Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3449/22.4T8VFX.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
PRAZO
VOTAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 05/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :
I. No âmbito do processo especial para acordo de pagamento (PEAP: arts. 222º-A e ss do CIRE), tendo em conta o art. 222º-F, 1, do CIRE, o “acordo de pagamento” obtido com a aprovação unânime (em procedimento idóneo para o efeito) de todos os credores, formalizado com a respectiva assinatura no prazo previsto para as negociações, não precisa de ser sujeito a votação; esta votação só é necessária se não houve a unanimidade reflectida em “acordo” devidamente assinado por todos os credores e remetido como tal ao processo para «homologação ou recusa do mesmo pelo juiz».

II. Sempre que a fase de negociações em PEAP não se conclua com a «aprovação unânime» do “acordo de pagamento”, tal situação conduz à aplicação do art. 222º-F, 2, do CIRE, que pressupõe que o devedor, uma vez concluída a fase das negociações (encetadas e prosseguidas nos termos do art. 222º-D, 1, 6 a 10, do CIRE), considera (directamente ou por força das comunicações transmitidas pelo AJP) que o “acordo de pagamento” obtido durante o processo negocial obteve uma maioria de aceitação (aprovação provisória, com ou sem votação expressa para esse efeito, de acordo com a ponderação das maiorias previstas no n.º 3), que encontrará correspondência na votação subsequente e necessária (pois se se considerasse que tal não se verificara, obrigaria a concluir-se o processo negocial nos termos do art. 222º-G, 1, a contrariis, do CIRE).

III. O art. 222º-F, 2, do CIRE aplica-se para votação do “acordo de pagamento” sem «aprovação unânime» – ou seja, para um acordo para o qual, durante o período das negociações, se procurou a mais ampla adesão e não foi possível ser aprovado por todos os credores –, sujeito a, uma vez remetido pelo devedor ao tribunal, publicação no portal Citius (publicidade) e ulterior votação, no prazo de 10 dias, para aprovação ou rejeição (como resultado final), de acordo com as regras do art. 222º-F, 3 e 4, do CIRE.

IV. Sendo assim feito, em aplicação do art. 222º-F, 5, sobre a decisão de homologação ou não do “acordo de pagamento”, que remete para os arts. 215º e 216º do CIRE, não se vislumbra a violação não negligenciável, nos termos do art. 215º do CIRE, da norma respeitante ao prazo de votação do “acordo de pagamento”, uma vez que, na referida lógica de sequência normativa, tal votação (conducente ao resultado final de aprovação) não tem que ocorrer até ao fim do prazo das negociações.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 3449/22.4T8VFX.L1.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, ... Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. AA e BB, cônjuges, apresentaram-se a processo especial para acordo de pagamento (arts. 222º-A e ss do CIRE), requerendo despacho nos termos do art. 222º-C, 4, a), e a nomeação de administrador judicial provisório (AJP).


Foi proferido despacho de “recebimento” do requerimento inicial e de nomeação do Administrador Judicial Provisório (AJP).


O AJP procedeu à junção da lista provisória de créditos (art. 222º-D, 3), publicada no portal Citius em 06/02/2023.


Registaram-se impugnações pelos devedores e pela credora «Sd Debt Portfolios, S. A.», com notificação para pronúncia proferida em 2/3/2023.


2. Em 14/04/2023, os devedores e o AJP acordaram prorrogar pelo prazo de um mês o período de negociações, com vista à conclusão das negociações iniciadas e aprovação do acordo de pagamento (art. 222º-D, 5).


Em 15/05/2023, os devedores, em requerimento apresentado nos autos, juntaram “Acordo de Pagamento”, mencionando que se daria “início ao período de votação previsto no CIRE”; mais requereram a pronúncia sobre as impugnações deduzidas relativamente aos créditos do «Instituto Financeiro da Segurança Social, I.P.» e da «Sd Debt Portfolios, S. A.», necessária para se “computar, para efeitos de cálculo das maiorias necessárias à aprovação, o valor dos créditos impugnados”.


Em 22/05/2023 foi aquele acordo publicitado no portal Citius, onde se exarou:


“Foram concluídas as negociações de acordo de pagamento sem observância do disposto no nº 1 do art. 222º-F do CIRE, ficando todos os interessados advertidos que tal acordo foi junto ao processo, correndo desde a presente publicação, o prazo de votação de 10 (dez) dias, no decurso do qual pode ser solicitada a não homologação do plano (nº 2 do art. 222º-F do CIRE).”


