Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO CONTRAORDENAÇÃO IMPUGNAÇÃO JUDICIAL FÉRIAS JUDICIAIS PRAZO OPOSIÇÃO DE JULGADOS | ||
Data do Acordão: | 10/31/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | VERIFICADA A OPOSIÇÃO DE JULGADOS | ||
Sumário : | I. Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contraordenacional, determinada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, é admissível a fixação de jurisprudência em matéria de contraordenações pelo Supremo Tribunal de Justiça, para resolução de conflitos entre acórdãos dos tribunais da relação, os quais, atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário. II. O que estava em causa, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, era saber se, ocorrendo durante as férias judiciais, o termo do prazo de 20 dias estabelecido no artigo 59.º, n.º 3, do RGCO, para apresentação do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima se transfere para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais, tendo em conta o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil. III. A situação de facto em apreciação era idêntica, ambos os prazos terminaram durante as férias judiciais e ambos os recursos foram apresentados no primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais. IV. Conhecendo dos recursos, os acórdãos concluíram, porém, em contradição um com o outro, na base de proposições de direito antagónicas. O acórdão recorrido concluiu que não é aplicável a alínea e) do artigo 279.º do CC, pelo que manteve a decisão que não admitiu o recurso de impugnação, por o considerar extemporâneo; o acórdão fundamento, concluiu que é aplicável a alínea e) do artigo 279.º do CC, pelo que revogou a decisão que não admitiu o recurso, ordenando que fosse substituída por outra que o considerasse tempestivo e o admitisse. V. Verifica-se, assim, uma oposição de julgados, devendo o processo prosseguir, em conformidade com o disposto no artigo 441.º. n.º 1, do CPP. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. “Fórmula Extravagante Unipessoal, Lda.”, arguida da prática de uma contraordenação ambiental, interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.01.2024, que julgou improcedente o recurso que interpôs da decisão de 07.09.2023, do Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, que não admitiu, por extemporâneo, um recurso de impugnação judicial da decisão administrativa que a condenou numa coima de 24.000 euros pela prática da contraordenação p. e p. nos termos dos artigos 87.º, n.º 2, e 90.º, n.º 1, al. i), do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, que unifica o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sujeitos ao princípio da responsabilidade alargada do produtor, transpondo as Diretivas n.ºs 2015/720/UE, 2016/774/UE e 2017/2096/UE, e do artigo 24.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, que aprova a lei quadro das contraordenações ambientais. Alega que, ao decidir que ao prazo de impugnação da decisão judicial de aplicação da coima previsto no artigo 59.º, n.º 3, do Regime Geral da Contraordenações («RGCO») não é aplicável o regime previsto no artigo 279.º, al. e), do Código Civil («CC»), e, em consequência, que a impugnação judicial apresentada pela recorrente foi extemporânea por o prazo não se suspender durante as férias judiciais, o fez em oposição com o decidido no acórdão de 19.5.2015 do Tribunal da Relação de Évora no processo n.º 7/14.0T8ORQ.E1, transitado em julgado e publicado e disponível para consulta na base de dados «Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora», em www.dgsi.pt, que indica como acórdão fundamento, o qual decidiu que o termo do prazo de recurso de impugnação judicial que caia em período de férias judiciais «se transfere-se – ao menos – para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais». 2. Apresenta motivação do seguinte teor: «A Recorrente apresentou recurso da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, nos termos do qual foi decidido que, tendo em consideração o disposto no art.º 59.º, n.º 3 do RGCO o prazo de vinte dias úteis terminou no dia 29/12/2022, pelo que nessa data terminou o prazo de apresentação de recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima. Acontece que o dia 29/12/2022 insere-se em pleno período de férias judiciais, pelo que a Recorrente entende que o termo do prazo de impugnação judicial aplicável terá de se transferir para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais, ou seja, precisamente para o dia em que a Recorrente apresentou o articulado de impugnação judicial, isto é, em 04/01/2023. O tribunal recorrido entendeu que o prazo de impugnação judicial não se suspende durante as férias judiciais e que a interposição de recurso não configura um acto a praticar em juízo, na medida em que o recurso ainda se insere numa primeira fase em que o processo tem natureza administrativa. O Venerando Tribunal da Relação do Porto, através do douto acórdão recorrido, entendeu, assim, manter a decisão de primeira instância, julgando improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela Recorrente, por entender que o prazo de recurso de impugnação judicial “é um prazo de natureza administrativa, não judicial” e que, em face desse prossuposto, o referido prazo “suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias”. Com efeito, o douto acórdão recorrido, determinou que, ao prazo previsto no art.