou à Autora, agora Recorrente, Equilog no mínimo um dano — o dano da perda da oportunidade de satisfação, total ou parcial, do crédito, em processo de execução ou em processo de insolvência.

  34. Estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade dos administradores por danos directos causados aos credores, deverá determinar-se se o dano indemnizável corresponde ao valor do crédito da Autora, agora Recorrente, sobre a I.S.G. — Informática e Soluções Globais, Limitada.

   35. O art. 562.º do Código Civil consagra o princípio geral de que “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” — e o art. 566.º, n.º 2, do Código Civil concretiza-o, dizendo que, em regra, “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”. Os factos dados como provados não são suficientes para que se conclua que, se os Réus, gerentes da I.S.G. — Informática e Soluções Globais, Limitada, tivessem apresentado a sociedade à insolvência ou, em todo o caso, tivessem declarado a dívida, a Autora teria recebido a totalidade do crédito — a extensão da indemnização deverá ser determinada em liquidação ulterior.

III. — DECISÃO

    Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e revoga-se o acórdão recorrido, nos seguintes termos:

     I. — condena-se os Réus AA, BB e CC a indemnizar a Autora Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Lda.;

    II. — determina-se que a indemnização seja calculada nos termos gerais dos arts. 562.º ss. do Código Civil, em liquidação ulterior.

      Custas pela Recorrente Equilog — Equipamentos e Tecnologias de Comunicação, Lda., e pelos Recorridos AA, BB e CC, na proporção do decaimento que, a final, vier a verificar-se.

Lisboa, 12 de Novembro de 2020

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

    Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exma. Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Exmo. Senhor Conselheiro José Maria Ferreira Lopes.

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[1] Cf. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores. Entre direito civil, direito das sociedades e direito da insolvência, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, págs. 158-161.
[2] Cf. Manuel Nogueira Serens, Notas sobre a sociedade anónima, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra / Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pág, 88; Miguel Pupo Correia, “Sobre a responsabilidade por dívidas sociais dos membros dos órgãos da sociedade”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 61 (2001), págs. 667-698 (675); Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores. Entre direito civil, direito das sociedades e direito da insolvência, cit., págs. 173-175 — e, por último, Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Responsabilidade civil dos administradores pela violação do dever de apresentação á insolvência”, in: Revista de direito comercial, ano 2 (2018), págs. 533-628 (545-555).
[3] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 8 de Setembro de 2016 — processo n.º 1952/13.6TBPVZ.P1.S1 —, de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 261/14.8TBVCD.P1.S1 — e de 12 de Setembro de 2019 — processo n.º 149/16.8T8VIS.C1.S1.
[4] Sobre o incidente de qualificação de insolvência, vide por todos Catarina Serra, Lições de direito da insolvência, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 298-304.
[5] Entre as razões por que poderia ter sido determinada a abertura do incidente de qualificação da insolvência estão a circunstância de os factos dados como provados sob os n.ºs 8, 17-28 e 48 indiciarem que os administradores prosseguiram uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência — cf. art. 186.º, n.º 1, alínea g), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas —, a circunstância de os factos dados como provados sob os n.ºs 34 a 42 indiciarem que os administradores praticaram irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade — cf. art. 186.º, n.º 2, alínea h), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[6] Sobre a interpretação do art. 189.º, n.º 2, alínea d), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, vide por todos Catarina Serra, Lições de direito da insolvência, cit., págs. 165-168.