3. Em 29/05/2023, a credora «SD Debt Portfolios, S. A.» veio aos autos requerer que se determinasse o encerramento do processo negocial, por se encontrar ultrapassado o prazo para conclusão das negociações (15/5/2023), sem que tivesse sido alcançado um acordo de pagamento, pois que o documento apresentado nos autos pelos devedores, no fim do prazo prorrogado, consubstanciava apenas e tão só uma “proposta de pagamento”, sem prévia aprovação dos credores, submetida subsequentemente a votação, quando esta deveria ter ocorrido dentro do prazo das negociações, não devendo assim o Tribunal publicitar o aludido documento como “acordo de pagamento”; a ser assim, defendia, encontrava-se verificado o fundamento para julgar encerrado o processado negocial, ao abrigo do n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE, na parte em que este dispõe que, caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D sem se alcançar um acordo de pagamento, o processo negocial é encerrado. Mais alegava que manifestara o seu sentido de voto, desfavorável à aprovação da proposta de Acordo de Pagamento apresentada pelos Devedores, junto do AJP.


Os devedores vieram aos autos (1/6/2023) responder que não lograram alcançar a aprovação unânime do acordo de pagamento apresentado junto de todos os credores, pelo que tal apresentação ocorreu a coberto do n.º 2 do art.º 222.º- F do CIRE, devendo tal acordo de pagamento ser colocado à votação, como foi; assim, “o Acordo de Pagamento foi apresentado dentro do prazo legal, tendo o prazo de votação iniciado com o anúncio da referida junção pelo Tribunal”.


4. Em 1/6/2023, foi proferido despacho a decidir as impugnações de créditos.


Este despacho foi notificado a 21/6/2023.


5. Em 2/6/2023, veio o AJP aos autos pronunciar-se sobre a necessidade de serem decididas as impugnações deduzidas em face da lista provisória de créditos, uma vez que tal decisão “poderá fazer variar o sentido final da votação realizada”, uma vez que “o percentual do valor dos créditos reconhecidos e impugnados poderá ser expressivamente diferente” e tal fará com que “a proposta de acordo de pagamento junto aos autos seja aprovado ou rejeitado”; mais informou que tinha elaborada “a versão da acta da votação final onde consta o sentido do voto dos credores que nos foram directamente remetidos, não obstante reconhecermos que em resultado do julgamento das impugnações pendentes se tenha [que] eventualmente alterar a conclusão final a fazer constar da Acta de Votação, como seja a de considerar a Aprovação ou Rejeição da proposta de plano apresentada aos credores”.


6. Em 30/06/2023, o AJP apresentou nos autos, nos termos do art. 222º-F, 4, do CIRE: (i) a versão final e actualizada da lista de créditos, reflectidas as alterações decorrentes da procedência e improcedência das impugnações deduzidas no despacho de 1/6/2023, e (ii) a acta final com o resultado da votação, baseado na “actualização dos valores dos créditos reconhecidos”, datada de 28/6/2023, considerando aprovado o acordo de pagamento ao abrigo da al. a), verificado “o requisito de o acordo de pagamento ter sido votado por pelo menos 1/3 do total dos créditos relacionados com direito de voto, não se considerando as abstenções (…)”, e da al. b) do n.º 3 do art. 222.º-F, do CIRE, “na medida em que recolheu o voto favorável de credores cujos créditos representam mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto (…) e o voto favorável (…) de mais de 50% dos votos emitidos corresponde a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.º 3 e 4 do artigo 222º-D do CIRE”.


7. Por despacho proferido em 13/07/2023, foi indeferido o requerido pela credora «SD Debt Portfolios, S. A.» em 29/5/2023 tendo em vista o encerramento do processo negocial, nos seguintes termos que se transcrevem:


“Os factos são os seguintes:

1. A lista provisória de credores foi publicada em 06-02-2023.

2. Em 14-04-2023, os devedores e o Sr. AJP prorrogaram por mais um mês o prazo para conclusão das negociações.

3. Em 15-05-2023, os devedores apresentaram o acordo de pagamento, que foi publicitado, como tal, no portal Citius em 22-05-2023.