º 59º, nº 3 do RGCO (Regime Geral da Contra-Ordenações), não é aplicável o regime previsto no art.º 279.º, al. e) do Código Civil. Acontece que, Conforme oportunamente invocado pela ora Recorrente, do nosso ordenamento jurídico constam decisões proferidas por tribunais superiores que decidiram em sentido oposto, em concreto, que ao recurso de impugnação judicial em matéria contra-ordenacional é aplicável o art.º 279º, al. e) do Código Civil, concluindo que, por via da aplicação de tal preceito, o prazo de recurso de impugnação judicial que caia em período de férias transfere-se – ao menos – para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais. Este foi o douto entendimento perfilhado no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, em 19/05/2015 e já devidamente transitado em julgado (Processo nº 7/14.0T8ORQ.E1), publicado e disponível para consulta em www.dgsi.pt e que adiante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Acórdão Fundamento) - (Doc.1). No caso decidido pelo Acórdão Fundamento, o recorrente foi igualmente condenado pela entidade administrativa pela prática de uma contraordenação. O recorrente foi notificado da referida decisão da entidade administrativa em 27/06/2014, tendo impugnado judicialmente a mesma através de recurso de impugnação judicial, dirigido à entidade administrativa e apresentado no Tribunal de Primeira Instância competente. O prazo para apresentação da impugnação judicial terminou, assim, em 25/07/2014, ou seja, numa data inserida em pleno período de férias judiciais. Por esse motivo, o recorrente entendeu que o termo do referido prazo teria de se transferir para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, precisamente para a data em que o recorrente apresentou o recurso de impugnação judicial, isto é, em 01/09/2014. Não obstante, o douto Tribunal de Primeira Instância rejeitou liminarmente o recurso por extemporaneidade. Inconformado, o recorrente interpôs recurso da referida decisão de rejeição para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, que proferiu o douto Acórdão Fundamento, para o qual se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. Confrontado com a factualidade exposta, por sua vez, o Tribunal da Relação de Évora, através do douto Acórdão Fundamento, determinou que, ao recurso de impugnação judicial em matéria contra-ordenacional é aplicável o art.º 279.º, al. e) do Código Civil, concluindo que, por via da aplicação de tal preceito, o prazo de recurso de impugnação judicial que caia em período de férias transfere-se – ao menos – para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais. Face ao exposto, o douto Acórdão Fundamento concedeu provimento ao recurso e admitiu o respetivo recurso de impugnação judicial interposto pelo recorrente. Com efeito, o douto Acórdão Fundamento, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, perfilha o mesmo entendimento da ora Recorrente, entendendo que o referido recurso, “não deixa de ser um recurso de “impugnação judicial” (e não de “impugnação administrativa”) e, portanto, deve ser considerado um acto “praticado em juízo”. Mais entende que, “quando o respectivo prazo termine em período de férias judiciais pode ser praticado no primeiro dia útil fora destas”, “Como tal é-lhe aplicável o artigo 279.º, al. e) do Código Civil”. Nesta senda, face ao decidido nos dois acórdãos supra identificados, estamos perante uma situação de oposição de julgados, proferidos no domínio da mesma legislação e assentes em decisões opostas relativamente à mesma questão de direito. Pelo que, está, portanto, em contradição, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento já identificado, em suma, quanto à seguinte questão nuclear, sobre a qual se pretende fixar jurisprudência: ou seja, se ao prazo previsto no art.º 59.º, n.º 3 do RCGO é aplicável o regime previsto no art.º 279.º, al. e) do CC e, dessa forma, quando o termo do prazo de recurso de impugnação judicial termina em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte. A ora recorrente entende que o recurso de impugnação judicial foi tempestivamente apresentado, uma vez que o prazo de interposição terminou em pleno período de férias judiciais, motivo pelo qual se deve transferir para o primeiro dia útil seguinte, por ser aplicável o disposto no artigo 279.º, al. e), do Código Civil. Nestes termos, entende a Recorrente que a jurisprudência a ser fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça deve ser a vertida no douto acórdão fundamento, ou seja, no sentido de que ao prazo previsto no art.