4. Em 30-06-2023, o Sr. AJP apresentou o resultado da votação, considerando aprovado o acordo de pagamento ao abrigo da al. b) do n.º 3 do art. 222.º-F, do CIRE.


Sob a epígrafe “Conclusão das negociações com a aprovação de acordo de pagamento”, estabelece o art. 222.º- F, n.º 1, e n.º 2, do CIRE, o seguinte:


“1 - Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.


2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.”


Seguimos de perto o Ac. do STJ de 08-02-2022, proferido no proc. 2690/20.9T8STR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citado pelos devedores, que abordou justamente a questão colocada, decidindo uma oposição de julgados, sendo, inclusivamente, posterior aos arestos citados pela credora requerente.


Assim, não obstante o PEAP ser decalcado do PER e sendo o n.º 1 do art. 222.º-F (PEAP) uma reprodução do n.º 1 art. 17.º-F (PER), já o n.º 2 do art. 222.º-F não acompanha o n.º 2 do art. 17.º- F, emergente da alteração do DL 79/2017, de 30-06, que passou a prever expressamente que a votação do plano de revitalização ocorre após o prazo das negociações, “sendo esta a solução, concluindo-se as negociações sem a aprovação unânime do acordo de pagamento, que inspira a solução que foi adotada no art. 222.º-F/2 do CIRE (para o PEAP)”, conforme no citado acórdão se refere.


E esclarece:


“É certo que, quanto ao PEAP, o legislador de 2017 não teve o cuidado de redigir o art. 222.º-F com a mesma harmonia e coerência que colocou na redação do equivalente art 17.º-F atual (onde se prevê, no caso da aprovação unânime, que a votação ocorra depois de findo o prazo das negociações), porém, a referida falta de cuidado não é motivo suficiente para recusar, no PEAP, a alteração (em matéria de prazos/momentos de votação) que claramente foi visada pelo legislador de 2017.


O trecho inicial quer do n.º 1 quer do n.º 2 do art. 222.º-F parecem trazer implícita, reconhece-se, que haja ocorrido uma prévia votação (uma vez que só assim, dir-se-á, se poderá dizer que o acordo de pagamento foi aprovado, como ali se refere), porém, o que vem a seguir no mesmo n.º 2 do art. 222.º-F – não por lapso, mas sim por tal corresponder ao pensamento legislativo e à alteração introduzida em matéria de prazos/momentos de votação pelo legislador de 2017 – diz que a partir da publicação do anúncio no portal Citius da junção do acordo (diz-se “plano”, mas quer naturalmente dizer-se “acordo”) corre o prazo de votação de 10 dias, pelo que, estando isto dito de modo tão claro, quer pela sua letra, quer pela sua correspondência ao pensamento legislativo, é infundado, com todo o respeito, empreender e sustentar, em nome da falta de cuidado na redação do art. 222.º-F/2 e da sua correspondente desarmonia, a referida interpretação abrogante (do art. 222.º-F/2).


Em síntese, a correta interpretação do art. 222.º-F/2 do CIRE, pese embora a “desarmonia” que lhe pode ser associada, não pode deixar de respeitar e reconstituir o pensamento legislativo (art. 9.º do C. Civil), o mesmo é dizer, o que se visou com as alterações que o DL 79/2017 introduziu em matéria de prazos/momentos de votação, desligando tais prazos/momentos do prazo das negociações (a que se referem os art. 17.º-D/5 e 122.º-D/5).


Em conclusão, segundo a interpretação que reputamos como correta do art. 222.º-F/2 do CIRE, no caso das negociações não se concluírem com a aprovação unânime do acordo de pagamento, a votação do acordo de pagamento ocorre após a publicação no portal Citius do anúncio da junção do acordo de pagamento, nos 10 dias seguintes a tal publicação, ou seja, em tal hipótese, a votação do acordo de pagamento (o prazo ou termo até ao qual pode ser votado o acordo de pagamento) não tem que ocorrer até ao fim do prazo das negociações (não tem que ocorrer na limitação temporal das negociações).”


8. O Juiz 2 do Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira proferiu nessa mesma data (13/7) sentença, decidindo:


“Homologo, por sentença, o acordo de pagamento referente a AA (…) e BB (…), casados entre si (…).





A presente decisão vincula todos os demais credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – art. 222.º-F, n.º 8, do CIRE.”