º 59.º, n.º 3 do RCGO é aplicável o regime previsto no art.º 279.º, al. e) do CC e, dessa forma, quando o termo do prazo de recurso de impugnação judicial termina em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, devendo ser fixada jurisprudência nesse mesmo sentido, com todas as demais consequências legais. Assim, por estar em tempo, ter legitimidade e interesse em agir, requer a Vossas Excelências que se dignem admitir o presente recurso e determinar o prosseguimento dos autos com a consequente notificação da Recorrente para apresentação das respectivas alegações.» 3. Vem junta certidão do acórdão recorrido e da decisão sumária n.º 224/2024, de 27.3.2024, do Tribunal Constitucional, proferida em conhecimento do recurso que o arguido interpôs do acórdão recorrido para aquele tribunal – que decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraível dos artigos 59.º, n.º 3, e 60.º, n.ºs 1 e 2, do artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, interpretados [no acórdão recorrido] no sentido de que o prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima não se transfere para o primeiro dia útil, após o termo do período de férias judiciais, quando termine durante estas» –, com indicação da notificação desta aos sujeitos processuais por via postal registada expedida em 02.04.2024, e do local de publicação do acórdão fundamento, na base de dados de acórdãos do Tribunal da Relação de Évora (em www.dgsi.pt). 4. Respondeu o Ministério Público no tribunal recorrido, concordando com a verificação da oposição e, embora prematuramente, pronunciando-se sobre a substância do recurso e o sentido da decisão a proferir. 5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440.º do CPP. O Senhor Procurador-Geral-Adjunto considera que estão verificados todos os pressupostos que depende a fixação de jurisprudência, pronunciando-se no sentido de que deve ser reconhecida a oposição e determinado o prosseguimento do processo nos termos previstos no artigo 441.º, n.º 1, parte final, do CPP. O que faz nos seguintes termos (transcrição parcial): «(…) 4 – Nesta fase, a apreciação do recurso deve orientar-se para a aferição dos pressupostos processuais comuns aos recursos ordinários, tais como a competência, a legitimidade e interesse em agir, tempestividade, regime e efeitos, e do pressuposto próprio deste recurso extraordinário, ou seja, a existência de efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito em duas decisões de tribunais superiores transitadas em julgado. 4.1 – A legitimidade para interpor o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência encontra-se definida pelo n.º 5 do artigo 437.º do C.P.P. (…) sendo conferida ao arguido, ao assistente, às partes civis e ao Ministério Público, para quem é até obrigatório. No caso vertente, a recorrente é a arguida, pelo que se mostra preenchido este pressuposto. 4.2 – A quem assiste interesse em agir. 4.3 – E sobre a tempestividade do recurso: O prazo de interposição deste recurso extraordinário é (…) de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, tal como se define no artigo 628.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicável ex vi do artigo 4.º do C.P.P. Tem sido precisamente a partir deste artigo 628.º do C.P.C. que o S.T.J. tem vindo a densificar o conceito de trânsito em julgado para efeitos de contagem do prazo do recurso de fixação de jurisprudência. (…) Resulta da certidão disponível nos autos (cfr. referência Citius ......33, 2023-04-13) que do acórdão recorrido foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que por decisão de 27.03.2024 dele não conheceu, a qual foi notificada por termo nos autos ao Ministério Público e aos demais sujeitos processuais por via postal registada expedida em 02.04.2024, daqui resultando presumirem-se notificados no dia 05.04.2024. Assim sendo, aquela decisão colegial transitou em julgado decorridos 10 dias, ou seja, no subsequente dia 15 de Abril de 2024. Deste modo, sendo o prazo de interposição deste recurso extraordinário o de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, o recurso em apreço, porque interposto em 2 de Maio de 2024, é tempestivo. Mostram-se, pois verificados os pressupostos processuais comuns de legitimidade, interesse em agir e tempestividade. 5 – O mesmo se diga, e antecipando, dos pressupostos substantivos. Dos artigos 437.º, n.º 1, 2 e 4, e 438.º, n.º 2, do C.P.P., acima transcritos, resulta que são pressupostos deste recurso extraordinário, que devem necessariamente constar do respectivo requerimento de interposição: - A oposição referir-se a acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por um Tribunal da Relação; - A indicação de um acórdão fundamento, transitado em julgado. A doutrina do S.T.J. considera que se verifica oposição de julgados quando: a) - as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação; b) - as decisões em oposição sejam expressas; c) - as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. A expressão «soluções opostas» pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos; se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do artigo 437.