9. Em 17/7/2023, a credora «SD Debt Portfolios, S. A.» requereu a não homologação do Acordo de Pagamento; os devedores pronunciaram-se no sentido da improcedência do pedido.


10. Notificada da sentença e inconformada, a credora «SD Debt Portfolios, S. A.» interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (16/8/2023), que, identificadas as questões recursivas – “(i) Do decurso e esgotamento do prazo para a conclusão das negociações; (ii) Caso assim se não entenda, da alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia; (iii) Da não homologação do Acordo de Pagamento por alegada violação do princípio da igualdade entre credores.” –, conduziu a ser proferido acórdão (14/12/2023) que julgou procedente a apelação, assim revogando a decisão recorrida, que se altera por outra a “determinar o encerramento do processo”.


11. Sem se resignarem, os Requerentes devedores interpuseram recurso de revista para o STJ com base no regime do art. 14º, 1, do CIRE, apresentando como acórdão fundamento o proferido neste STJ em 8/2/2022 (ulteriormente com junção de certidão com nota comprovativa do trânsito em julgado), tendo em vista a reapreciação da questão de “saber se a Aprovação do Acordo de Pagamento pelos Credores tem, de acordo com o estatuído no artigo 222.º-F, n.º 1 do CIRE, de ocorrer dentro do período fixado no artigo 222.º-D, n.º 5 do mesmo diploma para as negociações – isto é, no prazo de dois meses, prorrogáveis por mais um mês – ou, antes, se é possível, no caso de, findas as negociações, não ser alcançado entendimento entre Credores e Devedores, enviar o Acordo para o Tribunal e submetê-lo, após publicação, no prazo de 10 dias, à votação dos Credores, nos termos do artigo 222.º-F, n.º 2 do CIRE”.


Apresentou Conclusões a rematar as alegações, destacando-se as duas últimas:


“27. A conclusão só pode, assim, ser uma:


Tendo sido o Acordo de Pagamento apresentado dentro do prazo legal, e tendo-se o prazo de votação iniciado com o anúncio da referida junção pelo Tribunal, o Acordo apresentado pelos Devedores sempre teria de ser homologado. Andou, por isso, bem a 1.ª Instância, ao proferir Sentença no sentido da sua homologação. Posição esta que é acompanhada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão-Fundamento que, numa situação em tudo semelhante à dos presentes autos, conforme supra explicitado, decidiu “Não se verificando, face à referida interpretação do art. 222.º-F/2 do CIRE, a única causa a violação não negligenciável da norma (imperativa) respeitante ao prazo de votação do acordo (nos termos do art. 215.º do CIRE, ex vi art. 222.º-F/5 do CIRE) que obstou, nas Instâncias, à homologação do acordo de pagamento. Pelo que é a conclusão final o acordo de pagamento tem que ser homologado, procedendo assim a revista.” (realce e sublinhado nossos)


28. Assim, face a tudo quanto ficou exposto, o Acordo de Pagamentos apresentado nos autos, e devidamente publicitado no portal Citius deveria ter sido homologado, pois que cumpridos que estavam os requisitos legal, jurisprudencial e doutrinalmente exigidos, e bem assim o preceituado nos artigos 222.º-D, n.º 5 e 222.º-F, n.º 2 do CIRE – o que se requer”.





A credora «SD Debt Portfolios, S. A.» apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da revista e a consequente confirmação do acórdão recorrido.


12. Em cumprimento do solicitado nesta instância após subida dos autos, foi proferido despacho de fixação do valor da causa, correspondente ao valor de € 30.000,01, transitado em julgado em 1/4/2024.


Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objecto do recurso


As decisões proferidas em 1.ª instância e reapreciadas pela Relação no âmbito de PEAP, regulado nos arts. 222º-A e ss, sendo tramitadas endogenamente nos próprios autos, regem-se pelo especial regime de recursos previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, que configura uma revista atípica e restrita e, por isso, delimitador da susceptibilidade da revista para o STJ do acórdão recorrido.


Na verdade, esta disciplina recursiva é aplicável extensivamente às acções judiciais conexas pré-insolvenciais, como são o Processo Especial de Revitalização (PER: arts. 17º-A e ss, CIRE) e o Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP: arts. 222º-A e ss, CIRE). Para este, o art. 222º-A, 3, in fine, em especial, faz aplicar as regras do CIRE «que não sejam incompatíveis com a sua natureza», sendo este o caso do art. 14º, 1, do CIRE.