º do C.P.P. (cfr. acórdão de 2 de Outubro de 2008, do S.T.J., proferido no processo n.º 08P2484, disponível in www.dgsi.pt/). Na situação em apreço, e sobre a questão de saber se ao prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações (R.G.C.O.), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, é aplicável o regime previsto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil (C.C.), ou seja, quando o termo do prazo de impugnação judicial de uma decisão proferida pela entidade administrativa ocorra em férias judiciais, se esse prazo se transfere, ou não, para o primeiro dia útil seguinte, o Tribunal da Relação do Porto entendeu no acórdão de 24 de Janeiro de 2024, proferido no processo n.º 4025/23.0T9AVR.P1, o acórdão recorrido, que ao prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3, do R.G.C.O., não é aplicável o regime previsto no artigo 279.º, alínea e), do C.C., já que o prazo de recurso de impugnação judicial é um prazo de natureza administrativa, não judicial, pelo que tal prazo suspende-se apenas nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias judiciais, tendo concluído por julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmado a decisão recorrida que havia considerado extemporânea a impugnação judicial da ora recorrente. Oposta havia sido a decisão firmada no acórdão fundamento, proferido em 19 de Maio de 2015 pelo Tribunal da Relação de Évora no processo n.º 7/14.0T8ORQ.E1 (transitado em julgado em 05.06.2025, cfr. referência Citius ....80 2024-07-08), em que se considerou que a apresentação do recurso de impugnação judicial junto da entidade administrativa é um acto praticado em juízo, sendo-lhe, por isso, aplicável o disposto no artigo 279.º, alínea e), do C.C. que, determina que «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo», pelo que o termo do prazo de recurso de impugnação judicial que caia em período de férias judiciais transfere-se para o primeiro dia útil seguinte ao fim das mesmas, tendo, no provimento do recurso, sido determinado que o tribunal recorrido admitisse o recurso de impugnação judicial que havia sido interposto. É, como se vê, similar a situação de facto. Os arguidos num e noutro processo foram condenados numa coima. Qualquer dos arguidos impugnou judicialmente a decisão administrativa, com recurso à norma do artigo 279.º, alínea e), do C.C., como justificativa da data em que a impugnação foi apresentada em juízo. Qualquer destas impugnações foi rejeitada, por extemporânea, pelo tribunal de 1ª instância. E é inquestionável que sobre a questão da aplicabilidade do regime previsto naquele artigo 279.º, alínea e), do C.C., o acórdão fundamento e o acórdão recorrido decidiram de forma oposta, entendendo-se, no primeiro, que aquele regime tinha aplicação, e no último, que não era aplicável.» 6. Efetuado o exame preliminar, o processo foi à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP. II. Fundamentação 7. Sobre o fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência dispõe o artigo 437.º do CPP: «1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público». O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, devendo o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, bem como justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência (n.ºs 1 e 2 do artigo 438.º do CPP). 8. Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contraordenacional, determinada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, é admissível a fixação de jurisprudência em matéria de contraordenações pelo Supremo Tribunal de Justiça, para resolução de conflitos entre acórdãos dos tribunais da relação, os quais, atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário (assim, entre muitos outros, o acórdão de 8.11.2023, Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1, em www.dgsi.pt). Irrecorribilidade que, como requisito específico relativo aos acórdãos da relação, é imposta, como se vê, pelo artigo 437.º, n.º 2, do CPP. Com efeito, não obstante o anteriormente decidido em sentido contrário nos acórdãos de 28.01.2015, Proc. 44/14.5TBORQ.E1-A.S1, e de 08.03.2028, Proc. 41/12.5YUSTR.L1-D.S1 (do mesmo relator, em www.dgsi.pt), não havendo norma que constitua obstáculo ao recurso, justifica-se que, ao dispor que não cabe recurso das decisões da 2.ª instância, o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO se limita aos recursos ordinários, a isso não se opondo o artigo 73.º, n.º 2, com âmbito de previsão diverso, admitindo o recurso para a relação «para melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade de jurisprudência» (neste sentido, entre outros, o acórdão de 08.03.2018, Proc. 102/15.9YUSTR.L1-A.S1, e Leones Dantas, Direito Processual das Contraordenações, Almedina, 2022, p. 283-284, e Damião da Cunha, “Fixação de Jurisprudência e Ilícito de Mera Ordenação Social”, Revista do Ministério Público, n.º 146, pp. 179ss., notando-se que são vários os acórdãos em que o Supremo Tribunal de Justiça assumiu esta competência, podendo referir-se os acórdãos 1/2001, 11/2005, 1/2009, 4/2011, 5/2013 e 2/2014). 9. O recurso de fixação de jurisprudência é um recurso de natureza extraordinária que tem por finalidade o estabelecimento de interpretação uniforme de normas jurídicas aplicadas de forma divergente e contraditória em acórdãos dos tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, com a eficácia prevista no artigo 445.º do CPP, contribuindo para a realização de objetivos de segurança jurídica e de igualdade perante a lei, que constituem exigências do princípio de Estado de direito (artigo 2.º da Constituição). Como se tem sublinhado (assim, designadamente, o acórdão de 8.11.2023, Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1, citando jurisprudência anterior), o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência visa decisões em matéria de direito, requerendo, como seu pressuposto e fundamento (artigo 437.º do CPP), que as mesmas normas, na aplicação a factos idênticos, tenham sido interpretados diversamente, com base em soluções opostas ou inconciliáveis, obtidas em resultado de interpretações diferentes quanto à mesma questão de direito, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento. Citando Alberto dos Reis, “Dá-se oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão foi resolvida em sentidos diferentes, isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas”. O que interessa saber “é se, para a resolução do caso concreto, os tribunais, em dois acórdãos diferentes, chegaram a soluções antagónicas” quanto ao sentido da mesma norma aplicada nesses dois acórdãos (apud Simas Santos / Leal Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., 2020, pp. 213-214). A questão de direito a resolver por via do recurso há de corresponder a uma idêntica “situação de facto” colocada perante uma idêntica “hipótese normativa”, na consideração dos seus diversos elementos relevantes, requerendo uma “decisão por um critério de interpretação” de entre “hipóteses interpretativas” divergentes (como se considerou no acórdão de 28.9.2022, Proc. n.º 503/18.0T9STR.E1-A.S1, em www.dgsi.pt, citando ainda Ulrich Schroth, Hermenêutica Filosófica e Jurídica, em «Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas», A. Kaufmann e W. Hassemer, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª ed., Lisboa, 2015, p. 398). 10. Estando em causa a força do caso julgado, que prossegue idênticos objetivos de segurança jurídica, impõe a lei exigentes requisitos, prevenindo a sua utilização como mais uma forma de recurso ordinário destinado à reapreciação da decisão de um caso concreto em divergência com outras decisões de outros tribunais, os quais se evidenciam, desde logo, na sua específica regulamentação (assim, por todos, o acórdão de 3.11.2021, proc. 36/21.8GJBJA-A.E1-A.S, em www.dgsi.pt). Em jurisprudência uniforme e reiterada, vem o Supremo Tribunal de Justiça requerendo a verificação de um conjunto de pressupostos de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência, uns de natureza formal e outros de natureza substancial (cfr., por todos, o citado acórdão de 8.11.2023, que se segue de perto). 11. Verificam-se os pressupostos de natureza formal quando: (a) a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); (b) o recorrente identifique o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento), bem como, no caso de estar publicado, o lugar da publicação; (c) se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito, e (d) o recorrente apresente justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência. Mostram-se, neste caso, reunidos tais pressupostos, nomeadamente os relativos ao prazo de 30 dias de interposição do recurso – que teve lugar por requerimento apresentado em 02.05.2024 – a contar da data do trânsito em julgado do acórdão recorrido – ocorrido em 15.04.2024, como nota o Ministério Público, tendo em conta a data presumida da notificação eletrónica da decisão do Tribunal Constitucional e o decurso do prazo de 10 dias para arguição de nulidades após a notificação, bem como o disposto no artigo 80.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, segundo o qual, transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários –, à identificação do acórdão fundamento e respetiva publicação na base de dados dos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, em www.dgsi.pt (https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/ 134973db04f39bf2802579bf005f080b/d3943d93c30fc48180257e54004bbc6e?OpenDocument), bem como à justificação da oposição. A recorrente, com a qualidade de arguida, tem legitimidade para o recurso e interesse em agir e os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação em cuja aplicação, alegadamente contraditória, se funda a invocada questão de direito. 