O artigo 14º, 1, do CIRE determina:


«No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme».


A admissibilidade desta revista depende, em particular, de ser invocada e assente uma oposição de julgados sobre «a mesma questão fundamental de direito» com um (e um só) outro acórdão do STJ ou das Relações, com vista a inscrever tal conflito jurisprudencial como condição de acesso ao STJ.


Os recorrentes cumpriram o ónus específico de demonstrar que a diversidade de julgados a que respeitam os acórdãos em confronto é consequência de uma interpretação divergente da mesma questão fundamental de direito na vigência da mesma legislação, conduzindo a que uma mesma incidência fáctico-jurídica tenha sido decidida em termos contrários, promovendo assim a impugnação recursiva para o STJ: verifica-se essa oposição com o Ac. do STJ proferido em 8/2/2023, delimitada pela questão relativa à interpretação do art. 222º-F, 1 e 2, em conjugação com os arts. 222º-D, 5, e 222º-G, 1, do CIRE, no que tange à admissiblidadade e prazo para votação do “acordo de pagamento” obtido sem unanimidade dos credores.


2. A admissibilidade restrita e atípica do recurso de revista previsto no art. 14º, 1, do CIRE não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso e dos requisitos próprios do recurso de revista (artigo 671º, 1 e 2, CPC), por força do art. 17º, 1, do CIRE, que se preenchem no caso.


3. Factualidade relevante


Para além do que consta supra no Relatório, as instâncias definiram como relevantes os seguintes factos:

1. A lista provisória de credores foi publicada em 06-02-2023.

2. Em 14-04-2023, os devedores e o Sr. AJP prorrogaram por mais um mês o prazo para conclusão das negociações.

3. Em 15-05-2023, os devedores apresentaram o acordo de pagamento, que foi publicitado, como tal, no portal Citius em 22-05-2023.

4. Em 30-06-2023, o Sr. AJP apresentou o resultado da votação, considerando aprovado o acordo de pagamento ao abrigo da al. b) do n.º 3 do art. 222.º-F, do CIRE.


4. Fundamentação de direito


4.1. A normatividade relevante do CIRE é a seguinte.


Artigo 222º-D


Tramitação subsequente


(…)


3 – A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos relacionados e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.


(…)


5 – Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.


(…)


Artigo 222º-F


Conclusão das negociações com a aprovação de acordo de pagamento


1 – Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.


2 – Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.


3 – Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que:


a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:


i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;


ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D; ou


b) Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções:


i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50 /prct. da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D;
ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.
os 3 e 4 do artigo 222.º-D.


4 – A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.


5 – O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.


(…)


Artigo 222º-G


Conclusão do processo negocial sem a aprovação de acordo de pagamento


1 – Caso o devedor ou as maiorias dos credores previstas no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível por meios eletrónicos, e publicá-lo no portal Citius.


(…)


4.2. O acórdão recorrido entendeu que, em síntese:


(i) das disposições conjugadas dos arts. 222º-D, 5, e 222.º-F do CIRE resulta que a aprovação do acordo de pagamento deve ser sujeita a votação até ao fim do prazo das negociações, e apenas o acordo aprovado, por unanimidade ou maioria, deve ser remetido ao tribunal, que o poderá homologar ou recusar a sua homologação;


(ii) é incoerente a menção à publicação do acordo para votação no prazo de 10 dias, a que alude o n.º 2 do art. 222º-F, razão pela qual, com vista à unicidade do sistema, se impõe uma interpretação ab-rogante deste preceito, implicando que, após a remessa do acordo de pagamento ao tribunal, já previamente votado e aprovado, se possa e deva apenas verificar os pressupostos de que depende a sua homologação ou recusa;


(iii) concluído o prazo das negociações sem a aprovação de acordo de pagamento, logo, sem a sua votação, impõe-se ao tribunal encerrar o processo negocial, ao abrigo do n.º 1 do artigo 222º-G do CIRE, e, caso assim não ocorra, e o acordo venha a ser votado mais tarde, o caráter imperativo da limitação temporal das negociações, obstará à sua homologação, por violação não negligenciável de regras procedimentais, à luz do art. 215º do CIRE.


Concluiu pela revogação da decisão recorrida “por ter sido ultrapassado o prazo das negociações sem que tivesse sido celebrado acordo de pagamento, o que obrigaria ao encerramento do processo e obstaria à homologação de um acordo”.


4.3. O acórdão fundamento, proferido nesta 6.ª Secção, entendeu, ao invés, considerar outra posição quanto ao “prazo ou termo até ao qual pode ser votado o respectivo acordo de pagamento” em PEAP.


Em síntese (transcreve-se):


“É certo que, quanto ao PEAP, o legislador de 2017 não teve o cuidado de redigir o art. 222.º-F com a mesma harmonia e coerência, que colocou na redação do equivalente art 17.º-F atual (onde se prevê, no caso da aprovação unânime, que a votação ocorra depois de findo o prazo das negociações), porém, a referida falta de cuidado não é motivo suficiente para recusar, no PEAP, a alteração (em matéria de prazos/momentos de votação) que claramente foi visada pelo legislador de 2017.


O trecho inicial quer do n.º 1 quer do n.º 2 do art. 222.º-F parecem trazer implícita, reconhece-se, que haja ocorrido uma prévia votação (uma vez que só assim, dir-se-á, se poderá dizer que o acordo de pagamento foi aprovado, como ali se refere); porém, o que vem a seguir no mesmo n.º 2 do art. 222.º-F – não por lapso, mas sim por tal corresponder ao pensamento legislativo e à alteração introduzida em matéria de prazos/momentos de votação pelo legislador de 2017 – diz que a partir da publicação do anúncio no portal Citius da junção do acordo (diz-se “plano”, mas quer naturalmente dizer-se “acordo”) corre o prazo de votação de 10 dias, pelo que, estando isto dito de modo tão claro, quer pela sua letra, quer pela sua correspondência ao pensamento legislativo, é infundado (…) empreender e sustentar, em nome da falta de cuidado na redação do art. 222.º-F/2 e da sua correspondente desarmonia, a referida interpretação abrogante (do art. 222.º-F/2).


Em síntese, a correta interpretação do art. 222.º-F/2 do CIRE, pese embora a “desarmonia” que lhe pode ser associada, não pode deixar de respeitar e reconstituir o pensamento legislativo (art. 9.º do C. Civil), o mesmo é dizer, o que se visou com as alterações que o DL 79/2017 introduziu em matéria de prazos/momentos de votação, desligando tais prazos/momentos do prazo das negociações (a que se referem os art. 17.º-D/5 e 122.º-D/5).


Em conclusão, segundo a interpretação que reputamos como correta do art. 222.º-F/2 do CIRE, no caso das negociações não se concluírem com a aprovação unânime do acordo de pagamento, a votação do acordo de pagamento ocorre após a publicação no portal Citius do anúncio da junção do acordo de pagamento, nos 10 dias seguintes a tal publicação, ou seja, em tal hipótese, a votação do acordo de pagamento (o prazo ou termo até ao qual pode ser votado o acordo de pagamento) não tem que ocorrer até ao fim do prazo das negociações (não tem que ocorrer na limitação temporal das negociações).”


4.4. Considerando o art. 663º, 5, ex vi art. 679º, do CPC, sufraga-se e remete-se para a fundamentação de acórdão, aqui fundamento da revista, proferido em 8/2/2022, no qual se considera que a votação, no caso de as negociações não se concluírem com a aprovação unânime do “acordo de pagamento” (hipótese do art. 222º-F, 1, do CIRE), ocorre após a publicação no portal Citius do anúncio da junção do acordo, nos 10 dias seguintes a tal publicação, como literalmente consta do art. 222º-F, 2, do CIRE.


Assim.


4.5. O “acordo de pagamento” foi remetido ao tribunal após o prazo conferido pela lei para a conclusão das negociações: (i) a lista provisória de créditos foi publicada no portal Citius em 6/2/2023; (ii) o prazo para impugnação dos créditos é de cinco dias úteis, de acordo com o art. 222º-D, 3, ou seja, terminou em 13/2/2023; (iii) o prazo para conclusão de negociações começou em 14/2/2023, de acordo com o art. 222º-D, 5, que, sendo de dois meses, terminou em 14/4/2023; (iv) neste mesmo dia, houve prorrogação de um mês do período de negociações, ainda de acordo com o art. 222º-F, 5, a começar em 15/4/2023; (v) em 15/5/2023, os devedores remeteram ao tribunal o “acordo de pagamento”, informando que se daria início ao período de votação.