12. Verificam-se os pressupostos de natureza substancial quando: (a) os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, quando, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida; (b) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, isto é, quando entre os dois acórdãos haja “soluções opostas” na interpretação e aplicação das mesmas normas; (c) a questão (de direito) decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas, e (d) haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos, pois que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas (assim, por todos, os acórdãos anteriormente citados). 13. A questão de direito, que vem identificada no recurso, traduz-se em saber se ao prazo de 20 dias para apresentação do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima, estabelecido no artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo («Regime Geral das Contraordenações» – «RGCO»), é aplicável ou não o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, o qual dispõe que «[o] prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo». Há, pois, que determinar se se verifica a oposição de julgados. 14. Examinado o processo, mostra-se o seguinte: 14.1. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão recorrido 14.1.1. Neste processo, em que foi proferido o acórdão recorrido, a arguida “Fórmula Extravagante Unipessoal, Lda.” interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto da decisão judicial proferida em 07.09.2023, pelo Juízo Local de Ovar, que não admitiu, por extemporâneo, o recurso de impugnação judicial interposto pela recorrente, nos termos do artigo 59.º do RGCO, da decisão condenatória proferida pela IGAMOT, que a condenou numa coima de 24.000,00 euros pela prática de contraordenação p. e p. pelo artigo 87.º, n.º 2, e 90.º, n.º 1, al. i), do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro e 22°, n°4, al. b) da Lei 50/2006, de 29 de Agosto. 14.1.2. O Juízo Local de ... fundamentou a decisão de rejeição nos seguintes termos (transcrição parcial): «[…] Tal impugnação foi apresentada junto daquela autoridade administrativa em 04.01.2023 (data do envio do email) — cfr. fls. 55. Determina aquele artigo 59°, n°2 daquele RGCO que a impugnação judicial há-de ser interposta no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido. Esta informação consta da notificação da decisão condenatória. Este prazo deve ser considerado como um prazo administrativo e não judicial pois que se insere ainda numa primeira fase em que o processo tem natureza administrativa, não se tendo ainda iniciado a fase judicial, a qual é eventual e apenas tem lugar depois da apresentação do processo ao juiz. Destarte, este prazo de 20 dias é contado de forma contínua, ainda que se suspendendo aos sábados, domingos e feriados. O mesmo é dizer que estamos perante um prazo de 20 dias úteis, ao qual não é, assim aplicável a disciplina prevista pelo artigo 279°, al. e) do Código Civil. De todo o modo, ainda que se discorde da natureza que se entende que o referido prazo assume, tem sido considerado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores que o legislador ao introduzir a actual redacção do artigo 60° do RGCO previu expressamente a forma de contagem do prazo para a impugnação judicial, optando por não suspender o mesmo durante as férias judiciais. (…) Ora, resulta de fls. 53, conjugado com o artigo 113°, n°1 do CPA, que a recorrente, foi notificada por via postal registada com aviso de recepção da decisão condenatória da autoridade administrativa em 29.11.2022. Nessa medida, tem de considerar-se que o prazo para impugnar a decisão terminou a 29.12.2022. Ora, tendo a impugnação sido apresentada em 04.01.2023 tem de concluir-se que a mesma foi interposta fora de prazo, quando a decisão da autoridade administrativa era já definitiva. Assim sendo, por extemporaneidade, não admito a impugnação judicial interposta por Fórmula Extravagante Unipessoal, Lda. da decisão proferida pela IGAMAOT, que se tem de ter, assim, por definitiva.” 14.1.3. O Tribunal da Relação, convocando abundante jurisprudência e doutrina, em concordância com o tribunal recorrido, decidiu que «ao prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3 do RGCO não é aplicável o regime previsto no artigo 279.º, alínea e) do CC», com base nos seguintes argumentos: a. «Em primeiro lugar, em face do disposto no artigo 60.º, n.º 1 do RGCO o prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo contínuo, ao contrário do que acontece no CPP, onde a regra é a continuidade dos prazos, como decorre do disposto no art.º 104.º, n.º 1 do CPP, atento o disposto no n.º 1, do actual artigo 138.º do Código de Processo civil (doravante CPC). (…).» b. «Em segundo lugar, o prazo de interposição de recurso de impugnação judicial mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO é um prazo de natureza administrativa, não judicial ou processual (aliás, a recorrente aceita a natureza administrativa do prazo). Efectivamente, tal entendimento foi consagrado no Assento n.