Depois: (vi) tal acordo foi publicado no portal Citius em 22/5/2023, de acordo com a parte final do art. 222º-D, 5, ficando exarado que começara a correr o prazo de votação de 10 dias e a faculdade de exercício da solicitação de não homologação do “plano” (recte, “acordo”) – isto é, até 1/6/2023; (vii) em 29/5/2023, a credora aqui Recorrente requereu o encerramento do processo negocial; (viii) em 1/6/2023, foi proferido despacho com a decisão sobre as impugnações de créditos da lista provisória; (ix) este despacho foi notificado em 21/6/2023; (x) em 2/6/2023, o AJP comunicou nos autos o recebimento das votações dos credores, sem que pudesse reflectir tais votações em “acta da votação final”; (xi) em 30/6/2023, o AJP apresentou a lista definitiva dos créditos reconhecidos e a aprovação do “acordo de pagamento”, nos termos do art. 222º-F, 3, b), e 4, do CIRE.


4.6. Em 1.ª instância, foi considerado que:

i. a apresentação do “acordo de pagamento” foi publicitada e a respectiva votação feita no prazo de 10 dias oferecido pelo art. 222º-F, 2, do CIRE, uma vez obtido tal acordo sem a unanimidade pressuposta pelo n.º 1 deste preceito, afastando a hipótese de ter que ser votado e aprovado necessariamente até ao fim do prazo das negociações e, por tal razão, indeferindo o requerimento de encerramento do processo negocial da credora aqui Recorrente;

ii. o “acordo de pagamento” “foi votado por credores que representam mais de 50% dos créditos relacionados com direito de voto na lista definitiva de credores e foi aprovado por credores que representam mais 50% da totalidade dos créditos não subordinados relacionados com direito de voto – al. b)”, concluindo que “estão reunidos os pressupostos de regularidade da votação – cfr. art. 222.º-F n.º 3, al. b), e 212.º, n.º 1, do CIRE, pelo que o plano foi regularmente aprovado”.


Assim, tal acordo de pagamento obtivera os quóruns exigidos pelo art. 222.º-F, 3, do CIRE e fora por isso aprovado (v. ainda supra, ponto 6. do Relatório) – o que não é questão recursiva.


Também não é questão recursiva saber se as votações foram recebidas pelo AJP no prazo de 10 dias conferido pelo art. 222º-F, 2, do CIRE; ainda assim, nada consta factualmente do processo que indique que as votações não foram exercidas e recebidas pelo AJP nesse prazo legal de 10 dias após o anúncio publicado no CITIUS – que, salvo erro de aplicação, se esgotaria em 1/6/2023; antes temos a declaração do AJP nesse sentido por força do requerimento de 2/6/2023 (cfr. supra, ponto 5. do Relatório); e temos o envio do documento-“acta” com o resultado da votação ao tribunal, como prescreve o n.º 4 do art. 222º-F, 4, do CIRE.


Só é questão recursiva saber se o “acordo de pagamento” disponibilizado pelos devedores pode ser sujeito a votação para aprovação, no caso de falta de unanimidade, após o esgotamento do período temporal para a fase de negociações, começando a contar tal prazo a partir da publicação do anúncio para o efeito, tal como prescrito pelo art. 222º-F, 2; e seu efeito jurídico-normativo sobre a homologação do “acordo” em razão da aplicação dos arts. 222º-F, 5, e 215º do CIRE.


Ora.


Em face da questão admitida para a revista e da interpretação acolhida para o art. 222.º-F, 1 e 2, do CIRE, considera-se que:

i. não é aplicável o art. 222º-G, 1, do CIRE, o que obsta ao encerramento do processo negocial, uma vez que se procedeu à votação e aprovação final do “acordo de pagamento” dentro do prazo (de votação) a que alude o art. 222º-F, 2, do CIRE, excluindo que tal procedimento de finalização do acordo se tenha que concluir até ao termo da fase de negociações prevista no art. 222º-D, 5, do CIRE;

ii. tendo em conta o art. 222º-F, 1, do CIRE, o “acordo de pagamento” obtido com a aprovação unânime (em procedimento idóneo para o efeito) de todos os credores, formalizado com a respectiva assinatura de todos no prazo previsto para as negociações (encetadas e prosseguidas nos termos do art. 222º-D, 1, 6 a 10, do CIRE), não precisa de ser sujeito a votação; esta votação só é estritamente necessária se não houve a unanimidade reflectida em “acordo” devidamente assinado por todos os credores e remetido como tal ao processo para «homologação ou recusa do mesmo pelo juiz»1;