º 2/94, de 10.03.1994, publicado no Diário da República I-A, de 7/5/94, que fixou a seguinte jurisprudência: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro.”, que tendo sido proferido ao abrigo de normas anteriores à actual redacção do n.º 3 do art.º 59.º e do art.º 60.º, ambos do RGCO, a sua fundamentação continua válida na parte referente à definição do prazo previsto no art.º 59.º, n.º 3, como de natureza administrativa e não de natureza judicial, pois que as alterações que foram posteriormente introduzidas ao RGCO pelo DL 244/95, de 14/09, em nada a beliscam. Na verdade, com o DL 244/95 o legislador quis unicamente alargar o prazo previsto no artigo 59º, nº 3, do RGCO de 8 para 20 dias e estabelecer outras regras quanto à sua contagem desse prazo no artigo 60º do RGCO, nada permitindo extrapolar que tivesse querido qualificar esse prazo como judicial e/ou estender-lhe a aplicação do regime previsto no artigo 279º do CC.» c. «Em terceiro lugar, ao recurso de impugnação judicial do processo contraordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do CPP (cfr. artigo 41.º do RGCO); e em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do CPC (cfr. artigo 4.º do CPP). As alterações legislativas que foram posteriormente introduzidas ao RGCO pelo DL 244/95, de 14.09 estabeleceram no artigo 60.º as regras relativas à contagem desse prazo, fazendo-o em divergência com o regime dos prazos judiciais previstos no CPP e no CPC, que também se suspendiam nas férias judiciais. Por outro lado, impõe-se ter em atenção que, como decorre do artigo 296.º do CC, os prazos previstos no art.º 279.º do CC são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei. Quer isto dizer que, importa averiguar se existe “disposição especial em contrário”, pois havendo-a é essa disposição legal que é aplicável. Ora, parece-nos que no caso das contraordenações sujeitas ao regime geral, não ocorre qualquer lacuna no RGCO nas regras de contagem do prazo de interposição de recurso de impugnação da decisão administrativa que houvesse de ser colmatada pela aplicação subsidiária (ex vi do artigo 41º, n.º 1) do regime processual penal civil por força do artigo 4º do CPP. Pelo contrário, existe disposição legal, só que é contrária ao artigo 279º do CC, nomeadamente à sua al. e), mais concretamente o art. 60.º do RGCO.» d. «Em quarto lugar, não podemos olvidar que o processo de contraordenação tem duas fases distintas: uma fase administrativa e uma fase judicial. (…) a fase judicial do processo de contraordenação só existirá se, tendo sido apresentado recurso, a autoridade administrativa não revogar a decisão condenatória e enviar s autos ao Ministério Público e se este os tornar presentes ao juiz, valendo este ato como acusação. E só se iniciará, portanto, com esta apresentação dos autos em juízo; consequentemente, só a partir de então, se poderá afirmar a existência de actos processuais. Ora, o recurso de impugnação da decisão administrativa fazendo parte, ainda, da fase administrativa do processo, não se pode considerar como um acto processual praticado em juízo e, por isso, não se aplicam as regras do processo civil nem do processo penal na contagem do prazo.» Pelo que, tendo o prazo terminado no dia 29.12.2022 (em férias judiciais), o seu termo não se transferiu para o dia 04.01.2023 (primeiro dia útil após férias), data em que o requerimento de recurso de impugnação judicial foi apresentado. 14.2. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão fundamento 14.2.1. No processo em que foi proferido o acórdão fundamento, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora da decisão judicial de 24.11.2014 que não admitiu, por extemporâneo, o recurso interposto pela recorrente, nos termos do artigo 59.º do RGCO, de impugnação judicial da decisão do “IMT”, de 18.6.2014, que lhe aplicou a coima de 1.000,00 euros, pela prática da contraordenação p. e p. pelo artigo 4.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio. 14.2.2. A instância local fundamentou a decisão de rejeição nos seguintes termos (transcrição parcial): «[…] A impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima deve ser deduzida no prazo de 20 dias a contar do seu conhecimento pelo arguido, cfr. artigo 59.º n. 3 do Regime Geral das Contra - Ordenações. O prazo para recorrer da decisão que aplica uma coima não tem natureza judicial, mas administrativa, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados. Além disso, e quanto à contagem do prazo para impugnação, é de referir que tal prazo suspende-se apenas aos sábados, domingos e feriados - cfr. artigo 60.º, n, 1, do RGCC. O prazo para a interposição de tal recurso também não se suspende durante as férias judiciais. Como vem sendo entendido, o prazo de interposição do recurso da decisão de aplicação da coima não tem natureza judicial mas sim administrativa, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial (…). O prazo para apresentação da impugnação judicial terminou no dia 25 de Julho de 2014, e tendo a mesma sido apresentada na autoridade administrativa em 1 de Setembro de 2014, impõe-se concluir que a mesma é extemporânea. Por conseguinte, rejeita-se liminarmente o presente recurso de impugnação judicial.» 