iii. a não observância da situação de «aprovação unânime» conduz à aplicação do art. 222º-F, 2, do CIRE, que pressupõe que o devedor, uma vez concluída a fase das negociações, considera (directamente ou por força das comunicações transmitidas pelo AJP2) que o “acordo de pagamento” obtido durante o processo negocial obteve uma maioria de aceitação (aprovação provisória, com ou sem votação expressa para esse efeito, de acordo com a ponderação das maiorias previstas no n.º 33), que encontrará correspondência na votação subsequente e necessária (pois se se considerasse que tal aprovação não se verificara, obrigaria a concluir-se o processo negocial nos termos do art. 222º-G, 1, a contrariis, do CIRE, por «não ser possível alcançar o acordo»4)5;

iv. o art. 222º-F, 2, do CIRE aplica-se para a votação do “acordo de pagamento” sem «aprovação unânime» – ou seja, para um acordo para o qual, durante o período das negociações, se procurou a mais ampla adesão e não foi possível ser aprovado por todos os credores, espoletando a necessidade de votação expressa6 –, sujeito a, uma vez remetido pelo devedor ao tribunal, publicação no portal Citius (publicidade) e ulterior votação, no prazo de 10 dias, para aprovação ou rejeição (como resultado final), de acordo com as regras do art. 222º-F, 3 e 4, do CIRE;

assim sendo feito, como se fez no caso:

v. em aplicação do art. 222º-F, 5, sobre a decisão de homologação ou não do “acordo de pagamento”, que remete para os arts. 215º e 216º do CIRE, não se vislumbra a violação não negligenciável, nos termos do art. 215º do CIRE7, da norma respeitante ao prazo de votação do “acordo de pagamento”, tal como decidido sem censura pela 1.ª instância, uma vez que, na referida lógica de sequência normativa, tal votação (conducente ao resultado final de aprovação) não tem que ocorrer até ao fim do prazo das negociações.


Razões pelas quais não se encontram motivos para a não homologação do “acordo de pagamento”, o que determina nesta instância a revogação do acórdão recorrido, procedendo assim as conclusões dos Recorrentes.


III. DECISÃO


Pelo exposto, julga-se procedente a revista, repristinando-se a sentença de 1.ª instância, com a consequência de se decidir homologado o acordo de pagamento apresentado pelos devedores AA e BB e vinculados os credores nos termos do art. 222º-F, 8, do CIRE.


Custas pela Recorrida.


STJ/Lisboa, 14/5/2024


Ricardo Costa (Relator)


Graça Amaral


Leonel Serôdio


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

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1. Neste sentido, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um curso de Direito da Insolvência, Volume II, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, págs. 400, 406.↩︎

2. Note-se que o AJP «participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e deve assegurar que as partes não adotam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas» (art. 222º-D, 9, CIRE); v. ainda o n.º 8 para as «regras definidas pelo administrador judicial provisório nomeado» para as negociações.↩︎

3. Assim se explicará a referência a «aprovação» – sem votação ou com indicação do sentido de voto ou com votação, sempre conducente a não unanimidade – na letra do art. 222º-F, 2, do CIRE.↩︎

4. V. ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, ob. cit., pág. 400.↩︎

5. No caso, esta interpretação tem manifesto acolhimento na factualidade apresentada pelas partes (v. supra, ponto 3. do Relatório): a credora, aqui Recorrente, no requerimento de 29/5/2023, deixou consigando que “manifestou o seu sentido de voto, desfavorável, à aprovação da proposta de Acordo de Pagamento apresentada pelos Devedores, junto do Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório” (ponto 24.); os devedores, em resposta, referem que a credora em causa “se manifestou contra a aprovação, durante o período de negociações, como, bem antes deste requerimento, em 25-05-2023, já tinha apresentado, junto do Administrador Judicial Provisório[,] o seu voto contra” (ponto 9).↩︎

6. V., convergente e neste sentido, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, ob. cit., págs. 406, 407 (e nt. 52), 409 (e nt. 57).↩︎

7. Que assim dita, sujeito a adaptação:

«O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.»↩︎