14.2.3. No recurso que interpôs para o Tribunal da relação o arguido pediu a revogação da decisão da 1.ª instância e a sua substituição por outra que admitisse o recurso de impugnação, com fundamento no artigo 279.º, alínea e) do Código Civil, pois que, na sua interpretação, por aplicação desta disposição, o termo do prazo de impugnação da previsão do artigo 59.º do RGCO que termine em férias transfere-se para o primeiro dia útil após férias. 14.2.4. O Tribunal da Relação, em longa argumentação, concedeu provimento ao recurso, determinando que o tribunal recorrido admitisse o recurso de impugnação judicial, por aplicação do artigo 279.º do Código Civil, com base, no essencial, nos seguintes fundamentos: (a) A apresentação do requerimento de impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima junto da autoridade administrativa é um ato praticado em processo contraordenacional, não em processo administrativo, um «ato praticado em juízo» para efeitos do artigo 59.º do RGCO; «como tal é-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil». (b) Este entendimento «não contraria formalmente o decidido no Acórdão n. 2/94, pois que aí apenas se discutia – e se decidiu - sobre a suspensão do prazo de recurso através da aplicação do artigo 144º, n. 3 do Código de Processo Civil, algo que aqui não está directamente em causa na medida em que este artigo afirmava que o prazo judicial se suspendia, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e feriados»; (c) A alteração ao artigo 60.º introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, levou a que o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/94 se considere «caduco» quanto à suspensão dos prazos aos sábados, domingos e feriados e à transferência da possibilidade da prática do ato no primeiro dia útil seguinte, mas deixou por resolver a questão de «saber se ocorre suspensão do prazo em férias judiciais na medida em que tal hipótese ficou excluída porque não prevista no novo preceito, mas que resulta da normal aplicação do direito subsidiário, isto é, o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil.» Assim, tendo o prazo de impugnação previsto no artigo 59.º do RGCO terminado em férias judiciais de verão (em 25.7.2014), o prazo para impugnar judicialmente a decisão administrativa transferiu-se para o primeiro dia útil após férias (01.09.2014), data em que foi apresentado o requerimento de recurso de impugnação. 15. Em síntese, o que estava em causa, quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento, era saber se, ocorrendo durante as férias judiciais, o termo do prazo de 20 dias estabelecido no artigo 59.º, n.º 3, do RGCO, para apresentação do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima se transfere para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais, tendo em conta o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil. A situação de facto em apreciação era idêntica em ambos os acórdãos. Quer neste caso quer no outro os prazos terminaram durante as férias judiciais, que decorrem entre decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto – artigo 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário). Na situação descrita no acórdão recorrido o prazo terminou no dia 29 de dezembro; na do acórdão fundamento, em 25 de julho. Ambos os recursos foram apresentados no primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judiciais – o primeiro no dia 4 de janeiro, o segundo no dia 1 de setembro. Conhecendo dos recursos judiciais das decisões que não admitiram os recursos de impugnação judicial, os acórdãos dos tribunais da Relação concluíram, porém, em sentidos divergentes, em contradição um com o outro, na base de proposições de direito antagónicas obtidas em resultado de interpretações diferentes das normas aplicáveis, no domínio da mesma legislação. No caso dos presentes autos, o acórdão recorrido concluiu que não é aplicável a alínea e) do artigo 279.º do CC, pelo que manteve a decisão que não admitiu o recurso de impugnação, por o considerar extemporâneo. No caso do processo em que foi proferido o acórdão fundamento, este concluiu que é aplicável a alínea e) do artigo 279.º do CC, pelo que revogou a decisão que não admitiu o recurso, ordenando que fosse substituída por outra que o considerasse tempestivo e o admitisse. 16. Assim sendo, conclui-se que se verifica uma oposição de julgados, devendo o processo prosseguir, em conformidade com o disposto no artigo 441.º. n.º 1, do CPP. III. Decisão 17. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar verificada a oposição de julgados, determinando-se o prosseguimento do processo nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Supremo Tribunal de Justiça, 31 de outubro de 2024. José Luís Lopes da Mota (relator) António Augusto Manso Horácio Correia Pinto |